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Vampirismo e Licantropia

O Medo Que Nos Fascina

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Desde tempos imemoriais, antes mesmo do Coliseu romano, expressão máxima do horror organizado, o homem sente uma atração e um prazer inexplicável por tudo o que produza medo. A literatura, o cinema e a televisão alcançaram seus maiores sucessos mergulhando nesse mecanismo psicológico que ninguém ainda conseguiu definir. As crianças costumam ouvir as primeiras histórias de terror da boca de seus pais e avós. “Conte uma história” é o pedido que sempre fazem quando a noite já caiu e estão deitados para dormir. Sabem que a história muitas vezes será aterrorizante, que o pai ou o avô invocarão uma vez mais a odisséia de João e Maria ou o trágico destino de Chapeuzinho Vermelho. No final da história, fecharão os olhos sem se dar conta de que acabaram de materializar um rito que vem sendo cumprido desde a época das tribos mais primitivas até os nossos dias: conjurar o medo e invocá-lo, mesmo que o preço desse encontro seja os pesadelos que, sem dúvida, virão com o sono.

Não é difícil descobrir quais foram os principais motivos que provocaram medo entre os primeiros homens que habitaram a Terra: os trovões, os relâmpagos, o vento, a chuva e o granizo. Cada um desses elementos foi transformado em uma divindade e para cada deus eles inventaram uma história turbulenta, dura e feroz; depois se dedicaram a adorá-los, cantando em odes terríveis como Zeus havia sua esposa Métis ou como Prometeu, acorrentado a uma montanha no Cáucaso, sofria a condenação eterna de ter uma águia insaciável lhe comendo o fígado dia após dia, por ter roubado o fogo dos deuses, dando-o aos homens. Desde então, o homem sente um inquietante fascínio pelo horror. Existe uma estranha entre o medo e o prazer. O Coliseu da Roma Imperial, com sua pavorosa cerimônia de morte e sangue, é uma prova fiel desse fato: os romanos compareciam em peso aos espetáculos. O povo ia ao circo com o mesmo fervor que hoje se vai a um estádio de futebol e torcia pelos leões com a mesma paixão com que hoje se torce pelos times favoritos. Para o público do Coliseu, aquilo era uma festa, que celebravam com alegria.

Hoje, causa-nos espanto vê-la produzida em filmes; no entanto, não fechamos os olhos nem saímos do cinema. Não é por acaso, então, que o conde Drácula continue seduzindo adultos e crianças. Também não é por acaso que esse personagem da literatura tenha existido na vida real; era o príncipe romeno Vlad Tepes, a quem seus contemporâneos do século XV chamavam de “Dragão” ou “Diabo”. Não há provas da afirmação que Vlad Tepes costumava beber sangue humano, mas ele tinha um hábito sinistro : empalar seus inimigos turcos. A cerimônia da empalação, sempre presenciada avidamente pelos súditos de Vlad Drácula., consistia em espetar os prisioneiros vivos em afiadas estacas de madeira e assistir à prolongada agonia dos infelizes. Uma execução mais rápida, porém igualmente horrenda, era o espetáculo da guilhotina. Após o triunfo da Revolução Francesa, em 1789, milhares de republicanos reuniam-se nas praças para ver os condenados nobres serem guilhotinados. As crônicas da época observam que aquela execução havia se transformado em um verdadeiro evento social: as mulheres levam seus bordados e, junto com seus maridos, celebravam, gritando e cantando, cada vez que uma cabeça rolava. Na Inglaterra puritana do século XVII acontecia algo parecido. O enforcamento dos condenados havia se transformado em ato público, aberto a quem quisesse presenciá-lo. O comparecimento era maciço; os fleumáticos britânicos chegavam de madrugada para não perder um só minuto do espetáculo. Um decreto humanitário determinou que as execuções passariam a ser realizadas no pátio da prisão, na presença de poucas testemunhas. Houve tantos protestos populares, que a Coroa se viu obrigada a rever a medida e voltar a enforcar condenados em praça pública. Uma das maiores fontes de terror deste século foram os campos de concentração nazista da Segunda Guerra Mundial. As provas mais contundentes desse massacre foram deixadas pelos próprios criminosos: os comandantes alemães filmavam as atrocidades cometidas em suas prisões e costumavam a projetar esses filmes sinistros durante as tardes enquanto tomavam chá.

Muito antes de testemunhar esses crimes verdadeiros, o cinema se convertera no melhor veículo para exibir as ficções de terror, lugar que ainda lhe pertence apesar do enorme avanço da informática e das horripilantes experiências proporcionadas pela realidade virtual. Os filmes de terror nasceram junto com a cinematografia. George Mélies, um dos pioneiros do gênero, filmou, em 1896, Escamotege d’une Dame Chez Robert-Houdin e, em 1912, A Conquista do Pólo, no qual um dos expedicionários era devorado diante das câmaras pelo Abominável Homem das Neves. Em 1915, o diretor alemão Stellan Rye estreava Der Golem, filme que recriou a figura de Golem, personagem da tradição judaica. Em 1920, Robert Wiene lançou , O Gabinete do Doutor Galigari e, em 1922, F. W. Murnau apresentou Nosferatu, dois clássicos cultuados pelos amantes do cinema.

A lista é interminável. O número de filmes retratando monstros, fantasmas, vampiros e outras criaturas capazes de provocar medo só é superado por um gênero bastante semelhante ao terror: o filme policial. As sofisticadas superproduções atuais, recheadas de seres terríveis, assustam muito menos que as inocentes realizações clássicas: o sádico criminoso Freddy Krueger, protagonista da famosa série A Hora do Pesadelo, converteu-se em herói infantil, embora sua atividade principal fosse a de assassinar crianças e jovens. Este é um detalhe importante, Freddy Krueger é uma criatura monstruosa, fisicamente horrível. Por que os jovens o colocaram em sua galeria de heróis? Talvez seja uma nova maneira de invocar o terror na ficção. Os monstros dos primeiros filmes obrigatoriamente horripilantes, que provocavam medo só de olhá-los, mas não passava pela cabeça de nenhuma criança daquela época colocá-los em pé de igualdade com os heróis de então. Seus espaços estavam perfeitamente delimitados. Cada vez que uma criatura horrorosa aparecia em cenas, os gritos desesperados dos espectadores (sem distinção de sexo) abafavam a melodia do piano que, com sons tétricos, acompanhava esses filmes. Dessa época são os clássicos Frankenstein, Drácula, O Lobisomem e A múmia. A Segunda Guerra Mundial, com seus campos de extermínio de um lado e com Hiroshima e Nagasaki de outro, colocou em maneiras de provocar o terror. O advento da radiação atômica permitiu a imaginação de novas criaturas terríveis: insetos inocentes tomavam a forma de monstros gigantescos, lagartos transformavam-se em dragões impiedosos. O mal também poderia vir do espaço: os Ovnis traziam terríveis seres de outros planetas que visitavam a Terra no intuito de destruir os seres humanos.

Os filmes de terror dos anos 50 pareciam repetir os mecanismos que haviam caracterizado seus primeiros congêneres: o terror era produzido pela figura monstruosa que surgia de repente na tela. Antigamente, sua aparição era anunciada por acordes do piano colocado em um canto da sala e, depois, pelas trilhas sonoras. Somente alguns filmes de Hitchcok, como Psicose e Os Pássaros, fugiram desse padrão. O Bebê de Rosemary, de 1968, e O Exorcista, de 1973, mostraram que o mal podia entrar em qualquer casa sem avisar e sem vestir roupas de monstro. Retornava-se às formas de terror mais antigas: bastava o nome do monstro para se sentir medo, sem precisar mostrá-lo. A Coisa e Alien, o Oitavo Passageiro são uma prova disso. Com Freddy Krueger, talvez tenha ocorrido uma curiosa contradição: despertar terror e admiração ao mesmo tempo. No decorrer dos séculos, o ser humano pôde entre ser ator ou espectador, ou seja, podia produzir adrenalina diante de um perigo verdadeiro ou experimentar o prazer de viver aquelas situações como espectador, sem correr nenhum risco. Os romances, o teatro ou o cinema de terror jogam com esses valores. Não são mais que um passatempo, em que o perigo não é verdadeiro e tudo sempre acontece a uma determinada distância: nas páginas de um livro, num cenário ou projetado na tela.

Para o sociólogo Joost A. M. Merloo, que pesquisou a sociologia do horror em situações de guerra , sentir medo, ler livros e assistir filmes de terror são atividades vitais para o comportamento humano, pois têm a capacidade de treinar as nossas defesas contra expectativas misteriosas. Essas histórias terríveis ajudam a amenizar os nervos e a nos preparar para os verdadeiros perigos. Inconscientemente, as crianças sabem disso; querem que seus pais lhe repitam as horríveis histórias de mistério, querem tremer e sentir calafrios, preparando-se assim para os maiores temores da vida. Talvez as crianças não estejam totalmente equivocadas quando, ao cair da noite, protegida pelo calor dos lençóis, pedem aos seus pais ou avós que contem uma história com muitos fantasmas e defuntos, que lhes provoque medo. Levemos o monstro para passear Foi o que Stephen King, um dos maiores mestres da literatura de terror escreveu sobre o medo “Quando me perguntam de onde vêm minhas idéias, respondo que se originam nos meus próprios pesadelos, mesmo quando não estou dormindo. Trata-se simplesmente de saber identificar o medo, o mais antigo sentimento do homem, e que continua dentro de nós. Temos do medo de tudo: do desconhecido, do abismo, da noite, das tempestades, da selva e dos desertos. Na hora de escrever, basta pensar que aquilo que me assusta provavelmente assusta os outros. Em algum lugar dentro de nós existe uma chave que acende o medo; é aí onde se instala o conto de terror, quando está bem escrito, pois o homem sente mais atração por monstros e dragões do que por heróis. Como é impossível estar sempre lutando contra nossos próprios demônios e males, de vez em quando sentimos necessidade de levá-los para passear.”


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