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Paulo Jacobina
(O Nada – parte 2)
parte 1, parte 3
Compreender o Vazio aparentemente costuma ser uma das questões mais complexas para uma mente desatenta. Muitos o pensam como sendo a ausência de tudo e que se encontra localizado em um estado/condição/tempo diferente daquele em que as pessoas estão. Imaginam-no como uma abstração distante e, portanto, não fazendo parte da vida.
Contudo, tal percepção se revela equivocada.
Ao observar um lugar, normalmente a mente humana volta a sua atenção para os objetos que nele se encontram. Observa atentamente cada coisa, a distingue das demais, cataloga de acordo com o seu acervo prévio de experiências. Poucos são aqueles que percebem o vazio que permeia e interpenetra a todas essas coisas. Às vezes, quando itens são retirados ou rearranjados, tem-se um vislumbre do vazio. Ele sempre esteve lá, mas poucos são aqueles que o notaram, pois “o ser puro está atrás de toda manifestação, e não é por ela absorvido, sendo antes a causa de sua emanação ou manifestação. Tal como nos expressamos em nossas obras, assim se expressa Kether na manifestação”[1]. Assim, para perceber o Vazio, torna-se necessário modificar o padrão de como as coisas são vistas.
Kether é a forma mais intensa da existência, ser puro, não-limitado por forma ou reação; mas essa existência pertence a um tipo diverso daquele a que estamos acostumados, aparecendo-nos, portanto, como não-existência, porque não combina com nenhum dos requisitos que a nosso ver determinam a existência.[2]
Ao mudar a compreensão do Universo, passasse a compreender que o Vazio não é um estado de ausência de coisas, mas de plenitude. O conceito que lhe dá nome, na verdade, está associado à dissolução da ilusória separatividade percebida em decorrência da “ação de ver o eu por intermédio de fatores limitadores da ignorância”[3]. Tais fatores se encontram condicionados às percepções dos sentidos, que exercem constantes estímulos subjetivos à mente, nublando-a para a Realidade.
Nesse sentido, a própria ideia de um “eu” pessoal, embora funcional e necessária em muitos aspectos da existência, por fim, acaba por se revelar ilusória. Apenas mais uma separatividade decorrente do apego/identificação com o mecanismo de observação e experimentação da existência que deve ser dissolvida. Em correntes do chamado hinduísmo, entende-se que “o nível mais elevado de conhecimento de brahman envolve o apagamento de todas as distinções entre o sujeito cognoscente e todos os objetos conhecidos no estado de identidade absoluta”[4].
A compreensão do Vazio como uma espécie de existência-negativa em relação a existência-positiva observada pelos sentidos, também pode ser encontrada na Física. Ao se estudar o Universo e constatar o seu movimento de expansão decorrente do período inflacionário do Big Bang, verificou-se que tanto a energia, quanto a pressão do “espaço vazio” no Universo são negativas.
A versão mais simples do nada é o chamado espaço vazio. (…) o espaço vazio pode ter uma energia diferente de zero associada a ele, mesmo na ausência de matéria ou radiação. A relatividade geral prova que o espaço se expandirá de forma exponencial, mesmo que as menores regiões em tempos remotos possam englobar rapidamente um tamanho maior o suficiente para conter o Universo visível inteiro atualmente. (…) a região que um dia englobará o Universo ficará cada vez mais plana[5] mesmo que a energia contida no espaço vazio cresça conforme o Universo. (…) [Isso] é possível porque a “pressão” gravitacional associada à energia no espaço vazio é, na verdade, negativa. A “pressão negativa” implica que, à medida que o Universo se expande, a expansão despeja energia dentro do espaço, e não o contrário.[6] (grifos no original e enxerto nosso)
Essa energia “negativa” do espaço vazio é o que comumente chama-se de energia escura[7], e ela corresponde à 68,3% de toda a energia contida no Universo, sendo o restante atribuído a matéria escura (26,8%) e a matéria/energia “ordinária” (4,9%), sendo essa última a passível de ser observada pelos sentidos[8]. Outrossim, regiões no espaço que são ocupadas pela energia escura recebem o nome de vácuo. Contudo, é importante diferenciar esse vácuo daquele que comumente é entendido pela maioria das pessoas. Para elas, a expressão “vácuo” significa uma região espacial desprovida de ar e, por isso, na Física, esse vácuo costuma ser denominado como “vácuo parcial”, enquanto, o ocupado pela energia escura/negativa recebe o nome de “vácuo quântico”.
O vácuo quântico recebe esse nome pelo fato de que nele ainda existem os campos quânticos. Campos são coisas que existem por todo o espaço-tempo e estão em constante oscilação[9]. Quando um trecho desse campo alcança uma amplitude alta, ele se revela como uma partícula, isto é, como algo que existe em um ponto[10]. No vácuo quântico, os campos continuam apresentando flutuações, mesmo que não alcancem amplitudes altas o suficiente para revelarem partículas. Em suma, mesmo o Vácuo Quântico não é desprovido de tudo, apenas de matéria e energia clara.
Outrossim, ao se observar os átomos, verifica-se que a maior parte do seu volume corresponde a espaço vazio e não das partículas de matéria “clara”, como prótons, nêutrons e elétrons. Tomando um átomo de hidrogênio por exemplo, verifica-se que o próton e o elétron que o compõe, correspondem a 0,0000000000004% do seu volume, enquanto o restante, isto é, 99,9999999999996%, é composto por espaço vazio[11]. Porém, novamente, esse vazio não é, de fato, desprovido de coisas. Pelo contrário, ele contém tanto o campo do elétron, quanto energia escura/negativa[12], ou seja, o vácuo quântico.
Como no vácuo quântico existem os campos quânticos, esses se encontram em constante flutuação e, quando alcançam amplitudes altas o suficiente, criam partículas virtuais. Em decorrência do princípio da conservação de energia, as partículas virtuais se apresentam em pares que contém cargas opostas e se encontram emaranhadas. Assim, em função da flutuação quântica, se um elétron vier a surgir, também deverá aparecer um pósitron, isto é, um elétron com carga positiva, também chamado de antielétron[13].
Importante destacar que, da mesma maneira com que as partículas virtuais aparecem, elas rapidamente desaparecem[14]. Esse processo ocorre de duas formas.
A primeira, em função da própria flutuação quântica e do eletromagnetismo, que faz com que elas venham a colidir entre si, uma vez que possuem carga elétrica opostas. Assim, por exemplo, um elétron e um pósitron virtuais vão se atrair e se anularem mutuamente, liberando energia no processo, no geral, na forma de fótons de radiação gama[15].
Enquanto a segunda forma ocorre quando uma das partes colide com uma partícula “real” de carga oposta, como um pósitron (virtual) se chocando com um elétron (real) que não aquele que que não o seu par (virtual) originário. Nesse caso, a colisão também fará com que as partículas envolvidas desapareçam e energia seja liberada. Contudo, a partícula virtual restante, uma vez que não pode mais ser anulada pelo seu par, deixa de ser virtual e se torna real, “assumindo o lugar” da partícula real que foi anulada, mas em outro ponto do espaço[16].
Para um observador externo que esteja acompanhando o segundo caso, o elétron, outrora visível, desaparece de onde se encontrava e parece “saltar” para outro lugar no espaço em um fenômeno que, popularmente, costuma ser chamado de “salto quântico”. Tal nomenclatura é aplicada apenas quando esse fenômeno ocorre dentro de um átomo, ou seja, quando um elétron deixa uma camada de valência mais interna e “aparece” em uma mais externa.
Outrossim, esse segundo caso também pode ocorrer nas proximidades de um buraco negro. Nessa situação, uma das partículas virtuais pode ser atraída para “dentro” do buraco negro, enquanto a outra parece estar sendo emitida pelo buraco negro[17], no que, atualmente, se chama de radiação Hawking. Nesse caso, “a energia positiva da radiação emitida seria contrabalanceada por um fluxo de partículas e energia negativa para dentro do buraco negro”[18], fazendo com que ele reduza a sua massa.
Ao compreender esses casos, torna-se possível inferir que os processos de mudança decorrentes do movimento[19], na verdade, são substituições de partículas “reais” por outras oriundas do Vazio. Ou seja, são ilusórias tal qual ensinava o filósofo grego Parmênides (530 – 460 AEC):
Baseava Parmênides sua teoria de uma realidade imutável numa espécie de prova lógica; prova que pode ser apresentada como decorrente de uma única premissa, “aquilo que não é não é”. A partir daí, podemos inferir que o nada – aquilo que não é – não existe; resultado que, na interpretação de Parmênides, significa que o vácuo não existe. Assim, o mundo está cheio: consiste num bloco indiviso, uma vez que qualquer divisão em parte só poderia dever-se à separação das partes pelo vácuo. (…) Nesse mundo pleno, não há espaço para o movimento.[20]
Nesse sentido, é possível se dizer que o movimento observável é, na verdade, ilusório e decorrente de flutuações do Vazio, que, constantemente, substituem partículas “reais” por outras similares. Assim, o Universo, captado pelos sentidos, na verdade, seria uma irradiação do Vazio[21] (Kether)[22], o que inclui aquilo que é chamado de corpo humano.
O próton está sempre cheio dessas partículas virtuais, e, na verdade, quando tentamos estimar quanto elas podem contribuir para sua massa, descobrimos que os quarks fornecem muito pouco da massa total, e que os campos criados por essas partículas contribuem com a maior parte da energia que vai para a energia de repouso do próton e, consequentemente, para a sua massa de repouso. O mesmo acontece com o nêutron, e como você é feito de prótons e nêutrons, para você!
(…) Quando consideramos todas as partículas virtuais possíveis que podem aparecer, o Princípio da Incerteza de Heisenberg (…) implica que partículas cada vez mais carregadas de energia podem aparecer espontaneamente do nada, contanto que desapareçam depois de um intervalo de tempo ainda menor. Em princípio, partículas podem, então, carregar energia quase infinita, contanto que desapareçam em intervalos de tempo infinitamente.[23]
A esse processo cíclico de “surgir” do Vazio, se tornar perceptível e, depois, desaparecer, é representado por algumas filosofias como o AUM. O AUM, a Vibração Cósmica, também é representada pela Trimurti hindu: Brahma, a vibração criadora; Vishnu, a mantenedora, e Shiva, a dissolvente[24].
Todas as coisas são manifestações da Vibração Cósmica. Ao meditar, o yogue percebe primeiro o som de AUM em seu ouvido direito. À medida que vai aprofundando essa experiência, começa a ouvi-lo em todo o corpo, pois o corpo todo vibra com esse som. Assim, sentindo o AUM ao longo do corpo, deixa de se identificar com a autoconsciência concentrada na medula e, aos poucos, vai se expandindo juntamente com o som de AUM até se harmonizar com a criação inteira. Essa etapa é conhecida como samadhi AUM.[25]
O mesmo ensinamento também pode ser encontrado no chamado pensamento judaico-cristão. Ao se ler o versículo 27 de Bereshit[26], encontra-se a seguinte passagem, já traduzida[27]: “D’us (assim) criou o homem com Sua imagem. Na imagem de D’us, Ele o criou, macho e fêmea Ele os criou”[28].
Na passagem da Torá, dentre outras coisas[29], verifica-se que o “Homem”, representando aquilo o que é percebido pelos sentidos, é uma projeção de D’us, que permanece oculto aos sentidos. Essa conclusão é possível ao se constatar que a imagem não é o que ela reflete, mas uma projeção do objeto inicial refletido. Ademais, a expressão hebraica utilizada na Torá para se referir à D’us nesse versículo é Elohim:
A palavra “Elohim” (…) é escrita com as letras hebraicas “Alef Lamed Hê Iod Mem final” (…) Seu valor numérico é: 1+30+5+10+600 = 646 = 16 = 7.
O sete está associado à letra “Záyin”, que representa um elo que une as coisas, como a linhagem familiar (ascendência e descendência). É a flecha do espírito atingindo seu alvo, que é o desenvolvimento construtivo da criação. (…)
A Raiz da palavra, “Alef Lamed”, indica uma força centrífuga que se desenvolve em direção a uma meta esperada. Ela representa a divindade, Deus.
O Envoltório, “Alef Mem”, representa tudo aquilo que é formador, original e feminino, o molde, a mãe original, a matriz universal.
O Núcleo: Externo: “Lamed Iod”, evoca aquilo que liga e agrega as coisas entre si, à imagem da noite, do noturno, e que se dissemina nas Águas (30+10 = 40 = Mem), como movimento eterno de nascimentos e mortes; Interno: “Hê” (o centro oculto) indica a vida universal, o sopro animador da existência governando as manifestações da natureza.[30] (grifos no original)
Apesar de todos esses significados contidos na expressão Elohim, ela não é a Realidade, mas o nome dado a um dos símbolos do sistema representativo de base 2. E o mesmo pode-se dizer sobre Kether, AUM, o vácuo quântico, o Vazio, dentre outros nomes.
Notas:
[1] DEL DEBBIO, Marcelo. Kabbalah Hermética. São Paulo: Daemon, 2016. Pg. 301.
[2] DEL DEBBIO, Marcelo. Kabbalah Hermética. São Paulo: Daemon, 2016. Pg. 301.
[3] STEVENSON, Leslie Forster, HABERMAN, David. Dez teorias da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 84.
[4] STEVENSON, Leslie Forster, HABERMAN, David. Dez teorias da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 84.
[5] Importante esclarecer que o Universo ser plano não significa que ele é achatado como uma folha de papel, posto que essa figura é bidimensional, mas que os raios de luz se propagam em linha reta em todas as três direções espaciais, diferentemente do que ocorreria em um Universo aberto e em um fechado.
[6] KRAUSS, Lawrence M. Um universo que veio do nada. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Pg. 160-161.
[7] KRAUSS, Lawrence M. Um universo que veio do nada. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Pg. 95.
[8] SPARROW, Giles. 50 ideias de astronomia que você precisa conhecer. São Paulo: Planeta, 2018. Pg. 189.
[9] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. Pg. 240.
[10] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. Pg. 240.
[11] https://education.jlab.org/qa/how-much-of-an-atom-is-empty-space.html acessado às 14h52 de 12/11/2021.
[12] https://www.saberatualizado.com.br/2016/08/somos-um-grande-vazio.html acessado às 15h17 de 12/11/2021.
[13] https://www.deviante.com.br/noticias/vacuo-quantico-o-que-ha-no-nada/ acessado às 15h21 de 12/11/2021.
[14] KRAUSS, Lawrence M. Um universo que veio do nada. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Pg. 79.
[15] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. Pg. 137.
[16] KRAUSS, Lawrence M. Um universo que veio do nada. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Pg. 76-83
[17] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. Pg. 137.
[18] HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. Pg. 139.
[19] Vide primeiro tópico, o Movimento, do Capítulo 08 – As diferentes manifestações do Coletivo.
[20] POPPER, Karl. O mundo de Parmênides. Ensaios sobre o iluminismo pré-Socrático. São Paulo: Editora UNESP, 2011. Pg. 14.
[21] Modelo semelhante ao apresentado pelo filósofo egípcio Plotino (205 – 270), que estabelece que o Universo é criado pela irradiação do Uno.
[22] Vide o segundo tópico, o problema (processo) da mudança, do Capítulo 08 – As diferentes manifestações do Coletivo – Volume 2.
[23] KRAUSS, Lawrence M. Um universo que veio do nada. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Pg. 84-85.
[24] KRIYANANDA, Swami. A essência do Bhagavad Gita: explicada por Paramhansa Yogananda. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 2007. Pg. 158.
[25] KRIYANANDA, Swami. A essência do Bhagavad Gita: explicada por Paramhansa Yogananda. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 2007. Pg. 159.
[26] Bereshit é o nome do primeiro livro da Torá, recebendo o nome de Gênese, quando é reproduzida como a primeira parte do Velho Testamento nas bíblias cristãs.
[27] Numa transliteração, o citado versículo seria escrito da seguinte forma: Vayvëra Elohim Et-Haadam Bëtsalëmo Bëtselem Elohim Bara Oto Zakhar Uneqevah Bara Otam
[28] TORÁ, Bereshit 1:27. In A Torá Viva, anotada por Rabino Aryeh Kaplan. São Paulo: Maayanot, 2000. Pg. 4.
[29] Vide segundo tópico, o código da ilusão, do Capítulo 06 – A Ilusão – Volume 1.
[30] PAUL, Patrick. A Cabala. Volume 2: conceitos fundamentais. São Paulo: Polar Editora, 2021. Pg. 19-20.
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