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Alta Magia

A Missão do Teurgo – A Árvore da Vida (6 de 19)

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“Existe um agente que é natural e divino, material e espiritual, um mediador plástico universal, um receptáculo comum das vibrações cinéticas e das imagens das formas, um fluido e uma força, que podem ser chamados de certo modo de Imaginação da Natureza… A existência dessa força é o grande arcano da magia prática.” O agente mágico ao qual Lévi se refere aqui é a substância do mundo formativo ou, mais particularmente, a esfera de Yesod – uma palavra hebraica que pode ser traduzida como o Fundamento ou a Base. O direto equivalente da Yesod qabalística na filosofia teosófica tal como enunciado por Madame Blavatsky – e nesse ensejo seguirei o extenso esboço delineado em seu sistema e aquele formulado em Dogma e ritual de Alta Magia, de Lévi – é conhecido como luz astral. Definido em alguns lugares como um fluido ou meio onipresente que tudo permeia, constituído por matéria extremamente sutil, essa luz está difundida pelo espaço, interpenetrando e penetrando todo objeto ou forma visíveis. Se quisermos estabelecer tal idéia diferentemente, trata-se de um plano quadridimensional composto de uma substância etérea luminosa num estado sumamente tênue, substância em sua natureza elétrica, magnética e radioativa .

“Esse fluido ambiente e que tudo penetra, esse raio destacado do esplendor do sol e fixado pelo peso da atmosfera e pelo poder de atração central, esse corpo do Espírito Santo, que chamamos de luz astral e agente universal, esse éter eletromagnético, esse calórico vital e luminoso é representado nos antigos monumentos pelo cinto de Ísis que se enlaça num nó cego ao redor de duas varas, pela serpente de cabeça taurina, pela serpente de cabeça de bode ou de cão, nas antigas teogonias pela serpente que devora a própria cauda, emblema da prudência e de Saturno. É o dragão alado de Medéia, a serpente dupla do caduceu e o tentador do Gênese; mas é também a cobra brônzea de Moisés que circunda o tao, isto é, o lingam gerador; é a hyle dos gnósticos e a cauda dupla que forma as pernas do galo solar de Abraxos.” É nesses termos simbólicos, eloqüentes e singularmente expressivos à sua maneira, embora com ressaibo de verbosidade para o leitor final, que o mago francês descreve a luz astral. Trata-se de símbolos sumamente interessantes e significativos, e se bastante cuidado e atenção forem dispensados em sua interpretação, proporcionarão considerável instrução e poderão servir para revelar muitas informações valiosas, auxiliando na compreensão intelectual, ao menos, da natureza e das características desse plano sutil. Vibrando a um índice cinético diferente da substância grosseira do mundo físico, e existindo assim num plano superior, a luz astral contém o planejamento ou modelo do construtor, por assim dizer, projetado em sentido descendente pela ideação ou imaginação do Pai; o planejamento com base no qual o mundo exterior é construído, e dentro de cuja essência jaz latente o potencial de todo crescimento e desenvolvimento. Todas as forças e “idéias” dos domínios criativo e arquetípico são representadas e focalizadas nesse agente plástico, o mundo formativo. Ele é de imediato substância e deslocamento, sendo o movimento “simultâneo e perpétuo em linhas espirais de deslocamento em contrário”. Foi o falecido Lorde Salisbury, posso aqui intercalar, que definiu o éter como o nominativo do verbo “ondular” .

Em muitos pontos, esse mundo formativo, o recipiente das forças criativas superiores, é comparável em seus aspectos mais inferiores ao éter da ciência. Há, contudo, uma ressalva. A luz astral foi no passado e poderá no futuro ser verificada pela experiência direta visionária. A concepção científica do éter hoje difere radicalmente daquilo que o cientista de meio século atrás entendia por éter luminífero. Tanto assim que avaliado por seus padrões e empregando sua linguagem, a moderna idéia de éter e suas ondas de irradiação não são realidades em absoluto. E a despeito disso, o que é suficientemente estranho, observa Sir James Jeans em Os mistérios do Universo, o éter é uma das coisas mais reais “de que temos qualquer conhecimento ou experiência, sendo, portanto, tão real quanto qualquer coisa possivelmente possa ser para nós”. A entidade que os físicos experimentais hoje definiriam como éter teria que ser algo que reagisse qualitativa e quantitativamente aos instrumentos e equações matemáticas deles. Por outro lado, quando os teurgos se referem à substância magnética e elétrica da luz astral, uma condição ou estado metafísico da substância está implícito – uma condição ou estado que atualmente não pode ser mensurado ou observado com instrumentos físicos, embora sua existência seja corroborada nos mesmos termos por uma série de videntes treinados e magos. Reside, como já afirmamos, num plano existencial e consciencial completamente diferente, e suas partículas vibram de uma tal maneira e a uma tal taxa de movimento que são inteiramente invisíveis e imperceptíveis aos nossos sentidos comuns exteriores .

Recentemente assistiu-se no domínio da especulação científica ao desenvolvimento da teoria eletromagnética que, por motivos de ordem prática da física, descarta como desnecessária a hipótese vitoriana de um éter luminífero ondulante que tudo penetra. No seu lugar, foi instalada como se num trono majestoso, coroada e venerada com devoção, uma concepção matemática ainda mais abstrata: o múltiplo ou contínuo espaço-tempo. Um grupo de cientistas é inteiramente a favor da manutenção da hipótese do éter, enquanto muitos outros, não menos famosos e de menor autoridade, estão igualmente convictos de que uma tal estrutura sutil como o éter inexiste e nem sequer é possível. Admitem-na apenas como uma estrutura teórica de referência, caso em que assume o papel de uma hipótese de trabalho destituída de qualquer grau de realidade objetiva. Um exame das definições científicas desses dois grupos de cientistas, entretanto, revela o fato de que pelas expressões éter e contínuo espaço-tempo quadridimensional indicam um único e mesmo conceito. Sir Arthur Eddington, em uma de suas recentes obras, ao fazer referência a esses dois conceitos científicos, expressou a opinião de que ambos os partidos querem dizer exatamente a mesma coisa, sua cisão estando somente nas palavras. Sir James Jeans, em sua obra anteriormente mencionada, observa cautelosamente com relação a essa obscura questão que parece apropriado descartar a palavra “éter” a favor dos termos mais modernos “múltiplo” ou “contínuo”, apesar de o princípio essencial permanecer quase totalmente inalterado. Em outra parte, nessa mesma obra de erudição, o sábio cientista assevera que todos os fenômenos do eletromagnetismo podem ser considerados como ocorrentes num contínuo de quatro dimensões – três espaciais unidas a uma temporal – no qual é impossível separar o espaço do tempo de qualquer maneira absoluta. Chamo atenção particularmente para essa observação porque se enquadra aproximadamente na natureza de uma exata confirmação daquilo que os mais eminentes magos de todos os tempos escreveram relativamente a Anima Mundi ou o Azoth. É possível indicar bem grosso modo as demais observações de Jeans dizendo que se desejarmos visualizar a propagação de ondas luminosas e forças eletromagnéticas tomando-as como distúrbios num éter, nosso éter poderá ser considerado uma estrutura quadridimensional que preenche todo o contínuo, estendendose assim por todo o espaço e todo o tempo, caso em que todos nós desfrutamos do mesmo éter .

Esse éter da ciência que todos podem desfrutar e que se estende ao longo do espaço e do tempo, servindo como o meio das vibrações de todos os tipos, difere em poucos pontos essenciais da luz astral de Lévi. A definição em que insistem constantemente os teurgos relativamente a esse plano etéreo é que se trata de um estágio de substância plástica refinada, menos densa e grosseira que aquela que vemos normalmente em torno de nós, de natureza magnética e elétrica, servindo como o fundamento real sobre o qual as formas e acúmulo de átomos do universo físico se ordenam a si mesmos. É o plano que, em seu aspecto mais inferior, constitui a verdadeira cloaca do universo, compreendendo aquela faceta da consciência que dirige os instintos e as energias dos animais; em suas ramificações superiores, elevando-se além dessa esfera mundana, realmente faz fronteira com o divino. Que assim é pode-se compreender por meio da referência à Árvore da Vida, na qual vê-se que o Mundo Formativo não inclui apenas a esfera de Yesod, mas naquela classificação da Árvore em Quatro Mundos, ela se estende bem além de Yesod, de modo a incluir Tiphareth, a casa da Alma, mesmo até a beira do Abismo. A esfera do Fundamento é somente sua fase mais inferior. Como Yesod apenas, é aquela região grosseira do cosmos metafísico que contém os restos astrais rejeitados das criaturas vivas, a sujeira bestial e mental descartada pelos seres humanos na sua ascensão após a morte a esferas mais elevadas. Nos seus aspectos de Chesed e Geburah, é a mais pura expressão do céu, por assim dizer, a morada devachânica. Relativamente a essa maneira de considerá-lo, é ocasionalmente chamado de divino Astral, e de Alma do Mundo .

“É em si mesmo uma força cega, mas pode ser dirigida pelos líderes das almas, os quais são espíritos da ação e da energia. É de imediato a teoria por inteiro dos prodígios e milagres. Como, de fato, poderiam tanto o bem quanto o mal constranger a natureza a expor suas forças excepcionais? Como poderia o espírito réprobo, desviado, perverso deter em alguns casos maior poder que o espírito da justiça, tão poderoso em sua simplicidade e sabedoria, se não supormos a existência de um instrumento do qual todos podem fazer uso, sob certas condições, de um lado para o maior dos bens, do outro para o maior dos males?” Quero insistir enfaticamente com relação a esta dupla interpretação do éter mágico que Lévi aqui apresenta, que nele estão incluídos um elemento inferior vil e um elemento superior nobre. O primeiro é a base da causa feita por si mesma de muitos dos males da espécie humana, o segundo é o fogo central e a Alma do Mundo. O divino Astral é solar e celestial por natureza, enquanto que o grosseiro Astral é lunar, reflexivo e puramente automático. Blavatsky confirma essa hipótese da natureza dupla da luz astral nos seguintes termos: “A luz astral ou Anima Mundi é dupla ou bissexual. Sua parte masculina (ideal) é puramente divina e espiritual, é a sabedoria, é Espírito ou Purusha; sua porção feminina é maculada num certo sentido pela matéria, é efetivamente matéria, e portanto é já o mal*.” Desnecessário afirmar que o teurgo diz respeito inteiramente às mais elevadas regiões da luz astral, os fogos solares .

* A doutrina secreta, v. I .

Do ponto de vista prático, esse plano é o agente mágico ao qual a visão treinada e acumulada dos teurgos atribuiu o poder de transmitir vibrações e impressões não somente de luz, calor e som físicos, mas também aquelas vibrações mais sutis e menos tangíveis, que não são, todavia, menos reais por sua imperceptibilidade, que pertencem a correntes projetadas de Vontade, pensamento e sentimento. Lévi chama esse instrumento de imaginação da natureza, porquanto está sempre vivo de ricas formas, sonhos exóticos, imagens luxuriantes, o veículo imediato das faculdades mentais e emocionais. O controle desse plano constitui de um certo ponto de vista a Grande Obra. Alguns magos, inclusive o ilustre Lévi, opinavam que o segredo mágico central é o da orientação sob vontade desse arcano. Sendo o veículo em que são registradas dinamicamente as paixões e impressões mentais de toda a espécie humana, a memória da natureza inferior, e estando presente na Terra todo o tempo, visto que tudo penetra e é um plano destacado do físico, seu conteúdo deve influenciar muito as mentes de homens débeis e sensíveis. E não apenas esses últimos, como a maioria das crianças da Terra é influenciada de alguma maneira pelas correntes que ondulam por sua substância. Por conseguinte, postar-se isolado em relação às suas cegas ondulações e transcendê-lo cabalmente a ponto de se mover naquele estrato mais elevado que é sua alma não constitui realização desprezível, mas sim digna de todas as energias humanas .

Uma moderna autoridade em magia, aquela cujo pseudônimo é Therion, declara que nos estratos superiores da luz astral “dois ou mais objetos podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo sem interferência entre si ou perda de seus contornos. Nessa luz, os objetos podem alterar sua aparência completamente sem sofrer transformação de sua natureza. A mesma coisa pode revelar a si mesma num número infinito de aspectos distintos. Nessa luz ése célere sem pés e voa-se sem asas; pode-se viajar sem se mover e se comunicar sem as formas convencionais de expressão*.” No que diz respeito ao processo de viajar no corpo de luz, a autoridade que citei acima acrescenta que ali somos insensíveis ao calor, ao frio, à dor e a outras formas de percepção sensorial, que nessa luz estamos presos pelo que superficialmente pode parecer uma série inteiramente diferente de leis. Nesse plano, que é o agente mágico par excellence, símbolos, emblemas e selos não são convenções intelectuais e nem mesmo representações arbitrárias de idéias universais e forças naturais; são entidades vivas absolutas, possuindo nesse plano vida e existência reais e independentes que lhes são próprias. À primeira vista, isso pode não parecer importante, mas tal afirmação é realmente de máxima importância no trabalho mágico. Os símbolos representam no plano astral entidades reais e tangíveis. No capítulo anterior nos esforçamos para demonstrar que os números indicavam com profundidade os processos de evolução e de desenvolvimento e expressavam sinteticamente tanto o ritmo cósmico quanto certas forças e inteligências ocultas a que damos os nomes de deuses, Dhyan Chohans e Essências. A esses números que representam forças imensamente poderosas são aplicáveis vários selos e pictogramas, os quais possuem nesse Mundo Formativo uma existência que não é em absoluto simbólica no sentido no qual entendemos normalmente esse termo, mas real, vital e viva. Na substância plástica e maleável da luz astral esses símbolos podem ser galvanizados à atividade por uma vontade e uma imaginação treinadas. Essa substância é peculiarmente suscetível aos vôos e às obras da imaginação, esta última possuindo o poder de transformar seu fluxo perpétuo e deformidade em moldes e matrizes que a vontade é capaz de estabilizar e energizar poderosamente numa dada direção. Entre numerosos exemplos está registrado aquele de uma mulher grávida que, tendo experimentado um choque nervoso, a impressão foi imediatamente transferida através do meio da imaginação atuante sobre a luz astral ao feto em formação gerado em seu útero. Historicamente, as deusas que presidiam entre os antigos ao nascimento eram deusas da lua e, conseqüentemente, da luz astral. Considera-se entre essas raças que a lua possui maior poder para acelerar o desenvolvimento da vida, das plantas e de toda a vegetação que o próprio sol. Sempre foi tida como o astro da mudança, da geração e da fertilidade. Em A doutrina secreta há muita informação e especulação incomuns a respeito da relação oculta entre a lua e o nosso planeta, embora o mero saber que essa relação realmente exista seja suficiente para finalidades práticas por parte do noviço. A conexão da lua com a luz astral é, entretanto, inteiramente válida, a maioria das autoridades nesse ponto estando de pleno acordo. Astrologicamente, a lua é o planeta que simboliza mudança e fluxo, e as contínuas alterações das formas, a troca das condições. No plano astral, a visão treinada registrou que ali as configurações mudam de forma, cor e tamanho da maneira mais extraordinária; e para o noviço em Skrying constitui um fenômeno sumamente desconcertante e enigmático ver um conjunto de percepções desvanecerse sob seu próprio nariz para ser substituído por um outro grupo de cenas que terá muito brevemente o mesmo destino. Trata-se de um caleidoscópio oscilante de fenômenos, sendo que as figuras, formas e energias nunca estão imóveis. Por conseguinte, estabelecer uma relação entre a lua e a luz astral é uma correspondência perfeitamente óbvia. Ademais, foi observado que a lua não brilha graças à sua própria luz interna e autogerada, mas sim por refletir os raios do sol. Yesod, a esfera da lua na Árvore da Vida, está colocada imediatamente abaixo de Tiphareth, a esfera do sol, refletindo assim as forças criativas de cima para baixo. Há muitas outras razões altamente significativas, demasiado numerosas para aqui serem citadas, a favor dessa associação da lua com a luz astral, conquanto o estudo e o experiência mágica provam a validade e precisão da correspondência .

* Magick, Mestre Therion .

Nas lendas de todos os povos, mesmo dos das mais primitivas tribos selvagens, está presente a concepção da luz astral como meio das vibrações do pensamento e dos atos mágicos. Sir J. G. Frazer, o eminente antropólogo e autoridade em folclore, registra muitas delas em sua A rama dourada. Muitos outros autores também discutiram a natureza dessa força hipotética reconhecida pelos primitivos, sem ter se aproximado de qualquer clara formulação de sua natureza como o grande agente mágico, o que dificilmente se poderia esperar, visto que seus estudos e pesquisas jamais deixam, por um único momento, o plano acadêmico. Os melanésios das ilhas do mar do sul acreditam, segundo afirmação do professor Bronislaw Malinowsky em seu pequeno livro sobre mitos, num depósito ou reservatório de força sobrenatural ou mágica a que deram o nome de mana, o qual, como uma força similar concebida como Orenda pelos índios norte-americanos, crê-se ter seu centro na lua. Essa última parece, por assim dizer, encerrar um tanque gigantesco desse poder oculto que pareceria por eles ser associado com a fonte da vida e da energia. Não é difícil perceber que essa concepção – imperfeitamente registrada pelos antropólogos, ou imprecisamente descrita pelos primitivos, é difícil dizer, sendo provável que a falha exista dos dois lados – seja uma formulação muito vaga daquela realidade que em magia chamamos de luz astral .

Foi, contudo, com absoluta clareza reconhecida pelos teurgos egípcios, sendo que em relação a isso não há o transtorno de teorias ou descrições vagas, pois observamos que quase cada jarda dos chamados mundos superior e inferior, Amentet e Tuat, que são os dois aspectos, inferior e superior do plano astral, é cuidadosamente mapeada e suas qualidades observadas. E como se não o bastasse, em alguns dos capítulos de O livro dos mortos, cada subdivisão é descrita com precisão em benefício dos mortos – e, conseqüentemente, em beneficio do teurgo – acrescendo-se os nomes dos guardiões e vigias dos pilões através dos quais a alma defunta tinha que passar a fim de obter o ingresso em alguns outros salões do reino de Osíris. Repetindo a visão egípcia, Budge menciona que o Tuat não era considerado o subterrâneo seja do céu, seja de seus limites; mas estava localizado nas fronteiras do mundo visível; que não se tratava da um lugar particularmente feliz, percebe-se pela descrição de O livro dos mortos, quando o escriba Ani ali chegou, aparentemente desnorteado, “Não há água ou ar aqui, sua profundidade é insondável, é tão escuro quanto a mais escura das noites e os homens vagueiam sem esperança”. Uma observação final do venerável protetor das Antigüidades egípcias do Museu Britânico é que o Tuat era uma região de destruição e morte, um lugar onde os mortos apodreciam e se deterioravam, um lugar de abominação e horror, terror e aniquilamento; que isto coincide perfeitamente com as esferas astrais inferiores de desintegração ou kama loka pode-se tomar por certo .

O divino astral era conhecido como o reino de Osíris ou Amentet ; também chamado de ilha da verdade onde nenhuma alma podia ser conduzida após sua morte até que fosse declarada “de palavra verdadeira” pelos deuses na Grande Avaliação. Um canto dessa região era especialmente reservado como morada das almas beatificadas, onde Osíris, na qualidade de deus da verdade, era a esperança e consolo eterno daqueles de disposição espiritual .

Teosoficamente, Amentet poderia ser denominado Devachan, a morada dos deuses, e de um ponto de vista teúrgico ocuparia aquela parte do Azoth à qual demos o nome de divino astral .

De acordo com O livro dos mortos há sete grandes salões e vinte e um pilões que dão acesso a essa região celestial, havendo para cada um dos vinte e um pilões dois vigias ou guardiões sagrados. Numa outra parte desse Livro são dados com certo detalhe os nomes dos arautos e guardiões de portas mais as fórmulas de magia prática mediante a qual eles podem ser sobrepujados o ingresso à ilha da verdade realizado. Tão precisos eram os magos egípcios em seu pensamento que imaginavam correspondências entre as várias divisões do Egito e os domínios metafísicos do Tuat e Amentet. Cada uma das várias camadas ou regiões do mundo astral, tanto grosseira quanto divina, era mapeada com uma precisão que mesmo hoje não encontra com que rivalizar ou se igualar .

Há um outra analogia bastante significativa para a qual devemos dirigir nossa atenção .

Entre psicanalistas oficiais encontramos o conceito de inconsciente. Esse termo implica uma corrente dinâmica de pensamento, memória e tendência que flui abaixo do nível de nossa consciência normal individual, servindo como o receptáculo de instintos e memórias raciais e aqueles complexos que são com freqüência o resultado de conflito consciente. Como essa coleção de instintos e impulsos automáticos possui uma origem na evolução muito anterior à formação e desenvolvimento do intelecto no homem, é, conseqüentemente, mais poderosa e urgente dentro dele. É dessas camadas de hábito e consciência racial herdada que se supõe que os primitivos tenham extraído a elaboração de seus eloqüentes mitos e lendas. Esses são, assim, não somente um registro de história pré-histórica da raça, mas também uma expressão dinâmica daquilo que esses psicólogos chamariam de inconsciente coletivo, visto que com respeito a toda raça e povo primitivos, independentemente de ter havido ou não relação e comunicação sociais, mitos e lendas são essencialmente idênticos. Considerando-se que aquilo que os analistas chamam de inconsciente é praticamente sinônimo num certo aspecto do que os cabalistas denominam Nephesch, e considerando-se que este último se funda na luz astral do mesmo modo que o corpo físico se funda e se forma a partir da matéria grosseira, há entre a luz astral e o conceito de inconsciente coletivo uma clara correspondência. Tal como o inconsciente no caso de alguns indivíduos é uma entidade vulcânica subterrânea que despedaça a integridade e unidade da consciência, do mesmo modo a tradição mágica assevera que é ao aspecto inferior da luz astral, o depósito de memórias raciais, apetites predatórios, instintos e todos os impulsos animais, que uma grande parte da espécie humana deve seus problemas, enfermidades e lamentáveis fontes de conflito. É sobre essa parte de Nephesch ou do inconsciente que o mago, afirma Lévi, tem que assentar seu pé, de maneira que seja conquistada, controlada e mantida em seu lugar adequado. Ao mesmo tempo, entretanto, o chamado inconsciente com sua riqueza de material animado, sua fertilidade de idéias e sugestões impressivas pode ser para algumas pessoas a fonte de inspiração poética e artística .

Esse aspecto do inconsciente, o aspecto mais elevado ou divino da luz astral, ou Neschamah no homem, é o que o mago busca cultivar e expandir, visto que graças ao seu crescimento, desenvolvimento e facilidade de expressão ele opera também sua própria integridade individual e a habilidade de superar a si mesmo .

No interior dessa luz astral que individualmente trazemos conosco em todas as ocasiões e em todos os lugares, vivemos, nos movemos e somos. Cada pensamento que temos grava uma impressão indelével na substância impressionável daquele plano – na verdade a tradição sustenta que ele se funde com alguma das criaturas daquele plano e então é transferido de nosso controle imediato para esse oceano pulsante de vitalidade e sentimento para influenciar outras mentes no bem ou no mal. Toda coisa viva respira e absorve essa luz livremente, não sendo exclusividade ou particularidade de nenhuma. De fato nela vivemos muito semelhantemente a um peixe na água, circundados por todos os lados e em toda direção; e como um peixe nós constantemente a aspiramos e expiramos através de guelras astrais, por assim dizer, dela extraindo energia e para ela acrescentando uma variedade de impressões a cada momento. Não só é este agente mágico a imaginação da natureza, como também desempenha o papel de memória da natureza, pois cada ato que realizamos, cada pensamento que atravessa nosso cérebro, cada emoção ao deixar nosso coração registram a si mesmos na matéria astral, permanecendo aí por todo o tempo como um registro eterno, de modo que aqueles que são capazes possam ver e ler. Quanto a isso, Éliphas Lévi observou de maneira significativa que “O Livro das Consciências, o qual, de acordo com a doutrina cristã será aberto no dia derradeiro, nada mais é do que a luz astral na qual estão preservadas as impressões de todo Logos, que é toda ação e toda forma. Não há atos solitários e não há atos secretos; tudo o que nós verdadeiramente queremos, ou seja, tudo o que confirmamos por nossas ações, está escrito na luz astral” .

Embora alguns possam pensar que para o teurgo dificilmente possa haver algo mais interessante e esclarecedor do que examinar a memória dessa luz, não é esta a ação do teurgo, pois isso nem o interessa nem lhe é útil na prática. Como seu objetivo é a aquisição de autoconhecimento e a união divina, seria uma certa perda de tempo precioso envolver-se na transliteração desse registro. A despeito de ser necessário ao mago investigar a natureza dessa luz em seu corpo de luz e familiarizar-se com os aspectos variados de consciência que esse plano continuamente apresenta, no que diz respeito ao seu próprio trabalho, ele sempre procura ascender aos domínios espirituais mais ígneos. Seu interesse na luz astral, sendo esta um plano magnético dinâmico, é no sentido da mesma lhe servir mais pronta e adequadamente do que qualquer outra coisa para focalizar as forças e inteligências com as quais ele aspira entrar em contato. Em segundo lugar, porque nessa luz ou em suas camadas superiores ele pode perceber a si mesmo em reflexo, como os outros o vêem, por assim dizer, e assim obter dados confiáveis que o conduzam ao autoconhecimento .

Separando o bem do mal, o éter solar divino do éter lunar maléfico, ocorre automaticamente uma divisão nessa luz. Nesse plano parece que os pensamentos impuros dos homens perduram por um período mais longo que os bons pensamentos, porque esses aparentemente sobem às camadas mais elevadas, às regiões de harmonia e às partes superiores do mundo da formação. O resultado é que a luz astral, cujo espaço lunar é povoado pelos elementos mais grosseiros e maliciosos do ser, torna-se gradualmente cada vez mais contaminada, sua sujeira pairando sobre a espécie humana como uma mortalha tóxica mortífera. Nos livros da Cabala, os constituintes dessa mortalha venenosa são comparados aos Qliphoth ou cascões excrementais dos estágios mais baixos de existência. São os córtices adversos, “demônios de rosto canino” de acordo com os oráculos caldeus “nos quais não há traço de virtude, jamais mostrando aos mortais qualquer sinal de verdade”. É esse aspecto da luz astral que é para cada ser humano a serpente sedutora do mal do Gênese, e é aquele aspecto cego que tem que ser transcendido pelo teurgo, visto que sendo representado em sua própria constituição é o que obsta a execução da Grande Obra. Se esse processo de preenchimento do plano astral com os Qliphoth continuasse indefinidamente, sem qualquer meio adequado de eliminá-lo e proceder a uma purificação, resultaria no envenenamento total da espécie humana por suas próprias emanações vis. A despeito de todos os esforços do modesto grupo de místicos e teurgos ao longo das eras, que transmutam através de suas próprias vidas e realizações espirituais os elementos baixos em bem duradouro e afável, o mal se torna mais pesado em cima do que embaixo, por assim dizer. A excessiva força maléfica é então precipitada de acordo com as leis naturais e cíclicas. Essas precipitações de impureza astral ocorrem realmente sob as formas de convulsões desastrosas da natureza. Terremotos, incêndios e enchentes elementais, e crimes e doenças cataclísmicas são algumas de suas manifestações. Escrevendo profundamente para confirmação desse parecer, Éliphas Lévi declara a convicção de que a luz astral é “a força misteriosa cujo equilíbrio é a vida social, progresso, civilização e cujo distúrbio é a anarquia, revolução, barbárie, de cujo caos um novo equilíbrio finalmente se desenvolve, o cosmos de uma nova ordem, quando uma outra pomba paira sobre as águas enegrecidas e turvas. Essa é a força pela qual o mundo é transtornado, as estações são mudadas, pela qual a noite da miséria e desgoverno pode ser transfigurada no dia do Cristo… na era de uma nova civilização, quando as estrelas da manhã cantam em conjunto e todos os filhos de Deus proferem um brado de alegria” .

Assim, ao mesmo tempo, a luz astral é um nimbo de máxima santidade e uma serpente vil de destruição, a mais excelsa concepção de um domínio celestial bem como do mais abjeto inferno de depravação. Se é através dos canais da luz astral que são executadas as calamidades universais, e se a anarquia e as catástrofes são o produto de seu desequilíbrio e perturbação, segue-se que através desse meio, também, pode uma ordem nova e aprimorada de equilíbrio e harmonia ser instituída sobre a Terra mesmo em nosso próprio tempo. Uma civilização mais amável pode, assim, ser o resultado da presente passagem a esmo pelo caos e a confusão ignóbil. Eis aqui, então, uma chave à nossa disposição .

Alguns têm acusado o teurgo de ser egoísta no sentido de parecer primeiro empenhar-se a favor de sua própria salvação. Na realidade, seu juramento diz respeito a essa grande realização, essa transfiguração do mundo de desgoverno num aeon mais claro; ele jurou ser o arauto invisível e silente de um mundo novo e melhor. Superficialmente pode parecer que ele tenta lograr um grau de consciência espiritual para si mesmo apenas, e que não se importa em absoluto com o bem-estar da humanidade. Mas seus esforços para alcançar a divindade finalmente redundam no sumo proveito do caminhar normal da espécie humana. “Eu …”, disse um sábio, “…se for erguido, erguerei toda a humanidade comigo.” Assim é com o teurgo. Proclo observou que por meio das invocações mágicas e a união espiritual, as essências divinas parecem de algum modo descer ao mundo e encarnar entre as fileiras dos homens .

Quando o teurgo consumou a união com a Alma Universal e se tornou uno com as grandes essências que constituem a alma e inteligência diretora de Adão Kadmon, o homem celestial, está no domínio de seu poder prestar realmente um serviço incomparável à espécie humana, pois esta terá sido sumamente exaltada pela descida dos deuses. Será, então, uma decisiva possibilidade executar as necessárias mudanças na substância plástica e arquétipos do mundo da formação, que atuarão eles mesmos conseqüentemente no plano físico e ajudarão a elevar as mentes dos homens e restaurar a harmonia e ordem eternas das esferas, fontes da vida e do ser. Mas enquanto o mago não tiver ele próprio instituído harmonia no âmbito de sua própria consciência, seu poder será limitado. Enquanto a beleza e a iluminação não constituírem a ordem de sua própria vida e enquanto ele não tiver equilibrado aquela esfera com as Essências Universais, os centros perenes da luz e da vida que sustentam o universo em todas as suas ramificações, não será capaz de concretizar de maneira cabal esse sonho utópico da humanidade .


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