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No lugar da pesquisa1, é o filho mais moço de uma série de sete homens. Para liviar-se do fadário (maldição) deve, segundo alguns informantes, ser batizado pelo irmão mais velho e, segundo outros, pelo irmão do meio, isto é, o quarto. Mais tarde deverá ser padrinho de crisma do irmão que o batizou, para confirmar. Se assim acontecer, não se transformará em Lobisomem. Caso o irmão ainda não tenha idade para ser aceito pela Igreja como padrinho, só carrega a criança na hora de ser ministrado o sacramento. O padrinho será um santo, de livre escolha.
O fadário pode também recair em qualquer menino ou rapaz, mesmo não sendo o sétimo filho. Uns dizem que é castigo ou penitência que Deus dá. Outros acham que isso acontece por artes do Diabo – porque foi tocado pelo Inimigo. Homem que fica 10 anos sem se confessar e comungar ou sem pôr a mão na água-benta, não se livra do fadário. Quem falta ao respeito para com os pais ou padrinhos pede também virar Lobisomem; se for mulher, vira Bruxa.
Se uma criança manifestar-se Lobisomem e ainda não estiver batizada, deve ser chamada a mulher destinada a ser sua madrinha para batizá-la em casa, de emergência; e no menor prazo possível deverá ser levada à pia batismal para o sacramento definitivo. Na noite da primeira sexta-feira, após o batismo na igreja, a madrinha espetará sete agulhas virgens no corinho do nenê, no ombro esquerdo, segurando-as, para não caírem, até o dia clarear. Na sexta feira seguinte, repetirá o procedimento, no lado direito; na terceira sexta-feira voltará a repeti-lo, no lado esquerdo.
Isso foi feito pela mãe da informante, em um afilhado, que cresceu sem nunca mais virar Lobisomem.
A mãe dele estava comendo galinha e jogou os ossinhos em baixo do seu berço. Ausentouse por um momento e, ao voltar, avistou um cachorrinho preto roendo os ossos. Na cama, só o pacote (enrolado dos cueiros); a criança não estava lá. Correu a chamar a madrinha do nenê. Quando voltaram, o menino já estava novamente no berço e o cachorrinho preto desaparecera. Procederam, então, ao ritual das agulhas, e assim acabou-se a maldição.
O fadário pode aparecer nos primeiros dias de vida da criança, a partir dos sete ou dos treze anos, ou ainda em qualquer idade, como castigo. A primeira transformação pode ocorrer em qualquer dia da semana (exceto aos sábados e domingos), mas geralmente é na noite de quinta para sexta-feira maior (santa). Nessa noite da Quaresma, todos os amaldiçoados se transformam. Daí por diante, qualquer outro dia, exceto o sábado e o domingo, será eventuaImante propício à mutação. Mas a maior parte dos informantes indica, além da Quaresma, as quartas e sextas-feiras: As fases da Lua, segundo eles, não exercem influência alguma.
O Lobisomem, como a Bruxa, pode ser um vizinho. Como homem, é magro e pálido. Tem o corpo coberto de pêlos abundantes, sobrancelhas espessas, barba cerrada. As orelhas são grandes: Não encara as pessoas – sempre desvia o olhar. É sorumbático, tem gênio esquisito. Não tira a camisa perto de ninguém, porque não gosta de mostrar o corpo, com sinais evidentes do fadário ou maldição, como os ante-braços calosos por andar de quatro, como um animal. Em casa, vomita porquera que come – estrume, carniça. Sai à noite e nem a mulher, nem os amigos, sabem para aonde vai.
Existem duas espécies de Lobisomem: o vivo, que se transforma em cachorrão preto ou de cor escura e, às vezes, em porco ou bezerro; pode também aparecer como ,cachorrão com o pêlo para dentro e a carne para fora. E o morto, isto é, o que morreu antes de cumprir o fadário, devendo continuá-lo ainda depois da morte, e que surge ora como um cachorrão branco, ora como um bezerro branco. O vivo, se for escorraçado por homens, tem medo e foge. O morto, pelo contrário, ataca para matar. Esconde-se atrás de uma Santa-Cruz e investe de surpresa: Para livrar-se dele, deve-se abrir os braços em cruz e rezar o Crendospadre.
O fadário tem duração variada, mas pode prolongar-se por sete anos.
Uma das formas de interrompê-lo é quando a esposa descobre que o marido é Lobisomem. Segue-o, então, quando ele sai de casa. Ele vai despir-se e deixar a roupa nos braços de uma Santa-Cruz; depois vai espojar-se no chão, numa encruzilhada onde haja excrementos de animais – ou num galinheiro – quando se dará a transformação. Como cachorrão, tem a parte de trás mais alta do que a da frente e grandes orelhas, qus batem com estrépito quando corre. Assim, é impossível confundir um Lobisomem com um cachorro comum.
Depois de virar, ele sai em desabalada carreira para correr sete praças, isto é, sete cidades, após o que deverá retornar, no prazo de uma hora, antes de clarear o dia, antes das três horas da madrugada; ou antes que o galo cante (segundo opinião de cada informante), ao lugar onde deixou a roupa, quando então desvira e volta para casa. Se não voltar ao lugar de partida a tempo, aparecerá nu, onde estiver. Enquanto ele percorre as sete praças, a esposa, que o seguiu, devérá queimar-lhe todas as roupas e colocar outras, completamente novas, no lugar. Ele, vestindo essas roupas que nunca foram usadas antes, fica livre do fadário. Volta para casa, esquecendo-se completamente da sua vida de Lobisomem. A esposa não lhe pode contar o ocorrido; sé o fizer, herda o fadário, e, conseqüentemente, passará a se transformar em Bruxa.
As outras formas de fazer cessar o fadário são: tirar-lhe sangue, surrá-lo com duas cordas de fumo amarrando uma terceira no seu pescoço, ou contar-lhe que é um Lobisomem. Quem lhe tira sangue não escapa à maldição. Nos outros casos corre o mesmo risco. Mas, às vezes, por ser muito devoto e protegido dos santos, livra-se do fadário. E a mulher que herda a penitência transforma-se em Bruxa.
O Lobisomem está sempre rondando onde há mulheres grávidas ou criancinhas, especialmente se ainda pagãs. Ataca a própria esposa na téntativa de rasgar-lhe o ventre e comer o filho esperado, pois no estado de encantamento não tem consciência dos seus atos. Aprecia filhotes de animais de todas as espécies, excrementos e carniça.
Ao se encontrar um Lobisomem, deve-se fechar ou baixar os olhos e esconder as unhas: Isso para não provocá-lo.
à meia-noite, quando saía do trabalho; pois era esse o horário em que todas as noites voltava para casa, situada quase em frente ao serviço. Era um animal escuro, enorme, do tamanho de um bezerro, com grandes orelhas. Os cachorros latiam muito à sua volta. Ela sentiu o corpo gelado de medo. Só atravessou a rua quando o ladrar dos cães que o perseguiam perdeu-se ao longe. Ao chegar, encontrou uma das filhas em pânico. Ela também, ao abrir a jnela para esperar a mãe, vira à sua frente o bicho horrendo.
Houve quem igualmente encontrasse um Lobisomem, mas desta vez numa fazenda da região. Era grande e escuro. O filho desse informante relatou a colegas a presença de um animal estranho que, segundo ele, só podia ser um Lobisomem – com o qual se deparou, certa noite, ao sair das aulas, no caminho para casa.
Uma das pessoas ouvidas declina o nome completo de um Lobisomem, empregado de fazenda próxima, que; quando todo mundo começou a desconfiar dele, desapareceu dali; parece que já morreu.
Conta também a Estória do Lobisomem como tendo acontecido com uma sua tia. Declara-se, assim, sem rebuços, sobrinha de Lobisomem.
Muitas pessoas já passaram pela eletrizante experiência de se defrontar com um Lobisomem. São inúmeros os casos a respeito do mito.
A Estória do Lobisomem, entretanto, é uma só, em todo o Brasil, embora com variantes. É sempre a estória de uma mulher que se casa sem saber que o marido tem fadário. Mais tarde ele a ataca, às vezes quando está grávida, às vezes quando já tem o filho nos braços. No dia seguinte, ela enxerga nos dentes do marido fiapos de baeta (tecido vermelho, felpudo) da sua saia ou do cueiro do nenê. Assim se dá a descoberta.
Eis o depoimento de uma informante idosa (80 anos) que trabalha no lar.
– Falaro qui era uma muié qui tinha um rancho aberto, uma casinha, era um rancho, de madera só, num era casa, era um rancho, de madera só, ansim, né? Tinha uns par de gente, era quatro e cinca pessoa, acordaro c’a barúio, acordaro, tava réc… réc… réc… olharo prum buraco ansim, tinha um buraco, os hóme pegô, sigurô a Lubisóme pro braço, sigurô pro braço, fetchô; siguraram no braço e fetcharam; no ôtro dia, quando foi no ôtro dia, era um hóme.
Eu cunheci Lubisóme, diz qu’ele, numa hora, ele passa sete praça. . . .O Lubisóme tem sumpatia pra num virá mais, né? Diz que tinha uma muié, eu cameço falando me dá medo, tinha uma muié qui tava grávi, i saiu c’o marido, saíu c’o marido pra í, agora num lembro, passiá, né? Ela já tava gordona, né? I foi ino, foi ino, chegara num portão, tava aberto um portão, o marido diz que disse pra muié: cê fique aí, na portera, cê fique aí, eu vô no mato fazê uma viage, fazê uma viage. Ela ficô; ficô num demorô muito diz que viu um catchorrão; nesse tempo, é, a sinhora num oviu falá qui havia baeta?… É uma fazenda ferpudo, vermeio, né? Aí veiu esse catchorrão, ela quis corrê, corrê i trepô, trepô, era uma portera grande, trepô na portera i f icô trepada, i gritava i gritava pro marido i gritava acuda qui tem num sei o quê aqui, acuda qui tem num sei o quê aqui i grita que grita e cadê o marido vim? I era o marido! Aí ela grita que grita, na bera da portera, grita que grita, o marido num aparecia i num ia aparecê memo, pi era ele qui tava ali, né? Custô muito, a saia da muié, a muié tinha saia de baeta por baxo; eu cunheci baeta, é que nem franela mais ferpudo, né? A barra da saia, istranhô c’o dente, arranhô c’o dente, né? Aí diz que tacava o dente na baeta; i cunheceu por a boca; custô muito ele veiu; ele veiu ela disse: i, marido, o que qui ocê demorô tanto? Tchegô um negócio aqui tava inté, inté minha saia quagi tirô i dava bótis na minha saia, eu quagi morri di tanto gritá mai ocê num atendeu, num veiu: Ele ficô quieto, né? Foram passando pela sogra; eles ia posá na casa da sogra. Tchegô, posô lá né? Quanto foi o ôtro dia ele saiu, deitô na sór; deitô no sór i diz qui c’o a barriga pa riba, aí a muié perto dele, começô a proseá, ele se riu, tava c’o dente cheio das ferpa da baeta. . . Ele tava deitado~ ansim pa vê se desovava a muié, né? Ai ela contô pa mãe dela. Disse: Mãe, fulano é Lubisóme. – Que Lubisóme esse? Ela disse: – Que Lubisóme esse? Aí ela disse: – É, mai com’é que ocê cunheceu? Ela disse: – Cunheceu porque numa portera im tar lugá, ele foi no mato fazê uma viage i demorô muito vim; i veiu esse catchorrão quagi que tirava a minha saia, dava bóti, dava bóti i diz qu’ele tá c’o a boca tcheia di ferpa da baeta. Aí a mãe garrô a saia da moça, disse: – É. . . é. . . decerto tava quereno desová a muié i ia arrancá a barriga i comê a criánça, né? Tem distino! Aí, diz que come memo! Ai a mãe da moça disse ansim: – Num é nada, ocê vai na loja, ocê compra um parêio de rôpa novo, i mande fazê, mai ocê num conti nada p’rele, num conti nada p’rele, faça um parêio di rôpa novo; i ocê sonde o dia dele saí porque o Lubisóme diz qui rola na bosta di galinha, na bosta di cavalo, ele tira as rôpa, fica pelado, i rola, diz qui rola na bosta di cavalo, na bosta di galinha, i o parêio qu’ele tá dexa no braço da Santa Cruiz, né? Ocê sonda o dia qu’ele saí, ele vai, vai na Santa Cruiz, dexa a rôpa lá; ocê leve o novo, num conta nada; ocê fiqui, quando ocê vê qu’ele saíu saia atráis, ele dexa a rôpa lá, no braço da Santa Cruiz, ocê faça o parêio novo i ponha o novo, dexe o novo Iá; ocê leva o novo, dexa, pega o qui ele tirô, dexa no memo lugá i traga o qui ele tirô i faça uma foguêra i queime. Ma o piá, o piá, né? O piá a rôpa, com’é qui pia? Atchá a rôpa, piá a rôpa véia qui tá cum ele no corpo pa dexá o novo ê meio difíci, né? Mai diz qui tira o fadário, diz qui sai o fadário ótro diz qui si a gente dé no Lubisóme, si tirá sangue, o fadário dele acaba, passa naquele qui deu. Pur isso é qui eu fiquei cum medo di tê tirado sangue daquele. . .
Essa é a Estória do Lobisomem contada em todo o Brasil, com variantes.
1- A pesquisa ocorreu na cidade de Joanópolis, interior do estado de São Paulo
Lobisomem: assombração e realidade
Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima
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