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Livro Segundo dos Prólogos de Paracelso

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PRÓLOGO PRIMEIRO

(Advertência sobre a ignorância dos médicos livrescos e sobre a conveniência da universidade dos conhecimentos médicos)

Aos médicos e cirurgiões que leem este parêntesis, com o proveito do qual lhes será possível alcançar a categoria de verdadeiros médicos, devo dizer, primeiramente, que não devem considerar-me inábil ou ignorante só porque andamos por caminhos diferentes. Aqueles que não os acompanham simplesmente não veem nada convincente em seus estilos, nem em suas práticas, nem no conhecimento que têm das causas — perfeitanente errôneo —, como vamos repetir mais adiante e demonstrar em seguida.

Não é a rareza de suas curas milagrosas, nem a abundância dos doentes que, tendo se submetido aos seus cuidados foram logo depois abandonados, o que mais nos assombra. Mas que apesar disso continuem glorificando além das medidas todos os seus mestres caldeus, gregos e árabes. Já que conforme o testemunho de seus escritos, os seus clientes de hoje terão a mesma sorte daqueles, acabando a maioria por morrer.

A verdade é que nem esses livros enfraquecem os nossos, nem seus métodos (dos quais na realidade não fazem a menor ideia) impugnam ou destroem os que nós praticamos. Deveriam pensar, pelo contrário, em não nos combater com tais armas, que no final das contas são as mesmas que nós usamos hoje a nosso favor. E cm verdade digo que não conseguiriam com isso senão favorecer-nos.

Se em nossos livros omitimos muitas coisas é porque as mesmas já se encontram de maneira correta nas obras mais antigas, o que não deixamos de reconhecer e assinalar sempre que preciso ou conveniente, sem negar a cada autor a originalidade correspondente. Sem dúvida alguma, nunca nos expressamos desta maneira, a não ser quando falamos dos métodos da medicina natural, na qual pretendem com notória insolência ser considerados como sábios eminentes. E digo, já que insistem em rechaçar com tanta arrogância os conhecimentos das outras quatro escolas, que fazem assim porque não as estudaram nem as compreenderam.

Direi também que Hipócrates esteve muito mais perto da escola espiritualista do que da medicina natural, mesmo sem ter feito menção de tais diferenças em seus escritos. Galeno também trabalhou muito mais de acordo com a medicina caracterológica e com os presságios do que com a medicina natural. E igualmente podemos nos referir a muitos outros autores da mesma maneira.

Igualmente direi, que se é certo que os segredos, mistérios e forças sobrenaturais (facultates) podem ser considerados, a justo título, como magnalia artis, e que na maioria dos casos permanecem ocultos ou escondidos, seria conveniente ir em sua busca por caminhos mais lentos (via longationis), mais seguros, que nos permitam contemplar, pesquisar, repassar e comparar nossas observações com toda a atenção.

PRÓLOGO SEGUNDO

(Sobre as “formas clínicas”)

Neste parêntesis vamos explicar os fundamentos universais da ciência médica, que poderão reconhecer como sendo os mesmos de Avicena, de Rasis, de Averróis, Hipócrates ou Galeno. Todas as coisas compreendidas aqui devem ser levadas em conta, já que são igualmente necessárias tanto na teoria como na prática para o conhecimento de todos os males e seus tratamentos correspondentes, igualmente para os médicos e cirurgiões.

Explicaremos agora rapidamente o conteúdo deste parêntesis. Vamos nos ocupar das entidades (ens) como origens causadoras de todas as enfermidades, separadas nos cinco grupos clássicos, começando por explicar como em cada um deles são produzidos todos os males presentes, passados e futuros.

Será muito conveniente para os médicos que me leem ou me escutam, prestar muita atenção a estas cinco entidades e não acreditar que todos os males provêm de uma só origem. Darei um exemplo para explicar melhor o que acabo de dizer: suponhamos o caso da peste, e perguntemo-nos de onde ela vem. Os adeptos da medicina natural me dirão que é da dissolução da natureza. Os filiados à astronomia preferirão considerá-la como consequência do movimento do céu e do curso dos astros. Qual deles tem razão? Eu digo no entanto que cada um deles, por sua vez, tem uma parte de razão, e que além dessas existem outras razões, já que a natureza é uma entidade e os astros uma outra entidade… etc. Sabe-se que existem cinco pestes, que não são distintas em seus gêneros, essências, formas ou espécies, mas pelas origens de onde elas provêm. Diremos mais ainda, para terminar, que nosso corpo está submetido (subjectum) a cinco entidades, cada uma delas possuindo em potencial todas as enfermidades. E que devemos considerar cinco hidropisias, cinco icterícias, cinco febres, cinco cancros, e assim sucessivamente.

PRÓLAGO TERCEIRO

(Natureza das entidades)

Definidos o nome e o número das entidades, segundo acabamos de expressar no prólogo anterior, vamos nos ocupar agora em conhecê-las devidamente. A entidade é a causa ou coisa que tem o poder de dirigir (regendi) o corpo.

Quando falam tendenciosamente contra nós, e afirmam que a peste vem de humores cuja malignidade está latente no interior do corpo, cometem um erro tremendo. Em vez de ficarem vendo como está o corpo quando se encontra atacado de infecção, deveriam averiguar qual é e o que é o veneno que o contamina. Todos os males possíveis aparecem do corpo num dado momento, quando o organismo fica inflamado e atacado de uma ou outra maneira, apesar de que não se possa, na maioria dos casos, precisar a causa determinante da doença.

Fora isso, lembrem-se também de que existem cinco coisas que ferem o corpo e o dispõe para a enfermidade. E que é necessário que o organismo se submeta a elas, porque só assim conseguirá o seu debilitamento. 1

Desta maneira veremos como cinco fogos invadem e aparecem no organismo toda vez que cada uma das entidades o alcança com seu tremendo poder aflitivo (afficere).

Assim, quando estiver frente a um paralítico, sua primeira precaução será examinar cuidadosamente o fogo, ou seja, a entidade que produziu a paralisia. E direi que o médico que não consiga identificá-la ou possuí-la, está completamente cego e não conseguirá jamais a cura de nenhuma outra doença.

PRÓLOGO QUARTO

(Ainda sobre a natureza das entidades)

Continuaremos aqui com o estudo sobre a natureza das entidades. Primeiro diremos que nos escritos de um grande número dos nossos antepassados e predecessores encontram-se alusões e ideias plenamente de acordo com o nosso conceito de medicina, cujo princípio quíntuplo era por eles condensado num só e chamado de “sopro vital”. Da mesma maneira, e ainda que demos hoje preferência aos remédios feitos com nervos e medula, deixaremos de menosprezar suas receitas.

Como final do exórdio e deste parêntesis, definiremos as entidades como diretoras, moderadoras e reguladoras do nosso corpo.

No primeiro tratado examinaremos a essência e a força que os astros encerram. Esta força que atua e influi constantemente sobre o nosso ser, chama- se entidade astral (ens astrorum) e deve ser considerada como a primeira a que estamos submetidos.

A segunda força ou potência é a entidade dos venenos (ens venerú), cuja açào é sempre perturbadora e violenta. Neste sentido observem a diferença essencial que distingue essas duas entidades. Assim como a influência dos astros é intrinsicamente saudável e incapaz de nos causar prejuízos de qualquer espécie, a dos venenos será sempre nociva.

A terceira força é aquela que enfraquece e desgasta o nosso corpo pelo simples fato de existir, e pode coexistir ou não com as demais. Chamá-la-emos de entidade natural. Estamos expostos a esta entidade em todas as ocasiões nas quais exigimos esforços imoderados do nosso corpo, ou mesmo quando ele se encontra enfraquecido por uma compleição deficiente, do que podem resultar todas as enfermidades, sem exceção, mesmo que as outras entidades apareçam favoravelmente dispostas.

A quarta entidade emana do poder dos espíritos, que ferem e enfraquecem os corpos que caem debaixo de sua influência.

A quinta entidade que pode nos afetar, não obstante as quatro nos sejam favoráveis e esta esteja acima delas, é a entidade de Deus (ens Dei). Uma entidade que devemos considerar com a maior atenção e antes de todas as outras, porque nela está a razão de todas as enfermidades.

Observem que de acordo com isso e conforme temos explicado várias vezes, todos os males provêm de cinco entidades ou princípios diferentes e não de uma só entidade, como costumam sustentar sem nenhum fundamento e completamente errados.

PRÓLOGO QUINTO

(Razão da especificidade dos remédios)

O assombro diante dos resultados é sempre causado pela ignorância ou a incapacidade. Por isso não há motivo para que fiquem assombrados com este prólogo. Se mesmo assim escandalizam-se facilmente, podem passar adiante e não ler este parêntesis. Não temos medo das suas penas por mais que tenham escrito contra nós em diversas ocasiões.

É certo que contem sempre com todas as espécies de medicamentos e receitas (recepia) contra febres, compostas com a maior habilidade, apesar do que não é menor o medo que nos dá só de pensar que elas não sirvam para nada ou causem efeitos contraproducentes. Isto porque, se considerarem seus fundamentos, poderão perceber suas ignorâncias. Realmente estiveram atentos a certas coisas quando deveriam verdadeiramente ter considerado outras.

Pensam que existem somente setenta espécies de febre quando em verdade existem cinco vezes este número. Isso acontece porque somente dirigem seus espíritos e inteligências para a entidade natural, a única que adotaram. Se existisse somente esta entidade, as atitudes e as suas afirmações seriam lógicas. Isso acontece porque somente se ocupam da enfermidade, o que os leva frequentemente ao erro. Da mesma maneira, se fossem mais honestos consigo mesmos, reconheceriam que mais de uma vez ficaram sem saber se os seus doentes febris se curaram por meio dos medicamentos administrados ou simplesmente sem eles. E quanto a mim, afirmo que se o doente febril foi abrasado pelo astro, somente ele e ninguém mais além dele será capaz de matá- lo ou devolver-lhe a saúde (restituir).

Não é correto que receitem os medicamentos de um modo fantástico, fazendo com que o doente beba uma farmácia inteira, porque de acordo com o tratado da entidade astral ela será de uma eficácia duvidosa para o enfermo, podendo causar sérios prejuízos para vocês mesmos.

Que as entidades não lhes sejam desconhecidas ou estranhas, para que possam compreender tudo o que fazem e para que sejam úteis e não prejudiciais para os seus doentes.

Acabo de expor esta teoria dentro de limites estritamente físicos para que possam compreendê-la já que unicamente são capazes de alcançar os significados da entidade natural, apesar das suspeitas que tenho, achando que neste ponto vocês misturam e confundem tudo lamentavelmente. Isto explicaria a incapacidade que têm para distinguir os diversos medicamentos que precisam ser escolhidos, assim como o quando e o como de sua aplicação.

PRÓLOGO SEXTO

(Onde Paracelso se previne contra a possibilidade de ser considerado herege)

Prestem-nos pois, daqui para frente, toda a atenção. Agora que já estabelecemos as cinco dominações (principatus) às quais o corpo se encontra submetido e através das quais experimenta o estado de enfermidade, seguiremos adiante com cinco tratados, todos referentes à entidade astral, à entidade venenosa, à natural, à dos espíritos e à de Deus.

Previamente devo declarar: ainda que reconhecendo-nos como filhos do cristianismo, utilizamos em nossos escritos a linguagem dos gentios e dos pagãos. Principalmente a fé, acima de tudo, é que nos tem permitido não esquecer em nossos estudos a consideração das quatro entidades: astral, natural, do veneno e a dos espíritos, que na verdade são entidades de estilo pagão, já que somente a entidade divina é de estilo cristão.

O estilo dos gentios que nós vamos empregar na descrição das quatro entidades, não só não manchará nossa fé como também contribuirá para aguçar nosso espírito. Se decidimos chamá-lo estilo dos gentios foi porque sabemos que seu conteúdo foge da fé de Cristo, apesar de termos feito uma profissão pública de fé com os que são cristãos de nascimento e de raça. G continuamos o estudo da natureza das quatro entidades profanas e da quinta entidade divina, conforme já dissemos durante este tratado. Por isso vamos dedicar este último livro à entidade divina e às conclusões que podemos chegar através da fé.

Neste livro no qual renunciaremos ao estilo profano, compreenderemos o verdadeiro fundamento da verdade e perseveraremos na fé. Seremos então verdadeiros “fiéis”, de tal maneira que, abandonando todo o paganismo, os veremos chegar junto a nós como cristãos, com o que finalmente poderão nos julgar segundo os livros escritos no estilo dos fiéis.


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