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Robson Belli e Tamosauskas
Uma das cartas do tarô mais difíceis de explicar o significado para o vulgo é o arcano 15, a carta do Diabo. A razão é simples: as pessoas não estão acostumadas a lidar com a própria sombra. A visão que a maioria tem do controverso cramunhão é o resultado de milênios de negação, projeção, recusa ao chamado e poeira para debaixo do tapete. Para a maior parte da população, o demônio é simplesmente a personificação do mal. Mas todo ocultista uma hora deve se perguntar: o que realmente é o diabo? Ou melhor, o que é realmente o mal? Ele existe?
E se o diabo for algo fundamental ao homem no seu processo de desenvolvimento espiritual? E se ele for uma das mais importantes ferramentas de Deus, para que nós possamos evoluir a partir dele? Afinal, não foi o diabo quem criou o mal; foi o próprio Deus todo-poderoso. O diabo apenas cuida para que ele seja executado, e o faz com maestria por vezes. Então, voltemos à questão: o que é realmente o diabo? Ou melhor, o que é realmente o mal?
Se você é um bom seguidor de uma religião institucionalizada, o mal será se afastar do dogma e da lista de obrigações morais sancionadas pelas autoridades religiosas em vigor. No entanto, você ainda está lendo, então este não é o seu caso. Para nós da igreja invisível, o Mal e o Diabo são rótulos. É um clichê popular dizer que rótulos são coisas ruins, mas qualquer pessoa que já deixou de abrir um pote de sorvete na geladeira com a infelicidade de encontrar feijão sabe bem que rótulos podem ser muito úteis.
Deus faz suas maldades e às vezes até as admite, como em Isaías 45:7: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.”
Mas, a verdade mesmo é que a religião está sempre buscando um bode expiatório, pois todo religioso odeia que você diga que o Deus deles é mau! Afinal, a culpa é do diabo, não é? Mesmo que na bíblia ele só apareça em algumas poucas passagens, onde faz um papel de um coadjuvante bem mequetrefe, onde é o Deus todo poderoso que mata (Gn 6-9), que diz que é um só (Dt 6:4) mas depois fala que é plural (Dt 10:17) (escolha o nome que você dá a isso se é hipocrisia ou apenas mentira mesmo), manda matar e passar o fio da espada até mesmo os animais do local.
Vamos nos dedicar um pouco a entender estas etiquetas controversas. Para isso, tomaremos emprestados alguns conceitos da cabala. Lembre-se, todos os elementos desta história são simbólicos e metafóricos; não são entidades reais e concretas com uma essência real. Todos, com exceção do Diabo, pois como veremos ele foi inventado no céu.
O Meu chapéu tem três pontas
Tudo começa na cobertura celestial, onde, lá no último andar, estávamos deitados no sofá, simplesmente sendo. Tudo tão tranquilo e monótono e bem-aventurado. Nada passando da televisão. Nada para fazer. Nenhum trabalho a executar. Então imaginamos um Diabo na figura de Satã. Satã arranca nosso chapéu “Yod” e o joga pela janela. Olhamos para o Diabo com aquela cara de “lá vamos nós novamente”. Olhamos então para a sacada e a sacada olha de volta para nós. Satã então nos estimula a fazer algo a respeito e vestidos apenas com nosso He Vah Ve nos dirigimos às escadas. Em cada andar, Satã se apresenta como um vizinho diferente e ao passar por suas portas, ele nos pede, rouba, encanta, desafia ou trapaceia para que deixemos com ele alguma outra parte de nossa vestimenta. Enquanto descemos, deixamos um pouco de nós mesmos em cada andar em uma espécie de involução, de modo que quando chegamos no térreo, nos descobrimos botando ovos, cobertos de escamas, pelos, dentes e feromônios. Passamos então muito tempo no térreo até nos identificarmos totalmente com a matéria e sabe-se lá quantas eras passamos achando que éramos parte do próprio asfalto.
Mas em um dado momento, após uma série de encarnações, adquirimos novamente uma estrutura mental apropriada e – quem diria – encontramos nosso chapéu. Estamos prontos para começar o processo de “voltar para casa”. Com o chapéu ainda nas mãos, o Diabo reaparece. Ele nos parabeniza pela descoberta e dá sua última cartada. Não mais como Satã, mas agora Chorozon, ele nos convida a retornar para a cobertura pelo elevador. Se você o fizer, chegará à cobertura como um macaco com o chapéu de Deus. Não! Quem desceu de escada deve subir de escada e no caminho recuperar cada elemento de suas vestes reais.
Quando colocamos o chapéu de volta na cabeça e nos dirigimos para a escada, Chorozon vai embora e o Diabo toma agora a forma de Lúcifer, o portador da luz. Ele nos mostra a direção de volta para a cobertura enquanto contamos a eles todas as aventuras que vivemos. Enquanto estivermos com o chapéu, ele nos respeitará e até nos obedecerá. Não por quem nós somos ou pelo que conquistamos, mas pelo que o chapéu representa. A tentação agora não é a da matéria, nem a do ego, é a tentação da luz. A tentação de assumirmos que já somos aquilo que poderemos ser.
No nosso caminho de volta como Lúcifer, o Diabo nos ajudará a nos livrar de todos os maus hábitos que adquirimos enquanto éramos asfalto, limoeiros e porcos do mato. Ele vai arrancar o capim de nossas bocas e nos afastar do chiqueiro. É claro, nós não vamos gostar. Apenas ao subir andar por andar, vamos perceber que ele nunca foi nosso inimigo. Estava apenas nos ajudando a nos lembrar de quem realmente somos.
Esta história divertida não foi inventada por mim. Ela é bem antiga e meu é só a maneira de contar. Ela tem muito a ensinar sobre o que chamamos de mal. Enquanto não estamos com o chapéu na cabeça, o mal é qualquer coisa que atrase nossa descida ou que nos faça subir. Mas ao colocarmos o chapéu, o mal é tudo aquilo que nos impede de seguir o caminho de volta. Da mesma forma, na primeira parte, tudo o que faz nos identificarmos com a matéria é bom, pois nos aproxima do chapéu. Na segunda parte, tudo o que nos afasta da matéria é bom, pois estamos voltando para casa.
Tarô e Astrologia
Podemos agora voltar ao Arcano 15. Agora será possível entender como uma mesma carta pode representar a prisão nos impulsos e o crescimento e expansão do ser. O Diabo é sempre um agente de evolução e, dependendo do sentido de sua jornada, ele agirá de uma forma diferente. Por isso, a carta pode significar tanto a identificação com o ego e com a matéria, quanto o trabalho de burilamento e lapidação que nos permite ir além dessas amarras.
Vemos isso também na astrologia, nos chamados “planetas malignos”, como Marte e Saturno. Ambos nos oferecem perspectivas fascinantes quando explorados além das interpretações superficiais. Marte, associado ao conflito e à guerra, é um catalisador para a coragem, determinação e autoafirmação. Da mesma forma, Saturno, frequentemente relacionado à morte e restrições, pode ser interpretado de maneira enriquecedora, associado à disciplina e estrutura. Eles só serão realmente malignos se, no meio da jornada, você tirar o chapéu e encará-los apenas como um macaco.
Além da dualidade
Em todos os casos, o Diabo está apenas fazendo o seu trabalho de nos tirar do sofá. Como disse Crowley, “O homem mais perverso do mundo” em suas Confissões: “Imagine ouvir Beethoven com a certeza de que Dó é uma nota boa e Fá uma nota ruim; no entanto, este é exatamente o ponto de vista a partir do qual todos os não iniciados contemplam o universo. Obviamente, eles sentem falta da música.”
Só com isso já dá para entender porque não se pode falar muito sobre se uma pessoa, situação ou local é maligno ou não. A sociedade muitas vezes fortalece suas normas ao marginalizar aqueles rotulados como “maus”, mas, ao fazê-lo, não sabemos em que parte da história a pessoa, situação ou local está. Às vezes, a melhor coisa que uma pessoa pode fazer para encontrar seu chapéu é chafurdar na lama.
Por isso, sempre falo aos meus alunos de magia salomônica: o trabalho com demônios é fundamental ao magista, pois é verdadeiramente onde seremos testados. Então, se você é ocultista, saiba que o diabo tem seu valor e lugar como servo desse mesmo Deus aí que você adora! Afinal, como é que o sábio Lao Tsé disse no segundo texto do Tao Teh King: “Só temos consciência do Belo quando conhecemos o feio. Só temos consciência do bom quando conhecemos o mau. O grande e o pequeno são complementares. O alto e o baixo formam um todo. O tom e o som se harmonizam. O antes e o depois seguem-se um ao outro. O passado e o futuro geram o tempo. O longo e o curto se delimitam. O ser e o não ser geram-se mutuamente. O sábio executa sua tarefa sem agir. O sábio tudo realiza – e nada considera seu. O sábio tudo faz e não se apega à sua obra.”
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