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Sar Naquista
“E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. Uma é a glória do sol, e outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela”
– I Corintios 15, 40-41
A tradiçãoa martinista ensina que antes de possuir um corpo físico, o Ser Humano original possuía um corpo glorioso quando ainda ocupava o Centro da Criação Universal. Foi apenas devido a sua prevaricação que precisou ser revestido com um envoltório de carne, e assim passou a ser um espírito encarnado.
A maior parte da criação não foi realizada diretamente por Deus, mas sim por Espíritos que executavam a missão por Ele determinada. Assim, ele ordena “Que haja luz” ou “Ajuntem-se as águas Gênesis” e em seguida a luz existe e as águas se ajuntam. Mas com relação a criação do Ser Humano a narrativa bíblia muda, pois Deus diz:
“Façamos o homem a nossa imagem, como nossa semelhança.” Gênese 1: 26).
Sabemos que Deus não é corpóreo, portanto não é do corpo humano que se trata esta semelhança, mas como vimos em um artigo anterior da sua qualidade espiritual. Martines de Pasqually ensina que a expressão “a imagem de Deus” significa que, uma vez que Divindade é de essência Quartenária, assim também é o Ser Humano e que a expressão “semelhança de Deus” diz que assim como Deus, nós também possuímos as Três Potências Divinas: Pensamento, Vontade e a Ação.
O homem tinha essas diferentes atributos no momento de sua emanação, e se pode perguntar 0 que resta deles hoje junto ao homem. Apesar de seu exilio no mundo temporal, ele é sempre “a imagem de Deus”, mas esta agora oculta-se no ponto mais profundo dele mesmo. Com relação “a semelhança”, ele apenas consenlou a vontade e a ação, pois, ao cair na matéria, separou-se do Pensamento Divino.
A questão que se levanta é: Como foi possível a união entre dois elementos tão diferentes, a matéria e o espírito? Para o martinismo isso é feito por meio de um intermediário, que é a alma. Isso nos é ensinado pelos elementos quando vemos que é uma mesma Terra pode haver um Lago e uma Fogueira, da mesma forma o ser humano é corpo, alma e espírito, ou em termos alquímicos, o Enxofre, o Mercúrio e o Sal.
Esta composição tripla do ser humano foi ensinada em muitas outras culturas. O Livro dos Mortos Egípcio, já no século XV a.C ensinava que o ser humano é composto de uma Alma (Ba), um Corpo Psíquico (Ka) e um Corpo Físico (Khat). Este mesmo ensinamento pode ser encontrado entre os hebreus que distinguem o ser humano em uma Sopro Divino (Ruach), uma Alma (Nephesh) e uma Força Espiritual (Neschama). Da mesma forma a Escola Pitagórica falava de uma Alma Divina, uma Alma Animal e um Corpo Espiritual e os Druidas ensinavam sobre um Corpo Espiritual (Spered), um Corpo Anímico (Ene) e um Corpo Físico (Korf.)
Não foi diferente na Ásia. Os aforismos Sankhya deixados por Kapilam, um importante sábio védico do século VII a.C. ensina que o ser humano é composto por um Eu Verdadeiro (Atman Purusha), uma Faculdade de Determinação (Budhi) e um Corpo Grosseiro (Tanmétras). Ainda na Índia, o Bhagavad Gita, épico que se estima ter sido escrito no século II a.C distingue o ser humano em uma Essência Pura (Sattva), um Principio de Paixão (Rajas) e um Princípio de obscuridade (Tamas).
O Cristianismo original concordou com esta filosofia perene e isso pode ser visto, por exemplo nas cartas paulinas (grifo nosso):
Que o próprio Deus da paz vos santifique integralmente. Que todo o vosso espírito, alma e corpo sejam mantidos irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. (I Tessalonicenses 5,23)
ou
“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração.” (Hebreus 4:12 )
Ou mesmo no mandamento mais importante do cristianismo:
E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. ( Mateus 22,37)
Voltando a tradição alquímica foi Paracelso, no século XV relacionou os três princípios (Enxofre, Mercúrio, e Sal) aos três corpos do ser humano. O Sal ao Corpo Físico, o Mercúrio ao Corpo Astral e o Mercúrio ao Corpo Espiritual. Um século depois Robert Fluud propôs que a a cabeça era a sede da Alma Intelectual; o tronco a sede da Alma Vital; e a barrida a sede da Alma Sensorial.
A popularização e massificação do cristianismo fez com que este esquema triplo sofresse uma simplificação e hoje em dia é muito mais comum que se fale do ser humano como uma dualidade, ou seja composto apenas de Corpo e Alma e muitas pessoas acreditam que Alma e Espírito sejam sinônimos. Os martinistas entretanto, em sua qualidade de cristão esotéricos, perpetuam o ensinamento e tem muito bem definido o que as palavras Corpo, Mente e Alma significam dentro de sua tradição.
Embora existam diferenças sutis entre os vários esquemas triplos das diferentes tradições que vimos mais acima neste texto e devamos ter cuidado a não igualar os diferentes conceitos apressadamente, podemos dizer que o Martinismo é o continuador da tradição ocidental greco-romana:
Latin | Grego | Alquimia | |
Corpo | Corpus | Soma | Sal (Água) |
Alma | Anima | Psyche | Mercúrio (Terra) |
Espírito | Spiritus | Pneuma | Enxofre (Fogo) |
Papus usou a analogia da Carruagem, do Cavalo, da Carruagem e do Cocheiro para explicar as diferentes realidades que compõem o ser humano encarnado. A Carruagem é o Corpo Físico, que dá estrutura a tudo, o Cavalo é a Alma, que move o conjunto e o Cocheiro o Espírito que dirige (ou deveria dirigir) o trio. Para que não haja dúvidas sobre o que cada termo realmente significa vejamos agora separadamente o que cada parte do Ser Humano significa dentro dos ensinamento martinistas.
Corpo: Nosso suporte físico que constitui nosso ser material cuja sede está localizado no abdômen de onde extraímos os elementos do alimento pela digestão para nossa própria constituição. É pelo Corpo Físico que agimos no Mundo, portanto o Corpo está ligado a Ação. Na tradição Martinista ensinamos que o Corpo Físico corresponde ao Mundo Terrestre e está impossibilitado de sair dele por sua própria natureza, como diz o relato de Gênese “Com o suor do seu rosto
você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado;
porque você é pó, e ao pó voltará”(Gen 3,19)
Alma: Nossa natureza psíquica, chamada pelos esotéricos de “Corpo Astral” ou mais modernamente de “Períspirito”. É a Alma que dá vida ao nosso ser. Sua sede fica no nosso tórax pois há uma ligação entre nossa força vital e nosso sistema circulatório por meio dos pulmões e do coração. Papus dizia que a alma “deseja, maravilha-se, ama ou detesta” e concordando com ele dizermos que a Alma está ligada ao atributo da Volição humana, nossa Vontade. Na tradição Martinista ensinamos ainda que a Alma corresponde ao Mundo Celeste e lá foi criada por seres angelicais, vindo dai a crença dos anjos da guarda.
Espírito: Nossa natureza espiritual e Divina. O Espírito é o principio mais imaterial de nossa constituição pois foi emanado diretamente de Deus. É a única parte do ser humano que pode ser considerada pura, imutável e eterna. Sua sede está em nossa cabeça pois é o centro de nosso sistema nervoso. É por meio do Espírito que temos uma Consciência e assim o Espírito está ligado ao Pensamento. Na tradição Martinista dizemos ainda que o Espírito corresponde a Imensidade Supra Celeste para onde foi emancipado após ter sido emanado na Imensidão Divina.
Para uma explicação melhor sobre o Mundo Terrestre, Celeste e Supra Celeste, confira o artigo Simbolismo Martinista dos Dias da Criação
Todo estudante espiritual deve saber que esse conhecimento sobre a tripla natureza do ser humano é muito mais do que mera filosofia e tem uma aplicação prática imediata. Se o Corpo não for cuidado a doença e a morte se instalarão rapidamente e nenhum progresso espiritual poderá ser feito. Se a Alma não for controlada ela sujeitará a pessoa a todo tipo de paixões e transformará as necessidades do corpo em vícios e obsessões que já distraíram incontáveis almas do seu desenvolvimento espiritual. Apenas quando as funções destes dois forem suficientemente compreendidas e dominadas o Espírito poderá dirigir o Ser. É necessário a todo místico “Mens sana in corpore sano (“uma mente sã num corpo são”) para que possa transcender os automatismos e leis do destino cego.
Mas assim como o Corpo e a Alma devem ser limpos e exercitados também o Espírito possui praticas espirituais de pureza e fortalecimento como as preces, devoção e a contemplação das realidades mais elevadas. Quando as três partes do nosso ser são cuidadas atingimos a harmonia perfeita e esta é a chave para a verdadeira felicidade.
Na verdade há uma semelhança muito maior entre a Alma e o Corpo do que entre a Alma e o Espírito. Corpo e Alma se influenciam mutuamente o tempo todo. Aquilo que atinge nosso veículo material sempre reverbera em nosso veículo astral e vice versa. Aqui, ensina Paracelso está a origem para muitas doenças que aparemente não tem razões físicas de ser. O mesmo entretanto não ocorre com nosso Espírito que, criado por Deus, é eterno e imutável como Deus e portanto não está condicionado nem ao corpo nem a alma. Nosso corpo e alma são ferramentas, veículos ou se quiser, roupas que vestimos e que mudam o tempo todo e se transformam em ciclos intermináveis de vida e morte, mas nosso Espírito é quem realmente somos e sempre seremos.
Quando estivermos reconciliados com Deus, nosso espírito substituirá o Corpo Físico e a Alma pelo Corpo de Glória que nos foi originalmente dado e que ao contrário destes não é afetado por nada senão por nosso Espírito e não o limita mas responde perfeitamente a ele. Assim já ensinava Efrém da Síria, prolífico compositor cristão do século IV em Hinos do Paraíso (IX.20):
“”Quando o fim chegar, a alma irá se revestir com a beleza do espírito, o espírito se revestirá com a Majestade Divina e o corpo será elevado ao nível da alma, a alma, ao nível do espírito e o espírito, à altura da Majestade divina”
Assim o maior erro que um ser humano pode cometer em vida é confundir sua própria natureza imutável com o seu corpo físico ou com as particularidades do corpo astral que carrega naquela encarnação. Paulo de Tarso diz algo muito parecido com isso em I Coríntios 2:14-16:
Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo.
Em outras palavras, toda pessoa que ignora sua verdadeira natureza está se iludindo. Isso é fácil de ver entre os materialistas que acreditam que o Corpo Físico é a única realidade que compõem o ser humano, mas este erro está presente também em todos aqueles que se enganam ao considerar sua alma como sua verdadeira natureza. Tudo que muda, que se transforma, que cresce ou degenera, que agora é de uma forma e depois de outra não corresponde a nossa verdadeira natureza. Qualquer coisa que morra, não é você.
Alimente sua alma com mais:
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