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O Beijo de Fogo é o máximo do prazer. É o desejo de tirar da vida o alimento para a eternidade. Mas este relacionamento chega inclusive a ir além do puramente alimentar. É uma tentativa de transubstanciação, uma união hipoestásica bastante difícil de compreender. O liquido que transvasa é apenas um simulacro, uma diversão até. Algo que distrai a vítima do verdadeiro roubo, da verdadeira extorsão, disto que se encontra alheio, em outro lugar ou, às vezes, em outro tempo e que o sangrado mal suspeita, a absorção da própria alma. A Bíblia, que segundo os cristãos é a palavra de Deus impressa em um livro, e, por conseqüência nunca erra, diz que “A alma da carne está no sangue” (Levitício, 17, 2); assim, quando um vampiro sorve o sangue absorve também a alma da vítima, o que confere um toque mágico à ação.
Por esta razão, o vampiro seleciona vítimas fortes e vigorosas, tendo a intenção mágica de transferir toda a sua força para si mesmo, esgotando o desprevenido. Costuma-se preferir vítimas determinadas, com muita personalidade ou até um pouco autoritárias, pois estas possuem uma resistência maior e uma alma mais forte.
O esgotamento da vítima deve ser total. E se for um trabalho realizado com habilidade e mestria, a vítima pode entrar num estado mórbido de inconsciência ou sonolência profunda, similar ao coma, num breve lapso de tempo. Talvez minutos. Os mestres nesta arte podem prosseguir a prática até que a vítima esteja no umbral da morte. Deste modo, não só se obtém a força física da vítima como também escraviza-se-lhe o espírito, que passa a servir ao vampiro como espírito familiar.
Assim, nos casos vulgares o vampiro vai direto ao fim, violentando suas vítimas sem complacência e estrangulando-as amiúde logo que se farta delas. Entretanto, o vampiro está sujeito a experimentar, ocasionalmente, um fascínio de intensidade crescente, para com certas pessoas, análogo à paixão do amor. Para se aproximar dessas pessoas, ele demonstra uma paciência inesgotável e cria uma inaudita profusão de estratagemas de conquista antes de consumar seus intentos. Nestes casos, ele irá cultivar e prolongar seu prazer criminoso com requintes de detalhes, dedicando-se a persistentes cortejos para, aos poucos, seduzir a vítima. Espera então receber, da parte desta, um sentimento de aprovação e simpatia. Não desiste antes de haver saciado sua paixão, bebendo até a última gota do sangue de sua desejada vítima. A medida que a vítima perde sangue, vai se tornando mais sensível e sua agonia apresenta uma doçura embriagante. Apesar da palidez e do esgotamento, a vítima adquire uma nova beleza. A enfermidade despoja-a de seu viço natural para cerca-la com o halo de um espírito fugaz, semelhante a um ser precioso demais para o deleite humano, como se houvessem tomado-lhe posse os inclementes deuses que se ocultam na obscuridade.
Durante o dia fica prostrada, só se agitando ao cair da noite. Morrendo, após certo tempo, de enfraquecimento e torpor caso continuem os ataques. Nos sonhos que acompanham os ataques parece à vítima que o quarto torna-se cada vez mais tenebroso e, subitamente, vem a dolorosa impressão de duas picadas de agulhas penetrando na garganta.
No Dissertatio de Vampiris Seruiensibus, publicado na Alemanha em 1733, John Heinrich Zopfius descreve os ataques da seguinte forma: “Os vampiros saem de sua sepultura pela noite, atacam as pessoas que dormem, apassiveis, na sua cama, extraem todo o sangue de seu corpo e as destroem. Perseguem homens, mulheres e crianças sem que lhe importe idade nem sexo. Aqueles que se encontram sobre sua maléfica influência sentem asfixia e uma falta total de alegria, após o qual advém a morte. Algumas pessoas a quem se perguntou, pouco antes de falecer, pelas causas que lhes obrigavam a abandonar o mundo dos vivos, responderam que certas pessoas recentemente falecidas haviam abandonado suas tumbas para atormentar-lhes.”
Os que falam nisso, às vezes mencionam a impossibilidade para discernir uma forma humana ou um rosto preciso. Muitas vezes trata-se de uma forma animal, escura, na qual brilham dois olhos. Se a vítima toma consciência de que se trata de um vampiro durante os primeiros pesadelos que acompanham os ataques e conta a seus familiares, pode ser salva, caso sejam tomadas às devidas providências. (É claro que nos dias atuais diriam que foi apenas um delírio causado pelo estresse. Depois a pessoa morreria de ataque cardíaco ou qualquer outra coisa mais racional …) Se guarda silêncio, pouco a pouco os pesadelos diminuem e desaparecem, dando lugar a uma espécie de torpor mórbido de aparência neurastênica e uma atração pela morte. A vítima está então definitivamente perdida.”
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