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por Claudio Siqueira
Nosferatu despertou de seu sono sepulcral desde 1922 nos cinemas e quem tirou a estaca de seu peito foi Robert Eggers, responsável por petardos como A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte, mas muitos têm reclamado de sua versão. Talvez pelo bigodão, que remonta ao famigerado Vlad Tepes. Seja como for, o Morte Súbita não vem aqui julgar o filme mas elucidar a sua história, sua origem etimológica e a eminência parda oculta do termo Nosferatu.
Nosferatu foi a primeira versão não autorizada do romance Drácula, de Bram Stoker. Bram havia morrido há dez anos e sua viúva, Florence Stoker, não havia liberado os direitos autorais para uma produção cinematográfica. A Prana-Film (sugestivo nome, não?), produtora alemã, havia nascido há apenas um ano (1921) e viu potencial em dar vida ao morto-vivo. Foi assim que Friedrich Wilhelm (não, não é o Nietzsche) Murnau (diretor) e Henrik Galeen (roteirista) foram recrutados para levantar Drácula do caixão; ou ao menos, tirá-lo das prateleiras e lançá-lo nas telas.
Como toda pirataria que se preza, a adaptação não autorizada precisava de pequenas modificações. Assim, Conde Drácula se tornou Graf Orlock; Jonathan Harker, Gustav Von Wangenheim; Mina Murray virou Ellen Hunter; Abraham Van Helsing tornou-se Professor Bulwer e R.N. Renfield, que foi repaginado no terrir com Nicholas Cage, virou Knock. Renfield serviu de eminência parda para a classe de personagem Carniçal (Ghoul), do RPG Vampiro: A Máscara. Falaremos disso adiante.
Nosferatu e Drácula, a origem dos termos
Não vamos nos alongar aqui acerca dos enredos e discutir cada um dos filmes, mas nos ater aos aspectos ocultos. A história foi ambientada em 1838, quando uma pandemia de cólera devassou a Europa. O termo Nosferatu vem de um antigo termo eslavo Nosufur-atu, que por sua vez vem do termo grego Nosophoros (Portador de Pragas), algo como Foco de Pestilência. Entendedores entenderão.
Tanto no filme original quanto no atual e mesmo no magnífico Drácula de Bram Stoker, os ratos estão presentes quase que como asseclas do vampirão. Em Drácula de Bram Stoker, Vlad Tepes se teletransporta deixando em seu lugar uma massa de ratos. Algo muito próximo à Forma Múltipla das Ananasi, outra classe de personagem do sistema de RPG, desta vez, Lobisomem: O Apocalipse (Livro do Jogador).
O termo Drácula, por sua vez, advém de da palavra romena Drac, algo como dragão, significando diabo. O pai do histórico Vlad Tepes havia ingressado na Ordem do Dragão, uma irmandade – pasmem – cristã, que tinha por objetivo escorraçar os turcos. Assim, Dracul-a significa Filho de Dracul; do Dragão, do diabo.
O filme foi lançado em 1922, a única obra pronta e completa da produtora. Bram Stoker havia morrido em 1912, o mesmo ano em que Aleister Crowley fora convidado a ingressar na Ordo Templi Orientis. Em 1922, ano em que Nosferatu Eine Symphonie des Grauens foi lançado, foi o mesmo ano em que Crowley assumiu o cargo de O.H.O. (Outer Head of the Order–Cabeça Externa da Ordem) da O.T.O. sob o motto de To Mega Therion (A Grande Besta). Sincronicidade?
Albin Grau e a Fraternitas Saturni
Albin Grau, um dos diretores da Prana-Film era arquiteto e devidamente arquitetou (com o perdão do pleonasmo) o filme. Indumentária, ambientação, atmosfera, linha promocional… Grau era membro da Fraternitas Saturni sob o motto de Master Pacitius. O contrato que Gustav Von Wangenheim assina é muito mais um juramento de ordem ou quiçá um pacto do que um contrato imobiliário. Gustav não “leu as letras miúdas”, até porque estavam em enoquiano.
Bram Stoker, por sua vez, chegou a figurar nos quadros da Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada). O diretor do atual manteve as eminências pardas ocultas, aliás, não tão ocultas assim, visto que Renfield, ou melhor, Knock, faz seu ritual sobre um Heptagrama de Babalon.
World of Darkness: Nosferatu como clã
Mark Rein-Hagen em sua série de livros de RPG World of Darkness cria, na série Vampiro: A Máscara, o clã Nosferatu. Nietzschedamente inspirados no personagem do primeiro filme de 1922, a fisionomia dos Nosferatu se assemelha à de Graf Orlock, bem como suas Disciplinas (conjunto de poderes de cada clã). Entre elas, Potência (superforça, concernente a quase todo vampiro em suas muitas releituras cinematográficas), Ofuscação (a habilidade de ocultar-se e/ou camuflar-se nas trevas ou na penumbra) e, principalmente, o Animalismo.
Essa última Disciplina é também compartilhada pelo clã Gangrel e diz respeito à capacidade de se comunicar com animais, mas no caso dos Nosferatu, diz respeito a comunicar-se com ratos e baratas, os famigerados Bichos Escrotos, que intitula a música dos Titãs. Uma outra classe de personagem, os Carniçais, foi nitidamente inspirada no personagem Renfield, um wannabe vampire que sonha em tornar-se um membro da raça das trevas mas não passa do grau de assecla de Drácula.
O termo Carniçal foi uma fortuita tradução para o original, Ghoul. Pouco conhecido por nosso imaginário popular, o termo aparece na letra da música de Michael Jackson, Thriller e intitula o antigo jogo Ghouls ‘n Ghosts. O termo derivou para outras palavras, entre elas, Golem. Na mitologia judaica, o Golem ganhava vida ao se escrever a palavra Emét (אמת) com as letras Aleph, Mem e Tav em sua testa. Para matá-lo, devia-se apagar a letra Aleph, criando a palavra Mét (Morto). Sendo a letra Aleph equivalente ao elemento Ar, ao ser apagada, o Golem perdia o “sopro divino” e morria. Não por acaso, a série Sherlock mostra o assassino Golem que mata por asfixia no episódio The Great Game.
Claudio Siqueira – Jornalista, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como os panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.
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