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O propósito e a função da magia devem agora estar absolutamente claros. Trata-se de uma ciência espiritual. É um sistema técnico de treinamento que tem um objetivo mais divino do que mundano e terrestre. Se alguns observadores casuais pensam que o teurgo se ocupa exclusivamente de coisas objetivas, isso ocorre apenas porque é através delas e dos nôumenos que simbolizam que ele é capaz de alcançar seus fins. O equipamento utilizado pelo mago não é o único recurso empregado por ele e nem o único instrumento para os seus fins, embora o aspecto invisível de suas operações não pudesse jamais ser compreendido pelo profano sem elucidação. Todas as coisas, físicas e mentais, tinham necessariamente que entrar em seu trabalho, e não foi com a finalidade de ludibriar seja a si mesmo seja aos seus adeptos que o mago se cercou com o que pode ser considerado um “aparato de palco” extremamente impressionante de bastões, taças, incensos, perfumes, sinais e símbolos estranhos, sinos e sonoras invocações bárbaras. Foi se referindo aos símbolos e sigillae que Jâmblico escreveu que “…eles (teurgos), imitando a natureza do universo e a energia produtiva dos deuses, exibem certas imagens mediante símbolos de intelecções místicas, ocultas e invisíveis, tal como a natureza… expressa razões invisíveis através de formas invisíveis. …Conseqüentemente, os egípcios, percebendo que todas as naturezas superiores se regozijam com a imitação dos seres inferiores em relação a eles, e assim desejando acumular de bem os seres inferiores através da maior imitação possível das naturezas superiores, muito apropriadamente demonstram um tipo de teologização adaptado à doutrina mística ocultada nos símbolos”. Isso, entretanto, não consegue de modo algum responder adequada e satisfatoriamente à pergunta ordinária, a saber, por que o mago é equipado de tais “adereços” como o manto, o sino e o círculo, todos eles inteiramente incompreensíveis para o indivíduo médio, um tanto inconsistentes e com grande ressaibo de charlatanismo? Esse parecer é, claro está, completamente incorreto. Com efeito, seria tão errôneo e tão injustificável quanto acusar um físico de charlatanice porque em seu laboratório possui diversos microscópios de diferentes capacidades, providos de mecanismos, tubos e lâminas, e porque tem sobre sua escrivaninha um monte de papéis contendo fórmulas físicas e matemáticas incompreensíveis. Estes são apenas meios pelos quais o físico passa a compreender germes, bacilos, organismos microscópicos e assim por diante no estudo do qual se ocupou. Os instrumentos mágicos são, do mesmo modo, os meios – igualmente incompreensíveis para o leigo – pelos quais o mago se capacita a compreender a si mesmo e comungar com as partes invisíveis da natureza, nem por isso menos reais. Já definimos a magia como a ciência que tem como objetivo próprio o treinamento e fortalecimento da vontade e da imaginação. Mais do que qualquer outra coisa, é o pensamento e vontade o que realmente conta na magia, e a hipótese mágica é que seja pelo uso dos instrumentos da arte e os sigillae com os quais o teurgo se cerca em seu trabalho cerimonial que essa ampliação das faculdades criativas é obtida. Éliphas Lévi é muito preciso quanto a esse ponto e observa que “…cerimônias, vestes, perfumes, caracteres e figuras sendo necessários como dissemos para empregar a imaginação na educação da vontade, o sucesso das operações mágicas depende da fiel observância de todo rito”. E também, poder-se-ia acrescentar, da presença e uso preciso de todos os sigillae corretos. Hieráticos, sugestivos e bastante impressivos, o importante acerca desses instrumentos e vestes, sinais e símbolos, é que se trata de símbolos que representam ou uma força oculta inerente ao homem, ou uma essência ou princípio que se obtém como uma força móvel inteligente no universo. Sua intenção primária é promover uma corrente automática de pensamento harmonioso ou um ímpeto irresistível na imaginação que exaltarão o ser do mago na direção disposta pelo caráter da cerimônia e pela natureza individual dos símbolos .
Em síntese, o ritual mágico é um processo mnemônico arranjado de modo a resultar no deliberado regozijo da vontade e na exaltação da imaginação, sendo sua finalidade a purificação da personalidade e o atingimento de um estado espiritual de consciência no qual o ego se une ou com seu próprio eu superior ou com um deus. Esse objetivo único de qualquer cerimônia particular é constantemente indicado por cada ato, palavra e pensamento. Mesmo os sigillae são diferentes para cada cerimônia de sorte a indicar seu propósito único, e um tipo de símbolo é aplicável somente à invocação de uma espécie de essência universal. “Não há nada…”, acreditava Jâmblico “que no mais ínfimo grau esteja adaptado aos deuses para o qual os deuses não estejam imediatamente presentes e com o que não estejam conjugados.” Para o assalto da Cidade Santa todo sentido e toda faculdade são deliberadamente mobilizados e toda a alma individual do operador tem de tomar parte na ação. Cada uma das várias fumigações, cada mínimo detalhe do banimento, invocação e circumpercurso é, de fato, para servir de lembrete do propósito único que exclusivamente existe para o mago, um meio tanto de concentração de seus poderes como de exaltação. Quando símbolo após símbolo afetaram sua consciência, quando emoção após emoção foram despertadas para estimular a imaginação do mago, então advém o supremo momento orgiástico. Todo nervo do corpo, todo canal de força da mente e da alma são estirados num avassalador espasmo de felicidade, um transbordamento estático da vontade e a totalidade do ser na direção predeterminada .
Toda impressão, por meio do método cabalístico de associação de idéias, é tornada o ponto de partida de uma série de pensamentos conectados resultando na suprema idéia da invocação. Quando, durante uma cerimônia, o teurgo permanece no interior de um octágono, os nomes em torno do círculo, as oito velas ardendo vivamente fora, a predominância da cor laranja, a elevação do incenso estoraque numa coluna delgada de névoa a partir do incensório, tudo sugerirá o significado de Mercúrio e Hermes à sua mente. O misticismo de ordinário considera os sentidos como barreiras à luz da alma e que a presença da luz tem sua manifestação impedida devido à influência sedutora e à turbulência dos sentidos e da mente. Na magia, contudo, considera-se que os sentidos, quando controlados, são os portais dourados através dos quais o Rei da Glória pode entrar. Na operação invocatória, todo sentido e toda faculdade têm que participar. “O entendimento precisa ser formulado por sinais e resumido por caracteres ou pentáculos. A vontade tem que ser determinada por palavras e estas por atos. A idéia mágica tem que ser traduzida em luz para os olhos, harmonia para os ouvidos, perfumes para o olfato, sabores para a boca e formas para o tato.” Essa citação de Éliphas Lévi exprime adequadamente de que maneira o homem integral tem que participar dos ritos teúrgicos. Visto que o ritualista egípcio proferia que não há nenhuma parte dele que não seja dos deuses, a utilização dos sentidos e poderes da mente num ritual bem ordenado constitui o método ideal de invocação dos deuses. Toda parte individual do homem, cada sentido e poder precisam ser trazidos à esfera do rito em que tomam parte. É nossa preocupação, normalmente, com as perpétuas exigências independentes do corpo, da mente e das emoções que nos cegam para a presença desse princípio interior, a única realidade da vida interior. Daí um dos requisitos do ritual ser ele ou ocupar plenamente ou tranqüilizar essas porções particulares do ser de alguém, de sorte que a união transcendental com o daimon não sofra interferência. O sistema elaborado de formas de divindade, vibração de nomes divinos, gestos e sinais, assinaturas de espíritos, a preeminência de símbolos geométricos e perfumes penetrantes, além de seu propósito ostensivo de invocar a idéia desejada à manifestação, fornecem esse motivo auxiliar .
Ocupar plenamente a atenção de cada um dos princípios inferiores ou vivificá-los é uma das funções do ritual, deixando a alma livre para ser exaltada e fazer seu caminho voando até o fogo celestial, onde finalmente é consumida por completo para renascer em felicidade e espiritualidade. Num certo sentido, o efeito do ritual e da cerimônia é manter os sentidos e veículos comprometidos cada um com sua tarefa específica, sem distrair a concentração superior do mago. E, ademais, ele os separa ao atribuir uma tarefa definida a cada um. Assim, quando o momento da exaltação chega, quando o casamento místico é consumado, o ego é despido, despojado inteiramente de todos os seus invólucros, deixado livre para virar-se para a direção que lhe aprouver. Ao mesmo tempo, a mais importante função da cerimônia é realizada, tendo sido promovida no coração do operador uma intoxicação tão intensa a ponto de servir como o ponto preliminar para o êxtase da união com o deus ou anjo .
De um outro ponto de vista, o efeito do ritual e do aparato é criar de maneira plena na imaginação do mago através dos canais dos sentidos uma idéia que – em virtude de sua realidade, iluminação e poder supremos quando evocada – tenha sido chamada de deus ou espírito. Essa é a posição subjetiva que, por antecipação, foi esboçada numa página anterior .
“Todos os espíritos e, por assim dizer, as essências de todas as coisas, jazem ocultos em nós e nascem e são gerados somente pela atuação, poder (vontade) e fantasia* (imaginação) do microcosmo**.” Barrett, nessa sentença citada, argumenta que se pode razoavelmente supor que os deuses e as hierarquias de espíritos sejam simplesmente facetas previamente desconhecidas de nossa própria consciência. A sua evocação ou invocação pelo mago não são certamente incomparáveis a um estímulo de alguma parte da mente ou imaginação, resultando em êxtase, inspiração e expansão da consciência. A observação e experiência de teurgos, levadas a cabo num longo período de tempo, mostraram mais ou menos que entre certas palavras, números, gestos, perfumes e formatos que em si não são particularmente significativos, ocorre uma relação natural peculiar .
A imaginação é um agente criador poderoso, e quando estimulada de várias maneiras suas criações assumem uma aparência da mais elevada realidade. Qualquer idéia ou pensamento rudimentar ou latente na imaginação – ou como os teurgos preferem, espírito – pode ser convocada ou criada dentro da consciência individual pelo uso e combinação daquelas coisas que lhe são harmoniosas, expressando fases particulares de sua natureza ou simpatias com sua natureza. Pouco importa se para descrevê-lo empreguemos os arcaísmos dos filósofos medievais, a linguagem de laboratório do psicanalista ou o mundo de sonho e fantasia do poeta .
Podemos chamá-lo de liberação do inconsciente, de restauração do crepúsculo da memória da raça, ou podemos ousar ser suficientemente corajosos para usar a retumbante palavra antiquada “invocação” ou inspiração. As palavras não são nada, o fato é tudo. Tal como as letras “c, ã, o”, que em si mesmas e isoladas umas das outras carecem de qualquer importância em particular, quando combinadas exprimem a idéia de cão, do mesmo modo palavras mágicas, incensos, pentáculos e o estímulo da vontade podem produzir dentro da imaginação uma idéia de grande poder. Na verdade, tão poderosa essa criação pode se revelar que é possível que confira inspiração, iluminação e reaja para grande proveito para a mente humana .
* fantasia, imaginação em grego. (N. T.) ** Magus, de Francis Barrett .
Quero agora considerar os vários acessórios usados. Perfumes e incensos sempre foram utilizados nos ritos mágicos e os antigos taumaturgos fizeram um estudo especial da reação física e moral causada pelos distintos odores. Seu emprego no cerimonial tem tripla finalidade. Em algumas operações por vezes é necessário suprir um veículo ou base materiais ao espírito que se manifesta. Quantidades dos incensos apropriados são queimadas, de modo que a partir das densas partículas que flutuam como uma pesada nuvem esfumaçada na atmosfera uma base ou corpo físicos possam ser construídos pelo espírito evocado para serem usados como veículo temporário. Ademais, perfumes são oferecidos como oferendas aromáticas ou sacrifício ao próprio espírito ou anjo, variando o incenso em função de cada classe de inteligência. Benjoim e sândalo são empregados para espíritos venusianos, flor de noz-moscada e estoraque para os mercurianos, enxofre para os saturnianos, gálbano e canela para as forças solares, e assim por diante. Em terceiro lugar, há o bastante importante efeito intoxicante dos incensos potentes e penetrantes na própria consciência, um incenso em separado sendo indicado para acompanhar a invocação de cada divindade. Existe ainda uma outra interpretação do uso dos incensos. Cada letra do alfabeto hebraico lhe atribuiu um grande número de correspondências, envolvendo espíritos, inteligências, cores, gemas, idéias e os próprios incensos. Tomando-se as letras no nome de um espírito e consultando-se as autoridades adequadas, um composto de incensos poderá ser confeccionado, o qual exprimirá através do sentido do olfato o nome do espírito. Tão-somente a partir desse composto de perfumes poderá o espírito apropriado ser sugerido na imaginação e convocado pelos ritos adequados. Resta pouca dúvida a respeito da sugestão essencial desses perfumes, visto que mesmo para indivíduos comuns alguns incensos são decididamente sedutores e excitantes, como é o caso do almíscar e do patchuli, havendo ainda outros sobremaneira fragrantes e generosos, e outros que possuem efeito sedativo e tranqüilizante .
Quanto ao som, seu poder formativo é mais ou menos bem conhecido e será abordado um pouco mais detalhadamente numa página posterior em conexão com os chamados “nomes bárbaros de evocação”. De momento basta dizer que o som está vinculado à lei da vibração, cujas forças são suficientemente poderosas para desintegrar ou construir novamente qualquer forma para a qual se dirija a vibração. O egiptólogo Sir E. A. Wallis Budge observou que os sacerdotes egípcios conferiam a maior importância às palavras pronunciadas sob certas condições. Na verdade, toda a eficácia das invocações teúrgicas parece ter dependido da maneira e do tom de voz nos quais as palavras eram proferidas. Invocação, diz Jâmblico, “é a chave divina que abre aos homens o santuário dos deuses; nos acostuma aos rios esplêndidos de luz superior; e num curto período os dispõe ao abraço e contato inefáveis dos deuses; e não desiste até que nos erga ao topo de tudo*.” * Os Mistérios, Jâmblico .
O sacramento do sentido do paladar constitui um problema mais complexo. Sua base racional como eucaristia corresponde simplesmente a isso. Uma substância é cerimonialmente consagrada e nomeada segundo um princípio espiritual que mantém com ela uma especial afinidade. Uma hóstia de trigo teria estreita afinidade com Ceres ou Perséfone; o vinho com Baco e Dionísio. Algumas substâncias se harmonizarão mais com inteligências jupiterianas ou mercurianas do que outras. O estudo do alfabeto mágico capacitará o aprendiza certificar-se do que deve ser usado. Assim nomeada, a substância é carregada mediante a invocação daquela presença divina, e sendo consumida se prevê que através da assimilação dos elementos o deus ou a essência divina invocada invariavelmente encarna no ser do mago por meio da substância consagrada. Esta encarnação é uma outra forma da união do teurgo com o deus, união que segundo a definição das autoridades antigas é um dos aspectos mais importantes da magia .
Essa espécie particular de união, se continuada por um certo período de tempo, auxilia a comunhão com as essências divinas, à medida que os veículos se tornam mais refinado e mais altamente sensíveis à presença do deus .
No que concerne ao sentido da visão, será necessário abordar mais minuciosamente os diferentes símbolos usados. Alguns desses símbolos são, naturalmente, comuns a toda cerimônia, enquanto que outros dizem respeito estritamente a uma cerimônia particular. Por exemplo, a espada é uma arma marcial à qual se atribui um papel numa operação devotada à invocação de Hórus e Marte. Numa cerimônia preparada, digamos, para a invocação de Afrodite ou Ísis, a espada nada teria com comum e estaria em total desarmonia com a natureza dessas deusas, de modo que todo o procedimento daria em nada. Um acessório como a rosa, que expressa amor e a declaração da natureza de ser como graça a filha de Deus, seria sumamente apropriado numa cerimônia em que o teurgo deseja desenvolver suas emoções mais elevadas. Mas na operação para invocar a Senhora Maat, a rainha da verdade, a rosa não teria lugar algum .
O principal símbolo comum a toda operação é o círculo mágico. Por definição, essa figura encerra um espaço confinante, uma limitação, separando aquilo que está dentro daquilo que está fora. Pelo uso do círculo, o mago afirma que no interior dessa limitação auto-imposta ele confina seus esforços; que ele se limita à consecução de um fim específico e que não está mais num labirinto de ilusão e mudança perpétua como um viandante cego sem meta, objetivo ou aspiração. O círculo, além de ser, como é evidente, o símbolo do infinito, tipifica também a esfera astral do mago que, num certo sentido, é a consciência individual, seu universo, fora do qual nada pode existir. Nesse sentido, a título de recurso de explicação, a teoria do idealismo subjetivo se mostra novamente conveniente. O círculo no qual o mago está encerrado representa seu cosmos particular; a conquista auto-inaugurada desse universo faz parte do processo de consecução de completa autoconsciência. Já que o cosmos é uma criação do ego transcendental, à medida que um mago amplia o alcance de seu universo, familiarizando-se com sua estrutura e diversidade, muito mais se aproximará ele da auto-realização. De um outro ponto de vista, o círculo pode ser considerado o Ain-Sof e o ponto central do círculo o eu, cuja função é expandir a si mesmo para incluir a circunferência e se tornar, também, o infinito .
Em torno desse círculo são inscritos nomes divinos. Muitos deles serão diferentes em função da natureza de cada cerimônia e é com o poder e influência ingênitos inerentes aos nomes que o mago conta como uma proteção contra os viciosos demônios externos – os pensamentos hostis de seu próprio ego. A menção dos nomes de guarda em torno do círculo levanta a questão do processo de proteção do círculo astral interno, o universo da consciência, e como uma proteção adequada para a esfera astral bem como para o círculo externo pode ser obtida. Não basta para o mago que pinte os nomes divinos na circunferência do círculo sobre o chão de seu templo; isto não passa de uma parte do processo efetivo e um signo visível externo de uma graça espiritual interior. Para que se produza um círculo astral que será tão inexpugnável quanto uma fortaleza de aço da qual o círculo pintado será um digno símbolo, banimentos deverão ser executados durante meses várias vezes por dia. A consagração e invocação implícitas no ritual de banimento devem ser insistentemente realizadas dias após dia, e uma sutil substância espiritual proveniente de planos mais elevados infundida na esfera astral, tornando-a elástica e rutilante com coruscações de luz. Essa aura agudamente resplandecente constitui o círculo mágico real do qual o círculo visível no chão do templo é apenas um símbolo terreno .
Não seria inoportuno tecer mais algumas observações sobre o círculo mágico com o fito de esclarecer a posição real da magia contra o opróbrio lançado por William Q. Judge – um dos fundadores da Sociedade Teosófica com Madame Blavatsky em 1875 – em suas Notas acerca do Bhagavad Gita. William Q. Judge acalenta a ilusão nesse trabalho, como o fazem tantos outros escritores alhures, de que todas as operações mágicas são exclusivamente devotadas à evocação de elementais. Que essa é uma hipótese errônea me esforçarei neste livro para mostrar. Não é em absoluto incogitável, entretanto, que Judge tenha dado essa interpretação com a finalidade de conter os irmãos mais fracos, afastá-los do perigo e da intromissão em coisas que estão além deles. Judge exprime a crença de que o uso do círculo como um dispositivo de proteção para impedir o ingresso de demônios e outras entidades astrais se deve ao medo deles, e ele conclui acertadamente que o medo é o produto da ignorância, que muito corretamente ele deplora. Teoricamente, essas observações são todas excelentes e plausíveis. A ignorância dá origem, de fato, ao medo e se encontra na raiz do fracasso e de uma larga quantidade de problemas. Na vida do dia-a-dia, contudo, censuramos e proibimos o uso da profilaxia cirúrgica e dos dispositivos de desinfecção alegando como razão que eles têm suas raízes no medo da infecção? Devem as calçadas e os passeios serem abolidos e eliminados de nossas ruas porque são eloqüentes lembretes e expressões de nosso pavor com relação aos acidentes automobilísticos? Na realidade, todo o argumento nesse sentido é um absurdo. Num caso ou noutro, ele encerra uma total falta de compreensão da natureza, propósito e função do círculo. Quando se prevê o perigo a partir de qualquer fonte, naturalmente tomam-se medidas que se acha que o evitarão, estando além da questão todas as idéias de medo e ignorância, o que constitui a razão da existência da humanidade sobre a Terra atualmente. Se, por exemplo, estou envolvido numa cerimônia que tem por objeto a invocação de meu Santo Anjo Guardião, deverei eu permanecer satisfeito por ter minha mente, minha alma e a esfera de operação em geral invadida por uma hoste de entidades abjetas, os mais baixos habitantes do plano astral que, sem dúvida, seriam atraídos pelas influências magnéticas que emanam de meu círculo? Agir assim arruinaria todos os meus esforços, condenando de antemão a operação, se executada cerimonialmente, a um fracasso sinistro. E como se não bastasse, a obsessão poderia ser o resultado, estando-se muito distante do propósito original do trabalho. A função do círculo é simplesmente estabelecer um limite espacial dentro do qual o trabalho espiritual possa proceder sem interferências e sem o medo da intrusão de forças demoníacas e estranhas. De qualquer modo, ingressar numa carreira de mago com medo covarde no coração é simplesmente atrair problemas. E há geralmente problemas suficientes ao longo de nossa vida normal sem que tenhamos que assumir o heroísmo de pedir mais .
((ilustr. UM CÍRCULO MÁGICO)) Indicando a natureza do trabalho, dentro do círculo é geralmente inscrita uma outra figura geométrica, como um quadrado, um octágono, uma cruz-tao ou um triângulo. Um figura de cinco pontas denotará uma operação marcial e representa o império da vontade sobre os elementos. Um octágono indicará trabalho cerimonial de uma natureza mercuriana, já que o oito é o número de Hod, a Sephira à qual Mercúrio é atribuído. Erigido no interior dessa figura, como o fundamento de todo o trabalho do mago, o símbolo da vontade inferior, está o altar sobre o qual estão arrumados os instrumentos mágicos a serem empregados. É o centro fundamental do trabalho do mago, o pivô ao qual ele retorna repetidamente depois do circumpercurso. Esse altar deve ser construído de tal maneira que sua forma e tamanho e os próprios materiais de que é construído estejam todos de acordo com os princípios fundamentais da Cabala, servindo assim para lembrar o mago do trabalho em pauta. O cedro, por exemplo, se empregado na construção do altar, produziria uma associação imaginativa com Júpiter, enquanto que o carvalho é uma atribuição de Marte. A madeira do loureiro ou a acácia, ambas atribuídas a Tiphareth, se harmonizariam, entretanto, com qualquer tipo de operação na medida em que Tiphareth e suas correspondências simbolizam harmonia e equilíbrio. Este altar deve ser feito de tal maneira que possa atuar como um armário no interior do qual todos os instrumentos possam ser conservados e guardados com segurança .
Relativamente a esta regra geral, há, contudo, uma exceção. A lâmpada tem sempre que estar suspensa sobre a cabeça do teurgo, não devendo jamais ser mantida dentro do armário do altar. Em todo sistema ela simboliza o brilho não ofuscado do Eu superior, o Santo Anjo Guardião a cujo conhecimento e conversação o teurgo aspira tão ardentemente. Sempre que essa lâmpada estiver brilhando, iluminando o trabalho mágico, a operação manterá o selo imortal da legitimidade e a permanente sanção e aprovação, por assim dizer, do Espírito Santo .
Ademais, o azeite consumido por essa lâmpada é azeite de oliva, sagrado a Minerva, a deusa da sabedoria .
Essas armas, as chamadas armas elementares, são arrumadas no topo do altar antes da operação. Consistem do bastão, da espada ou adaga, da taça e do pantáculo, representando as letras do Tetragrammaton e os quatro elementos dos quais toda a gama de heterogeneidade do cosmos foi constituída. O bastão é atribuído ao elemento fogo; a taça à água, enquanto que a espada é atribuída ao ar, o pantáculo simbolizando a fixidez e a inércia da terra. Não há arma para representação do quinto elemento de coroamento, que é o Espírito ou Akasha, pois esse é invisível e sua cor tátvica é negro ou índigo .
Há uma série de correspondências que podem se revelar interessantes para o mago .
Cada um dos deuses é caracterizado por alguma arma ou símbolo particular que expressa mais clara e perfeitamente do que qualquer outra coisa sua natureza essencial. Assim, quando o mago brande o bastão, deve-se conceber que ele assume para si a autoridade e sabedoria de Tahuti ante o conselho de deuses cósmicos. Com o cetro ele anuncia sua relação com Maat, a Senhora da Verdade e Soberania, enquanto o mangual ou açoite denota sua autoridade e auto-sacrifício associando-o de imediato a Osíris .
O bastão é a vontade , representando a sabedoria e a presença espiritual do eu criador, Chiah, devendo ser reto e poderoso, uma figura digna de sua força divina .
Passiva e receptiva, a taça ou cálice é um símbolo verdadeiro do Neschamah do mago, a intuição e compreensão que estão sempre abertas no aguardo do rocio superior que diariamente desce, de acordo com O livro do esplendor, das regiões mais elevadas para aquele de alma pura. No cerimonial, a taça é utilizada raramente, e nesse caso somente nas invocações mais elevadas para conter as libações. Nas evocações a taça não desempenha papel algum .
A espada é arma branca, dura e afiada, e perfurante como o ar que tudo permeia e penetra, sempre num estado de fluxo e movimento perpétuos. Por esse símbolo entende-se Ruach, ou a mente, a qual, quando sem treino é volátil e se acha num estado de contínuo movimento, sem estabilidade ou fácil concentração. Visto que se trata de um instrumento de corte, usado para análise e dissecação, o banimento da magia cerimonial é sua função primordial, não devendo jamais ser empregada em trabalhos que têm como clímax a invocação do mais elevado .
Arredondado, inerte e construído de cera, um símbolo adequado da terra, plástico e aguardando o cultivo pela inteligência, o pantáculo é um sinal do corpo, o templo do Espírito Santo, na iminência de receber mediante os ritos teúrgicos e telésticos o influxo do espírito divino. Um pantáculo, de acordo com Lévi, é um caractere sintético que resume o dogma mágico total em uma de suas fases especiais. É assim a expressão real de um pensamento completo e ato da vontade; é a assinatura de uma mente .
O triângulo da arte no qual o espírito evocado é conjurado à manifestação visível é, em si mesmo, um símbolo filosófico perfeito de manifestação. Representando as primeiras manifestações cósmicas ou as três Sephiroth maiores dos mundos superiores, o triângulo é a representação ideal da geração, da manifestação em existência coerente tangível daquilo que anteriormente era pensamento, invisível e metafísico. Tal como a primeira tríade representa a primeira manifestação completa do círculo de Ain Sof, do mesmo modo em magia o triângulo é responsável pela chamada à luz do dia dos poderes da escuridão e da noite. “ Há três que dão testemunho sobre a Terra”, e esses três são as pontas do triângulo, limitadas pelos três grandes nomes de Deus. Do círculo da consciência, que é o universo do mago, uma idéia partitiva e especial é convocada à manifestação no interior do triângulo .
O manto usado pelo teurgo representa sua glória interior ocultada. Como no budismo, o manto amarelo usado pelo bhikku simboliza o esplendor dourado de seu corpo solar interior, tornado glorioso por meio do despertar dos poderes superiores, o mesmo ocorrendo com o manto em relação ao mago. A cor deste manto variará dependendo do tipo de operação, vermelha para o trabalho marcial, azul para o trabalho jupiteriano e amarela ou dourada para operações solares. Os outros símbolos empregados em magia poderão agora ser facilmente desenvolvidos pelo leitor .
Com referência ao bastão, embora muitos magos, inclusive Abramelin, aconselhem que deva ser um instrumento razoavelmente longo, Éliphas Lévi observa que não deve exceder o comprimento do braço do operador e ser feito de madeira de amendoeira ou aveleira, uma única fiada do melhor arame de aço atravessando seu centro de extremidade a extremidade .
Alguns magos colocam símbolos no ápice desse báculo. A cabeça da Íbis ocasionalmente empregada se refere a Tahuti, o Senhor da Sabedoria e patrono da magia. Um dos melhores símbolos para um bastão é um forcado trino de ouro que representa a letra hebraica Shin, cuja significação é aquela do Espírito Santo dos deuses. Outro símbolo é o lótus, o qual, encimando o bastão, indica a regeneração e o renascimento que o mago busca realizar. Neste caso, o eixo é pintado de duas cores, a parte inferior de preto e a superior de branco. Bastante similar no que implica ao bastão do lótus é aquele coroado por uma fênix, o símbolo também da regeneração através do fogo. Considerando-se que o bastão seja o símbolo da vontade criadora, sua construção deve ser acompanhada por um distintivo exercício dessa vontade, residindo nesta idéia a base racional de muitas das aparentemente absurdas e artificiais prescrições apresentadas pelos teurgos em conexão com a aquisição de convenientes armas mágicas. De maneira superficial e à primeira vista, pode parecer que o distúrbio relacionado a esses instrumentos seja grosseiro exagero e por demais pueril. Mas se essa opinião for acatada, a idéia subjacente e essencial dessas instruções terá que ser descurada. Se, por exemplo, as orientações de Lévi relativamente ao bastão tiverem que ser seguidas, então esse instrumento deveria ser confeccionado de um galho perfeitamente reto da amendoeira ou aveleira, galho este cortado da árvore sem entalhamento e sem hesitação de um só golpe com uma faca afiada antes do nascer do sol e na estação em que a árvore estiver prestes a florescer. O galho deverá ser submetido a um meticuloso procedimento de preparação, sendo despojado de suas folhas e brotos, a casca removida, as extremidades aparadas cuidadosamente e os nós aplainados .
Seguem-se a isto vários outros procedimentos significativos que podem ser confirmados pela consulta de Dogma e Ritual de Alta Magia. O desenvolvimento da vontade está subjacente a todos esses procedimentos. O mago que se incomodou a ponto de se levantar duas ou três vezes à meia-noite por seu bastão, negando-se repouso e sono, terá, pelo próprio fato de assim ter agido, se beneficiado consideravelmente no que diz respeito à vontade. Num tal exemplo, o bastão realmente será um símbolo dinâmico da vontade criadora, e são estes símbolos e instrumentos que são necessários em magia. “O camponês que cada manhã se levanta às duas ou três horas e caminha para longe de casa para colher um ramo da mesma planta antes do nascer do sol, pode realizar inúmeros prodígios simplesmente portando essa planta consigo, pois ela se tornará tudo que ele quer que ela seja no interesse dos desejos dele*.” * Dogma e ritual de Alta Magia, Éliphas Lévi .
Procedimentos similares aos mencionados acima no exemplo do bastão devem acompanhar a construção das outras armas elementares porquanto elas têm que ser a corporificação visível da própria condição de alma e mente do mago, sem o que não produzem efeito como símbolos taumatúrgicos. Se a mente do mago, por exemplo, não for perspicaz e analítica, e se essa qualidade não contribuir na confecção da espada, como os espíritos elementais e os demônios de face canina obedecerão a suas ordens para saírem do círculo de invocação? O cálice, também, como o símbolo da intuição bem como da imaginação divina, deve, do mesmo modo, ser confeccionado de tal sorte e cercado de tais elevados pensamentos e proezas a ponto de corporificar alguma idéia intuicional, ou ostentando no seu exterior um desenho ou palavra de suprema significação, ou exemplificando pelo formato da taça tãosomente uma idéia divina. Compete a cada leitor decidir de que maneira os outros instrumentos portarão o selo da faculdade ou princípio espiritual que estão destinados a representar .
– – – Visto que ocorre freqüentemente a alusão ao fato de que as duas faculdades principalmente empregadas na magia são a vontade e a imaginação, algumas páginas precisam ser devotadas ao exame dessas, apresentando-se os pareceres de teurgos juntamente com algumas sugestões úteis. Um dos mais elevados poderes de que dispomos, um poder tão maravilhosamente criativo que chega a ser indescritível e inexprimível, é a imaginação. É, postula Jâmblico, “superior à toda a natureza e a geração, através dele sendo nós capazes de nos unirmos aos deuses, de transcender a ordem mundana e de participar da vida eterna e da energia dos deuses supercelestiais. Mediante esse princípio, portanto, somos capazes de liberar a nós mesmos do destino”. E, no entanto, a maioria das pessoas pensa que essa faculdade é idêntica à fantasia e ao devaneio, sendo que qualquer valor definido e consistente que possa possuir é negado. Dificilmente se poderia cometer erro maior. Como a própria palavra indica, trata-se de uma faculdade produtora de imagens, um poder criador de imagens que quando desenvolvido pode se mostrar de máxima importância como auxiliar da alma em sua jornada de avanço. O filósofo cético Hume se refere a ela como uma espécie de faculdade mágica da alma que é sempre perfeita no gênio, sendo propriamente o que chamamos de gênio mesmo. Mesmo o metafísico Immanuel Kant, o inventor da pesada e às vezes rangente maquinaria intelectual a priori, acreditava que se pode falar do entendimento simplesmente como imaginação que atingiu uma consciência de suas próprias atividades. A magia propõe um desenvolvimento acelerado da alma através de uma cultura intensiva na qual a imaginação desempenha um importante papel. É uma caricatura, portanto, e bastante lamentável considerarmos quão pouco é essa faculdade utilizada, e quão raramente a maioria das pessoas a faz atuar no desenrolar da vida cotidiana. E ainda assim, na realidade, sem ela e os aspectos variados de maravilha e novidade que concede a nossas atividades em todo campo de trabalho, a despeito de paralisada e tolhida pelos sentidos e a mente, nada duradouro e efetivo poderia ser feito. Não apenas o poeta, o artista, o músico, o matemático e o inventor testemunham continuamente e cantam a sua grandeza, já que as realizações de todos eles se devem ao seu mistério permanente, como também o magnata dos negócios, o administrador e o chefe de Estado necessitam utilizar essa faculdade se quiserem que o sucesso cruze seus caminhos. Mais da metade do sabor rico e colorido da vida está perdida para o homem sem imaginação, enquanto que aqueles que são suficientemente felizes ou sábios para empregá-la muito ativamente colhem o mais agudo prazer possível ao ser humano .
O melhor exemplo de imaginação criativa é aquele que constantemente desfila eloqüentemente diante de nossos olhos: a brincadeira das crianças. Alguns pedaços de pau e cordão, algumas pedras, um pouco de lama e uma poça d’água suprem o garoto saudável normal de toda a matéria-prima a partir da qual ele construirá em sua própria mente uma inspiradíssima frota de couraçados e belonaves somada a um magnífico porto para eles. A boneca mais disforme é geralmente a favorita e a mais bonita para a garotinha, pois de algum modo o “patinho feio” parece proporcionar mais espaço para a imaginação da criança, enquanto que a boneca ricamente vestida de olhos móveis, cabelos louros e bochechas rosadas realmente destrói o gume penetrante da imaginação ativa e vívida. Observando as crianças brincando percebe-se com quão poucas propriedades elas são capazes de construir todo um drama bem como uma tragédia comovente. E assim uma pessoa consegue ver poesia num repolho ou numa porca com seus filhotes, enquanto outra perceberá nas coisas mais excelsas apenas seu aspecto mais baixo e rirá da harmonia das esferas, e ridicularizará as mais sublimes concepções dos filósofos. A razão de um pintor ser capaz de ver num triste mendigo o tema para uma grande pintura é, de maneira semelhante, atribuível à mesma causa: o mistério da imaginação. Como podemos explicar o mistério desse poder criador individual que, por assim dizer saltando sobre nós, se converte no mestre das imagens e das palavras? Assumindo o controle destas a partir da mente raciocinadora, concede-lhes significados simbólicos e mais profundos até que imagens, idéias e palavras se movem juntas e se reúnem, tornando-se um organismo por meio de algum poder formativo transcendental superior a toda razão. É tão misterioso realmente quanto o crescimento de um organismo na natureza, não menos maravilhoso que a planta que extrai da terra por meio de algum poder oculto as essências que transmuta e que torna subservientes a si mesma .
Nos séculos passados, na árdua investigação intelectual visando a determinar a raiz fundamental da existência, os filósofos se acostumaram a formular como lei que a existência se funda na razão e no pensamento, quer dizer, isso quando não eram monistas materialistas que afirmavam ser a matéria a única realidade. Diversamente, o ponto de vista mágico, como formulado até aqui, é que nem a razão nem o pensamento jazem na raiz das coisas, pois o pensamento é simplesmente um aspecto do próprio cosmos. Trata-se sim de uma essência espiritual inominável que não é a mente mas a causa da mente, não o espírito mas a causa da existência do espírito, não a matéria mas a causa à qual a matéria deve o seu ser. Explicar o abismo intransponível entre a razão e o universo concreto constituiu um exercício severo para a mente filosófica. A principal posição idealista era a de que tal como na lógica a conclusão segue rigorosamente os passos da premissa, do mesmo modo o universo é o produto lógico da razão absoluta e seu desenvolvimento segue a dedução de categorias racionais do pensamento. Recentemente, entretanto, um filósofo chamado Fawcett foi presenteado com um lampejo de supremo gênio no momento em que lhe ocorreu que o processo pelo qual o universo se desenvolveu e veio a ser foi um processo criador imaginativo e que a imaginação, não a razão absoluta ou mesmo uma vontade do instinto sempre impelida precipitadamente à manifestação, era a chave da solução desse desconcertante problema filosófico. Ele define essa imaginação como a matéria-prima na qual todas as faculdades e atividades humanas têm o seu ser. Não desejo registrar aqui minha plena concordância com todas as conclusões de Fawcett, porquanto meus próprios pontos de vista são os da Cabala, expostos com certos detalhes alhures. Mas vale a pena observar que essa sua idéia parece em parte concordante com a dos teurgos. Eles postulavam a ideação como a primeira manifestação, que o universo veio a ser graças às atividades dessa ideação. Contudo, está claro que nenhum pensamento ou razão como o entendemos era sugerida, mas sim uma faculdade criadora mais abstrata ligada de algum modo à imaginação. A razão é para a imaginação o que a matéria é para a forma, o que o instrumento é para o agente, o que o corpo é para o espírito que governa, e o que a sombra é para sua substância reflexiva. É este poder residente no homem que Blavatsky chama de Kriyasakti, definido em A Doutrina Secreta como “o poder misterioso do pensamento que o capacita a produzir resultados fenomênicos externos, perceptíveis por meio da própria energia que lhe é inerente”, e assim sendo parece que estaria também estreitamente vinculado à vontade .
Os rituais e as cerimônias agora considerados simplesmente uma perda de tempo por aqueles que desconhecem como conduzi-los e condenados como incapazes de produzir qualquer efeito real, detinham uma reação sumamente potente quando o simbolismo de cada ação da cerimônia era inteiramente reconhecido e compreendido e quando a imaginação era ampliada e a vontade firmemente concentrada no objetivo a ser realizado. Estando todo o ego humano num estado de excitação teúrgica, o Eu superior ou uma Essência universal descia sobre o ego ou o elevava, o qual se tornava assim um veículo luminoso de um poder suprahumano .
O que chamamos tão casualmente de imaginação no indivíduo comum é, de acordo com os teurgos de todos os tempos, a faculdade inerente à alma de assimilar as imagens e reflexos do astral divino, e Éliphas Lévi sugere que por ela mesma e com o auxílio de seu diáfano ou a imaginação, a alma pode perceber sem a mediação dos órgãos corporais os objetos, quer sejam eles espirituais ou físicos, que existem no universo. Em outras palavras, a imaginação é a visão da alma por meio da qual ela percebe direta e imediatamente idéias e pensamentos de toda espécie. E assim, inclusive, a clarividência é vista como uma extensão do poder da imaginação .
Admitindo, como o fazemos, a afirmação de Lévi de que a vontade e a imaginação são as faculdades criadoras aduzidas para sustentar as forças naturais durante as cerimônias teúrgicas, as seguintes perguntas podem ocorrer ao leitor: “O que fazer se as faculdades de alguém são apenas medianas? O que fazer se existe uma pobreza de criatividade espiritual? Se esses poderes não são particularmente potentes e capazes de formulação mágica, é possível que sejam desenvolvidos e fortalecidos?” A resposta é decididamente afirmativa pois indubitavelmente é possível desenvolvê-los e fortalecê-los. Os sábios da Antigüidade conceberam vários exercícios cuja prática poderia transformar um indivíduo mais ou menos comum num indivíduo criativo e inspirado. Aquele que está espiritualmente morto pode assim refazer-se e remodelar suas energias de maneira a passar a deter uma faculdade extremamente poderosa de criatividade e gênio. Ocupar-me-ei aqui de dois métodos, um predominante entre os hindus e o outro praticado por alguns cristãos, tendo eu delineado e explicado o método egípcio numa página posterior com um outro título. Embora não advogando o catolicismo com seu jesuitismo luminar, devo mencionar a existência de um livro notável, indispensável e valioso para o aprendiz, da autoria de um místico jesuíta, Sto. Inácio de Loyola. Nesse pequeno volume é esboçado um sistema extraordinário de treinamento que se refere especialmente à imaginação; extraordinário, quero dizer, quando seguido por seu próprio mérito e divorciado de todo dogma e da teologia católica. É, está claro, cristão na sua intenção, com símbolos que apelam sectariamente aos católicos. Contudo, mediante um pouco de discernimento, o coração desse método pode facilmente ser separado do resíduo doutrinário dogmático. Foi por meio desse método experimental que Sto. Inácio se tornou o homem de supremo gênio que foi, um homem que conquistou a reputação de ser, conforme o professor William James, um dos mais poderosos engenhos da organização e construção humanas já vistos sobre a face da Terra .
Nesse livro que citamos, Os exercícios espirituais, aconselha seus discípulos a reviver na esfera da imaginação todos os eventos da vida histórica exterior de seu mestre, Jesus Cristo .
Pelo método forçavam suas imaginações a ver, tocar, cheirar e provar aquelas coisas invisíveis e ensaiar aqueles incidentes há longo tempo acontecidos e desvanecidos, os quais eram percebidos através dos sentidos de seu Senhor encarnado. Sto. Inácio deseja que a imaginação seja exaltada até o seu pico. Se você está meditando sobre um artigo de fé, ele o estimularia a construir a localidade claramente e com exatidão diante da visão do olho mental, e observá-la cuidadosa e rigorosamente, a ponto, por assim dizer, de tocá-la. Caso seja o inferno, ele daria a você pedras ardentes para serem manuseadas; ele faz você flutuar numa aterradora escuridão tão espessa quanto piche; ele deposita enxofre líquido sobre sua língua. Suas narinas ficam saturadas de um fedor abominável como o do próprio inferno e ele mostra a você tormentos terríveis, fazendo você escutar gemidos lancinantes. Ele faria você construir a visão do calvário com o Cristo glorificado coroado de espinhos sobre a cruz realizando a redenção da humanidade, inspecionando os céus com olhos doloridos, chamando ao mesmo tempo seu Pai no Céu. Ele faria você encarar o milagre formidável da ressurreição e os prodígios realizados há muito na Palestina – tudo isso Sto. Inácio manda que sua vontade crie em imaginação pelo exercício constante .
Alguns anos atrás, Franz Hartman escreveu a respeito desse mesmo assunto que “os exercícios prescritos por Loyola são calculados para desenvolver os poderes da alma, especialmente a imaginação e a vontade. O discípulo tem que concentrar sua mente nas narrativas da Bíblia do nascimento, sofrimento e morte de Jesus de Nazaré, como se esses fossem fatos históricos reais. O discípulo assim os considera, por assim dizer, como um espectador mental, mas gradualmente trabalhando sobre sua imaginação ele se torna, dir-se-ia, um participante; seus sentimentos e emoções são elevados a um estado de vibrações superiores; ele se torna ele mesmo o ator da peça, vivenciando ele próprio as alegrias e sofrimentos do Cristo, como se fosse o próprio Cristo; e essa identificação com o objeto de sua imaginação pode ser levada a um tal ponto que até mesmo estigmas ou ferimentos que sangram aparecerão em seu próprio corpo” .
Embora o teurgo não precise explorar tal prática a ponto de produzir os efeitos de que fala Hartman, é indiscutível de que se trata de um método infalível para estimular aquela faculdade criativa de que se é deficiente. Perseverança e contínua aplicação seguramente proporcionarão ao aprendiz uma vontade invencível, uma mente capaz de concentração prolongada e, acima de tudo, uma imaginação que constitui a apoteose da criatividade. Se o aprendiznão aprovar a importância religiosa que o santo atribui a esses exercícios – e se revelar uma profunda reprovação pelo dogma e teologia católicos – que use sua própria imaginação para construir seus próprios exercícios que sejam mais favoráveis e adequados ao seu temperamento individual. Que ele pinte para si mesmo a imagem de que está sentado junto a uma vigorosa queda d’água, uma Niágara, e diante de seu olho interior que ele crie uma imagem do rio lá em cima em sua nascente murmurando e perambulando no seu calmo curso. Em seguida que ele conceba a gradual aproximação do precipício, torrentes selvagens de águas ensandecidas, redemoinhando para cá e para lá em cascatas agitadas de espuma esbranquiçada, colidindo contra as rochas, sendo irresistivelmente arremessadas adiante sobre o abismo. Que ele imagine também essas toneladas, milhares de toneladas de água, subindo e descendo impetuosamente sobre o precipício sob o contínuo eco reverberante do trovão .
Conceba, então, o borrifo espalhando-se em todas as direções, a beleza da rebentação cor de neve refratando a luz do sol em arcos-íris iridescentes, repletos de cores e matizes brilhantes. E que ele ouça, e ao ouvir se maravilhe, a voz profunda e trovejante produzida pelo impacto formidando do volume das águas contra as rochas e águas mais abaixo. O aprendiz pode ainda construir em sua imaginação mais coisas familiares: o ruído de um trem veloz, o sabor de chocolate em sua boca, os cheiros de suaves perfumes e fragrantes incensos penetrantes e o contato do carvão incandescente. Não só deve a formulação imaginativa do sentido ser distintiva, ou seja, o sabor de chocolate e não de caramelos doces por exemplo devendo ser claramente imaginado, como também o mago deve treinar-se de modo a suster a imagem ou impressão. Por meio desses estímulos da imaginação, seu poder germinará e crescerá, desenvolvendo-se de modo inconcebível, e com o passar do tempo o mago disporá de um novo poder de construção espiritual .
De maneira semelhante, os hindus prescrevem a meditação visando ao mesmo, tendo como objeto os Tattvas ou os símbolos coloridos dos elementos, dos quais eles sustentam cinco. As combinações desses cinco resultam em trinta elementos e subelementos, cujos símbolos pictóricos produzem objetos notavelmente bons para o exercício da imaginação .
Dispõe-se de um triângulo equilátero vermelho, Tejas; um crescente prateado horizontal, Apas; um círculo azul, Vayu; Prithivi é um quadrado amarelo e Akasha uma forma oval negra. As combinações de dois símbolos quaisquer, como um triângulo vermelho encimando um crescente prateado, ou um pequeno círculo azul colocado no centro de um quadrado amarelo parecem de uma maneira bastante singular se destacarem do fundo negro da visão interior e estimular todos os poderes da imaginação. Mas pouco tempo basta para adquirir eficiência na visualização desses símbolos, de sorte que quando o operador se aproxima das tarefas mais importantes da magia prática, tais como a formulação do corpo de luz ou Mayavi-rupa e a construção imaginativa das máscaras ou formas simbólicas dos deuses, descobrirá que em seu interior há uma força criativa poderosa que o servirá bem. Todo esse treino, incluindo os exercícios de Sto. Inácio e os símbolos dos Tattvas, nunca é em vão e nunca se avizinha da futilidade, visto que tal treino proporciona o fundamento de todo trabalho teúrgico, sem o qual muito pouco de permanente e significativo pode ser concretizado .
Concordamos com as observações do mago francês no que dizem respeito à imaginação, que ela é a maior maga do universo. É a essa faculdade que devemos as criações imortais da poesia, da música e de todas as artes. A Canção e suas Fontes, um dos pouquíssimos trabalhos sensíveis de um poeta que lida com as origens de sua arte, confirma isso, e constitui uma prova salutar das teorias mágicas que concernem à imaginação. A. E. se aproxima bastante da filosofia teúrgica na medida em que supõe que em nossa natureza espiritual exista um ser transcendental que acorda quando dormimos e é conhecido vagamente nos estados dualistas do sonhar, quando a consciência parece dividida, e confere inspiração e luz através do mundo estelar da imaginação. É o cristalino do eu criativo, sendo este aquele poder que opera milagres, curando os enfermos, trazendo socorro aos fracos e geralmente outorgando as revelações do espírito em benefício dos homens .
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