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Liber Practicus: O Pecado na Prática

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By Frater (I) Nigris (666)

*com trechos de O Livro da Lei Comentado por Aleister Crowley, trad Johann Heyss. Editora Via Sestra

“Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.
A palavra de Pecado é Restrição.”
– Livro da Lei I:40-41

Há uma interpretação ‘correta’ das palavras acima? Difícil saber. Enquanto a liberdade garantida na primeira linha nos permite defini-las da maneira que escolhermos, a qualificação da segunda parece proibir a avaliação da definição que escolhemos como ‘correta’.

Aqueles que então invocam ‘razão’ e ‘lógica’ para determinar tal interpretação ‘correta’, talvez colocando-as dentro do contexto de todo o livro ou comparando-as com definições comuns dadas por ‘autoridades’ (incluindo Ankh-f-n-khonsu) nos ajudam pouco, pois O Livro da Lei em si proíbe isso em versos subsequentes, conforme descrito pelo Sacerdote dos Príncipes em seu comentário sobre eles:

 II:32 “Também a razão é uma mentira..”

“Já explicamos longamente em uma nota anterior que, por natureza, a “razão é uma mentira”.[…] Quanto à razão em si, o que é mais seguro do que serem suas leis apenas a expressão consciente dos limites impostos a nós por nossa natureza animal; e que atribuir validade universal ou mesmo significância, para elas é uma idiotice, um delírio de nossa megalomania? Experimentos não provam coisa alguma; é bem óbvio que somos obrigados a correlacionar todas as observações com a estrutura física e mental cuja verdade estamos tentando testar.[…] A razão não passa de um conjunto de regras raça; ela leva nada em conta não além das impressões sensoriais e suas reações as várias partes de nossos ser. Não é possível escapar do círculo vicioso de registrarmos apenas o comportamento de nosso próprio instrumento. A partir do fato de ele se comportar em si, concluímos que deve haver em funcionamento “um fator infinito e desconhecido”. Sendo este o caso, podemos estar certos que nosso aparato é inerentemente capaz de descobrir a verdade sobre qualquer coisa, ainda que em parte.”

Este trecho, entre outros de natureza semelhante, a princípio, parece contraditório. Devemos ser convencidos VIA razão de que a razão é falha? Aceitaremos uma sequência de afirmações racionais que nos levam a abandonar completamente a aceitação da razão?! Isso não faz sentido. No entanto, como o Teorema da Incompletude de Gödel e o Princípio da Incerteza de Heisenburg, talvez Crowley esteja simplesmente usando a mentalização para apontar as limitações da mente em si. Talvez o que está sendo distinguido aqui seja a NATUREZA das conclusões que podem ser construídas usando as ferramentas da razão.

Que a verdade é de uma ordem diferente da razão e da lógica foi sugerido por teístas inteligentes desde seus primeiros escritos de Paulo de Tarso a Immanuel Kant. No entanto, aqui não estamos avaliando os comentários de um teísta inteligente, mas de um mago inteligente; alguém para quem a Ciência era um meio de alcançar e a razão uma ferramenta para derivar esses meios. O que também é importante é que o próprio texto que poderíamos tentar entender através da razão afirma que ‘a razão é uma mentira’.

Presumivelmente, poderíamos interpretar isso não como uma descrição da razão, mas como alguma outra mensagem, ou como uma interrupção temporária na ‘conexão’ do Mestre Therion no momento da transmissão. No entanto, isso se assemelha ao sistema de justificação ad hoc que muitas pessoas gostam de usar com seus próprios textos sagrados. Não, parece que devemos abandonar a razão em nossa busca por qualquer interpretação ‘correta’ desses versos ou os próprios comentários da Besta cairiam por terra.

Poderíamos, portanto, confiar na interpretação de uma ‘autoridade’, mas quem poderia representar para nós a força da verdade absoluta? Quem poderia falar PELA verdade, expressando em linguagem decisiva e clara o que aceitaremos como a verdadeira interpretação?

Ninguém qualifica para uma responsabilidade tão pesada, certamente, e colocar tal fardo sobre os ombros de qualquer indivíduo é simplesmente injusto.

No entanto, se ninguém pode falar PELA verdade, talvez haja alguns que possam falar A SUA verdade sobre seu significado, e quem melhor para conhecer perspectivas pertinentes sobre essas palavras do que o próprio homem que colocou os versos no papel (embora como receptor) e que, portanto, viveu com essas palavras até a morte? O Sacerdote tem muito a dizer sobre as linhas em questão.

“Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.
A palavra de Pecado é Restrição.”

Da primeira linha:

“Faze o que tu queres” não precisa ser apenas interpretado como uma licença ou mesmo uma liberdade. Seu significado por ser entendido, por exemplo, como Faça tu (Ateh) o que quiseres. A passagem então deve ser lida como um custo de autosacrifício e equilíbrio.
Apresento esta sugestão apenas para expor a profundidade  de pensamento para lidar até mesmo com uma passagem tão clara. Todos os significados são verdadeiros, mas apenas se o adepto se iluminar, do contrário, todos são falsos, assim como ele próprio é falso.”

 

Da segunda linha:

“… é uma afirmação ou definição genérica de pecado ou erro. Qualquer coisa que restrinja a vontade, que a atrapalhe, ou a distraia, vem a ser pecado. Ou seja, o pecado é a aparição da díade. Pecado é impureza.”
– O Livro da Lei Comentado por Aleister Crowley, trad Johann Heyss. Editora via sestra

Aqui encontramos uma afirmação bastante obscura de que todas as interpretações para ‘os iluminados’ são corretas (!). Como podemos determinar quem é ‘iluminado’ e quem não é? Esses seres elevados têm limitações em SUA capacidade de interpretar o verso? Isso pareceria tolo, dado que os ‘iluminados’ geralmente são considerados como tendo uma capacidade MAIOR de propor alternativas com base em um entendimento aprimorado.

Crowley sugere aqui que a veracidade da interpretação não depende tanto de sua forma quanto de quem a faz. É menos que alguém possa interpretar incorretamente do que alguém que não está ‘iluminado’ ou, talvez, ‘maduro’, possa interpretar incompletamente e assim se prender a um subconjunto falso de todas as interpretações possíveis. Ele parece dizer que não há interpretações falsas de ‘Faze o que tu queres’. Não há, portanto, interpretações ‘corretas’ isoladamente.

Na segunda frase (‘A Palavra do Pecado é a Restrição.’), ele é muito menos claro. O pecado é o que impede ou desvia ‘a vontade’. Ficamos a divagar sobre o que, exatamente, é entendido por ‘a vontade’ neste contexto. No entanto, outros comentários sobre pecado e vontade podem ajudar…

I:42 “… tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade.’

Interferir na vontade de outrem é um grande pecado, pois afirma a existência de outrem. Nesta dualidade consiste a dor. Penso que possivelmente o sentido mais elevado ainda é atribuído a vontade.

Confuso? Talvez um pouco mais de material adicional seja necessário.:

I:51 “…toma também o teu preenchimento e a vontade de amor como quiseres…
Exclui-se também de “como quiseres” comprometer a liberdade de outros indiretamente, tirando vantagem da ignorância ou boa vontade de outra pessoa para expô-la à doença, pobreza, detrimento social ou gestação, a não ser que com a livre aceitação da pessoa

 

E ainda:
[o editor não conseguiu encontrar os trechos abaixo, segue em tradução livre]

“Não é indicado aqui no texto, embora esteja implícito em outros lugares, que apenas um sintoma avisa que você errou a sua Verdadeira Vontade, e isso é, se você imaginar que, ao seguir seu caminho, interfere no caminho de outra estrela.

 

“Para nós, então, ‘mal’ é um termo relativo; é ‘aquilo que impede alguém de cumprir sua Verdadeira Vontade.”

[retornando a tradução de Johann]

“Tão logo se compreende o próprio eu como sendo Hadit, adquire-se todas as Suas qualidades. É tudo uma questão de fazer sua própria vontade. Uma prostituta flamejante, com touca vermelha e olhos cintilantes, com o pé no pescoço de um rei morto, é uma estrela tanto quanto seu antecessor, sorrindo timidamente em seus braços. Mas é preciso ser uma prostituta flamejante – deixa-se levar, não importa se sua estrela é gêmea com a de Shelley, ou a de Blakem ou a de Ticiano, ou a de Beethoveen. Beleza e forçavêm daqueles que estão realizando sua Verdadeira Vontade; deve-se apenas para qualquer um que esteja fazendo isso para reconhecer a glória de realizar a Verdadeira Vontade.”

“Mas também nossa Lei ensina que uma estrela muitas vezes se disfarça de sua natureza. Assim, a grande maioria da humanidade é obcecada por um medo abjeto da liberdade; as principais objeções até agora feitas à minha Lei foram feitas por aqueles que não suportam imaginar os horrores que resultariam se fossem livres para fazer suas vontades. O sentido de pecado, vergonha, auto-desconfiança, é isso que faz as pessoas se apegarem à escravidão cristã.”

“Considere também aquele que deseja se destacar em Velocidade ou em Batalha, como ele nega a si mesmo a comida que deseja e todos os Prazeres naturais a ele, colocando-se sob a dura Ordem do Treinador. Assim, por sua Escravidão, ele tem, afinal, sua Vontade. “Agora, o um, por restrição natural, e o outro, por restrição voluntária, chegaram cada um a uma maior Liberdade.

III:49 “Eu estou em uma quádrupla palavra secreta, a blasfemia contra todos os deuses dos homens”

A interpretação evidente aqui é aceitar que a palavra “Faze o que tu queres” que vem a ser uma palavra secreta, pois seu significado para cada homem é seu íntimo segredo. E ela é a mais profunda blasfêmia possível contra todos os “deuses dos homens”, pois faz de cada ser humano seu próprio Deus.”

III:60: “Não existe lei além de Faze o que tu queres”

É claro que há leis menores do que essa, detalhes, casos particulares da Lei. Mas o todo da Lei é “Faze o Que Tu Queres” e não há lei além desta. Este assunto é abordado plenamente em Liber CXI, Aleph, que deve ser estudado

Melhor ainda, que o estudante presuma ser esta Lei a chave universal de todos os problemas da vida e a aplique a um caso particular depois de outro. Aos poucos, à medida que vai entendendo isso, ficará atônito com a simplificação das questões mais obscuras pela lei fornecidas. Assim, ele assimilará a Lei, e fará dela a norma do seu ser consciente; isto por si bastará para iniciá-lo, para dissolver seus complexos, para desvelá-lo a si mesmo; e assim ele alcançará o Conhecimen to e Conversação de seu Sagrado Anjo Guardião.

Pareceria óbvio a partir do exposto, que ‘pecado’, no sentido especial que Crowley adotou para esse termo, envolve interferir nos assuntos, negócios, atividades de outro onde não há chamado, onde nossa vontade não se encaixa dentro da Lei de Thelema.

Assim, dizer que ‘pecado é restrição’ se aplica apenas à restrição de OUTRO. De fato, pressupor OUTRO desde o início é pecado. O solipsismo pareceria, em um nível pragmático, uma solução para tais enrascadas. Manter nossa própria vida, vontade e tudo o mais é tudo o que precisamos fazer para cumprir isso.

Neste momento, o leitor pode perceptivamente estar se perguntando: ‘O que isso tem a ver com ‘prática’? Como o pecado pode estar associado a isso?’ Independentemente da definição de cada um para o termo ‘prática’, é sábio lembrar a base de Crowley para a definição de pecado como restrição. Quando se trata de vontade, a interferência com outro é considerada pecaminosa na medida em que SUPÕE OUTRO.

Não é um suporte social, mas metafísico, que é invocado aqui. O não dualismo como base para a ética não tem paralelo tanto em obscuridade quanto em valor. Não presumir o Outro é considerar-se contínuo e idêntico a Tudo.

Em relação à Restrição, o que restringimos é nossa própria essência e poder, assim como a essência e o poder de Tudo, ao presumir dividi-los. Assim, ao realizar a Verdadeira Vontade, não se entra na restrição do dualismo. Manter uma ‘prática’ que seja como se preparar para a ‘vida’ ou o ‘real’ – um preparo em vez de uma ação – é pecaminoso. Isso pressupõe que a vida de alguém NÃO é a manifestação de sua Verdadeira Vontade, quando tal pressuposição participa da dualidade da prática.

‘Faze o que tu queres’ pode significar ‘Faze o que te agrade’ para aqueles que percebem a verdade da não dualidade. Ao restringir nossos esforços à nossa ‘prática’ sem infundir nossa vontade em toda a nossa vida, participamos do pecado do qual procuramos escapar com tanto empenho.

Há aqueles que serão ajudados ao entrar na ‘prática’ como um meio de enxergar além da dualidade que ela envolve. Isso é chamado de ‘usar o dualismo como uma ferramenta para arrancar o dualismo da mente’. No entanto, uma vez que este fragmento tenha sido extraído, uma vez que a vontade esteja unida, a ‘prática’ é o único vestígio de pecado deixado com o aspirante. Isso também deve ser descartado se alguém pretende manifestar a Grande Obra.


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