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Os Filtros e as Sortes – Dogma e Ritual da Alta Magia

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JUSTITIA – MYSTERIUM – CANES

Atacamos, agora, o abuso mais criminoso que se pode trazer das ciências mágicas: é a magia, ou antes a feitiçaria envenenadora. Aqui devem compreender que escrevemos, não para ensinar, mas para prevenir.

Se a justiça humana, usando de rigor contra os adeptos, só tivesse atingido os necromantes e feiticeiros envenenadores, é certo, como já o fizemos notar, que os seus rigores teriam sido justos e que as mais severas intimidações nunca podiam ser excessivas contra semelhantes celerados.

Todavia, não se deve crer que o poder de vida e morte que pertence secretamente ao mago sempre tenha sido exercido para satisfazer alguma covarde vingança, ou uma cupidez mais covarde ainda na Idade Média, como no mundo antigo, as associações mágicas muitas vezes fulminaram ou fizeram perecer lentamente os reveladores ou profanadores de mistérios, e, quando o punhal mágico devia abster – se de ferir, quando a efusão de sangue era para temer, a água Toffana, os ramalhetes aromáticos, as túnicas de Nessus e outros instrumentos de morte mais desconhecidos e mais estranhos, serviam para executar, cedo ou tarde, a terrível sentença dos franco – juízes.

Dissemos que existe na magia um grande e indizível arcano, que nunca é comunicado entre os adeptos e que, principalmente, é preciso impedir que os profanos adivinhem; qualquer que outrora revelasse ou fizesse, por imprudentes revelações, os outros acharem a chave deste arcano supremo, era imediatamente condenado à morte e, muitas vezes, forçado a ser o próprio executor da sentença.

O famoso jantar profético célebre de Cazotte, escrito por La Harpe, ainda não foi entendido; e La Harpe, contando – o, cedeu ao desejo tão natural de deixar admirados os seus leitores, amplificando os detalhes. Todos os homens presentes a esse jantar, à exceção de La Harpe, eram iniciados e reveladores, ou ao menos profanadores dos mistérios. Cazotte, mais elevado do que todos eles na escada da iniciação, lhes pronunciou a sua sentença de morte em nome do iluminismo, e esta sentença foi diversamente, mas rigorosamente executada, como outras sentenças semelhantes o tinham sido, vários anos e vários séculos antes, contra o abade de Villars, Urbano Grandier e tantos outros, e os filósofos revolucionários pereceram, como deviam perecer também Cagliostro abandonado nas prisões da inquisição, o bando místico de Catarina Theos, o imprudente Schroepffer, forçado a matar- se no meio dos seus triunfos mágicos e da admiração universal, o desertor Kotzebüe, apunhalado por Carl Sand, e tantos outros, cujos cadáveres são achados sem que se saiba a causa da sua morte súbita e sangrenta.

Lembramo – nos da estranha alocução que dirigiu ao próprio Cazotte, condenando – o à morte, o presidente do tribunal revolucionário, seu confrade e co – iniciado. O enredo do drama de 93 ainda está escondido no santuário mais obscuro das sociedades secretas; aos adeptos de boa fé, que queriam emancipar o povo, outros adeptos, de uma seita oposta, e que estavam ligados a tradições mais antigas, fizeram uma oposição terrível por meios análogos aos dos seus adversários: tornaram impossível a prática do grande arcano, desmascarando a teoria. A multidão nada entendeu, mas desconfiou de todos, e caiu, por falta de ânimo, mais baixo do que estava. O grande arcano ficou mais desconhecido do que nunca: somente os adeptos, neutralizados uns pelos outros, não puderam exercer o seu poder, nem para dominarem os outros, nem para se libertarem a si próprios; eles se condenaram, pois, mutuamente como traidores e votaram uns aos outros ao exílio, ao suicídio, ao punhal e ao cadafalso.

Perguntar -me -ão, talvez, se perigos tão horríveis ameaçam ainda, nos nossos dias, quer o intruso do santuário, quer os reveladores do arcano. Para que hei de responder à incredulidade dos curiosos? Se me exponho a uma morte violenta para os instruir, certamente não me salvarão; se tiverem medo para si mesmos, que se abstenham de investigações imprudente: eis tudo o que lhes posso dizer.

Voltemos à magia envenenadora.

Alexandre Dumas, no seu romance de Monte Cristo , revelou algumas das práticas desta ciência funesta. Não repetiremos, depois dele, as tristes teorias do crime, como se envenenam as plantas, como os animais alimentados com plantas envenenadas adquirem uma carne doentia, e pode, quando servem, por sua vez, de alimento aos homens, lhes causar a morte, sem que o veneno deixe sinal; não diremos como, por unções venenosas, se envenenam as paredes das casas e o ar respirável por fumigações, que exigem do operador o uso da máscara de vidro de Santa Cruz; deixaremos à antiga Canidia os seus abomináveis mistérios, e não procuraremos até que ponto os ritos infernais de Sagana aperfeiçoaram a arte de Locusta. Seja -nos suficiente dizer que estes malfeitores da pior espécie distilavam junto o vírus das doenças contagiosas, o veneno dos répteis e o suco nocivo das plantas; que tiravam do cogumelo o seu humor viscoso e narcótico, do datura stramonium seus princípios asfixiantes, do pessegueiro e do loureiro -amêndoa o veneno de que uma só gota na língua ou no ouvido, como um raio, faz cair e mata o ser vivo mais bem constituído e mais forte. Faziam ferver o suco branco do timalo o leite em que tinham afogado víboras e áspides; colhiam com cuidado e traziam das suas viagens, ou faziam vir, por altos preços, a seiva de uma árvore venenosa das Antilhas e os frutos de Java, o suco da mandioca e de outros venenos; pulverizavam o sílex, misturavam com cinzas impuras a baba seca dos répteis: compunham filtros horrendos com o vírus dos jumentos enraivecidos e as secreções das cadelas com cio. O sangue humano se misturava com drogas infames, e disso compunham um óleo que matava só pelo mau cheiro: isto lembra a torta burbônica de Panurgo. Até escreviam receitas de envenenamentos, disfarçando – as sob os termos técnicos da alquimia, e, em mais de um velho livro considerado hermético, o segredo do pó de projeção não é outro senão o pó de sucessão. No grande Grimório , ainda se acha uma dessas receitas menos disfarçadas do que as outras, mas somente intitulada Meio de fazer ouro : é uma horrível decocção de verdete, vitríolo, arsênico e serragem de madeira, que deve, para ser boa, consumir imediatamente um ramo que nela for molhado e roer rapidamente um prego. João Batista Porta, na sua Magia Natural , dá uma receita do veneno dos Bórgias; mas, como me se pensa, ele zomba do público e não divulga a verdade, muito perigosa em tal matéria. Podemos, pois, dar aqui a receita de Porta, somente para satisfazer a curiosidade dos nossos leitores.

O sapo, por si mesmo, não é venenoso, mas é uma esponja de venenos: é o cogumelo do reino animal. Tomai, pois, um grande sapo, diz Porta, e prendei – o numa garrafa com víboras e áspides; dai – lhes para alimento, durante vários dias, cogumelos venenosos, a digital a cicuta, depois irritai – os, batendo – lhes, queimando – os e atormentando – os de todas as maneiras, até que morram de raiva e de fome; salpicai – os, então, de escuma de cristal pulverizado e eufórbio, depois, pô – los – eis numa redoma bem fechada e fareis secar lentamente toda sua umidade pelo fogo; em seguida, deixareis esfriar e separareis a cinza dos cadáveres do pó incombustível que tiver ficado no fundo da redoma: tereis, então, dois venenos, um líquido e outro em pó. O líquido será tão eficaz, como a água Toffana, o pó fará dessecar ou envelhecer em alguns dias, depois morrer no meio de horríveis sofrimentos, ou uma atonia geral, aquele que dele tiver tomado uma pitada misturada com a sua bebida. É preciso convir que esta receita tem uma fisionomia mágica das mais feias e mais negras, e que lembra, indignando o coração, as abomináveis cozinhas de Canidia e Medéia.

Eram semelhantes pós que os feiticeiros da Idade Média pretendiam receber no Sabbat , e que vendiam a elevado preço à ignorância e ao ódio: é pela tradição de semelhantes mistérios que espalhavam o espanto nos campos e chegavam a lançar sortes. Uma vez ferida a imaginação, uma vez atacado o sistema nervoso, a vítima perecia rapidamente, e até o terror de seus pais e amigos acabava a sua perda. O feiticeiro e a feiticeira eram quase sempre uma espécie de sapo humano, inchado de velhos rancores: eram pobres, repelidos de todos, e, por conseguinte, odiosos. O temor que inspiravam era a sua consolação e vingança; envenenados também por uma sociedade de que só tinham conhecido as escórias e os vícios, envenenavam por sua vez os que eram tão fracos para os temer, e vingavam – se na beleza e na juventude a sua velhice maldita e sua imperdoável fealdade.

Só a operação destas más obras e a realização destes horrendos mistérios constituíam e confirmavam o que então era chamado o pacto com o mau espírito. É certo que o operador devia pertencer ao mal em corpo e alma, e que merecia justamente a reprovação universal e irrevogável expressa pela alegoria do inferno. Que almas humanas tenham descido a este grau de malvadez e demência, isto deve nos espantar e afligir, sem dúvida; mas não é preciso uma profundidade para base da altura das mais sublimes virtudes, e o abismo dos infernos não mostra, por antítese, a elevação e grandeza infinita do céu?

No Norte, onde os instintos são mais reprimidos e mais vivazes; na Itália, onde as paixões são mais expansivas e mais ardentes, ainda são temidas as sortes e o mau olhado; em Nápoles, não é desafiada impunemente a jettatura , e até reconhecemos, por certos sinais exteriores, os seres desgraçadamente dotados desse poder.

Para garantir – se contra isso, é preciso trazer consigo chifres, dizem os práticos, e o povo, que toma tudo ao pé da letra, apressa – se em enfeitar – se com pequenos cornos, sem pensar mais no sentido desta alegoria. Os chifres, atributos de Júpiter, Ammon, Baco e Moisés, são símbolos da força moral ou do entusiasmo; e os magos querem dizer que, para desafiar a jettatura , é preciso dominar por uma grande ousadia, um grande entusiasmo ou um grande pensamento a corrente fatal dos instintos. È assim que quase todas as superstições populares são as interpretações profanas de algum grande axioma ou maravilhoso arcano da sabedoria oculta. Pitágoras, escrevendo os seus admiráveis símbolos, não legou aos sábios uma filosofia perfeita, e ao vulgo uma nova série de vãs observâncias e práticas ridículas? Assim, quando dizia: ”Não pises no que cai da mesa, não cortes as árvores do grande caminho, não mates a serpente que caiu no teu quintal ”, não dava ele, sob alegoria transparentes, os preceitos da caridade, quer social, quer particular? E quando dizia: “Não te olhes no espelho com a luz da vela ”, não é um modo engenhoso de ensinar o verdadeiro conhecimento de si mesmo, que não poderia existir com as luzes factícias e os preconceitos dos sistemas? O mesmo acontece com todos os outros preceitos de Pitágoras, que, como se sabe, foram seguidos ao pé da letra por uma multidão de discípulos imbecis, a ponto de, entre as observâncias supersticiosas das nossas províncias, existir um tão grande número delas, que, evidentemente, remontam à inteligência primitiva dos símbolos de Pitágoras.
Superstição vem de uma palavra latina que significa sobreviver. É o sinal que sobrevive ao pensamento; é o cadáver de uma prática religiosa. A superstição é, para a iniciação, o que a idéia do diabo é para a de Deus. É nesse sentido que o culto das imagens é proibido e que o dogma mais santo na sua concepção primitiva pode tornar- se supersticioso e ímpio, quando se perderam a sua inspiração e o seu espírito. É então que a religião, sempre única como a razão suprema, muda de vestimentas e abandona os antigos ritos à cupidez e embuste dos caídos, metamorfoseados, pela sua malícia e ignorância, em charlatões e pelotiqueiros.

Podemos comparar às superstições os emblemas e caracteres mágicos, cujo sentido não é mais entendido, e que são gravados casualmente nos amuletos e talismãs. As imagens mágicas dos antigos eram pantáculos, isto é, sínteses cabalísticas. A roda de Pitágoras é um pantáculo análogo ao das rodas de Ezequiel, e estas duas figuras são os mesmos segredos e a mesma filosofia; é a chave de todos os pantáculos, e já falamos dela. Os quatro animais, ou antes a esfinge de quatro cabeças do mesmo profeta, são idênticos a um admirável símbolo indiano, cuja figura damos aqui, e que se refere à ciência do grande arcano.

O querubim de quatro cabeças da profecia de Ezequiel, explicado pelo duplo triângulo de Salomão. Em baixo a roda de Ezequiel, chave de todos os pentaculos e o pentáculo de Pitágoras. O querubim de Ezequiel é representado aqui como o profeta descreve. As suas quatro cabeças são o quaternário de Mercavah; as suas seis asas são o senario de Berechit. A figura humana no centro representa a razão; a cabeça de águia, a crença, o boi a resignação e o trabalho ; o leão é a luta e conquista. Este símbolo é análogo ao da esfinge dos egípcios, mas é mais próprio para a Cabala dos Hebreus.

 

São João, no seu Apocalipse , copiou e amplificou Ezequiel, e todas as figuras monstruosas deste livro são tantos pantáculos mágicos de que os cabalistas facilmente acham a chave. Mas os cristãos, tendo rejeitado a ciência, no desejo de amplificar a fé, quiseram esconder por mais tempo a origem do seu dogma, e condenaram ao fogo os livros de Cabala e magia. Destruir os originais é dar uma espécie de originalidade as cópias, e São Paulo, sem dúvida, o sabia muito bem, quando, nas intenções louváveis, realizava o seu auto de fé científico de Éfeso. É assim que, seis séculos mais tarde, o crente Omar devia sacrificar à originalidade do Alcorão a biblioteca de Alexandria, e quem sabe, no porvir, um futuro apóstolo não quererá incendiar nossos museus literários e confiscar a imprensa em proveito de alguma predileção religiosa e de alguma lenda novamente acreditada?

 

O estudo dos talismãs e pantáculos é um dos mais curiosos da magia, e se refere à numismática histórica. Existem talismãs indianos, egípcios e gregos, medalhas cabalísticas provindas dos hebreus antigos e modernos, abraxas gnósticos, amuletos bizantinos, moedas ocultas, em uso entre as sociedades secretas e chamadas, às vezes, senhas do Sabbat , medalhas dos Templários e jóias de franco -maçons. Coglienus, no seu Tratado das Maravilhas da Natureza , descreve os talismãs de Salomão e do rabino Chael. As figuras de maior número de outros, e mais antigos, foram gravadas nos calendários mágicos de Tycho -Brahé e Duchenteau, e devem ser reproduzidos, na totalidade ou em parte, nos fastos iniciáticos do Sr. Ragon, vasto e sábio trabalho que recomendamos aos nossos leitores.

 

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