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9 – I
Iesod – Bonum
O iniciado é aquele que possui a lâmpada de Trismegisto, o manto de Apolônio, e o bastão dos patriarcas.
A lâmpada de Trismegisto é a razão esclarecida pela inteligência; o manto de Apolônio é a posse plena e total de si mesmo, que isola o sábio das correntes instintivas; e o bastão dos patriarcas é o auxílio das forças ocultas e perpétuas da natureza.
A lâmpada de Trismegisto alumia o presente, o passado e o futuro, mostra claramente a consciência dos homens, ilumina os recônditos do coração das mulheres. A lâmpada brilha com tríplice chama, o manto se redobra três vezes, e o bastão se divide em três partes.
O número nove é o dos reflexos divinos: ele exprime idéia divina em toda sua força abstrata, mas também exprime o luxo na crença e, por conseguinte, a superstição e a idolatria.
É por isso que Hermes fez dele o número da iniciação, porque o iniciado reina sobre a superstição e pela superstição, e só ele pode caminhar nas trevas, apoiado como está no seu bastão, envolto no seu manto e iluminado pela sua lâmpada.
A razão foi dada a todos os homens, mas nem todos sabem fazer uso dela; é uma ciência que é preciso aprender. A liberdade é oferecida a todos, mas nem todos sabem apoiar- se nela; é um poder de que é preciso apoderar- se.
A nada chegamos que não nos custe mais de um esforço. O destino do homem é que se enriqueça do que ganha e que depois tenha, como Deus, a glória e o prazer de dar.
A ciência mágica se chamava, outrora, arte sacerdotal e arte real, porque a iniciação dava ao sábio o império sobre as almas e a aptidão para governar as vontades.
A adivinhação é também um dos privilégios do iniciado; ora, adivinhação é simplesmente o conhecimento dos efeitos contidos nas causas e a ciência aplicada aos fatos do dogma universal da analogia.
Os atos humanos não se escrevem somente a luz astral; deixam também os seus traços na fronte, modificam as feições
e o andar, mudam o acento da voz.
Cada homem traz, pois, consigo a história da sua vida, legível para o iniciado. Ora, o futuro é sempre a conseqüência do passado, e as circunstâncias inesperadas não mudam quase nada dos resultados racionalmente esperados. É possível, pois, predizer a cada homem o seu destino.
É possível julgar de uma existência inteira por um só movimento; um só desacerto pressagia uma série de desgraças. César foi assassinado porque amava as poesias de Ossian; Luiz Filipe devia deixar o trono como o fez, porque usava um guarda – chuva. São paradoxos para o vulgo, que não compreende as relações ocultas das coisas; mas são razões para o iniciado, que compreende tudo e de nada se admira.
A iniciação preserva das falsas luzes de misticismo; ela dá à razão humana o seu valor relativo e a sua infalibilidade proporcional, unindo -a à razão suprema pela cadeia das analogias.
O iniciado não tem, pois, esperanças duvidosas, nem temores absurdos, porque não tem crenças desarrazoáveis; sabe o que pode e nada lhe custa ousar. Por isso, para ele, ousar é poder.
Eis, pois, uma nova interpretação dos atributos do iniciado; a sua lâmpada representa o saber, o manto que o envolve representa a sua discrição, o seu bastão é o emblema da sua força e da sua audácia. Ele sabe, ousa e cala- se.
Sabe os segredos do futuro, ousa no presente e cala – se sobre o passado.
Sabe as fraquezas do coração humano, ousa servir- se delas para fazer a sua obra, e cala- se sobre os seus projetos.
Sabe a razão de todos os simbolismos e de todos os cultos, ousa praticá- los ou abster- se deles sem hipocrisia e sem impiedade, e cala- se sobre o dogma único da alta iniciação.
Sabe a existência e a natureza do grande agente mágico, ousa fazer os atos e pronunciar as palavras que o submetem à vontade humana, e cala – se sobre os mistérios do grande arcano.
Por isso, podeis vê- lo muitas vezes triste, nunca abatido nem desesperado; muitas vezes pobre, nunca envilecido nem miserável; muitas vezes perseguido, nunca abandonado nem vencido.
Ele se lembra muitas vezes da viuvez e do assassinato de Orfeu, do exílio e da morte solitária de Moisés, do martírio dos profetas, das torturas de Apolônio, da cruz do Salvador; sabe em que abandono morreu Agrippa, cuja memória ainda é caluniada; sabe a que fadigas sucumbiu o grande Paracelso, e tudo o que teve de sofrer Raimundo Lullo para, enfim, chegar a uma morte sanguinolenta. Lembra – se de Swedenborg fazendo – se de louco ou mesmo perdendo a razão, a fim de fazer perdoar a sua ciência; de Saint-Martin, que se ocultou toda a sua vida; de Cagliostro, que morreu abandonado nos calabouços da Inquisição; de Cazotte, que subiu ao cadafalso. Sucessor de tantas vítimas, não ousa menos, mas compreende ainda mais a necessidade de calar – se.
Imitemos o seu exemplo, aprendamos com perseverança; quando soubermos, ousemos e calemo -nos.
Eliphas Levi – Ritual e Dogma da Alta Magia
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