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Eis -nos de novo neste terrível número quinze, que, na clavícula do Tarô, apresenta para símbolo um monstro de pé num altar, trazendo uma mitra e chifres, tendo um seio de mulher e as partes sexuais de um homem, uma quimera, uma esfinge disforme, uma síntese de monstruosidade; e, embaixo desta figura, lemos esta inscrição franca e ingênua: O Diabo .
Sim, tratamos aqui do fantasma de todos os espantos, do dragão de todas as teogonias, do Arimane dos persas, do Tifon dos egípcios, do Píton dos gregos, da antiga serpente dos hebreus, da vouivre , do graouilli , tarasque , da gargouille , da grande besta da Idade Média, pior ainda do que tudo isso, do Baphomet dos templários, do ídolo barbado dos alquimistas, do deus obsceno de Mendes, do bode do Sabbat .
Damos, no frontispício deste Ritual, a figura exata deste terrível imperador da noite, com todos os seus atributos e caracteres.
Digamos, agora, para edificação do vulgo, satisfação do conde de Mirville, justificação do demonômano Bodin e maior glória da Igreja que perseguiu os templários, queimou os magos, excomungou os franco – maçons, etc., etc.; digamos, ousada e altivamente, que todos os iniciados às ciências ocultas (falo dos iniciados inferiores e profanadores do grande arcano) adoraram, adoram ainda e adorarão sempre o que é significado por este espantoso símbolo. Sim, na nossa convicção profunda, os grão -mestres da ordem dos templários adoravam o Baphomet e o faziam adorar pelos seus iniciados; sim, existiram, podem existir ainda as assembléias presididas por esta figura assentada num trono com a sua tocha ardente entre os chifres; somente que os adoradores deste emblema não pensam, como nós, que seja a representação do diabo, mas sim a do Deus Pan, o deus das nossas escolas de filosofia moderna, o deus dos teurgistas da escola de Alexandria e dos místicos neo – platônicos dos nossos dias, o deus de Lamartine e Vitor Cousin, o deus de Spinoza e Platão, o deus das escolas gnósticas primitivas; o próprio Cristo do sacerdócio dissidente; e esta última qualificação dada ao bode da magia negra não admirará aos que estudam as antiguidades religiosas e que seguiram, nas suas diversas transformações, as fases do simbolismo e do dogma, quer na Índia, quer no Egito ou na Judéia.
O touro, o cão e o bode são os três animais simbólicos da magia hermética na qual se resumem todas as tradições do Egito e da Índia. O touro representa a terra ou o sal dos filósofos; o cão é Hermanubis, o Mercúrio dos sábios, o fluido,
o ar e a água; o bode representa o fogo, e é, ao mesmo tempo, o símbolo da geração.
Na Judéia, eram consagrados dois bodes, um puro, outro impuro. O puro era sacrificado em expiação dos pecados; o outro, carregado por imprecação destes mesmos pecados, era enviado em liberdade ao deserto. Coisa estranha, mas de um simbolismo profundo! A reconciliação pelo devotamento e a expiação pela liberdade! Ora, todos os padres que se ocuparam do simbolismo judeu reconheceram no bode imolado a figura daquele que tomou, dizem eles, a própria forma do pecado. Logo, os gnósticos não estavam fora das tradições simbólicas quando davam ao Cristo libertador a figura mística do bode.
Com efeito, toda a Cabala e toda a magia se partilham entre o culto do bode sacrificado e o do bode emissário. Há, pois, a magia do santuário e a do deserto, a Igreja branca e a Igreja negra, o sacerdócio das assembléias públicas e o sanhedrim do Sabbat .
O bode, que é representado no nosso frontispício, traz na fronte o signo do pentagrama, com a ponta para cima, o que é suficiente para fazer dele um símbolo da luz; faz com as mãos o sinal do ocultismo, e mostra em cima a lua branca de Chesed, e embaixo a lua preta de Geburah. Este sinal exprime o perfeito acordo da misericórdia com a justiça. Um dos seus braços é feminino, o outro é masculino, como no andrógino de Khunrath, cujos atributos tivemos de reunir aos do nosso bode, pois é um único e mesmo símbolo. O facho da inteligência que brilha entre os seus chifres é a luz mágica do equilíbrio universal; é também a figura da alma elevada acima da matéria, embora esteja presa à própria matéria, como a chama está presa ao facho. A cabeça horrenda do animal exprime o horror do pecado, de que só o agente material, único responsável, deve para sempre sofrer a pena: porque a alma é impassível por sua própria natureza, e só chega a sofrer, materializando – se. O caduceu, que está em lugar do órgão gerador, representa a vida eterna; o ventre coberto de escamas é a água; o círculo que está em cima é a atmosfera; as penas que vêm depois são o emblema volátil; depois, a humanidade é representada pelos dois seios e os braços andróginos desta esfinge das ciências ocultas.
Eis dissipadas as trevas do santuário infernal, eis a esfinge dos terrores da Idade Média adivinhada e precipitada do seu trono; quomodo cecidisti, Lúcifer! O terrível Baphomet não é mais, como todos os ídolos monstruosos, enigmas da ciência antiga e dos seus sonhos, senão um hieróglifo inocente e até piedoso. Como adorava o homem o animal, sabendo que exerce sobre ele um soberano império? Digamos, para honra da humanidade, que ela nunca adorou cães e bodes nem tampouco cordeiros e pombas. Em matéria de hieróglifo, por que não um bode tão bem como um cordeiro? Nas pedras sagradas dos cristãos gnósticos da seita de Basilides, vemos representações do Cristo sob as diversas figuras dos animais da Cabala: ora é um touro, ora um leão, ora uma serpente com a cabeça de leão ou de touro; em toda parte, traz, ao mesmo tempo, os atributos da luz, como o nosso bode, que o seu signo do pentagrama impede de tomar por uma das imagens fabulosas de Satã.
Digamos bem alto, para combater os restos de maniqueísmo que ainda se revelam, todos os dias, nos nossos cristãos, que Satã, como personalidade superior e como potência, não existe. Satã é a personificação de todos os erros, perversidades e, por conseguinte, também de todas as fraquezas. Se Deus pode ser definido aquele que existe necessariamente, não se poderá definir seu antagonista e inimigo aquele que necessariamente não existe?
A afirmação absoluta do bem implica a negação absoluta do mal; por isso, na luz a própria sombra é luminosa. É assim que os espíritos transviados são bons por tudo o que têm de entidade e de verdade. Não há sombras sem reflexos, nem noites sem lua, sem fosforescências e sem estrelas. Se o inferno é uma justiça, é um bem. Ninguém jamais blasfemou contra Deus. As injúrias e zombarias dirigidas às suas imagens desfiguradas não o atingem.
Acabamos de mencionar o maniqueísmo, e é por esta monstruosa heresia que explicaremos as aberrações da magia negra. O dogma de Zoroastro, mal entendido, a lei mágica das duas forças que constituem o equilíbrio universal, fizeram imaginar a alguns espíritos ilógicos uma divindade negativa, subordinada, mas hostil à divindade ativa. É assim que se formou o binário impuro. Tiveram a loucura de dividir Deus; a estrela de Salomão foi separada em dois triângulos e os maniqueus imaginaram uma trindade da noite.
Este Deus mau, nascido da imaginação dos sectários, tornou – se o inspirador de todas as loucuras e de todos os crimes. Ofereceram – lhe sangrentos sacrifícios; a idolatria monstruosa substituiu a verdadeira religião; a magia negra fez caluniar a alta e luminosa magia dos verdadeiros adeptos, e houve nas cavernas e lugares desertos horríveis conventículos de feiticeiros, vampiros e estriges: porque a demência logo se muda em frenesi e dos sacrifícios humanos à antropofagia há somente um passo.
Os mistérios do Sabbat foram contados de diversos modos, mas sempre figuram nos engrimanços e processos de magia. Podemos dividir todas as revelações que foram feitas a este respeito em três séries:
1 ª) as que se referem a um Sabbat fantástico e imaginário;
2ª) as que trazem os segredos das assembléias ocultas dos verdadeiros adeptos;
3 ª) as revelações de assembléias loucas e criminosas, tendo por objeto as práticas da magia negra.
Para um grande número de infelizes, dados a loucas e abomináveis práticas, o Sabbat era simplesmente um longo pesadelo, cujos sonhos lhes pareciam realidades e que obtinham por meio de beberagens, fumigações, e fricções narcóticas. Porta, que já apontamos como mistificador, dá, na sua Magia Natural, a pretensa receita do ungüento das feiticeiras, por meio do qual se fazem transportar ao Sabbat . Ele o compõe de gordura de criança, de acônito fervido com folhas de álamos e algumas outras drogas; depois quer que se misture a fuligem de chaminé, o que deve fazer pouco atrativa a nudez das feiticeiras que vão ao Sabbat untadas com esta pomada. Eis uma receita mais séria, dada igualmente por Porta, e que transcrevemos em latim para lhe deixar todo o seu caráter de engrimanço:
Recipe: suim acorum vulgare, pentaphyllon, verspertillionis, sanguinem solanum somniferum e oleum, – tudo fervido e incorporado conjuntamente até à consistência de ungüento.
Pensamos que as composições opiáceas, a medula de cânhamo verde, o datura stramonium, o loureiro – amêndoa, entrariam com não menos sucesso em semelhantes composições. A gordura ou o sangue das aves noturnas, juntos com estes narcóticos, com cerimônia de magia negra, podem ferir a imaginação e determinar a direção dos sonhos. É a Sabbats sonhados desta maneira que é preciso relacionar as histórias de bodes que saem de um cântaro e aí entram depois da cerimônia de pós – infernais recolhidos do traseiro do mesmo bode, chamado mestre Leonardo, de festins em que se comem abortos são cozidos sem sal, com serpentes e sapos, de danças em que figuram animais monstruosos ou homens e mulheres de formas impossíveis, de depravações desenfreadas em que os íncubos dão um esperma frio. Só o pesadelo pode produzir semelhantes coisas e só ele pode explicá – las. O infeliz cura Gaufridy e a sua penitente depravada, Madalena de la Palud, ficaram loucos de tais sonhos, e se comprometeram para os sustentar até a fogueira. É preciso ler, no seu processo, os depoimentos destes pobres doentes para entender até que aberrações podem exaltar uma imaginação ferida. Mas o Sabbat não foi sempre um sonho, e existiu realmente; até ainda existem as assembléias secretas e noturnas em que foram e são praticados os ritos do mundo antigo, e destas assembléias umas têm um caráter religioso e um fim social, outras são conjurações e orgias. É sob este duplo ponto de vista que vamos considerar e descrever o verdadeiro Sabbat , quer seja o da magia luminosa, quer o da magia das trevas.
Quando o cristianismo proscreveu o exercício público dos antigos cultos, obrigou os partidários das religiões a se reunirem em segredo para a celebração dos seus mistérios. A estas reuniões presidiam iniciados que estabeleceram logo, entre os diversos matizes destes cultos perseguidos, uma ortodoxia que a verdade mágica lhes ajudava a estabelecer com tanto mais facilidade, quanto a proscrição reúne as vontades e estreita os laços da fraternidade entre os homens. Assim, os mistérios de Isis, de Ceres Eleusina, de Baco, se reuniram aos da boa deusa e do druidismo primitivo. As assembléias se realizavam ordinariamente entre os dias de Mercúrio ou Júpiter, ou entre os de Vênus ou Saturno; aí se ocupavam dos ritos da iniciação, trocavam sinais misteriosos, cantavam os hinos simbólicos, uniam – se por meio de banquetes e formavam sucessivamente a cadeia mágica pela mesa e a dança; depois separavam – se, após terem renovado os juramentos entre as mãos dos chefes e recebido as suas instruções. O recipiendário do Sabbat devia ser levado à assembléia com os olhos cobertos pelo manto mágico, com o qual o envolviam inteiramente; faziam -no passar sobre grandes fogueiras e faziam, ao redor dele, ruídos espantosos. Quando descobriam o seu rosto, ele via – se rodeado de monstros infernais e em presença de um bode colossal e monstruoso, que lhe ordenavam de adorar. Todas estas cerimônias eram provas da sua força de caráter e da sua confiança nos seus iniciadores. Principalmente a última prova era decisiva, porque apresentava, a princípio, ao espírito do recipiendário, alguma coisa humilhante e ridícula: tratava – se de beijar respeitosamente o traseiro do bode e a ordem era dada sem cerimônia ao neófito. Se recusava cobriam – lhe a cabeça e o transportavam longe da assembléia com tal rapidez, que ele acreditava ter sido carregado pelas nuvens; se aceitava, faziam -no girar ao redor do ídolo, e aí ele achava, não uma coisa repelente ou obscena, mas o fresco e gracioso rosto de uma sacerdotisa de Isis ou Maia, que lhe dava um beijo maternal; depois era admitido ao banquete.
Quanto às orgias que, em várias assembléias deste gênero, seguiam o banquete, é necessário guardar- se bem de crer que tenham sido geralmente admitidas nestes ágapes secretos; mas sabemos que várias seitas gnósticas as praticavam nos seus conventículos desde os primeiros séculos do cristianismo. Que a carne tenha tido seus protestantes nos séculos de ascetismo e compressão dos sentidos, isso devia ser e nada tem que nos admire; mas não se deve acusar a alta magia de desregramentos que ela nunca autorizou. Isis é casta na sua viuvez; a Diana Pantéia é virgem; Hermanubis, tendo os dois sexos, não pode satisfazer nenhum; o Hermafrodita hermético é casto. Apolônio de Thyana nunca se abandonou às seduções do prazer; o Imperador Juliano era de uma castidade severa; Plotino de Alexandria era rigoroso, nos seus costumes, como um asceta; Paracelso era tão estranho aos loucos amores, que o julgaram de um sexo duvidoso; Raimundo Lullo foi iniciado aos últimos segredos da ciência só depois de um desespero de amor que o fez casto para sempre.
É também uma tradição da alta magia que os pantáculos e talismãs perdem toda sua virtude quando aquele que os traz
entra numa casa de prostituição ou comete um adultério. O Sabbat orgíaco não deve, pois, ser considerado como o dos verdadeiros adeptos.
Quanto ao próprio nome de Sabbat , quiseram fazê- lo vir do nome de Sabasius; outros imaginaram etimologias diferentes. A mais simples, conforme nossa opinião, é a que faz vir esta palavra do Sabbat judaico, pois é certo que os judeus, depositários mais fiéis da cabala, foram quase sempre, em magia, os grandes mestres da Idade Média.
O sábado era o domingo dos cabalistas, o dia da sua festa religiosa ou antes a noite da sua assembléia regular. Esta festa, rodeada de mistérios, tinha por salvaguarda até o espanto do vulgo e escapava à perseguição pelo terror.
Quanto ao Sabbat diabólico dos necromantes, este era uma falsificação do dos magos e uma assembléia de malfeitores que exploravam os idiotas e loucos. Aí eram praticados horríveis ritos e feitas abomináveis misturas. Os feiticeiros e feiticeiras faziam aí a sua polícia e se informavam uns aos outros, para sustentar mutuamente a sua reputação de profecia e adivinhação, porque os adivinhos era, então, geralmente consultados e faziam uma profissão lucrativa, exercendo ao mesmo tempo um verdadeiro poder. Estas assembléias de feiticeiros e feiticeiras não tinham, aliás, e não podiam ter, ritos regulares: tudo nelas dependia do capricho dos chefes e das vertigens da assembléia. O que contavam os que tinham podido assistir a elas servia de tipo a todos os pesadelos dos sonhadores e é da mistura destas realidades impossíveis e destes sonhos demoníacos que saíram as fastidiosas e tolas histórias do Sabbat que figuram nos processos de magia e nos livros de Spranger, Delancre, Delrio e Bodin.
Os ritos do Sabbat gnóstico foram transmitidos, na Alemanha, a uma associação que tomou o nome de Mopse; substituíram aí o bode cabalístico pelo cão hermético e, por ocasião da recepção de um candidato ou uma candidata (porque a ordem admite senhoras), conduzem a ele ou a ela com os olhos fechados; fazem ao seu redor este ruído infernal que fez dar o nome de Sabbat a todos os rumores inexplicáveis; perguntam – lhe se tem medo do diabo, depois propõem – lhe bruscamente a escolha entre beijar o traseiro do grão -mestre ou do Mopse, que é uma figurinha de cão coberta de seda, e substituída ao antigo ídolo do bode de Mendes. Os Mopses têm, como sinal de reconhecimento, uma careta ridícula que lembra as fantasmagorias do antigo Sabbat e as máscaras dos assistentes. De resto, a sua doutrina se resume no culto do amor e da liberdade. Esta associação foi produzida quando a Igreja romana perseguiu a franco – maçonaria. Os Mopses aparentavam se recrutarem só no catolicismo e tinham substituído o juramento de recepção por uma solene obrigação sob a palavra de honra de nada revelar dos segredos da associação. Era mais do que um juramento e a religião nada mais tinha que dizer.
O Baphomet dos templários, cujo nome deve ser soletrado cabalisticamente em sentido inverso, se compõe de três abreviações, Tem ohp ab , Templi omniu pacis abbas, o pai do templo, paz universal dos homens; o Baphomet era, conforme uns, uma cabeça monstruosa; conforme outros, um demônio em forma de bode.
Um cofrezinho esculpido foi desenterrado ultimamente das ruínas de uma antiga comenda do templo, e os antiquários observaram aí uma figura bafomética, análoga, quanto aos atributos, ao nosso bode de Mendes e ao andrógino de Khunrath. Esta figura é barbada, com um corpo inteiro de mulher; tem numa das mãos o Sol e na outra a Lua, ligados por correntes. É uma bela alegoria desta cabeça viril que atribui só ao pensamento o princípio iniciador e criador. A cabeça, aqui, representa o espírito; e o corpo de mulher, a matéria. Os astros presos à forma humana e dirigidos por esta natureza de que a inteligência é a cabeça, oferecem também a mais bela alegoria. O signo, no seu conjunto, não deixou de ser considerado obsceno e diabólico pelos sábios que o examinaram. Para que admirar, depois disso, de ver acreditadas, nos nossos dias, todas as superstições da Idade Média? Uma só coisa me surpreende: é que, acreditando no diabo e nos seus agentes, não acendem mais as fogueiras. O Sr. Veuillot o quereria, e isto é lógico para ele; é preciso honrar sempre os homens que têm coragem de sustentar a sua opinião.
Prossigamos em nossas investigações curiosas e cheguemos aos mais terríveis mistérios do engrimanço, os que se referem à evocação dos diabos e aos pactos com o inferno.
Depois de ter atribuído uma existência real à negação absoluta do bem, depois de ter entronizado o absurdo e criado um deus da mentira, restava à loucura humana invocar este ídolo impossível, e é o que os insensatos fizeram, Escreviam – nos ultimamente que o respeitabilíssimo padre Ventura, antigo superior dos Teatinos, examinador dos bispos, etc., etc., depois de ter lido o nosso Dogma , declara que a Cabala, a ser ver, era uma invenção do diabo, e que a estrela de Salomão era um outro artifício do mesmo diabo para persuadir que ele, o diabo, faz um só com Deus. E eis o que ensinam seriamente os que são mestres em Israel! O ideal do nada e das trevas, inventando uma sublime filosofia que é a base universal da fé e a chave de todos os templos! O demônio pondo a sua assinatura ao lado da de Deus! Meus veneráveis mestres em teologia, sois mais feiticeiros do que julgam ou do que julgais vós mesmos; e aquele que disse: “O diabo é mentiroso como o seu pai “, teria, talvez, algumas pequenas coisas a corrigir nas decisões de vossas paternidades.
Os evocadores do diabo devem, antes de tudo, ser da religião que admite um diabo criador e rival de Deus. Eis como procederá um firme crente na religião do diabo, para corresponder – se com seu pseudodeus:
AXIOMA MÁGICO
No círculo da sua ação, todo verbo cria o que afirma.
CONSEQÜÊNCIA DIRETA
Aquele que afirma o diabo, cria ou faz o diabo.
O que é preciso ter para ser bem sucedido nas evocações infernais:
1 º – Uma teimosia invencível;
2º – Uma consciência ao mesmo tempo endurecida no crime e muito acessível ao remorso e ao medo;
3 º – Uma ignorância aparente ou natural;
4º – Uma fé cega em tudo o que não é crível;
5 º – Uma idéia completamente falsa de Deus.
É preciso depois:
Primeiramente, profanar as cerimônias do culto no qual se crê, e lançar aos pés os seus sinais mais sagrados.
Em segundo lugar, fazer um sacrifício sangrento.
Em terceiro lugar, obter a forquilha mágica. É um ramo de um só broto de amendoeira, que se deve cortar num só golpe, com a faca nova que terá servido para o sacrifício; a baqueta deve – se terminar em forquilha; é preciso pôr dentro desta forquilha de madeira uma forquilha de ferro ou aço, feita da própria lâmina da faca com a qual foi cortada.
É preciso jejuar durante quinze dias, fazendo só uma refeição sem sal, depois do ocaso do sol; esta refeição será de pão preto e sangue temperado com molhos sem sal ou de favas pretas, e ervas leitosas e narcóticas.
Cada cinco dias, depois do ocaso do sol, embebedar- se com vinho no qual terá feito infusão, durante cinco horas, de cinco cabeças de papoulas pretas e cinco onças de linhaça triturada: tudo contido numa toalha que tenha sido feita por uma prostituta (em rigor, qualquer toalha serve, se for feita por uma mulher).
A evocação pode ser feita, quer na noite da segunda para a terça -feira, quer na de sexta – feira para o sábado.
É preciso procurar um lugar solitário e assombrado, tal como um cemitério freqüentado por maus espíritos, uma ruína temida no campo, os fundos de um convento abandonado, o lugar onde foi cometido um assassinato, um altar druídico ou um antigo templo de ídolos.
É preciso prover- se de uma roupa preta, sem costuras e sem manchas, de um barrete de chumbo constelado com os signos da Lua, Vênus e Saturno, de duas velas de sebo humano colocadas em candelabros de pau preto cortados em forma crescente, de duas coroas de verbena, de uma espada mágica de cabo preto, da forquilha mágica, de um vaso de cobre contendo o sangue da vítima, de uma naveta contendo os perfumes, que serão de incenso, cânfora, aloés, âmbar- pardo e estoraque, incorporados e amassados com sangue de bode, poupa e morcego; é preciso ter também quatro cravos tirados do caixão de um supliciado, a cabeça de um gato preto alimentado com carne humana durante cinco dias, um morcego afogado no sangue, os chifres de um bode cum quo puella concubuerit ; e o crânio de um parricida. Todos estes objetos horríveis e muito difíceis de achar, estando reunidos, eis como devem ser dispostos:
A pessoa traçará um círculo perfeito com a espada, deixando, todavia, uma ruptura ou um caminho de saída; no círculo inscreve um triângulo, pinta com o sangue o pantáculo que traçou com a espada; depois num dos ângulos do triângulo, coloca o fogareiro de três pés, que poderíamos contar entre os objetos indispensáveis; na base do triângulo faz três círculos para o operador e seus dois assistentes, e atrás do círculo do operador traça, não com o sangue da vítima, mas com o próprio sangue do operador, o sinal do lábaro ou monograma de Constantino. O operador ou os acólitos devem ter os pés descalços e a cabeça coberta.
Deve ter trazido também a pele da vítima imolada! Esta pele, cortada em faixas, será colocada no círculo e formará um outro círculo com os quatro cravos do supliciado; perto dos quatro cravos e fora do círculo devem ser colocadas a cabeça do gato, o crânio humano ou antes inumano, os chifres do bode e o morcego; devem ser aspergidos com um ramo de vidoeiro molhado no sangue da vítima; depois acende um fogo de lenha e amieiro e cipreste; as duas velas mágicas serão colocadas à direita e à esquerda do operador, dentro das coroas de verbena (ver a figura adiante).
A pessoa pronunciará, então, as fórmulas de evocação que se acham nos elementos mágicos de Pedro de Apono ou nos engrimanços, quer manuscritos, quer impressos. A do Grande Grimório , repetida no vulgar Dragão Vermelho , foi voluntariamente alterada na impressão. Ei – la como deve ser lida:
“Per Adonai Elohim, Adonai Jehova, Adonai Sabaoth, Metraton On Agla Adonai Mathom, verbum pythónicum, mystérium salamándrae, convéntus sylphórum, antra gnomórum, doemónia Coeli Gad, Almousin, Gibor, Jehosua, Evam, Zariatnatmik, veni, veni, veni ”.
A grande evocação de Agrippa consiste somente nestas palavras: Dies Mies Jeschet Boenedoesef Douvema Enitemaus . Não temos a pretensão de entender o sentido destas palavras que, talvez, não têm nenhum, e ao menos não deve ter nenhum que seja razoável, pois que têm o poder de evocar o diabo, que é a soberana irracionalidade.
Pico de Mirandola, sem dúvida pelo mesmo motivo, afirma que na magia negra, as palavras mais bárbaras e absolutamente ininteligíveis são as mais eficazes e melhores.
As conjurações são repetidas, elevando a voz e com imprecações e ameaças, até que o espírito responda. É ordinariamente precedido, quando vai aparecer, por um vento violento que parece fazer ressoar em todo o campo. Os animais domésticos tremem então e se escondem, os assistentes sentem um sopro diante da sua fronte, e os seus cabelos, umedecidos por um suor frio, se arrepiam nas suas cabeças.
A grande e suprema evocação, conforme Pedro de Apono, é esta:
“Hemen -Etan! Hemen -Etan! Hemen -Etan! El * Ati * Titeip * Azia * Hyn * Teu * Minosel * Achadon * vay * vaa * Eye * Aaa * Eie * Exe * A El El El A * Hy! hau! hau! hau! hau! va! va! va! Chavajoth.
“Aie Saraye, aie Saraye, aie Saraye! per Elohim, Archima, Rabur, Bathas superveniens Abeor super Aberer Chavajoth! Chavajoth! Impero tibi per clavem Salamonis et nomem magnum Samhamphoras ”.
Eis agora os sinais e as assinaturas dos demônios ordinários:
Estas são as assinaturas dos simples demônios; eis ao lado as assinaturas oficiais dos príncipes do inferno, assinaturas constatadas (juridicamente! ó Sr. Conde de Mirville), e conservadas nos arquivos judiciários como peças de convicção para o processo do infeliz Urbano Grandier.
Estas assinaturas estavam postas em baixo de um pacto de que o Sr. Collin de Plancy deu o fac – símile no atlas do seu Dicionário Infernal, e que traz como anotação: “O rascunho está no inferno, no gabinete de Lúcifer ”, apontamento muito precioso sobre uma localidade muito mal conhecida e sobre uma época ainda tão perto da nossa, anterior, portanto, ao processo dos moços Labarre e d ’Etslonde, que, como todos sabem, foram contemporâneos de Voltaire.
A cédula era dupla: o espírito maligno levava uma, e o reprovado voluntário ficava com a outra. As obrigações recíprocas eram, para o demônio, servir o feiticeiro durante um certo número de anos e pata o feiticeiro, pertencer ao demônio depois de um tempo determinado. A Igreja, nos seus exorcismos, consagrou a sua crença em todas estas coisas e pode – se dizer que a magia negra e o seu príncipe tenebroso são uma criação, real, viva, terrível, do catolicismo romano; que até são a sua obra especial e característica, porque os padres não inventam Deus.
Por isso, os verdadeiros católicos prendem – se no fundo do coração à conservação, à regeneração desta grande obra que é a pedra filosofal do culto oficial e positivo. Dizem que, na língua dos forçados, os malfeitores chamam o diabo de padeiro ; todo o nosso desejo, e falamos aqui não como magista, mas sim como filho devotado do cristianismo e da Igreja, à qual devemos a nossa primeira educação e nossos primeiros entusiasmos, todo o nosso desejo, dizemos, é que o fantasma de Satã não possa mais ser chamado também o padeiro dos ministros da moral e dos representantes da alta virtude. Entenderão o nosso pensamento e nos perdoarão a ousadia das nossas aspirações em favor das nossas intenções devotadas e da sinceridade da nossa fé?
A magia criadora do demônio, esta magia que ditou o Grimório do Papa Honório , o Enchiridion de Leão III , os exorcismos do Ritual , as sentenças dos inquisidores, os requisitórios de Laubardemont, os artigos dos Srs. Veuillot e irmãos, os livros dos Srs. Falloux, Montalembert, Mirville, a magia dos feiticeiros e dos homens pios que não o são, é alguma coisa verdadeiramente condenável em alguns, e infinitamente deplorável nos outros. É principalmente para combater, desvendando – as, estas tristes aberrações do espírito humano, que publicamos este livro. Possa ele servir para o êxito desta santa obra!
Porém, não mostramos ainda estas obras ímpias em toda sua torpeza e monstruosa loucura; é preciso compulsar os Anais da Demonomania , para conceber certos crimes que só a imaginação não inventaria. O cabalista Bodin, israelita por convicção e católico por necessidade, não teve outra intenção, na sua o Demoniomania dos Feiticeiros, senão atacar o catolicismo nas suas obras e solapar o maior de todos os abusos da sua doutrina. A obra de Bodin é profundamente maquiavélica e fere no coração as instituições e os homens que ele parece defender. Dificilmente seria possível imaginar, sem o ter lido, tudo o que ajuntou de coisas sangrentas e horríveis, atos de superstição revoltante, sentenças e execuções estúpidas. Queimai tudo! – pareciam dizer os inquisidores, – Deus reconhecerá os seus! Pobres loucos, mulheres histéricas, idiotas, eram queimados sem misericórdia por crime de magia; mas também que grandes culpados escapavam a esta injusta e sanguinária justiça! É o que Bodin nos faz entender, quando nos conta anedotas do gênero daquelas que põe na morte do rei Carlos IX. É uma abominação pouco conhecida e que, ainda que o saibamos, mesmo na época da mais febril e desoladora literatura, não tentou a nerve de nenhum romancista.
Ferido por um mal de que nenhum médico podia descobrir a causa nem explicar os terríveis sintomas, o rei Carlos IX ia morrer. A rainha -mãe, que o governava inteiramente e que podia perder tudo sob um outro reino; a rainha- mãe, que desconfiaram ter sido a causadora desta doença, contra seus próprios interesses, porque sempre supunham que esta mulher, capaz de tudo, tinha ardis ocultos e interesses desconhecidos, consultou primeiramente os seus astrólogos, sobre o rei, depois recorreu à mais detestável das magias. O estado do doente sendo, de dia para dia, mais duvidoso e ficando mais desesperado, resolveu – se consultar o oráculo da cabeça sangrenta , e eis como se procedeu para esta operação infernal:
Tomaram uma criança, de belo rosto e inocente de costume; fizeram – na preparar em segredo para a sua primeira comunhão por um esmoler do palácio; depois, chegado o dia ou antes a noite do sacrifício, um monge, jacobino apóstata e dado a obras ocultas da magia negra, começou à meia -noite, no quarto do doente e em presença somente de Catarina de Médicis e dos da sua confiança, o que então era chamada a missa do diabo.
Para esta missa, celebrada diante da imagem do demônio, tendo sob seus pés uma cruz deitada, o feiticeiro consagrou duas hóstias, uma preta e outra branca; branca foi dada à criança, que levaram vestida como para o batismo e que foi degolada nos próprios degraus do altar, logo depois da sua comunhão. A sua cabeça, separada do tronco num só golpe, foi colocada, toda palpitante, sobre a grande hóstia negra que cobria o fundo da pátena, e, depois, levada para uma mesa em que ardiam lâmpadas misteriosas. O exorcismo começou então e o demônio foi posto em condições de pronunciar um oráculo e responder pela boca desta cabeça a uma questão secreta que o rei não ousaria fazer em voz alta e nem mesmo tinha confiado a ninguém. Então, uma voz fraca, uma voz estranha e que nada tinha de humana, se fez ouvir nesta pobre criancinha mártir: “Sou forçado a isso ”, dizia esta voz em latim: Vim patior . A esta resposta, que, sem, dúvida, anunciava ao doente que o inferno não o protegia mais, um estremecimento horrível se apoderou dele, os seus braços ficaram rijos… Ele gritou com voz rouca: “Afastai esta cabeça! afastai esta cabeça! ”e, até o seu último suspiro, não o ouviram dizer outra coisa. Os que o serviam e que não estavam na confidência deste horrível mistério, acreditaram que era perseguido pelo fantasma de Coligny e que julgava ver diante de si a cabeça do almirante; mas o que agitava o moribundo já não era mais um remorso, era um terror sem esperança e um inferno antecipado.
Esta negra lenda mágica de Bodin lembra as abomináveis práticas e o suplício bem merecido deste Gilles de Laval, senhor de Raiz, que passou do asceticismo à magia negra e se entregou, para conciliar as boas graças de Satã, aos mais revoltantes sacrifícios. Este alienado declarou, no seu processo, que Satã lhe aparecera diversas vezes, mas que o tinha enganado sempre, prometendo tesouros que lhe não dava nunca. Resultou das informações jurídicas que várias centenas de infelizes crianças tinham sido vítimas da cupidez e da imaginação atroz desse assassino.
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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