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13 – N
EX IPSIS – MORS
Dissemos que na luz astral se conservam as imagens de pessoas e coisas. É também nesta luz que se podem evocar as formas daqueles que não estão mais neste mundo, e é por meio dela que se realizam os mistérios tão contestados como
reais da necromancia. Os cabalistas que falaram do mundo dos espíritos, contaram simplesmente o que viram nas suas evocações.
Eliphas Levi Zahed, que escreve este livro, evocou e viu.
Digamos, primeiramente, o que os mestres escreveram das suas visões ou intuições no que chamavam a luz de glória .
Lê- se no livro da Revolução das Almas, que há almas de três espécies: as filhas de Adão, as filhas dos anjos e as filhas do pecado. Há, também, conforme o mesmo livro, três sortes de espíritos: os espíritos cativos, os espíritos errantes e os espíritos livres. Há, pois, almas de homens que nascem viúvas, e cujas esposas estão retidas em cativeiro por Lilith e Naemah, as rainhas do estriges: são as almas que têm de expiar a temeridade de um voto de celibato. Assim, quando um homem renuncia desde a infância ao amor das mulheres, faz escrava dos demônios da depravação a esposa que lhe estava destinada. As almas crescem e multiplicam – se no céu, assim como os corpos na terra. As almas imaculadas são filhas dos beijos dos anjos.
Nada pode entrar no céu, a não ser o que saiu do céu. Depois da morte, pois, o espírito divino que animava o homem volta sozinho ao céu e deixa na terra e na atmosfera dois cadáveres: um terrestre e elementar, outro aéreo e sideral; um já inerte, o outro ainda animado pelo movimento universal da alma do mundo, mas destinado a morrer lentamente, absorvido pelas forças astrais que o produziram. O cadáver terrestre é visível; o outro é invisível aos olhos dos corpos terrestres e vivos, e só pode ser percebido pelas aplicações da luz astral ao translúcido, que comunica as suas impressões ao sistema nervoso, e afeta, assim, o órgão da vista até fazer- lhe ver as formas que são conservadas e as palavras que estão escritas no livro da luz vital.
Quando o homem viveu bem, o cadáver astral se evapora como um incenso puro, subindo para as regiões superiores; mas se o homem viveu no crime, o seu cadáver astral, que o retém prisioneiro, procura ainda os objetos das suas paixões e quer retomar a vida. Atormenta os sonhos das moças, banha – se no vapor do derramado, e arrasta – se para os lugares onde se passaram os prazeres da sua vida; vela ainda sobre os tesouros que possuía e escondeu: esgota – se em esforços dolorosos para fazer para si órgãos materiais e reviver. Mas os astros o aspiram e bebem; sente a sua inteligência se enfraquecer, a sua memória perder- se lentamente, todo o seu ser dissolver- se… Os seus antigos vícios lhe aparecem e o perseguem sob figuras monstruosas: eles o atacam e o devoram… O desgraçado perde, assim, sucessivamente, todos os membros que serviram para as suas iniqüidades; depois, morre pela segunda vez e para sempre, porque, então, perde a sua personalidade e a sua memória. As almas que devem viver, mas que ainda não estão inteiramente purificadas, ficam mais ou menos cativas no cadáver astral, em que são queimadas pela luz ódica que procura assimilá – lo a si e dissolvê – lo. É para desembaraçar- se deste cadáver que as almas sofredoras, às vezes, entram nos vivos e ali ficam em estado que os cabalistas chamam embrionato . São esses cadáveres aéreos que evocamos pela necromancia. São larvas, substâncias mortas ou moribundas, com as quais nós nos relacionamos; ordinariamente, só podem falar pelo zumbido dos nossos ouvidos, produzido pela agitação de que falei, e, de ordinário, raciocinam refletindo nossos pensamentos ou nossos sonhos.
Mas para ver essas formas estranhas é preciso pôr- se num estado excepcional, que participa do sono e da morte, isto é, é necessário magnetizar a si próprio e chegar a uma espécie de sonambulismo lúcido e acordado. A necromancia obtém, pois, resultados reais, e as evocações da magia podem produzir visões verdadeiras. Dissemos que, no grande agente mágico que é a luz astral, se conservam todas as impressões das coisas, todas as imagens formadas, quer pelos raios, quer pelos reflexos; é nesta luz que os nossos sonhos nos aparecem, é esta luz que embebeda os alienados e arrasta o seu juízo adormecido à perseguição dos fantasmas mais bizarros. Para ver sem ilusão nesta luz é preciso saber separar os reflexos por uma vontade poderosa e atrair a si só os raios. Sonhar acordado é ver na luz astral; e as orgias do sabbat , contadas por tantos feiticeiros nos seus juízos criminais, não se apresentavam a eles de outra maneira. Muitas vezes, as preparações e substâncias empregadas para chegar a este resultado eram horríveis, como veremos no Ritual; mas os resultados nunca eram duvidosos. Viam, ouviam e tocavam nas coisas mais abomináveis, mais fantásticas, mais impossíveis. Voltaremos a este assunto no nosso décimo quinto capítulo; aqui só nos ocupamos da evocação dos mortos.
Na primavera do ano 1854, eu tinha ido a Londres para escapar de desgostos íntimos e entregar -me, sem distração, à ciência. Tinha cartas de recomendação para pessoas eminentes e curiosos de revelações do mundo sobrenatural. Vi muitos deles, e achava neles, com muita polidez, um grande fundo de indiferença ou leviandade. Pediam -me primeiramente prodígios como a um charlatão, Estava um pouco desanimado, porque, para dizer a verdade, longe de estar disposto a iniciar os outros nos mistérios da magia cerimonial, sempre temi para mim mesmo as suas ilusões e fadigas; aliás, estas cerimônias exigem um material dispendioso e difícil de adquirir. Encerrava – me, pois, no estudo da alta Cabala, e não pensava mais nos adeptos ingleses, quando um dia, ao entrar no meu hotel, encontrei um sobrescrito com meu endereço. Este sobrescrito continha a metade de um cartão, cortado transversalmente, e no qual reconheci primeiramente o caráter do selo de Salomão e um papel muito pequeno no qual estava escrito a lápis: “Amanhã, às três
horas, diante da abadia de Westminster, vos será apresentada a outra metade deste cartão ”. Fui a essa singular entrevista. Uma carruagem estacionava na praça. Tinha, sem afetação, o meu pedaço de cartão na mão; um criado aproximou – se de mim e me fez sinal, abrindo a portinhola da carruagem, na qual vi uma senhora de preto, cujo chapéu estava coberto com um véu muito espesso; ela fez sinal de subir junto a si, mostrando – me a outra metade do cartão que tinha recebido. A portinhola fechou- se, a carruagem rodou e a senhora, tendo levantado o seu véu, pude ver que tratava com uma pessoa idosa, com sobrancelhas cinzentas e olhos pretos, extremamente vivos e de uma fixidez estranha.
– Senhor – disse- me ela, com um acento inglês muito pronunciado – sei que a lei do segredo é rigorosa entre os adeptos; uma amiga de Sir B*** L***, que vos viu, sabe que vos pediram experiências e que recusastes satisfazer esta curiosidade. Talvez não tínheis as coisas necessárias: vou mostrar -vos um gabinete mágico completo; mas vos peço, antes de tudo, o mais inviolável segredo. Se não me fizerdes esta promessa pela vossa honra, vou dar ordem para que vos levem à vossa casa.
Fiz a promessa que exigiam de mim e sou fiel a ela, não dizendo o nome, nem a qualidade, nem a residência desta senhora, que reconheci logo como iniciada, não precisamente de primeira ordem, mas de um grau muito elevado. Tivermos diversas conversações extensas, durante as quais ela sempre insistia sobre a necessidade das práticas para completar a iniciação. Mostrou- me uma coleção de vestimentas e instrumentos mágicos, e até me emprestou alguns livros curiosos que me faltavam; em breve, me determinou a tentar na sua casa a experiência de uma evocação completa, à qual me preparava durante vinte e um dias, observando escrupulosamente as práticas indicadas no trigésimo capítulo do Ritual.
Tudo estava terminado em 24 de julho. Tratava – se de evocar o fantasma do divino Apolônio e interrogá- lo sobre dois segredos: um que se referia a mim, outro que interessava àquela senhora. A princípio ela contava assistir à evocação com uma pessoa de confiança; mas, no último momento, essa pessoa teve medo e, como o ternário ou a unidade é rigorosamente exigido para os ritos mágicos, fiquei só. O gabinete preparado para a evocação era feito numa pequena torre: nele tinham sido dispostos quatro espelhos côncavos, uma espécie de altar, cuja parte de cima era de mármore branco e estava rodeada por uma corrente de ferro imantado. No mármore branco, estava gravado o dourado o signo do pentagrama, tal como se acha representado no quinto capítulo destra obra; e o mesmo signo estava traçado, em diversas cores, numa pele de carneiro, branca e nova, que estava estendida no altar. No centro da mesa de mármore, havia um pequeno fogareiro de cobre com carvão de pau de aulno e loureiro; um outro fogareiro estava colocado, diante de mim, sobre uma trípode. Eu estava vestido com uma roupa branca muito semelhante às vestimentas dos padres católicos, porém mais ampla e mais longa, e trazia na cabeça uma coroa de folhas de verbena, entrelaçadas numa cadeia de ouro. Numa das mãos, tinha uma espada nova e na outra o Ritual. Acendi os dois fogos com as substâncias exigidas e preparadas, e começava, primeiramente em voz baixa, depois elevando a voz gradativamente, as invocações do Ritual. A fumaça estendeu- se, a chama fez vacilar todos os objetos que alumiava, depois se extinguiu. A fumaça se elevava, branca e lenta, sobre o altar de mármore; pareceu -me ouvir um abalo de estremecimento de terra, os meus ouvidos zumbiam e meu coração palpitava com força. Pus alguns ramos e perfumes nos fogareiros, e quando a chama se elevou, vi distintamente, diante do altar, uma figura de homem maior que o natural, que se decompunha e se esvaía. Recomecei as evocações e coloquei -me num círculo que tinha traçado antecedentemente entre o altar e a trípode: vi, então, alumiar- se, pouco a pouco, o fundo do espelho que estava na minha frente, atrás do altar, e uma forma esbranquiçada desenhou – se nele, crescendo e parecendo aproximar – se pouco a pouco. Chamei três vezes Apolônio, fechando os olhos; e, quando os abri, um homem estava diante de mim, envolto inteiramente por uma espécie de lençol, que me pareceu ser mais cinzento do que branco; a sua forma era magra, triste e sem barba, o que não combinava exatamente com a idéia que primeiramente tinha de Apolônio. Experimentei uma sensação extraordinária de frio, e, quando abri a boca para interrogar o fantasma, me foi impossível articular um som. Pus, então, a mão sobre o signo do pentagrama, e dirigi para ele a ponta da espada, ordenando – lhe mentalmente, por este signo, a não me amedrontar e a obedecer- me. Então, a forma ficou mais confusa, e ele desapareceu imediatamente. Ordenei – lhe que voltasse: então senti passar, junto a mim, como que um sopro, e, alguma coisa tendo – me tocado na mão que segurava a espada, tive imediatamente o braço adormecido até os ombros. Julguei entender que esta espada ofendia o espírito, e a plantei, pela ponta, no círculo junto a mim. A figura humana reapareceu logo; mas senti uma tão grande fraqueza nos meus ombros e um repentino desfalecimento apoderar- se de mim, que dei dois passos para me assentar. Desde que fiquei assentado, caí num adormecimento profundo e acompanhado de sonhos, de que me restou, quando voltei a mim, somente uma lembrança confusa e vaga. Tive, durante muitos dias, o braço adormecido e dolorido. A forma não me tinha falado, mas pareceu- me que as perguntas que lhe tinha de fazer se tinham resolvido por si mesmas no meu espírito. À da senhora, uma voz interior respondia em mim: Morto! (tratava- se de um homem de quem desejava saber notícias). Quanto a mim, queria saber se a reconciliação e o perdão seriam possíveis entre duas pessoas nas quais pensava, e o esmo eco interior respondia implacavelmente: Mortas!
Conto, aqui, os fatos tais como se passaram, e não os imponho a ninguém. O efeito desta experiência em mim foi alguma coisa inexplicável. Não era mais o mesmo homem, alguma coisa de outro mundo tinha passado em mim; não estava mais nem alegre, nem triste, mas sentia uma singular atração para a morte, sem, todavia, ser, de algum modo,
tentado a recorrer ao suicídio. Analisei cuidadosamente o que tinha experimentado; e, apesar de uma repugnância nervosa muito vivamente sentida, retirei duas vezes, somente com alguns dias de intervalo, a mesma experiência. A narração dos fenômenos que se produziram difere muito pouco para que a deva acrescentar a esta, já um pouco extensa. Mas o resultado destas duas outras evocações foi para mim a revelação de dois segredos cabalísticos, que poderiam, se fossem conhecidos por todo mundo, mudar, em pouco tempo, as bases e leis da sociedade inteira.
Concluirei disto que, realmente, evoquei, vi e toquei o grande Apolônio de Thyana? Não sou tão alucinado para o crer, nem tampouco sério para o afirmar. O efeito das preparações, dos perfumes, dos espelhos, dos pantáculos é um verdadeiro embebedamento da imaginação, que deve agir vivamente sobre uma pessoa já impressionável e nervosa. Não explico por que leis fisiológicas vi e toquei; afirmo somente que vi e toquei, que vi, clara e distintamente, sem ilusões, e isso é suficiente para crer na eficácia real das cerimônias mágicas. Aliás, creio perigosa e nociva a sua prática; a saúde, quer moral, quer física, não resistiria a semelhantes operações, se tornassem habituais. A senhora idosa de que falei, e de que tive de me queixar depois, era uma prova disso; porque, apesar das suas denegações, não duvido que tivesse o hábito da necromancia e de goecia. Às vezes, ela delirava completamente; outras vezes, se entregava à cóleras insensatas, de que, com dificuldade, explicava a causa. Deixei Londres sem a ter visto de novo, e guardei fielmente a promessa que fiz de nada dizer a quem quer que possa fazê- la conhecer ou até dar alarma sobre as práticas às quais se entrega, sem dúvida, sem conhecimento da sua família, que é como suponho, muito numerosa e de uma posição muito honrosa.
Há evocações de inteligência, evocações de amor e evocações de ódio; nada, porém, prova, ainda uma vez, que os espíritos deixam realmente as esferas superiores para se entreterem conosco, até o contrário é mais provável. Evocamos as lembranças que deixaram na luz astral, que é o receptáculo comum do magnetismo universal. É nesta luz que o imperador Juliano viu, outrora, aparecerem os deuses, porém velhos, doentes e decrépitos; nova prova da influência das opiniões correntes e acreditadas sobre os reflexos deste mesmo agente mágico que faz falar as mesas e responde batendo nas paredes.
Depois da evocação de que falei precedentemente, reli com cuidado a vida de Apolônio, que os historiadores nos representam como um ideal de beleza e elegância antiga. Notei que Apolônio, no fim da sua vida foi barbeado e, por muito tempo, atormentado na prisão. Esta circunstância, que, sem dúvida, retive outrora, sem pensar depois nisso para me lembrar, terá talvez, determinado a forma pouco atrativa da minha visão, que considero unicamente como o sonho voluntário de um homem acordado. Vi outras duas outras personagens, que pouco importa mencionar, e sempre diferentes do que esperava ver, pelo hábito e pelo seu aspecto. Aliás, recomendo a maior reserva às pessoas que queiram entregar- se a semelhantes experiências: resultam delas grandes fadigas e, às vezes, até abalos tão anormais para ocasionar doenças.
Não terminarei este capítulo sem assinalar, aqui, a opinião assaz estranha de certos cabalistas que distinguem a morte aparente da morte real, e crêem que elas raramente vêm ao mesmo tempo. Conforme o seu dizer, a maioria das pessoas que se enterram estariam vivas, e muitas outras, que se julgam vivas, estariam mortas.
A loucura incurável, por exemplo, seria para eles uma morte incompleta, mas real, que deixa o corpo terrestre sob a direção puramente instintiva do corpo sideral. Quando a alma humana sofre uma violência que não pode suportar, ela se separaria, assim, do corpo, e deixaria em seu lugar a alma animal ou o corpo sideral corpo, o que faz destes restos humanos alguma coisa menos viva, de algum modo, que o próprio animal. Reconhecemos, dizem eles, os mortos desta espécie pela extinção completa do senso afetuoso e moral; não são maus, não são bons: são mortos. Estes seres, que são os cogumelos venenosos da espécie humana, absorvem tanto quanto podem a vida dos vivos; é por isso que a sua aproximação entorpece a alma e dá frio ao coração.
Estes entes cadavéricos, se existissem, realizariam tudo o que outrora se afirmava dos brucolacos e vampiros.
Não há entes junto aos quais nós nos sentimos menos inteligentes, piores e até, às vezes, menos honestos?
Não os há cuja aproximação extingue toda crença e todo entusiasmo, que vos ligam a si pelas vossas fraquezas, vos dominam pelas vossas más está inclinações e vos fazem lentamente morrer no moral, num suplício semelhante ao de Mezêncio?
São mortos que tomamos por vivos; são vampiros que tomamos por amigos!
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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