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Uma Estrutura Cabalística – As Cartas Menores do Tarô

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por Erwin Hessle. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

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O objetivo deste capítulo é apresentar uma estrutura cabalística em relação à qual as cartas menores do Tarô podem ser examinadas e para a qual um exame dessas cartas pode trazer mais insights. A estrutura apresentada é, em sua maior parte, consistente com a tradição ocultista, mas difere em alguns aspectos, principalmente nos nomes das duas tríades inferiores e no fato de que Tiphareth não é atribuída à autoconsciência. A Árvore da Vida é uma estrutura na qual quase todas as ideias podem ser colocadas e não é o objetivo deste capítulo tentar fornecer um entendimento “correto” ou “completo” dela. De fato, a apresentação de tal entendimento seria uma tarefa impossível, precisamente por causa da infinita variedade de símbolos e ideias atribuíveis. Em vez disso, a estrutura fornecida apresenta uma das muitas interpretações possíveis, especificamente a do desenvolvimento do indivíduo – do mero potencial à existência física real – de uma maneira consistente com a doutrina Thelêmica.1 No entanto, o fato de essa estrutura coincidir notavelmente com uma “interpretação tradicional”, além de ilustrar uma explicação muito regular e satisfatória da estrutura da Árvore da Vida, deve colocar o valor de um estudo cuidadoso dela além de qualquer dúvida razoável.

Para aqueles que não estão familiarizados com a Árvore da Vida, será necessária uma breve descrição. A Qabalah – como passou a ser usada no ocultismo ocidental, pelo menos – é um sistema de classificação que compreende dez “sephiroth” (“sephirah” é o substantivo singular) ou “emanações”. O modelo da Árvore da Vida (e há outros modelos) organiza essas dez sephiroth em uma coluna de três tríades – a tríade mais alta apontando para cima e as duas tríades inferiores apontando para baixo – com a décima e última sephirah aparecendo sozinha abaixo delas. A tríade superior é separada da tríade do meio por um abismo imaginário chamado “o Abismo”, e a tríade do meio é separada da tríade inferior por um véu imaginário chamado “o Véu de Paroketh”. As sephiroth são conectadas por 22 “caminhos” que podem ser atribuídos aos 22 trunfos do Tarô e, portanto, estão fora do escopo deste ensaio. A Árvore como um todo é cercada por três “véus negativos”.2

O restante deste capítulo discutirá os véus negativos e as sephiroth e fornecerá alguns comentários instrutivos sobre suas correspondências mais pertinentes.

Os Véus Negativos

A Árvore existe dentro dos véus negativos, assim chamados porque necessariamente escondem o que está por trás deles, não existindo. O véu externo é Ain, “nada”, e representa o nada em sua forma mais “positiva”; Ain é a ausência até mesmo de espaço. O véu do meio, Ain Soph, é “sem limites” e representa o espaço infinito, o puro vazio. O véu mais interno é Ain Soph Aur, “luz ilimitada”, e representa o espaço infinito com o potencial de criação. Para que algo surja do nada – o que explicaremos na próxima seção – deve haver, de alguma forma, o potencial para isso, mesmo que não haja literalmente nada lá.

O fato de esses véus serem chamados de “véus” sugere que – pelo menos em nosso estado atual de conhecimento – não podemos penetrá-los, que não podemos explicar o mistério de algo que surge do nada. No entanto, deve ficar claro que é o nada, e não o um, que é a fonte da criação. Esse erro foi cometido por todas as religiões monoteístas. O um não pode ser subdividido em criação, porque, por definição, ele já deve conter tudo. Ele não pode ser expandido na criação, porque se fosse capaz disso, não poderia ser abrangente e, portanto, não seria um. Não pode ser transformado em existência, porque, sendo um, não tem qualidades nem características. Portanto, o um não é uma base adequada para a criação, e o zero é a única substituição sensata. O fato de que as tribos antigas (incluindo os judeus, que criaram a Qabalah) não tinham um número para o zero pode explicar, de certa forma, sua falta de percepção sobre esse assunto.

A teoria do “Big Bang” também apóia essa posição, sendo que a “singularidade” se refere a Kether e os véus negativos são o mistério sobre a origem dessa singularidade. A ideia de uma singularidade, portanto, quando levada longe o suficiente, sugere um ponto “infinitamente pequeno” que, sendo tão infinitamente pequeno, não se pode dizer que exista, e a teoria implica, portanto, que a singularidade se originou do nada. Se a singularidade contivesse as sementes da criação em si mesma, então, como ela não tem qualidades, isso é tão inexplicável quanto a ideia de que ela veio do nada. Além disso, a ideia de que o espaço se curva em torno de uma massa sugere a possibilidade de um universo sem espaço algum. Na verdade, isso é necessário no caso de uma única singularidade; assim como toda a matéria e energia, todo o espaço do universo também está contido na singularidade, seu campo gravitacional infinitamente forte o contém em um ponto infinitamente pequeno, e o espaço só passa a existir quando a singularidade começa a se expandir. Também temos a ideia de “múltiplos universos”, que sempre devem ser separados; se cada um desses universos contém seu próprio espaço, então não há necessariamente espaço “entre” eles (“entre” naturalmente deixa de ter muito significado nesse caso) e, portanto, não há como ir de um para o outro, pois não há meio pelo qual poderíamos viajar. Teríamos que escapar do espaço em nosso próprio universo, bem como descobrir como atravessar o “nada” que protege o outro, antes que essa viagem fosse possível. Assim, a ideia de Kether pode representar a cristalização de vários universos a partir de um princípio de Ain, a falta até mesmo de espaço. Ain Soph, ilimitado, aplica-se ao nosso próprio universo, mas será diferente para quaisquer outros universos; Ain, entretanto, será comum a todos. Isso sugere um entendimento antigo de que até mesmo o espaço vazio teve de ser criado, o que é notável, já que somente agora estamos chegando a essa mesma conclusão. Também sugere que talvez tenhamos sido um pouco severos em nossa crítica no final do parágrafo anterior ou, como é mais provável, que a ideia dos véus negativos seja uma invenção relativamente moderna.

Ain Soph Aur, a “luz ilimitada”, é a “semente” da singularidade depois que o espaço vazio é criado. Isso não contradiz nossa afirmação anterior de que o espaço vazio só passa a existir com a expansão da singularidade; é o “princípio” do espaço vazio que é criado aqui, pois quando a singularidade começa a crescer, a expansão do espaço vazio deve sempre precedê-la, ou então não haverá nada para conter a matéria em expansão. O espaço vazio deve existir antes que a singularidade se torne algo que não seja infinitamente pequeno, ou seja, sua primeira aparição deve ser precedida pela criação do espaço vazio, sua primeira aparição é de fato o início de sua expansão. Essa é mais uma confirmação de que a singularidade de fato surge do nada. Não podemos conceber uma singularidade existente, infinitamente pequena,começando a se expandir; em vez disso, devemos conceber a expansão  ocorrendo a partir do zero. A melhor maneira de pensar nisso é como um cone; um cone de fato se afunila até um ponto, mas não para aí. Ele continua a se afunilar até que nem mesmo o ponto exista, ou seja, ele se afunila até o nada. Da mesma forma, um “cone de existência” não se expande a partir de um ponto, ele acaba se expandindo para fora a partir do nada.

A discussão acima funciona com a teoria do Big Bang como ilustração, mas não precisamos presumir que essa teoria esteja correta. No entanto, a teoria do tempo como sendo linear, tendo um início e um fim, é comum e parece ser aquela sobre a qual a Qabalah foi criada. Todas essas teorias têm de lidar com o paradoxo de que, se houve um ponto de criação, o que aconteceu antes disso e, se essa pergunta tem uma resposta, como o termo “criação” pode ser apropriado? O argumento de que o tempo é uma propriedade do universo criada com ele não nos ajuda; se podemos dizer que o tempo teve um início, algo deve ter existido fora dele, algo para fazer a criação, e mesmo que sejamos impedidos de usar a palavra “antes”, ainda há algo fora do universo que estamos buscando.

No entanto, esses problemas desaparecem se abandonarmos toda a ideia de criação. Se considerarmos a possibilidade de que (e aqui o uso da terminologia inevitavelmente se torna confuso) o universo “sempre” existiu e que o tempo é meramente uma propriedade dele, então não teremos mais que considerar a ideia de que algo veio antes dele (porque abandonamos nossa ideia de tempo linear) e não teremos mais que considerar a ideia de que há algo fora dele (porque abandonamos nossa ideia de criação). Essa ideia simplesmente invalida as preocupações nas quais essas questões se baseiam, embora possa muito bem levantar novas questões próprias.  Responder a perguntas desse tipo pode, em última análise, nos permitir rasgar os véus negativos e expor os mistérios da criação que eram aparentes para os inventores da Qabalah.

Entretanto, essa especulação está além do escopo deste ensaio. Vamos nos contentar em dizer que essas são as ideias por trás dos véus negativos e as origens da criação na Qabalah, e continuar.

A Tríade Arquetípica
Kether

Kether é a concentração dos véus negativos em um ponto, a primeira centelha da criação real. O zero se estende igualmente em ambas as direções, positiva e negativamente, para literalmente criar algo a partir do nada: 0 = (+1) + (1) ou, de forma equivalente, 0 = 1 1.  No caso mais geral, 0 = n – n, 0 = (+n) + (-n). Como n pode assumir qualquer valor que escolhermos, temos uma explicação de como uma variedade infinita de existência pode surgir do nada – “Todo número é infinito; não há diferença.”3 – e não precisamos perder tempo com a ideia de que um número é mais especial, mais único, mais puro do que qualquer outro. Ele é, como Kether ilustra aqui, a primeira emanação do nada. Como cada número é único, cada número tem exatamente a mesma qualidade de “unidade”; existe apenas um 349, por exemplo. A qualidade de Kether que estamos ilustrando, portanto, é essa qualidade de unidade, e não o número um em si. Dito isso, atribuímos o número um a ele para esse propósito.

Como vimos em nossas discussões sobre os véus negativos, Kether pode ser atribuído à singularidade. No entanto, essa atribuição só pode ser momentânea.

Figura 1.1: O cone da existência

Os blocos na figura 1.1 representam “unidades de existência” e os mostramos como discretos apenas para facilitar a ilustração; não há nenhuma teoria mais profunda por trás dessa apresentação ou, de fato, da ideia de unidades de existência em primeiro lugar. À esquerda do ponto do cone não há nada, Ain. Quando o ponto é alcançado, é criado um espaço vazio, Ain Soph, que deve preceder a criação da realidade. O aparecimento do primeiro bloco de existência real é Kether. Assim que esse primeiro bloco se desenvolve nos dois blocos, a ideia de Kether não está mais presente. Kether é, portanto, a primeira aparição da criação e está de fato presente por um período de tempo microscopicamente pequeno. Assim que a singularidade começa a se desenvolver, ela deixa de ser única e não pode mais ser atribuída a Kether.

Da mesma forma, entretanto, a primeira aparição dos outros elementos também pode ser atribuída a Kether. A primeira aparição dos dois de um pode ser atribuída a Kether, assim como a primeira aparição dos sete de seis pode ser atribuída a Kether. É isso que se quer dizer quando se afirma que cada sephirah contém uma Árvore dentro de si. O “Kether de Chokmah” está relacionado ao primeiro surgimento do dois a partir do um, e o “Malkuth de Chokmah” representa o desenvolvimento final do dois, logo antes do surgimento da ideia do três. Assim, embora na Árvore da Vida relacionada a toda a criação, Kether seja atribuído apenas àquela primeira centelha inicial, àquele período momentâneo, a ideia de Kether – o princípio de Kether – flui para baixo através da Árvore. Kether está associado ao princípio da criação de qualquer coisa nova, não necessariamente apenas à criação do universo como um todo. Isso também é o que se quer dizer quando se afirma que as sephirah são “emanações” das anteriores; a centelha de Kether é inerente a tudo, uma vez que a existência de qualquer unidade depende da primeira centelha de sua chegada à manifestação. Sempre que algo novo é criado, quando nenhuma ideia de sua existência existia anteriormente, o princípio de Kether está envolvido. De Chokmah até Malkuth, as demais sephirah estão preocupadas com o processo de desenvolvimento (e, como explicamos, cada estágio de desenvolvimento seguirá o caminho de sua própria árvore), mas Kether está preocupado com a criação inicial da coisa desenvolvida. A distinção entre todos esses “Kethers inferiores” e o “Kether de Kether”, entretanto, é que no primeiro Kether a criação vem do nada. Em todos os Kethers seguintes, a criação é um fluxo necessário do desenvolvimento anterior, embora o princípio de criar algo totalmente novo seja inerente a cada caso.

Essa subdivisão de Árvores poderia, é claro, continuar indefinidamente, dando-nos a ideia de “Chesed de Binah de Netzach de Tiphareth de Kether de Binah de Hod”, por exemplo, mas limitaremos nossa discussão aos dez princípios em si, uma vez que nesses princípios tudo o mais está contido.

Chokmah

Chokmah é o princípio ativo, masculino, formado pela extensão do ponto na linha. Ele é ativo porque traz consigo o conceito de movimento, força ou, de modo mais geral, mudança; com um segundo ponto, surge a ideia de movimento entre eles. Com apenas dois pontos, entretanto, não temos o conceito de distância ou forma. Tudo o que podemos dizer é que houve movimento entre os dois pontos. Sem

outro ponto de referência com o qual possam ser feitas comparações, não podemos dizer nada sobre a distância entre os dois pontos, quanto tempo leva para viajar entre eles ou, de fato, qualquer diferença entre os dois. O conhecimento começa com a classificação – “isso não é assim” ou “isso é assim” – e precisamos de pelo menos três pontos para isso: “essa qualidade é vista em dois pontos, mas não no terceiro ponto, portanto, os dois pontos são iguais”. Alternativamente, podemos imaginar que precisamos de um terceiro ponto para fazer a distinção em primeiro lugar, ou seja, que deve haver algo separado para observar os dois pontos originais. Chokmah, então, é pura força, mudança ou, mais propriamente, o ideal de mudança.

A rigor, então, não podemos realmente aplicar a ideia de movimento real a esse conceito, pois sem uma medida de distância não temos o conceito de mudança de distância e, sem o conceito de mudança de distância, não podemos realmente dizer que há movimento. No entanto, o simples fato de haver dois pontos demonstra que o movimento, de fato, ocorreu. Essa ideia está implícita em Kether, implícita no ato da criação, uma vez que no momento em que dois pontos são trazidos à existência, essa ideia segue necessariamente como descrevemos. Na figura 1.1, examinamos o processo de criação pictoricamente na forma de um cone, vendo Kether como o princípio momentâneo da transformação do nada em algo. Para que essa transformação tenha algum significado, ela deve ser acompanhada pela coisa que está sendo transformada (nada) e pela coisa na qual ela é transformada (Chokmah). Assim, Kether nunca pode existir isoladamente, o que é mais uma confirmação do erro da teoria do “deus único”. Em outras palavras, Kether é o ato de criação, não a coisa criada em si, e a coisa criada é inerente a ele e flui necessariamente dele. Nesse sentido, Kether é a primeira centelha da criação, e Chokmah é realmente o início do processo de criação. É essa extensão da unidade de Kether, essa primeira progressão necessária do ato de criação, que caracteriza Chokmah e o imbui com suas qualidades masculinas ativas.

Toda essa discussão mostra a necessidade de considerar essas sephiroth em conjunto com todas as outras, em vez de isoladamente, uma vez que elas não apenas exigem que suas contrapartes sejam compreendidas, mas também exigem que suas contrapartes lhes deem qualquer significado – ou, de fato, qualquer existência.

Binah

Binah é o princípio passivo e feminino, formado pela adição de um terceiro ponto para criar o plano ou forma. Com um terceiro ponto, os conceitos de forma e estrutura passam a existir; a ideia de um plano e de uma forma traz consigo um conceito de fechamento, de restrição, de delineamento de um espaço. Isso é feminino porque está ligado à ideia de nutrição, de proporcionar um lar, de educação, de apoio. O banco de três pernas é o único tipo que nunca pode balançar; na engenharia, o triângulo é a estrutura ideal de suporte de carga, pois mesmo com pivôs nos vértices, é a única forma que não pode ser distorcida sem ser quebrada. Com o acréscimo do terceiro ponto, surge o conceito de discriminação e as ideias de conhecimento que são meramente experiências estruturadas e estabilizadas. Essa ideia também está implícita em Kether e no ato da criação, pois flui necessariamente da criação de três pontos.

A Figura 1.2 ilustra essas ideias de forma pictórica:

Figura 1.2: O triângulo da criação

Kether é aqui “A”, o ponto, não o ponto infinitamente pequeno, mas aquele estado momentâneo entre o infinitamente pequeno e a existência. Chokmah é “B”, a primeira extensão do ponto, e Binah é “C”, a conclusão do cone. Devemos considerar que esse triângulo é quase impossivelmente pequeno, é claro. Na figura 1.2, poderíamos colocar a linha que completa o triângulo muito mais perto do ponto; de fato, de acordo com as leis da matemática, o mais perto que quisermos. Temos que conceber esse triângulo como sendo o menor triângulo que pode ser criado, o que, obviamente, não é possível. No entanto, é preciso lembrar que estamos lidando com princípios aqui, portanto, impossibilidades práticas ainda não precisam nos preocupar. O que deve ser entendido é que Kether representa um ponto a partir do qual a extensão pode ser feita, Chokmah representa essa extensão em si e Binah representa o primeiro resultado dessa extensão, a criação real de uma ideia; nesse caso, o triângulo. Pelo fato de Binah ser o resultado da extensão, considera-se que ela tem uma qualidade feminina e passiva; ela foi criada puramente como resultado da extensão de Chokmah.

Kether, Chokmah e Binah, considerados em conjunto, formam a tríade superna, ou tríade arquetípica. No universo tridimensional, o plano bidimensional nunca pode existir de fato, exceto em conceito, portanto, as supernas lidam com ideias, com conceitos, com arquétipos nos quais a existência manifestada se baseará. O fato de que as ideias de Chokmah e Binah estão implícitas no ato da criação e fluem necessariamente a partir dele é visto na expressão: “mudança é estabilidade, e estabilidade é mudança”. As duas ideias estão inextricavelmente ligadas. A noção de força pode ser vista tanto como o pai severo, a imposição da força, quanto como o pai libertador, o pai que libera o filho para sua própria vida, a força para se libertar. Da mesma forma, a noção de estabilidade pode ser vista tanto como a mãe que nutre, estruturando a vida do filho para que ele possa crescer como uma unidade, quanto como a mãe que sufoca, restringindo a vida do filho, recusando-se a deixá-lo “sair do ninho” e dificultando seu desenvolvimento. A imagem da tríade superna, com Chokmah e Binah saindo de Kether, ilustra o fato de que esses dois princípios são complementares. É um erro pensar neles como opostos, contrários um ao outro, trabalhando um contra o outro. Não é verdade dizer que a força pode destruir a estrutura; ela pode destruir uma estrutura, mas alguma estrutura ainda permanece.   O papel da força é mudar a estrutura, modificá-la e, em algumas circunstâncias, melhorá-la e fazê-la crescer. Da mesma forma, a estrutura não pode deter totalmente a força, ela pode apenas canalizá-la e direcioná-la, aproveitá-la.

Também podemos ver essa ideia em nosso diagrama acima. Afirmamos que Binah era passiva e feminina, porque foi criada a partir da extensão de Chokmah, mas é igualmente verdadeiro (o triângulo é o plano mais simples) que essa é a única coisa que poderia ter sido criada inicialmente, a única forma em que a extensão de Chokmah poderia ter se formado. Aqui vemos instantaneamente a restrição da força de Chokmah na forma. Essa restrição não é imposta a Chokmah, ela surge inevitavelmente de sua natureza. Assim, a ideia de forma é inerente à força de Chokmah, uma vez que sua extensão deve produzir forma. Da mesma forma, a ideia de força é inerente à forma de Binah, uma vez que somente por extensão a forma pode ser produzida.

Isso também pode ser verdade em um sentido puramente físico. Os átomos, como são comumente entendidos, são vistos como uma massa de elétrons orbitando o núcleo em um ritmo frenético. Da mesma forma, é o movimento dos planetas em órbita ao redor do sol que mantém a órbita constante, que os impede de entrar em uma espiral em direção a uma destruição ardente. Podemos chegar ao ponto de dizer que a estrutura requer movimento, ou mudança, para se manter. Isso se reflete na lei da entropia, segundo a qual um sistema fechado decairá; o movimento é necessário para o frescor. Desenvolvimentos recentes na teoria das cordas sugerem que a matéria particulada pode, em última análise, se resumir simplesmente a vibrações; ou seja, não que a matéria vibre, mas que a matéria não é, na verdade, nada além da própria vibração. Sob esse aspecto, pode-se dizer que a matéria é movimento, que é a mudança que traz a matéria à existência em primeiro lugar. Da mesma forma, podemos ver que, sem forma e estrutura, o movimento não tem significado. Como ilustramos na discussão sobre Chokmah acima, sem pontos de comparação, sem forma, então o movimento, a distância, o tempo, tudo isso não tem significado. Essa é outra ilustração de por que Chokmah representa o ideal de movimento, e não o movimento em si, já que com apenas duas partes o movimento não tem significado. Portanto, a matéria – forma – requer movimento para existir, e o movimento não tem significado fora de uma estrutura para comparação; o movimento não é nada além de uma mudança na estrutura. Os dois conceitos são, portanto, interdependentes e complementares, não opostos, e nenhum deles pode existir por si só.

Nesse sentido, Binah pode ser considerado como a lei física, a lei e a restrição do sentido de inevitabilidade, em vez de imposição. A atribuição a Saturno, com sua ideia de limitação, sistemas rígidos que restringem o crescimento e os desafios mais difíceis da vida, é o desafio de reconhecer as próprias limitações finais. Saturno está associado ao enfrentamento da adversidade, uma vez que as leis físicas imutáveis da natureza são o adversário supremo, mas, ao mesmo tempo, a fonte suprema de poder, e é a lição desse mistério que, em última análise, está associada a Saturno, e é por isso que se diz que as vitórias sobre as limitações de Saturno são as mais doces; elas são os desafios supremos, e sua superação representa tanto uma transcendência do universo quanto uma aliança com ele. Essa completa aproximação com a realidade é a compreensão, que é o significado de Binah.

Essas ideias de mudança e estabilidade, portanto, fluem necessariamente da criação e são as únicas duas ideias que fluem necessariamente dela. Convidamos o leitor a tentar conceber quaisquer outras ideias que, em última análise, não retornem a essas duas. O glifo da Árvore da Vida ilustra isso, pois a tríade superna é a única com um ápice apontando para cima, sendo os princípios de mudança e estabilidade inerentes a Kether e fluindo necessariamente para baixo a partir de Kether. A estabilidade inerente ao triângulo, ao número três, é uma confirmação adicional da correção e da autocontenção desses três princípios no ato da criação; há o início, o ato da criação e a coisa criada, que são todos inerentes um ao outro, a ideia de início-meio-fim de um processo que é a ideia fundamental associada ao número três. Juntas, a tríade superna simboliza o ideal do processo de criação, e a formulação desse ideal é necessária antes que qualquer manifestação de fato possa ocorrer.

Como a tríade superna lida com ideais, princípios, arquétipos e engloba as duas únicas ideias que fluem necessariamente do princípio da criação, avançar mais é avançar para a própria manifestação,

ou seja, do potencial para o real, do ideal para a manifestação.   Há uma grande distância entre Binah e a sephirah subsequente denominada Abismo, para deixar clara essa distinção entre potencial e real. Para consolidar ainda mais essa distinção, Binah e Chesed são as duas únicas sephiroth consecutivas na Árvore que não estão conectadas por um caminho.

A Tríade Real
Chesed

Chesed é a adição do quarto ponto e, com essa adição, a ideia de um sólido se torna possível, a pirâmide com um triângulo basal. Esse é o sólido mais simples que pode ser construído, e pelo menos quatro vértices são necessários. Assim como o triângulo, ele também traz consigo o sentido de estrutura, de forma, só que agora estamos delimitando um espaço tridimensional. Essa é a ideia de estabilidade na manifestação, e não no princípio. Em um sentido de criação física, essa estabilidade pode ser considerada como o resultado das leis da física; para que a criação se manifeste, deve haver algum sentido de como os elementos devem interagir, e isso ilustra ainda mais a necessidade de mudança no conceito de estabilidade, pois as leis da física funcionam puramente com base na mudança, nos movimentos das partículas – a lei não é, afinal, nada além de uma restrição ao movimento. A manifestação dessas leis também sugere um plano, embora não haja considerações sobre design ou motivo inteligente aqui; o plano simplesmente flui necessariamente das leis e não precisa ser determinado conscientemente. Isso é apropriado para a primeira manifestação através do Abismo, a primeira noção de realidade, ou seja, o “grande plano” da criação do qual tudo o mais deve se seguir. A associação com Júpiter, representada pelo impulso para a expansão, a fortuna e a abundância, deve ser clara a partir desse transbordamento para a manifestação. A partir da formulação do processo de criação nas Supernas, é por meio de Chesed que todas as possibilidades se manifestam, por meio dessa atuação das leis físicas. A fortuna (que também significa destino ou sina) de Júpiter surge como resultado das leis físicas formuladas nas Supernas e, em particular, da ideia de Binah. A ideia de abundância refere-se ao fato de que tudo na criação entrou em manifestação por meio desse processo, por meio da transformação do potencial em real, e que esse processo contém em si a capacidade de criar tudo. O impulso para a expansão em Júpiter é claramente um resultado direto desse transbordamento para a manifestação, e esse impulso continua durante todo o processo de criação, de Chesed até Malkuth.

Quatro também está associado ao quadrado, à fortaleza, ao símbolo da restrição criada em vez da inerente. Por essa razão, Júpiter tem sido associado à ideia de lei temporal, autoridade e moral, a ideia de estrutura imposta em vez de estrutura inerente à ideia de existência. Esse tipo de estrutura é necessariamente menos estável do que a dos três, e menos perfeita, pois está separada da estabilidade ideal pelo Abismo. Ela também pode ser vista como a inferência de leis físicas por meio da observação da natureza manifestada, o que é claramente muito diferente das próprias leis físicas, que são sempre potenciais e implícitas. Da mesma forma, isso pode ser estendido à ideia da criação de leis e morais mais arbitrárias, por meio de uma inferência, em vez de surgir dos primeiros princípios, do ideal. Esse tipo de lei é claramente mais imperfeito e nunca poderá ser absoluto. Em comparação com Saturno, Júpiter representa poder e autoridade, que podem se esvair porque não se baseiam no mesmo tipo de necessidade física que as leis de Saturno. A “capacidade de aprendizado” associada a Júpiter depende, em grande parte, da habilidade do indivíduo de fazer inferências que se aproximem mais das leis “reais” ou ideais das supernas. Na medida em que essa habilidade não estiver presente, a capacidade de aprender, de se aproximar de uma apreensão da verdade, será muito reduzida. A necessidade de expansão, de uma disposição para aceitar o papel da sorte, é necessária para se libertar das restrições autoimpostas que prejudicam essa capacidade. Assim, as ideias de benevolência e a busca de sabedoria em Júpiter mostram que, quando funciona em seus melhores aspectos, Júpiter tem a capacidade de modificar as regras e leis que estabelece quando surge a necessidade, e é por isso que Júpiter não é um professor tão severo quanto Saturno. Júpiter contém as ideias de justiça e misericórdia (“misericórdia” é o significado de Chokmah) por causa dessa capacidade e disposição de expandir suas próprias restrições, que, em última análise, existem para propósitos “bons” (ou seja, para direção, criação e crescimento), trazendo um aumento de percepção e compreensão. Júpiter, em seus melhores aspectos, está preocupado com a busca da verdade (como Chesed está abaixo do Abismo, essa busca não pode ser concluída aqui) e não com a restrição por si só. No entanto, as leis de Saturno não podem ser modificadas dessa forma, e o único alívio é aprender a trabalhar com elas, e não contra elas.

Geburah

Geburah é a adição de um quinto ponto. Com cinco pontos, temos a possibilidade de dois sólidos separados e a possibilidade de movimento dentro dos dois. Isso também sugere um ponto fora da estrutura do sólido, uma fuga ou uma modificação da estabilidade estrutural. Essa, então, é a ideia de mudança na manifestação, e não no princípio, pois agora podemos ter um movimento real. Esse é o impulso que cumpre o plano físico em Chesed, que o realiza. A estrutura de Chesed existe para dar forma ao movimento de Geburah, e o movimento de Geburah serve apenas para modificar a estrutura de Chesed de acordo com as leis estabelecidas para ele.

Assim, Chesed é a manifestação da criação, mas Geburah é o movimento da coisa manifestada. Geburah é a expressão da existência de acordo com as leis físicas; é o desdobramento do “plano” da criação. A atribuição a Marte deve ser clara, expressão de energia e trabalho, dinâmica e forte, pois a energia que surge da lei física e trabalha em harmonia com ela é pura e irresistível, daí a ideia de força que é o significado de Geburah. Se não houvesse movimento, as leis físicas seriam redundantes, pois seu objetivo é restringir e direcionar o movimento; sem a interação dos elementos, não há necessidade de leis, pois eles não podem afetar uns aos outros. Se os elementos existissem em um estado perfeitamente estático, eles não poderiam influenciar uns aos outros, e poder-se-ia dizer que cada um deles é um universo em si mesmo. Geburah é a interação das coisas manifestadas, seu impulso para expressar sua própria natureza, sua vontade.

Sendo o cinco o triunfo do espírito sobre os elementos (ou, quando o pentagrama é invertido, sua fonte), Geburah representa o impulso para superar a restrição, crescer e se desenvolver. No sentido físico, é claro, esse impulso só pode ser expresso em uma direção, devido à necessidade da lei física. Essa é a razão pela qual a estrutura em Chesed dá origem ao pensamento de um “plano divino”. Há elementos de predestinação e destino na ideia de Júpiter.

Tiphareth

Tiphareth é a conjunção entre mudança e estabilidade e, em termos esotéricos, tem sido historicamente associada à autoconsciência ou, mais precisamente, à individualidade. A interação entre mudança e estabilidade traz consigo a ideia de uma progressão por meio do “plano”. Chesed é forma e Geburah é movimento, mas sua combinação em Tiphareth é a ideia de algo se movendo pela estrutura do universo, e isso traz consigo a ideia de um indivíduo, distinto e interagindo com o restante do universo em sua jornada. O acréscimo do sexto ponto traz consigo uma escolha de movimento; não há mais apenas um ponto fora do sólido para o qual alguém poderia se mover, existe outra possibilidade. Essas escolhas de movimento são o que sugerem o indivíduo e, combinadas, representam uma jornada, um caminho, um curso de ação. Isso é naturalmente sugestivo de vontade, e é a qualidade de escolha da vontade, seja ela automática ou não, que dá origem à ideia de um indivíduo. O importante a se considerar sobre essa vontade é que ela surgiu necessariamente das primeiras manifestações de forma e força e que, portanto, está perfeitamente alinhada com elas. Essa é a “verdadeira” vontade, o movimento necessário e eterno da estrela no universo.

Como vimos com as Supernas, é impossível separar essas três ideias e elas devem ser consideradas em conjunto. Chesed é o ato de trazer à manifestação e contém em si todas as qualidades e necessidades que devem se seguir a ele. Geburah é o movimento dos elementos manifestados, que é um componente necessário da manifestação e da lei. Tiphareth representa sua resolução, a coisa existente de fato, distinta do resto do universo, e, em última análise, é essa coisa que se move e que é forçada a tomar forma.

Assim, onde as três sephiroth das Supernas continham entre si uma imagem completa do ideal da criação (um início, uma extensão a partir desse início e a criação da forma), as três sephiroth da tríade real contêm entre si uma imagem completa do ato da criação (a manifestação, a ação dos elementos manifestados de acordo com a lei e o desenvolvimento subsequente da coisa, do indivíduo, da unidade manifestada).  Assim como as Supernas se relacionam com o universo em sua totalidade, a tríade real se relaciona com as manifestações individuais do universo. O Livro da Lei descreve isso em termos de estrelas – “Todo homem e toda mulher é uma estrela. Todo número é infinito; não há diferença.”4 Isso sugere que estrelas individuais se cristalizam em manifestação a partir do potencial do universo (da mesma forma que o potencial para a existência se cristalizou a partir dos véus negativos, concentrando um centro), cada uma individual e única com seu próprio caminho a seguir, mas uma parte necessária do todo, participando da natureza do infinito e seu caminho estando completamente sujeito à necessidade das leis do todo. É essa criação de uma unidade manifestada e existente, sendo parte do todo, mas ao mesmo tempo uma parte discreta dele, que dá origem à ideia de “beleza”, que é o significado de Tiphareth. A beleza contém em si as ideias de força e forma, pois, embora seja a forma que pareça bela, para que a ideia de beleza tenha significado, deve haver algo que a apreenda, e é essa apreensão que é atribuída à ideia de força, movimento, mudança e experiência. Além disso, é a progressão do universo, a necessidade de tudo isso, as combinações perfeitas, que é a beleza suprema.

Por se tratar de uma manifestação abaixo do Abismo, chamaremos esse segundo grupo de três sephiroth de tríade real. A primeira coisa que se nota nessa tríade em comparação com as Supernas é que o ápice está apontando para baixo. Acima do Abismo, no plano potencial, as ideais surgiram necessariamente da fonte, do princípio da existência. Abaixo do Abismo, no plano real, pares de pontos complementares são resolvidos para baixo. Essa é uma ilustração da criação de acordo com O Livro da Lei – “Pois estou dividida em nome do amor, pela chance de união.”5 A criação de Kether, a divisão em positivo e negativo e as ideias resultantes de mudança e estabilidade são vistas como dando origem a uma reintegração, uma vez que se tornem reais; uma união. Isso mostra que a divisão da criação é realizada para que os indivíduos possam ser criados, para a geração de experiência por meio da união.

No entanto, da forma como estamos, temos um indivíduo com potencial para a autoconsciência, mas precisamos de um mecanismo para isso. Portanto, a Árvore continua descendo. Por razões que devem estar claras acima, chamaremos essa continuação de tríade individual. Enquanto o potencial era separado do real pelo Abismo, o real é separado do indivíduo pelo Véu de Paroketh. O uso da palavra “véu” é esclarecedor. Para que a geração de experiência tenha algum significado, o indivíduo deve se sentir separado do resto do universo; o valor da experiência será muito reduzido se ele perceber apenas partes de seu eu maior.6

Crowley atribui a autoconsciência ao número seis em seu “Arranjo de Nápoles”, mas não podemos concordar com essa atribuição. O indivíduo criado pela tríade real em nosso sistema tem individualidade, tem seu próprio caminho, tem o que pode ser chamado de “eu”, mas ainda não está ciente disso, pois sua consciência nesse estágio é meramente a direção imposta a ele pela vontade do universo. O Arranjo de Nápoles fez um trabalho ruim ao explicar o sete, o oito e o nove, recorrendo, como fez, ao simbolismo vedantino sem realmente delinear por que isso seria necessário. Nosso sistema é muito mais intuitivo nesse aspecto e também explica como e por que o Véu de Paroketh serve para ocultar a percepção individual de si mesmo como parte do todo. Não podemos ter autoconsciência sem um senso de separação e, se essa consciência ocorre em Tiphareth, as ideias da Árvore começam a se tornar inconsistentes. Dada a natureza tríplice inerente à estrutura da Árvore, é muito mais sensato atribuir o ideal aos três primeiros, o real aos três segundos e o indivíduo (com seu senso de autoconsciência) ao terceiro. Isso se tornará evidente à medida que continuarmos nossa discussão e é também o motivo pelo qual Tiphareth está associado ao Sol, o centro do Sistema Solar, seu núcleo. Exatamente da mesma forma, Tiphareth é o núcleo do indivíduo, sua verdadeira natureza e, por meio do Véu de Paroketh, informa e guia as sephiroth inferiores; Tiphareth está conectada ao Sagrado Anjo Guardião.

A Tríade Individual
Netzach

Netzach é a qualidade individual ativa, que tem sido chamada de desejo. É uma forma degradada da vontade. A verdadeira vontade em Tiphareth, derivada da vontade universal, é velada para o indivíduo, mas é imperfeitamente refletida para ele por meio do Véu de Paroketh na forma de desejo e instintos. É a ideia de movimento no indivíduo, a força que o impulsiona em sua existência individual.

A ideia de individualidade, de consciência, requer a ideia de autodireção, de uma escolha quanto ao caminho a ser seguido. Se não fosse assim, a individualidade e a consciência seriam pouco mais do que uma prisão. Ela é necessária porque a individualidade, a consciência do eu, confere a ilusão de separação, a ilusão de que o indivíduo é responsável por sua própria direção, está no controle de seu ser. Sem essa ilusão, não pode haver autoconsciência real, nem individualidade. Sem essa ilusão, não pode haver autoconsciência real, nem individualidade; sem ela, a consciência seria reduzida a um mero observador, em vez de um participante, e, portanto, seria incapaz de experimentar verdadeiramente. Sem essa capacidade de autodireção, não poderia haver experiência de superação do medo, por exemplo, ou do desenvolvimento de uma nova habilidade, assim como não se pode obter essas experiências assistindo a um filme.

Para experimentar plenamente as maravilhas do universo, então, o indivíduo deve acreditar plenamente que está no controle de seu ser. Para ter esse controle, ele deve ter alguma direção, alguma meta para a qual esteja trabalhando, algum objetivo que sirva para orientar suas escolhas conscientes ao longo da vida. O fornecimento dessa direção, desses objetivos, é a função de Netzach. Netzach significa “vitória”, e seu significado indica a realização dos objetivos do indivíduo. É esse desejo de realização que impulsiona o indivíduo em sua vida, e é aos desejos que Netzach é mais frequentemente atribuída.

Embora tenhamos dito que é a realização dos desejos do indivíduo que o impulsiona, é da natureza do ser que essa realização nunca possa ocorrer. A função de Netzach é impulsionar o indivíduo, fornecer-lhe um propósito para a existência, direcionar suas ações e, se ele jamais atingir seus objetivos, essa direção deixará de ser eficaz. Assim, é da natureza do indivíduo nunca estar satisfeito com o que tem, onde está; quando ele satisfaz seus desejos, eles são simplesmente substituídos por novos, para que ele possa continuar a ser estimulado a agir durante toda a sua vida. Essa noção de desejo é, portanto, um conceito ilusório, assim como todos os conceitos nas sephiroth abaixo do Véu de Paroketh, pois todas elas surgem da ilusão do senso do eu, a ilusão da separação do resto do universo. Isso também explica por que a busca pelo desejo é, em última análise, fútil, já que é o impulso em direção aos nossos objetivos que nos motiva, não sua realização, e descobriremos que não há nada de motivador ou gratificante em simplesmente ter algo; a natureza do desejo é tornar o indivíduo dinâmico, o que é completamente oposto a permitir que ele permaneça constante e satisfeito, que é a ideia que a maioria das pessoas tem quando busca satisfazer seus desejos.

Netzach é, portanto, claramente a sephirah de mudança da tríade individual, a qualidade individual ativa, pois é o que leva o indivíduo ao movimento, ao crescimento, a novas experiências. Ela é atribuída a Vênus, que se relaciona com as necessidades, o que, por definição, implica movimento em direção a algo que ainda não temos. Sentimos fome quando temos a necessidade de comer, a necessidade de colocar combustível e nutrição em nossos corpos, o que está faltando no momento. Ela reflete as preferências estéticas e a atração que sentimos pelas coisas, que é exatamente como definimos Netzach; a atração por algo é a tendência de ir em sua direção, e é a criação dessas tendências que impulsiona o indivíduo. Vênus também representa a harmonia e o balanceamento, equilíbrio, e é de fato a perturbação do equilíbrio que nos faz querer voltar a ele. Portanto, embora Vênus contenha a ideia de equilíbrio e balanceamento, ela não é nenhuma dessas coisas, pois sua existência depende da falta de equilíbrio. O movimento que surge de Netzach é, no entanto, um movimento estabilizador, como o balanço de um pêndulo. A estabilidade no movimento é uma tendência para que o movimento pare, para que retorne ao equilíbrio, assim como um pêndulo reduzirá gradualmente a extensão de sua oscilação ao longo do tempo até que finalmente cesse, sempre presumindo que não seja perturbado nesse meio tempo. Um movimento instável tenderá a se afastar do equilíbrio com o passar do tempo, e as oscilações se tornarão mais amplas. É esse desejo de equilíbrio inerente a Vênus, essa tendência de retornar a uma posição de equilíbrio e harmonia, que torna o movimento em Netzach estabilizador, imbuindo-o de uma direção em direção ao objetivo que influencia a oscilação para mais perto da vitória de obter esse equilíbrio. É a influência das outras sephiroth inferiores que perturbam esse equilíbrio e proporcionam ao desejo novos objetivos.

Hod

Hod é a qualidade individual passiva, que está ligada ao conhecimento e ao pensamento. É a classificação e a estruturação das percepções e experiências do indivíduo. Já vimos que, para que ocorra a verdadeira discriminação – necessária para a experiência individual -, precisamos ter um ponto de referência. O acúmulo de experiências se solidifica em conhecimento, por meio do qual o indivíduo sabe– ou acha que sabe – algo sobre a natureza do mundo, para que possa fazer comparações e descobrir coisas novas.

Hod é a sephirah estabilizadora da tríade individual.   Vimos que é Netzach que fornece ao indivíduo seu impulso, sua motivação para a ação, mas sem uma noção clara de como essa realização deve ser alcançada, essa ação será inútil. Por essa razão, para buscar seus desejos, o indivíduo tem uma mente consciente que é capaz de consolidar e classificar as experiências que tem, de fazer associações entre elas, de modo que possa aprender algo sobre seu ambiente e sobre si mesmo. Ao fazer isso, o conhecimento acumulado que ele tem lhe permitirá fazer inferências de que tal e tal ação provavelmente, nas atuais circunstâncias observadas, levará a tal e tal resultado, e é assim que ele é capaz de fazer escolhas que, ele espera, o levarão mais perto da realização de seus desejos.

Hod não se refere, portanto, a um simples acúmulo de fatos, memória ou conhecimento, mas aos padrões na mente que permitem que essas associações e inferências sejam feitas, formando caminhos ao longo dos quais as sensações podem ser ordenadas, classificadas e discriminadas. É a faculdade mental, os pensamentos, a capacidade de raciocinar, a capacidade de analisar e resolver, de tirar conclusões com base em semelhanças com experiências passadas.

A atribuição é feita a Mercúrio, à capacidade de comunicação, à atividade mental e à destreza. A comunicação é a transmissão de informações, e as informações são a apresentação de dados em uma ordem que permite que algum tipo de significado seja extraído deles. Por exemplo, podemos ter uma grande quantidade de dados provenientes de um sistema de ponto de venda em um supermercado, mas só depois de agruparmos e classificarmos esses dados por produto é que podemos deduzir que o café descafeinado está vendendo muito bem, enquanto os abajures de chocolate não estão. Da mesma forma, somente quando combinamos esses dados com os de outros locais é que podemos ver se esses fatos são comuns ou exclusivos desse local. Sem esse tipo de informação, sem esse agrupamento e classificação de dados individuais, não podemos tirar conclusões e, portanto, não temos a capacidade de gerenciar com eficácia. O mesmo acontece com o indivíduo; até que sejamos capazes de aprender que, por exemplo, o atrito induz ao calor e o calor induz à chama, não conseguiremos aproveitar o poder do fogo a nosso favor, e nosso progresso na vida, nosso progresso em direção a novas experiências, será severamente restringido. O propósito da classificação de Hod é, então, dar ao indivíduo a capacidade de navegar com sucesso em seu ser em direção à realização de seus desejos. O significado de “esplendor” é a maravilha e o milagre dessa rede enormemente complexa e labiríntica de caminhos e padrões que tornam tudo isso possível, e a maravilha que se sente por ser capaz de perceber algo do funcionamento das coisas.

No entanto, na tríade individual também há ilusão e imperfeição de forma. O objetivo desses caminhos e padrões que permitem a classificação é proporcionar a capacidade de classificar as experiências de uma pessoa para que sejam feitas inferências úteis e inferências apropriadas que permitirão ao indivíduo navegar com sucesso em seu ser. No entanto, é totalmente possível, e até mesmo normal, que esses padrões se desenvolvam de uma maneira que leve a conclusões inadequadas. Por exemplo, o desenvolvimento de uma crença em deus pode levar a todos os tipos de noções fátuas e imbecis que podem restringir permanentemente o crescimento. Esse aspecto se conecta com a atribuição de Mercúrio ao trapaceiro, ao mago em seu aspecto de ilusionista e mestre do desvio.

Esses padrões são formados com base na experiência, não em alguma fonte absoluta e perfeita de conhecimento, e essas experiências são sempre incompletas. Portanto, os padrões e caminhos que são traçados a partir deles devem ser sempre provisórios, não mais do que suposições convenientes. É quando a estrutura se torna excessivamente fixa (por exemplo, no exemplo acima, em que a crença em um deus pode se tornar fixa e arraigada) que surgem os problemas, quando a estrutura é separada do restante das sephiroth e não recebe influência rejuvenescedora. A estrutura de Hod deve ser constantemente atualizada, desafiada e renovada se quiser permanecer vital e relevante.

Yesod

Yesod é a combinação de conhecimento e desejo. Com seu conhecimento cristalizado em Hod e seus desejos originados em Netzach, ele é capaz de tomar decisões com base em seu conhecimento sobre como pode promover seus desejos. Isso tem sido associado à mente subconsciente, na qual o homem sabe que deseja se abster de experiências dolorosas, buscar conforto e calor, perseguir a admiração e assim por diante. Essa é uma forma degradada de autoconsciência e pode ser vista como o eu “consciente”, em oposição ao “verdadeiro” eu em Tiphareth. Como sua verdadeira vontade está velada para ele, e ele só tem os impulsos de Netzach como orientação, e como seu conhecimento em Hod surge de suas experiências na Terra (em vez de descer como um conhecimento do universo), esse eu consciente, essa vontade individual, tem o potencial de se afastar cada vez mais de sua “verdadeira” vontade.7 Aqui está a origem da tristeza e do sofrimento. Da perspectiva universal, é claro, não há sofrimento, e o que o homem experimenta é uma nova e boa experiência. O homem pensa que está sofrendo porque confunde essa versão degradada de si mesmo em Yesod com o seu verdadeiro eu e, assim, percebe que o sofrimento está acontecendo com ele, quando, na verdade, ele só é percebido pelo seu veículo experiencial. A atribuição é feita à Lua, aos instintos, aos hábitos e à mente inconsciente. É também a personalidade, o reflexo da “alma”. Estando no pilar do meio, a um caminho de distância de Tiphareth, o indivíduo, é aqui em Yesod que as qualidades individuais inerentes a Tiphareth são refletidas para formar a personalidade, que é então reforçada e alterada pelas influências de Netzach e Hod. O reflexo também é o universo interno, ou “universo astral”, que o indivíduo cria para si mesmo. Quando alguém sonha acordado, “ensaia” mentalmente ou revê memórias, é desse universo interno que surgem as imagens internas e outros sentidos. Os desejos de Netzach e as associações em Hod trabalham juntos para formar esse universo em Yesod, de modo que o indivíduo tem uma representação interna do universo em que vive, que reflete tanto sua compreensão quanto suas atitudes em relação a ele. São as informações desse universo interno que formam a maior parte das entradas para a faculdade de processamento de Hod. Assim, podemos ver que, mesmo com o processamento funcionando perfeitamente, conclusões inadequadas ainda podem ser tiradas se as entradas forem falhas, se o universo interno for marcadamente diferente do “real” em aspectos importantes.

Parte do universo interno é formada inerentemente ou naturalmente. O simples fato de viver em um corpo humano com os sentidos humanos é responsável pela maneira como boa parte dele é formada. Quando muito jovens, as sensações físicas são a parte formativa mais importante, pois a faculdade de classificação não está bem desenvolvida, e as sensações e imagens físicas que são apresentadas ao bebê formam uma parte importante do desenvolvimento de seu universo interno, com efeitos que duram até a idade adulta. Muito do que impulsiona um indivíduo é afetado por essas sensações iniciais, e a maioria de nós está familiarizada com imagens ou sensações vagas que estiveram conosco durante toda a vida e que, embora um tanto intangíveis, parecem nos influenciar de várias maneiras.

Outras partes do universo interno são moldadas por meio das faculdades mentais de Hod. Uma das funções de Hod é tirar conclusões sobre a natureza das coisas, sobre a natureza do universo, e essas conclusões são devolvidas a Yesod para fazer parte da concepção geral do indivíduo sobre o ambiente em que ele vive, o que, obviamente, inclui ele próprio. Dessa forma, podemos ver como as “falhas” na faculdade mental podem resultar em um universo interno impreciso e como as imprecisões existentes no universo interno podem ser alimentadas em Hod e depois canalizadas de volta, reforçando o erro e atolando o indivíduo ainda mais profundamente na piscina da ilusão.

Os desejos que surgem em Netzach também têm influência aqui. Ao confundir o que é com o que é desejado, o homem “cria o universo à sua própria imagem”, o que é o inverso do que deveria ocorrer. Um bom exemplo seria o indivíduo que acredita em um inferno pessoal porque simplesmente se recusa a aceitar que as pessoas que o “prejudicaram” escapem da punição e, em seu sofisma rancoroso, ele cria um universo para si mesmo em que seus transgressores são punidos terrivelmente por toda a eternidade. O fenômeno da negação surge como resultado da influência de Netzach no universo interno de Yesod.

Naturalmente, a entrada dos sentidos tem uma influência importante sobre o universo interno.   As imagens dentro da cabeça do indivíduo surgem da forma como surgem principalmente porque ele já as viu, ou algo semelhante, antes, com seus próprios olhos. Podemos esperar que as imagens que surgem na mente de alguém que é cego desde o nascimento se desviem bastante das imagens que o restante de nós reconheceria.

Finalmente, há uma influência no universo interno que vem de fora do reino da tríade individual e do ambiente, e essa influência vem de Tiphareth. Essa influência reflete o que ele realmente é, e não o que ele pensa que é, o que gostaria de ser ou o que o ambiente lhe diz que ele é. Se examinássemos aqui a questão da realização, veríamos que boa parte da tarefa de “purificar” o universo interno se resume a atenuar essa influência.

Yesod é, portanto, o centro do eu inferior, o “caldeirão” da personalidade.

Novamente, como estamos abaixo do Abismo, a tríade individual tem um ápice apontando para baixo, mostrando que o desejo e o intelecto são combinados para formar a consciência. Essa é a “chance de união” no nível individual.

Assim, vimos que as sephiroth supernas representam a ideia da criação, as três sephiroth da tríade real representam o ato da criação e as três sephiroth da tríade individual representam o funcionamento do indivíduo em sua capacidade de ser consciente de si mesmo e de seu ambiente, em termos de motivação, tomada de decisões e ideias sobre si mesmo e sobre o universo. Todos esses três aspectos são necessários para o funcionamento do indivíduo. Cada um desses três conceitos é interno ao indivíduo e, com isso em mente, podemos ver claramente a origem dos problemas que as pessoas enfrentam em suas vidas. A maior parte do funcionamento diário do indivíduo está relacionada a esses três conceitos, e o resultado pode ser um fluxo perpétuo de informações ao longo dos três caminhos que os unem, levando o indivíduo a viver a maior parte de sua vida dentro de si mesmo, isolado tanto da realidade externa quanto de sua própria fonte. A “Grande Obra” consiste essencialmente em restaurar esses vínculos, o que permitirá que ele equilibre seu eu consciente e apreenda sua verdadeira função no esquema do universo.

Chesed é a estrutura, Geburah é a vontade e Tiphareth é o verdadeiro eu, mas na tríade individual, abaixo do Véu de Paroketh, tudo é mero reflexo, portanto Netzach é o desejo, o reflexo da vontade. Hod é o pensamento, o reflexo da estrutura. Yesod é o subconsciente, o reflexo do eu. Aqui tudo é ilusão.

O Mundo Físico
Malkuth

Há mais um passo a ser dado. A tríade individual proporciona ao homem o desejo de experimentar, o intelecto e o conhecimento para classificar essas experiências e uma consciência com a qual ele consolida sua jornada pela experiência, mas na verdade não lhe deu nada para experimentar. Isso é Malkuth. Malkuth é frequentemente considerado o próprio mundo material ou o corpo, mas, nesse sentido, Malkuth é a experiência do mundo; é a experiência do sabor dos morangos, em vez dos próprios morangos ou até mesmo do próprio sabor (embora possamos facilmente argumentar que, sem experiência, o sabor é um conceito sem sentido). A existência física do universo não precisa nos preocupar; se de fato fôssemos o estereotipado “cérebro em uma cuba” e o universo inteiro fosse apenas uma série de sensações fictícias criadas para nós, estaríamos na mesma situação e agiríamos da mesma forma. Como o Bispo Berkeley nos mostrou, não somos capazes de distinguir entre uma realidade “real” e uma ilusão convincente nesse sentido e, para nossos propósitos, não nos interessa tentar fazer isso. Portanto, não estamos preocupados com a natureza da realidade em Malkuth; estamos preocupados apenas com nossa experiência do que chamamos de realidade.

Há uma conexão adicional aqui com Malkuth, pois a criação da tríade individual deixa de ter qualquer significado sensível sem a adição da experiência real. Portanto, podemos adotar uma perspectiva quádrupla e considerar a tríade individual e Malkuth como uma unidade. Já vimos a influência que Malkuth tem na formação do universo interno.

Considerações Adicionais
A Estrutura da Árvore

Com nossa análise inicial concluída, podemos continuar a perceber os padrões na Árvore. A fórmula do Tetragrammaton, IHVH, é aplicável aqui. Na tradição, “I”, yod, é o impulso masculino, o pai. O primeiro “H”, hé, é o impulso feminino, a mãe.  O “V”, vau, é o filho, a conjunção da mãe e do pai.  O hé final é a filha, essencialmente a energia liberada pela união da mãe e do pai, o “efeito colateral” dessa união. Em termos das quatro sephiroth inferiores, Netzach é claramente o princípio ativo, masculino, e Hod, o princípio passivo, feminino. Vimos como eles se combinam em Yesod para formar o filho e como a necessidade de Malkuth está implícita nisso. Podemos continuar com isso. Já dissemos que a própria tríade real dá origem à necessidade da tríade individual e, portanto, podemos considerar o hé final do “Tetragrama real” como sendo a tríade individual mais Malkuth. Além disso, claramente, a existência ideal nas supernas deve necessariamente dar origem à existência real e, portanto, podemos considerar as sete sephiroth inferiores como o hé final do “tetragrama arquetípico”. Por fim, os três véus negativos representam o potencial, e o potencial não tem significado sem o real, de modo que a Árvore em sua totalidade pode ser considerada o hé final da união do “pai negativo” e da “mãe negativa”, que se combinam para produzir o “filho negativo”.

Assim, podemos ver como a Árvore combina perfeitamente a fórmula tríplice da tríade com a fórmula quádrupla do Tetragrammaton. Reforçando isso, temos quatro arranjos tríplices na Árvore, que são os véus negativos e as três tríades. O aforismo “mudança é estabilidade e estabilidade é mudança” ilustra a fórmula dupla dos complementos, e a criação da existência ilustra a fórmula única da criação. Assim, a Árvore incorpora as fórmulas simples, dupla, tripla e quádrupla, e podemos considerar interessante observar que o número de sephiroth é dez, ou 1 + 2 + 3 + 4 = 10. Essas considerações, embora sejam satisfatórias e bonitas, não são cruciais para nossas ideias.

A estrutura básica da Árvore propriamente dita (excluindo os véus) são as três tríades, cada uma com o restante da Árvore como um “pingente”. Cada tríade contém uma sephirah de mudança ou movimento, uma sephirah de estabilidade ou forma e uma terceira sephirah, que na tríade arquetípica representa sua origem e nas duas tríades restantes representa sua resolução. A tríade arquetípica mostra como as ideias de movimento e força surgem da ideia de criação e são inerentes a ela, enquanto a tríade real mostra como o movimento real e a forma real se combinam para formar o indivíduo real. A tríade individual mostra como o movimento individual e a forma individual se combinam para formar a autoconsciência e o universo interno.

Número

Os números atribuídos às sephiroth dão mais suporte a essa estrutura. Como já descrevemos, dois representa a linha, a direção, o movimento, enquanto três representa o triângulo, a forma, o formato. O quatro representa o quadrado, o fechamento, a forma construída, a forma artificial, e o fato de que 2 = 2 + 2 = 2 2 = 22 ilustra as qualidades estruturais desse número. Cinco é 3 + 2, forma em movimento, e também 22 + 1, movimento para longe da restrição e do fechamento do quatro. Ele também é primo, o que sugere movimento e falta de forma.   Seis é 2 × 3 e também 1 + 2 + 3, a combinação de movimento e forma. O sete também é primo, mais uma vez oposto à forma e à estrutura, enquanto o 8 = 2 × 2 × 2 = 23 = 4 + 4 = 4 × 2, um número altamente estrutural.  Nove é 3 +3 +3 = 3 × 3 = 32, a estabilização da tríade, a combinação de movimento e forma em um nível individual e mais degradado. Finalmente, dez é 1+2+3+4, a soma dos quatro elementos do tetragrama, o resultado final da manifestação.

As Qliphoth

As Qliphoth, ou “conchas” associadas às sephiroth, também apóiam essa estrutura. De acordo com o 777 de Crowley, as Qliphoth de Kether são as “forças duplas em disputa”, claramente opostas à unidade do uno. Para Chokmah, a sephirah de movimento da tríade arquetípica, temos os “estorvadores”, sendo o impedimento uma oposição à força. Para Binah, há os “Ocultadores” que escondem e distorcem a forma. As Qliphoth de Chesed são os “Quebradores em Pedaços”, destruidores da forma. Geburah tem os “Incendiários”, que destroem por meio da força desenfreada. As conchas de Tiphareth são os “Disputadores”, os oponentes da harmonia. As Qliphoth de Netzach são os “Corvos da Dispersão”, sendo a dispersão a força sem direção unificadora, o desejo separado da vontade em Tiphareth. Para Hod, temos os “Enganadores”, os ilusionistas, os criadores de formas enganosas. Yesod tem os “Obscenos”, que distorcem e corrompem o universo interno, sendo que a obscenidade implica (pelo menos no antigo Æon) que o animal está separado de sua fonte divina. Por fim, o Qliphoth de Malkuth é a “Mulher Maligna”, uma mulher que naturalmente representa a corrupção da carne, a baixeza física desprovida de espírito, para as religiões abraâmicas.

Vícios e Virtudes

Os “vícios” e as “virtudes” associados às sephiroth também são instrutivos. A virtude de Kether, no ápice da Árvore, é naturalmente a realização, a conclusão da Grande Obra, e não há vício devido à “perfeição” da unidade. A virtude de Chokmah é a devoção à Grande Obra, o movimento dedicado e obstinado em direção à sua conclusão. Muitas vezes, não se atribui um vício a Chokmah, mas, quando se atribui, esse vício é maligno, referindo-se à aparência da dualidade, o movimento para o mundo real que era considerado imperfeito pelos monoteístas quando comparado à perfeição do deus único. Para Binah, temos o silêncio como virtude, a ausência de movimento, a forma tranquila, com avareza ou ganância – a estruturação excessiva, a aquisição e a coleção excessivas de coisas – como vício. A virtude de Chesed é a obediência à lei temporal inerente à ideia, enquanto seu vício é o fanatismo e a hipocrisia, a perversão e a fixação da forma. A virtude de Geburah é naturalmente energia e coragem, e seu vício de crueldade e restrição representa o aspecto “negativo” da força. Tiphareth, assim como Chokmah, tem a devoção como virtude, aparecendo como no pilar do meio, diretamente abaixo de Kether e conectado a ele, representando o indivíduo em equilíbrio, elevando-se diretamente para cima. Seu vício é o orgulho e o egoísmo, a indulgência com a individualidade, um corte voluntário do eu em relação à fonte. O vício de Netzach é, naturalmente, a luxúria, e sua virtude de “altruísmo” representa a ideia de que a direção individual é influenciada pelo verdadeiro eu em Tiphareth, e não pelo “eu” da casca na tríade individual. A virtude de Hod é a veracidade e a honestidade, enquanto seu vício é a falsidade e a desonestidade, representando, respectivamente, a estruturação precisa e imprecisa de impressões e experiências. Yesod tem a independência como sua virtude, sendo o eu inferior ideal afastado da servidão servil aos pensamentos e desejos, enquanto o vício é a ociosidade e a estagnação, um chafurdar no universo interno. Finalmente, a virtude de Malkuth é a discriminação, a percepção precisa do mundo físico, e o vício é a inércia e a avareza, e a indulgência com o conforto e o prazer físicos.

Sumário

Vimos que é possível e instrutivo derivar a Árvore da Vida por meio de uma aplicação e combinação regular e sistemática das ideias de:

  • Um, a criação;
  • Dois, a interação de mudança e estabilidade, movimento e forma, os dois lados das bases de cada uma das três tríades;
  • Três, o processo, início-meio-fim e a combinação de dois elementos para produzir um terceiro, as três tríades da árvore (e os três véus negativos); e
  • Quatro, o ato completo da criação, a progressão da produção do filho e seus efeitos colaterais.

Podemos resumir isso na tabela 1.1. Essas quatro ideias se repetem ao longo de toda a Árvore, os pares de mudança e estabilidade surgindo ou resultando na terceira, e o ato de criação ou resolução resultando em uma quarta ideia. O fato de esse padrão simples, lógico e satisfatório concordar tão bem com o simbolismo tradicional é um indicador da adequação dessa estrutura, que também é totalmente consistente – e ilustrativa – do relato da criação apresentado no Livro da Lei.

N.° Sephirah Plano Função
1 Kether Arquetípico Fonte
2 Chokmah Arquetípico Movimento/mudança
3 Binah Arquetípico Forma/estabilidade
4 Chesed Real Forma/estabilidade
5 Geburah Real Movimento/mudança
6 Tiphareth Real Resolução
7 Netzach Individual Movimento/mudança
8 Hod Individual Forma/estabilidade
9 Yesod Individual Resolução
10 Malkuth Físico Pendant

Tabela 1.1: A estrutura das sephiroth

É com base nessa estrutura que analisaremos as cartas menores do Tarô. A Árvore da Vida é tradicionalmente associada a quatro “mundos”, cada um correspondendo a um dos quatro elementos. Atziluth, ou “mundo arquetípico”, é atribuído ao elemento fogo, Briah, ou “mundo criativo”, à água, Yetzirah, ou “mundo formativo”, ao ar, e Assiah, ou “mundo material”, à terra. Há duas formas primárias8 de representar esses mundos. A primeira é representá-los em uma única árvore, Atziluth englobando Kether e Chokmah, Briah englobando Binah, Yetzirah englobando Chesed até Yesod e Assiah englobando Malkuth. A segunda é dar a cada mundo sua própria Árvore completa. Isso resultaria em quatro conjuntos de dez sephiroth, correspondentes aos quatro conjuntos de dez cartas dos arcanos menores, e é o método mais aplicável ao estudo do Tarô, o que faremos agora.

NOTAS

1. Veja O Khabs está no Khu para uma exposição completa desta doutrina.

2. http://www.erwinhessle.com/images/qabalah/bigtol.png mostra um diagrama da Árvore da Vida.

3. AL I, 4

4. AL I, 3–4

5. AL I, 29

6. Essa ideia é desenvolvida em O Khabs está no Khu, onde o Véu de Paroketh é equivalente ao véu que envolve o Khabs.

7. Veja O Método do Amor.

8.  “Primária” de acordo com a Golden Dawn, pelo menos. Muitas, muitas outras formas foram propostas.


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