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Sar Naquista
“Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo.”
-Apocalipse 3:20
O Martinismo é muitas vezes diferenciado de outros caminhos esotéricos ao explicar a si mesmo como uma “Via Cardíaca”. Mas o que isso significa?
Via Cardiaca, significa Caminho do Coração, mas é algo muito longe de um mero sentimentalismo. Embora o coração seja considerado hoje como símbolo das emoções e dos afetos, muitas tradições e civilizações sempre ensinaram que o Coração é a sede da nossa Alma, nossa Inteligência e Vontade.
Essa simbolismo está presente em muitos povos, como entre os egípcios que ensinavam que o Coração era a pesado no tribunal de Maat e seu peso correspondia a toda uma vida humana. Da mesma formas os antigos hebreus ensinavam que no coração não apenas se alegrava ou se entristecia, mas era a cede da sabedoria e do julgamento:
Inclina o meu coração aos teus testemunhos, e não à cobiça.
– Salmos 119:36
Entendei, ó simples, a prudência; e vós, insensatos, entendei de coração.
– Provérbios 8:5
O meu escudo é de Deus, que salva os retos de coração.
– Salmos 7:10
Também os Upanishades, partes importantes das Sagradas Escrituras Hindus, ensinam no Shvetashvatara Upanishad (4.20) que Deus reside no coração:
“Sua forma de beleza é imperceptível aos sentidos mundanos. Ninguém O pode ver com olhos materiais. Somente aqueles que concebem, através da profunda meditação de um coração puro, essa Personalidade Suprema, que reside no coração de todos, podem obter a libertação”.
Milênios depois da filosofia perene continua e o Irfã, o misticismo islâmico ensinam que o Coração é a dimensão mais interna do ser humano onde se encontrar Allah. Num famoso hadit Deus disse por meio de Mohammad que:
“Nem minha terra ou meu céu podem me conter, mas o coração do meu servo fiel me contém.”
Para o cristianismo esotérico o Coração também ocupa um lugar de destaque. No século IV, a prática espiritual do Hesicasmo surgiu entre os Monges do Deserto baseado na instrução de Cristo no Evangelho de Mateus de “entra no teu quarto e, fechada a porta, ora a teu Pai que está em secreto”. Estas práticas foram posteriormente reunidas no clássico Filocalia (“amor ao belo, ao bom”) onde se ensinava entre outras coisas que o coração é um orgão que não pertence nem ao corpo, nem a alma, nem ao espirito, mas que se localiza num nível superior e integra a totalidade do ser.
No século VII Isaque de Nínive, bispo e teólogo ainda ensinava que o coração era o “sentido dos sentidos” e “a fonte do ser.” e ainda no século XVII o o padre e mistico alemão Angelus Silesius considerava o coração o único “templo capaz de conter Deus em sua totalidade”
Portanto o martinismo não está sozinho em sua Via Cardíaca, mas a concebe de sua própria maneira. Para entendê-la será necessário rever alguns ensinamentos martinistas indicados a seguir. Primeiramente vimos no artigo O Bem, o Mal e de Volta Outra Vez que a Criação Universal foi feita para ser o Templo que permitira os Espíritos prevaricadores perceberem seu erro e se purificarem e se reintegrarem livremente a Divindade. No artigo Adão segundo o Martinismo, vimos com detalhes como o Ser Humano foi emanado para guiar esses Espíritos, mas também como desobedeceu a Deus, provocando sua própria Queda e obtendo assim sua a natureza tripla de sua forma encarnada. Vimos também como estes espíritos prevaricadores foram aprisionados e contidos pelo Eixo ‘Fogo Central incriado’ no artigo Simbolismo Martinista dos dias da Criação. Estes artigos acima citados são em seu conjunto uma ótima introdução aos ensinamentos martinistas, e em particular ao que Martines de Pasqually detalha em seu “Tratado da Reintegração”, caso não os tenha lido ainda, interrompa essa leitura e volte aqui depois.
Um ponto fundamental é que ao contrário dos seres humanos, muitos outros espíritos prevaricadores não possuem corpos físicos e portanto não podem intervir diretamente no mundo material. Oras, se o Mundo Terrestre foi criado para que possamos evoluir como então seres incorpóreos poderão tomar consciência de seu erro e se aproximarem de Deus novamente?
Louis-Claude de Saint-Martin nos ensina que é justamente utiliando o coração do ser humano. Em “O Homem de Desejo” ele explica da seguinte forma essa verdade ao mesmo tempo fascinante e terrível:
“Coração do homem, tu és a única abertura por onde o rio da mentira e da morte entra diariamente na Terra. Tu és a Única passagem por onde a serpente venenosa ergue sua cabeça ambiciosa, e por onde seus olhos conseguem desfrutar um pouco da luz elementar; pois sua prisão esta bem abaixo da nossa”.
Aprisionados dentro do Eixo ‘Fogo Central incriado’ mas sem corpos, é apenas pelo coração do ser humano que estes seres prevaricadores podem se expressar na Criação. Portanto é apenas por ele que as forças do mal ou do arrependimento podem se manifestar. O Coração Humano é assim o intermediário universal entre o bem e o mal. De fato, a doutrina Martinista ensina que o mal só existe no mundo a medida em que permite que este aja através de si em seus pensamentos, escolhas, ações e omissões.
Estas são as chaves dos céus mencionadas e Mateus 16,19
“E Eu vos darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligardes na terra será ligado no céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu.”
A responsabilidade do Ser Humano portanto continua imensa mesmo depois da Queda. Cabe a nós fechar o coração para as forças destrutivas da maldade e abri-lo para as forças construtivas do amor. É assim que cooperamos com a nossa própria reintegração como a de todos os espíritos prevaricadores.
Em “O Novo Homem”, Louis-Claude de Saint-Martin nos dá uma perspectiva mais esperançosa desta tarefa ao dizer que é o coração é também o canal pelo qual fazemos circular a Luz Divina no Mundo Terrestre. Não precisamos estar sós nisso, Deus deseja habitar nosso coração e apenas espera que lhe dêmos livre acesso a ele.
Assim dizemos que existe “duas portas” dentro do coração humano. Uma delas se abre para o mundo das trevas e dá vazão a espíritos perturbados. A outra porta se abre para a Luz Divina de onde emana o esplendor e a glória de Deus. Quando abrimos a porta inferior, damos acesso a este mundo a uma legião de espíritos rebeldes e prevaricadores e com eles cometemos atrocidades e desvios do qual não podemos nos eximir uma vez que fomos nós os responsáveis por sua passagem. Por outro lado quando abrimos a porta superior, damos abertura a espíritos que juntos de nós podem colaborar ao mesmo tempo com a deles e com a nossa Reintegração, principalmente na figura do que se convencionou chamar de Anjo da Guarda, do qual falaremos em mais detalhes em um artigo futuro.
Após a Queda, o ser humano deixou de ser um ser “Pensante”, no sentido de receber continuamente e diretamente o Pensamento Divino e passou a ser meramente pensativo e por isso jamais poderá encontrar no labirinto de seu próprio intelecto nem a compreensão última do universo nem a sua própria razão de ser.
Louis-Claude de Saint-Martin assim diz em “Meu Livro Verde”:
“A cabeça devia ser regulada pelo coração e só devia servir para elevá-lo. Hoje, a cabeça do ser humano reina sobre seu coração, enquanto que é ao coração que o centro devia pertencer… O amor é superior a ciência, uma vez que a ciência é apenas a chama do amor, e que a chama é inferior aquilo que ilumina”
É justamente devido a esse rompimento entre a cabeça e o coração que o ser humano comete tantos erros em sua vida. A correta religação entre ambos é essencial para que possamos nos unir a Deus. Assim, a Via Cardíaca Martinista pode ser definida como privilegiar o Coração, abrindo a porta Superior que faz dele o santuário da Luz Divina, o Santo dos Santos de nosso Templo Interior.
Embora isso seja algo simples de entender, não deixa de ser difícil de executar e que constitui de qualquer maneira a principal razão da nossa existência terrestre. É necessária portanto uma preparação pois por nossa falta de vigilância na maioria dos casos deixamos aberta a porta inferior e todas as más influências que facilmente dominam nosso intelecto escoam para dentro do Mundo. Para corrigir isso devemos retomar posse de nosso Coração, fechando a porta do engano e escolhendo ativamente os pensamentos que correspondam ao Bem.
É isso que a tradição esotérica Cristã chama de “Vigília do Coração”, uma postura mística de estar sempre atento a nossos pensamentos, desejos e atos. Todas as práticas espirituais, seja pelo estudo os ensinamentos esotéricos, orações ou mesmo o Silêncio Interior são auxiliares nesta Via Cardíaca que nos permite não apenas uma vida mais feliz e harmoniosa, mas principalmente cumprir nossa missão espiritual sobre a Terra.
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