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Papus
Embora não se conhecesse a ortografia correta do nome de Martinez de Pasqually e a profundidade da obra real de Willermoz, antes da publicação das cartas de Pasqually, muito se escreveu sobre Saint-Martin; muitas inexatidões foram publicadas em relação à sua obra.
As críticas, as análises, as suposições e também as calúnias feitas â sua obra baseiam-se tão somente nos livros e nas cartas esotéricas do Filósofo Desconhecido. Sua correspondência de Iniciado, endereçada a seu colega Willermoz, mostra os inúmeros erros cometidos pelos críticos e, em particular, por Matter. É verdade que não se pode obter muita informação com base nos documentos atualmente conhecidos, sobretudo quando não se tem nenhuma luz sobre as chaves que dá o Iluminismo a esse respeito. Antes de publicar essas cartas, esperaremos que novas imprecisões sejam produzidas em relação ao grande realizador Martinista, para destruir de uma só vez todas as ingenuidades e todas as lendas.
Willermoz foi encarregado do agrupamento de elementos Martinistas e de ação na França; Saint-Martin recebeu a missão de criar a iniciação individual e de exercer sua ação tão longe quanto possível. A esse respeito, permitiram-lhe estudar integralmente os ensinamentos do “Agente Desconhecido”. Possuímos nos arquivos da Ordem muitos cadernos copiados e anotados pelo punho de Saint-Martin.
Como dissemos há pouco, o livro Dos Erros e da Verdade originou-se, em grande parte, do Invisível. Por esse motivo, provocou grande emoção no centros iniciáticos desde seu aparecimento, fato que os críticos procuram com muita dificuldade explicar. Esse aspecto, assim como outros, serão esclarecidos quando necessário.
Além dos estudos ligados ao Iluminismo, começados junto a Martinez e desenvolvidos com Willermoz, Louis Claude de Saint-Martin ocupou-se ativamente da Alquimia. Ele possuía em Lyon um laboratório organizado para esse fim. Mas deixemos esses detalhes que pretendemos aprofundar mais tarde; ocupemo-nos tão somente do aspecto de sua obra que nos interessa aqui. Tendo estendido seu raio de ação, Saint-Martin foi obrigado a fazer certas reformas dentro do Martinesismo. Os autores clássicos de Maçonaria deram o nome do grande realizador à sua adaptação e designaram sob o nome de Martinismo o movimento proveniente de Louis Claude de Saint-Martin. É muito divertido ver certos críticos, que nos abstemos de qualificar, esforçarem-se em fazer acreditar que Saint-Martin jamais fundou qualquer ordem. É necessário realmente considerar os leitores bastante mal informados para ousar sustentar ingenuamente tal absurdo.
A Ordem de Saint-Martin foi introduzida na Rússia sob o reino da Grande Catarina, sendo tão difundida ao ponto de ser mencionada em uma peça de teatro encenada na corte. É à Ordem de Saint-Martin que se ligam as iniciações individuais, referidas nas memórias da baronesa de Oberkierch. O autor clássico da Franco-Maçonaria, o positivista Ragon, que não simpatizava com os ritos dos Iluminados, descreve nas páginas 167 e 168 de sua Ortodoxia Maçônica as mudanças operadas por Saint-Martin para constituir o Martinismo(6).
Sabemos que esses críticos não merecem ser levados a sério, principalmente por Saint-Martin ter desprezado a Franco-Maçonaria positivista, fato que nunca perdoaram. O mesmo fez Martinez, que relegou a Maçonaria a seu verdadeiro papel de escola elementar e de centro de instrução simbólica inferior. Em suma, quando desejam negar fatos históricos, ridicularizam.
Aquele que os críticos universitários denominavam “Teósofo de Amboise” foi um realizador bastante prático, sob uma aparência mística. Empregou assim como Weishaupt, (7) a iniciação individual. Foi graças a esse procedimento que a Ordem obteve facilidade de adaptação e de extensão, que muitos ritos maçônicos invejam. Saint-Martin foi não dedicado à difusão da Cavalaria Cristã de Martinez que violentos ataques foram endereçados contra sua obra, sua personalidade e sua vida. Seria necessário um volume inteiro para rebater essas críticas; limitar-nos-emos dentro deste curto estudo a indicar a verdadeira essência do Martinismo da época de Saint-Martin, servindo-nos documentos já impressos (8).
LIGAÇÃO DE SAINT-MARTIN COM OS ENSINAMENTOS DE MARTINES DE PASQUALLY
“Meu primeiro mestre, a quem eu fazia perguntas semelhantes em minha juventude, respondia-me que se aos sessenta anos eu tivesse atingido o termo, não deveria lamentar. Ora, tenho apenas cinqüenta anos!” Procurai ver que as melhores coisas aprendem-se e não se ensinam, e sabereis mais que os doutores.
“Nossa primeira escola tem coisas preciosas. Eu mesmo fui levado a acreditar que Pasqually, de quem me falais (o qual, é necessário vos dizer, era nosso mestre) tinha a chave ativa de tudo aquilo que nosso caro B…(9) expõe em suas teorias, mas não nos considerava aptos para receber verdades tão elevadas. Ele possuía, também os pontos que nosso amigo B… não conheceu ou não quis mostrar, tais como a resipiscência do ser perverso, para a qual o primeiro homem teria sido encarregado de trabalhar; idéia que me parece ainda ser digna do plano universal, mas sobre o qual, entretanto, ainda não tenho nenhuma demonstração positiva, exceto pela inteligência. Quanto à Sofia e ao Rei do mundo, ele nada nos revelou; deixou-nos nas noções elementares do mundo e do demônio. Mas não afirmarei que ele não tenha tido conhecimento de tudo isso; estou persuadido que acabaríamos por chegar a esse conhecimento, se o tivéssemos conservado por mais tempo”.
“Resulta de tudo isso que há um excelente casamento a se fazer entre a doutrina de nossa primeira escola e a de nosso amigo B… É sobre isso que trabalho; confesso-vos francamente que considero os dois esposos tão bem feitos um para o outro que não encontro nada de mais completo: assim, aprendamos deles tudo o que pudermos, eu vos ajudarei da melhor maneira possível”.
A INICIAÇÃO MARTINISTA, SEU CARÁTER
“A única iniciação que prego e que procuro com todo o ardor de minha alma é aquela que nos permite entrar no coração de Deus e fazer entrar o coração de Deus em nós, para aí fazer um casamento indissolúvel, transformando-nos no amigo, irmão e esposa do Divino Reparador. Não existe outro mistério para chegar-se a essa santa iniciação a não ser este: penetrar cada vez mais nas profundezas de nosso ser até aflorar a viva e vivificante raiz; porque, então, todos os frutos que deveremos portar, segundo nossa espécie, irão se produzir naturalmente em nós e fora de nós, como aqueles que vemos nascer em nossas árvores terrestres, porque são aderentes à sua raiz particular e porque não cessam de sugar seu sumo”.
A – FOGO, SOFRIMENTO
“Quando sofremos por nossas próprias obras, falsas e infectas, o fogo é corrosivo e queima; e, entretanto ele deve ser menos do que aquele que serve de fonte a essas obras falsas. Também tenho dito, mais por sentimento do que por luz (no livro O homem de Desejo), que a penitência é mais doce do que o pecado. Quando sofremos pelos outros homens, o fogo é ainda mais vizinho do óleo e da luz; mesmo que ele nos rasgue a alma e nos inunde de lágrimas, não passaremos por essas provas em delas retirar deliciosas consolações e as mais nutritivas substâncias”.
CARÁTER ESSENCIALMENTE CRISTÃO DO MARTINISMO
Os clérigos sempre se esforçaram em conservar só para si a possibilidade de comunicação com o plano Divino. A partir dessa pretensão, todo contato que não vem por seu intermédio atribui-se a Satã ou a outros demônios. Caluniaram ao ponto de pretender que os Martinistas não eram cristãos, não servindo ao Cristo, mas a um demônio qualquer, disfarçado sob esse nome. Eis a resposta de Saint-Martin a essas acusações:
“Acrescento que os elementos mistos foram o meio de que se serviu o Cristo para vir até nós; enquanto devemos quebrar e atravessar esses elementos para chegar até ele; assim, enquanto repousarmos sobre esses elementos, estaremos atrasados”.
“Entretanto, como acredito falar a um homem sensato, calmo e discreto, não esconderei que na escola onde passei há mais de vinte e cinco anos as comunicações de todo o tipo eram numerosas e freqüentes; e eu tive a minha parte como muitos outros. Nesses trabalhos, todos os sinais indicativos do Reparador estavam compreendidos. Ora, não ignorais que o Reparador e a Causa Ativa são a mesma coisa”.
v u v h
“Acredito que a palavra comunicou-se sempre, diretamente e sem intermediário, desde o começo das coisas. Ela falou diretamente a Adão, a seus filhos e sucessores, a Noé, a Abraão, a Moisés, aos Profetas, etc., até o tempo de Jesus Cristo. Ela falou pelo grande nome e queria tanto transmiti-lo, diretamente, que segundo a lei levita o grande sacerdote encerrava-se sozinho no Santo dos Santos para pronunciá-lo; e, segundo algumas tradições, ele possuía campainhas na barra de seu balandrau para ocultar sua voz aos que permaneciam nos recintos vizinhos.
v u a v h
“Quando o Cristo veio, tornou a pronúncia dessa palavra ainda mais central ou mais interior, uma vez que o grande nome que essas quatro letras exprimem é a explosão quaternária ou o sinal crucial de toda vida. Jesus Cristo, transportando do alto o c dos hebreus, ou a letra S, juntou o santo ternário ao grande nome quaternário deve encontrar em nós sua própria fonte nas ordenações antigas, com mais forte razão o nome do Cristo deve também esperar dele, exclusivamente, toda eficácia e toda luz. Também, ele nos disse para nos encerrarmos em nosso quarto quando desejássemos orar; ao passo que, na antiga lei, era absolutamente necessário ir ao Templo de Jerusalém para adorar; e aqui, vos envio os pequenos tratados de vosso amigo sobre a penitência, a santa oração, o verdadeiro abandono, intitulados: Der Weg zu Christ (O caminho de Cristo); (10) ai vereis, passo a passo, que se todos os costumes humanos não desaparecerem, e se é possível que qualquer coisa nos seja transmitida, verdadeiramente, se o espírito não se criar em nós, como criasse eternamente no princípio da natureza universal, onde se encontra permanentemente a imagem de onde adquirimos nossa origem e que serviu de exemplo a Mensebwerdung. Sem dúvida, há uma grande virtude ligada a essa verdadeira pronúncia, tão central quanto oral, deste grande nome e daquele de Jesus Cristo que é como a flor. A vibração de nosso ar elementar é uma coisa bem secundária na operação pela qual esses nomes tornam sensíveis aquilo que não o foi. A virtude deles é de fazer hoje e a todo momento o que fizeram no começo de todas as coisas para lhes dar a origem; e como produziram toda coisa antes que o ar existisse, sem dúvida que ainda estão abaixo do ar, quando desempenham as mesmas funções; não é impossível a esta Divina palavra se fazer escutar mesmo por um surdo e em lugar privado de ar, pois não será difícil à luz espiritual tornar-se sensível a nossos olhos mesmo físicos, pelo menos não ficaríamos cegos e ofuscados no mais tenebroso calabouço. Quando os homens fazem sair as palavras fora de seu verdadeiro lugar, livrando-as por ignorância, imprudência ou impiedade, às regiões exteriores ou à disposição dos homens de torrente, elas conservam sempre, sem dúvida, sua virtude, mas daí retiram muito de si próprias, porque não se acomodam por combinações humanas; também, esses tesouros tão respeitáveis não fizeram outra coisa senão provar a escória, passando pela mão dos homens; sem contar que não cessaram de serem substituídos pelos ingredientes nulos ou perigosos, que, produzindo enormes efeitos, acabaram por encher o mundo inteiro de ídolos, porque ele é o templo do Deus verdadeiro, que é o centro da palavra”.
Ao terminar estas citações, salientemos que a Ordem recebeu de Saint-Martin o pantáculo e o nome místico do Cristo, v u a v h, que ornamenta todos os documentos oficiais do Martinismo.
É necessário a má fé de um clérigo para pretender que esse nome sagrado relaciona-se com outro diferente de Jesus Cristo, o Divino Verbo Criador. Antonini em seu livro Doutrina do mal afirma que o Schim hebraico sataniza todas as palavras onde entra; isso demonstra o seu conhecimento insuficiente de Simbolismo.
O MARTINISMO É CRISTÃO, MAS SEU ESPÍRITO É ANTICLERICAL
“Estão a ignorância e a hipocrisia dos padres entre as causas principais dos males que afligiram a Europa há séculos.
“Não falo da pretendida transmissão da Igreja de Roma, que em minha opinião nada transmite como Igreja, embora alguns de seus membros possam transmitir algo algumas vezes, seja por virtude pessoal, pela fé de seu rebanho ou por vontade particular do bem”.
A PRÁTICA, OS SERES ASTRAIS
Como todo Iluminado, Saint-Martin soube insistir sobre o perigo das comunicações com os seres astrais, como prova a correspondência entre os dois amigos:
“Não poderíamos denominar os três reinos que vossa escola designava “natural, espiritual e Divino”, natural, astral e Divino?
“Todas essas manifestações que vêm após a iniciação, não seriam do reino astral? Uma vez tendo colocado os pés nesse domínio, não se entraria em sociedade com os seres que aí habitam, cuja maior parte, se me for permitido, em assunto dessa natureza, servir-me de uma expressão trivial, é má companhia? Não se entra em contato com seres que podem atormentar, até ao excesso, o operador que vive nessa multidão, ao ponto de suscitar-lhe o desespero e de inspirar-lhe o suicídio, como testemunharam Schoroper e o Conde de Cagliostro! Sem dúvida que terão os iniciados os meios mais ou menos eficazes para se protegerem das visões; mas, em geral, parece-me que essa situação, que está fora da ordem estabelecida pela Providência, pode ter antes conseqüências mais funestas do que favoráveis ao nosso progresso espiritual”.
SAINT-MARTIN E CAGLIOSTRO
A citação acima demonstra a desconfiança que o Iluminismo francês tinha em relação ao enviado dos irmãos Templários da Alemanha. Ninguém melhor do que Saint-Martin para julgar a realidade de certos fatos produzidos por Cagliostro, alguns de influência positiva, outros, que se manifestavam juntos com detestáveis entidades, que não deixavam de apossar-se do espírito e das almas dos assistentes.
A – CAGLIOSTRO
“Apesar da objeção de seu estado moral, descobri que seu mestre operava pela
palavra e que tinha transmitido a seus discípulos o conhecimento para operar da mesma maneira durante sua ausência”.
“Um exemplo marcante desse tipo, que fiquei sabendo há alguns anos, foi o da consagração da loja maçônica egípcia de Lyon em 26 de julho de 1756, segundo seu calculo que me parece errado. Os trabalhos duraram três dias, as orações cinqüenta e quatro horas; havia 27 membros reunidos. Enquanto os membros oravam para o Eterno manifestar sua aprovação através de um sinal visível, estando o mestre no meio de suas cerimônias, o Reparador apareceu, abençoado os membros da assembléia. Ele desceu diante de uma nuvem azul, que servia de veículo a essa aparição; pouco a pouco elevou-se ainda sobre essa nuvem que, desde o momento da descida do céu à terra, tinha adquirido uma aparência tão deslumbradora que uma jovem presente, C., não pôde suportar o esplendor da luz que dele emanava. Os dois grandes profetas e o legislador de Israel deram-lhe sinais de aprovação e de bondade. Quem poderia, com alguma plausibilidade, colocar em dúvida o fervor e a piedade de vinte e sete membros? Entretanto, quem foi o criador da loja e o ordenador, embora ausente das cerimônias? Cagliostro! Essa única palavra é suficiente para fazer ver que o erro e as formas emprestadas podem ser a conseqüência da boa fé e das intenções religiosas de vinte e sete membros reunidos”.
MARTINISMO E MATERIALISMO
A obra perigosa de Cagliostro não foi a única que Saint-Martin procurou combater. Ele também concentrou todos os seus esforços para lutar contra o progresso dos “Filósofos”, que se esforçavam em precipitar a Revolução espalhando por toda a Europa os princípios dos ateísmo e do materialismo. Foram ainda os Templários (11) que manejaram esse movimento perfeitamente organizado, como nos indicam os trechos extraídos de Kirchberger”.
“A incredulidade formou atualmente um clube muito bem organizado. É uma grande árvore que faz sombra em uma parte considerável da Alemanha, que porta muitos maus frutos e que projeta suas raízes até à Suíça. Os adversários da religião cristã têm suas afiliações, seus observadores e sua correspondência muito bem montada; para cada departamento, tem um provincial que dirige os agentes subalternos; têm os principais jornais alemães sob controle, que constituem a leitura favorita do clero, que não gosta mais de estudar; nossos jornais censuram artigos, aos quais dão sua versão e criticam os demais; se um escritor quer combater esse despotismo, enfrentará uma enorme dificuldade para encontrar um editor que queira encarregar-se de seu manuscrito. Eis o método para a parte literária; mas têm muitos outros para consolidar seu poderio e enfraquecer aqueles que sustentam a boa causa”.
“Se há uma vaga de instrução pública qualquer, ou se existe um senhor um senhor com necessidade de um instrutor para seus filhos, eles têm três ou quatro personagens prontos que apresentam-se ao mesmo tempo por canais diferentes; dessa maneira, estão quase sempre certos de vencer. Eis como é freqüentada da Alemanha, e para onde enviamos nossos jovens para estudar”.
“Intrigam também para colocar seus protegidos nos gabinetes dos ministros da corte alemã; têm também seus apadrinhados dentro dos conselhos dos príncipes e em outros lugares”.
“Um segundo método que empregam é aquele de Basilio… a calúnia. Esse método torna-se para eles cada vez mais fácil, na medida em que a maior parte dos eclesiásticos protestantes são, infelizmente, os seus agentes mais zelosos; como essa classe tem mil maneiras de penetração em todos os lugares, podem espalhar os rumores que causam efeito, antes que se tenha tido conhecimento da coisa e tempo de se defender”.
“Essa coalizão monstruosa custou trinta e cinco anos de trabalho a seu chefe, que é um velho homem de letras de Berlim, e, ao mesmo tempo, um dos livreiros mais célebres da Alemanha. Ele redige desde 1765 o primeiro jornal desse país; chama-se Frederic Nicolai. Essa Biblioteca Germânica foi também amparada por seus agentes pelo espírito da Gazeta Literária de Viena, que é muito bem feito e que circula em todos os países onde a língua alemã é falada. Nicolai influencia ainda o jornal de Berlim e o Museu Alemão, dois veículos muito acreditados. A organização política e as sociedades afiliadas foram estabelecidas quando os jornais inocularam suficientemente seu veneno. Eles marcharam lentamente, mas com passo seguro. Atualmente seu progresso é tão assustador e sua influência tão grande, que não existe mais nenhum esforço que possa resistir-lhes; somente a Providência tem o poder de nos libertar dessa peste.
“No início, a marcha dos Nicolaistas foi muito silenciosa; associavam as melhores cabeças da Alemanha á sua Biblioteca Universal; os artigos científicos eram admiráveis; os temas de obras teológicas ocupavam sempre uma parte considerável de cada volume. Esses temas eram compostos com tanta sabedoria, que nossos professores da Suíça os recomendavam em seus discursos públicos a nossos jovens eclesiásticos. Mas, pouco a pouco, eles expeliam seu veneno, embora com bastante cautela. Esse veneno foi reforçado com endereço certo. Mas, por fim, tiraram a máscara e, em dois de seus jornais afiliados, esses celerados ousaram comparar nosso Divino Mestre ao célebre impostor tártaro Dalai Lama (Veja o artigo da Dalai Lama em Moreri). Esses horrores circularam em nossa terra, sem que ninguém em toda Suíça desse o menor sinal de descontentamento. Então, em 1790, escrevi em uma gazeta política, à qual estava anexa uma folha onde se escrevia tudo; despertei a indignação pública contra esses iluminadores, Aufklarer, ou esclarecedores, como se denominavam. Enfatizei sobre a atrocidade e a profunda asneira dessa blasfêmia.
“Neste momento, essa gente faz ainda menos mal por seus escritos do que por suas afiliações, por suas intrigas e por suas infiltrações nos postos; de sorte que a maior parte de nosso clero, na Suíça, é corrompida moralmente até o miolo dos ossos. Faço, por minha parte, tudo o que posso pelo menos para retardar a marcha dessa gente. Algumas vezes obtive sucesso, em outros casos os meus esforços foram impotentes, porque são muito adestrados e porque seu número chama-se legião”.
SAINT-MARTIN E A FRANCO-MAÇONARIA
O Willermosismo apoiava-se na Maçonaria, para o recrutamento de seus quadros inferiores; este não foi o critério do movimento individual de Saint-Martin, que só procurava a qualidade, sem jamais se preocupar com o número; ele sempre teve um desprezo misturado com piedade pelas pequenas intrigas, complôs e pelas mesquinharias das lojas maçônicas.
Certos maçons, para os quais uma pequena faixa representa erudição, acreditavam que Saint-Martin professava por seu mestre e sua obra o mesmo desprendimento que pelas lojas inferiores. Isto é um erro derivado da confusão existente entre o Iluminismo e a Maçonaria. Para demonstrar a que ingênuos erros podem chegar todos aqueles que portam julgamentos sem documentação séria, iremos transcrever abaixo um pequeno extrato da correspondência de Saint-Martin, relativa a esta questão:
“Eu rogo (a nosso Ir \ ) de apresentar e de admitir a demissão de meu cargo na ordem interior, de fazer-me o favor de riscar meu nome de todos os registros e listas maçônicas onde eu possa ter sido inscrito após 1785; minhas ocupações não me permitem seguir doravante essa carreira; não me fatigarei em dar maiores detalhes das razões que me determinam. Ele bem sabe que tirando meu nome de todos os registros nada fará de errado, pois não lhe sirvo para nada; ele sabe, além disso, que meu espírito jamais aí esteve inscrito; ora, na verdade não estamos ligados a não ser formalmente. Ficaremos ligados para sempre, eu o espero, como Cohens e permaneceremos da mesma forma pela Iniciação (12) …”.
Esta citação é instrutiva de diversas maneiras. Inicialmente, mostramos que Saint-Martin só foi inscrito em um registro maçônico em 1785 e que somente em 1790 separou-se desse meio.
Assim como todos os iluminados franceses, recusou-se participar da reunião organizada pelos Filaletes em 15 de fevereiro de 1785.
Não somente os iluminados franceses, mas também Mesmes, delegado de um centro de Iluminismo alemão, e todos os membros do Rito Escocês Filosófico, recusaram participar dessa reunião, onde Cagliostro foi obrigado a provar suas afirmações.
Saint-Martin colocou a Franco-Maçonaria no seu devido lugar e jamais deixou de fazer inúmeras iniciações individuais. Um de seus discípulos, Gilbert, foi mais tarde discípulo de Fabre d’Olivet. Outro de seus discípulos diretos, Chaptal, foi avô de Delaage, de modo que podemos seguir historicamente, na França, os traços da Ordem Martinista sem nenhuma interrupção. Uma das obras do Cavaleiro Arson mostra-nos uma organização de sábios Martinistas em pleno funcionamento em janeiro de 1818, isto é, após a morte de Saint-Martin.(13)
OPINIÕES SOBRE O MARTINISMO
O número de Franco-Maçons Martinistas que se opuseram ao progresso da anarquia excede bastante o número daqueles que a favoreceram. Em 1789, o venerável de uma Loja Martinista de Dauphine, sabendo que salteadores uniram-se a cultivadores enganados por falsas ordens do rei, para pilhar e incendiar as casas de nobres na campanha, enviou, por intermédio do poder civil de que estava investido, todos os reforços possíveis para dar fim a esses estragos. Tentou comunicar aos demais seu zelo pela manutenção do direito de propriedade. Não se limitou em contribuir com as ordens severas que foram dadas contra os incendiários e os ladrões; conduziu pessoalmente a força armada, combateu com ela, mostrando a bravura de suas ações e a pureza de seus princípios. (14)
OPINIÃO DE JOSEPH DE MAISTRE
Durante quarenta anos, pelo menos, Joseph de Maistre esteve entre os Martinistas e outros místicos; penetrou seu espírito, suas teorias e seus projetos. Seu julgamento é, pois, de grande peso. Sem dúvida, ele os censura por odiarem a autoridade, por filiarem-se às opiniões origenistas; (15) mas teria protestado se esses místicos cristãos que conhecia a fundo, tivessem sido algumas vezes satanistas ou luciferianos. É muito deplorável que na França tenham existido laicos e mesmo padres tão ignorantes do caráter do Martinismo para confundir-lhe com a monstruosidade absurda das seitas modernas. (16)
Não se deve confundir os iluminados alemães, discípulos de Weishaupt, niveladores encarniçados, com o “discípulo virtuoso de Saint-Martin, que não professa somente o cristianismo, mas que só trabalha para elevar-se às mais sublimes alturas desta lei Divina”. (17)
Esses homens de desejo pretendem poder elevar-se de grau em grau até aos conhecimentos sublimes dos primeiros cristãos.
BALZAC E OS MARTINISTAS
A curiosa citação a seguir mostra que Balzac teria certamente recebido, em reunião de iniciação, a filiação real da Ordem Martinista.
“A teologia mística abrangia o conjunto das revelações Divinas e a explicação dos mistérios. Esse ramo da antiga teologia permaneceu secreto entre nós. Jacob Boheme, Swedenborg, Martinez de Pasqually, Saint-Martin, Molinos, Senhoras de Guyon, Bourignou e Krudener, a grande seita dos Extáticos, dos Iluminados, em diversas épocas conservaram dignamente as doutrinas desta ciência, cujo objetivo tem qualquer coisa de assustador e de gigantesco”. (18)
UNIÃO DOS MARTINISTAS E DOS ROSA-CRUZES
A tendência desses últimos Rosa-Cruzes é de fundir a teoria cabalística da emanação com as doutrinas do cristianismo, tendência que prepara o caminho à união dos Rosa-Cruzes com os Martinistas e os Iluminados. (19)
notas
10 – BOHEME, Jacob. Le Chemin pour aller a Christ. Rennes, Ed. AWAC Bretagne, 1978.
11 – Esses Templários que, segundo Papus, organizaram um movimento subversivo que culminou com a Revolução Francesa, só tem o nome dos antigos Templários, construtores do Templo Místico de Salomão. Os primeiros originaram-se do Sistema Escocês instituído por Ramsay em 1728, “cuja base era política e cujo ensinamento tendia a fazer de cada irmão um vingador da Ordem do Templo” (Cf. item 2.3, adiante). Os antigos Templários originavam-se da Ordem do Templo, fundada em Jerusalém em 1118 por Hugues Payens e Geoffroi de Saint-Omer e sete Cavaleiros, sob a espada do 67º sucessor de São João, o Evangelista. Exteriormente, tinham como objetivo proteger os peregrinos que se dirigiam ao Santo Sepulcro de Jerusalém; ocultamente, o objetivo era obter a Iluminação, como toda ordem iniciática digna desse nome. (N.T.)
12 – Carta inédita de Saint-Martin a Willermoz, endereçada de Strasbourg, com data de 4 de julho de 1790 (Arquivos do Supremo Conselho da Ordem Martinista, na França).
13 – J.B. Willermoz faleceu em 20 de maio de 1824. (N.T.)
14 – J.J. MOUNIER, Op. Cit.,p. 159.
15 – Partidário da doutrina de Orígenes, nascido na Alexandria no Século II. Apologista que interpretava a Bíblia pelo método alegórico. Sua doutrina foi condenada pela Igreja. (N.T.)
16 – SATURNINUS. Joseph de Maistre e os Martinistas. Revue L’Initiation, vol. 39, nº7.
17 – JOSEPH DE MAISTRE, les Soirées … (XIº Entretien), citado por Saturninus.
18 – BALZAC. Les Proscrits.
19 – KIESWETTER, Carl. Histoire de l’Ordre de la Rose-Croix (Arquivos da Ordem).
Fonte: “Martinésisme, Willermosisme, Martinisme et Franco-Maçonnerie”
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