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Thelema

I love it when you call me senõrita

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Faze o que tu queres há de ser o todo da Lei!

“Quando se abandona o Tao, aparecem a humanidade e a justiça. – Dao De Jing, Capítulo 18

Quando o aluno está pronto, o mestre aparece. Mesmo que este mestre seja a Camila Cabello.

Realmente é verdadeiro, sem falsidade, certo e muito verdadeiro que somente quando nos esvaziamos de nós mesmos é que o universo consegue nos encher, como o traseiro branco de Arquimedes correndo pela rua já nos ensinava outrora, já que foi justamente no banho que teve o puta insight que pariu a Hidráulica – quando se esvaziou de todas as questões que lhe afligiam a cuca.

Ou, para ser um pouco mais poético, é quando os ventos do pensamento cessam de assediar o lago da mente e nele produzir perturbações que esse pode aquietar-se e virar um espelho que reflete a magnitude do cosmo. Ou algo assim – tentativa de paráfrase de uma fonte que não lembro.

Destarte, depois de labutar estoicamente como bom proletário que sou, estava a voltar para casa caminhando pela rua, ouvindo rádio, quando me deparo com um Belt da Camila Cabelo em um feat com o Shawn Mendes. Nunca tinha observado aquela nota da musiquinha antes, e pensei ‘caralho, né? Tem que ser foda para largar essa nota do nada em uma terça (a nota, não o dia a semana).

E aí BUM. Um insight que ainda estou lutando para colocar em palavras nesse momento.

LEI DO FORTE E ALEGRIA DO MUNDO

“Os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem.” – Tucídides

Quanto mais estudamos espiritualidade, mais nos deparamos com a difícil missão de equalizar as duas forças antagônicas e complementares que nos disputam, nomeadamente a força que busca nos fundir ao universo (Solve) e a força que nos tenta desgarrar dele (Coagula), que são conhecidas na Qabalah como Geburah (Rigor) e Chesed (Misericórdia).

Nesses tempos de Covid-19, a força que nos separa tende a nos colocar em modo de luta-e- fuga, com cortisol e adrenalina despertando o predador que dormitava dentro de nós, e tendemos a pensar somente em nós e nos nossos, como a escassez de papel higiênico e álcool gel nos demonstrou recentemente.

Ora, direis, quanto mais luz, mais sombra. Quanto mais yin, mais yang, certo? Bom… depende.

De fato há várias iniciativas de solidariedade buscando mitigar o sofrimento dos hipossuficientes, mas qualquer olhadela mais profunda há de concluir que mais das vezes a origem de tudo isso acaba sendo muito menos nobre do que primeiramente acreditamos.

E nossa criação modulada por uma sociedade que se crê e professa cristã nos impõe que sejamos baluartes da caridade, abnegados doadores para o bem maior. Assim aquiescemos meio na marra e somos subjulgados e acorrentados a grilhões que nos são aversivos, secretamente culpados por não nos sentirmos felizes por estarmos doando aquilo que nos é tão sofrido para obter.

Peço que não me entendam equivocamente. Não quero fazer uma apologia ao egoísmo, e nem tampouco acossar o resquício de humanidade que habita em nós.

Apenar rogo que escutem a Camila Cabelo que habita em cada um de nós, segundo minha questionável epifania que segue (para os que se derem ao trabalho de terminar o texto), e não nos culpemos por nos colocarmos como prioridade, como exemplarmente fazem os socorristas: primeiro eu, depois minha equipe, depois a vítima do acidente.

SOBE COBRA, A COBRA TEM QUE SUBIR

Quando consideramos o diagrama da Árvore da Vida, percebemos que o Caminho da Serpente nos leva a ascender por uma trajetória que nos coloca em um paradoxo aparente.

Depois de nos colocarmos (queira deus algum dia) em Tipheret, em que alcançamos o equilíbrio e um grau maior de consciência, largamos essa mamata e ascendemos a Geburah, onde assentamos nosso muladhara cabeludo na sephirah que é a quintessência da força que nos exclui de tudo e se volta para o próprio umbigo.

Não parece uma contradição que abandonemos um estado crístico e solar para buscar algo marciano e beligerante? Agora que cresceu um pouquinho tá se achando e não se mistura com ninguém, é?

Pois essa contradição é apenas em aparência e superficialidade, como demonstrado a mim pela Rimpoche Camila Cabello.

Nosso entendimento de Geburah é muito restrito, mormente, a uma faceta mais basal dessa sephirah. A força que separa também é algo extremamente fundamental e divino em nossas vidas, e não só uma voz barraqueira dentro das nossas cabeças querendo sentar a mão na cara de alguém. Quando temos a meiose, é Geburah. Quando o endométrio (ou o bebê) é expelido, é Geburah. Quando temos a contração dos músculos (o miocárdio, por exemplo), é Geburah.

Geburah e Chesed estão sempre operando em contínua complementaridade,como na sístole e diástole, ou Xitãozinho e Xororó. Um prosaico e odoriferamente satisfatório pum é Geburah, lutando para livrar o corpo de algo que não precisa. Não haveria homeostase sem um balanço perfeito de Geburah e Chesed. Já nos diz a tábua esmeralda: “Separarás a terra do fogo, o sutil do grosseiro, suavemente, com muita inteligência.”

E assim como é abaixo, assim também é acima, diz o mesmo texto. Assim como a nível celular ou metabólico, histológico e muscular, em todos os níveis de nossa existência existe um Geburazinho gente boa aguardando para ser descoberto e usado de maneira acertiva, para nos elevar um pouquinho nesse vale de lágrimas, nem que seja pelos cabelos.

COME A SALADA, BEM. SALADA É BONITA

Quando me dei conta da precisão técnica necessária para dar a nota na música que ouvia, pensei no quanto de tempo, esforço e trabalho tem de ser investido no individual antes que o mesmo alcance refinamento minimamente suficiente para interagir com uma segunda voz.

E aí me ocorreu que a música é uma excelente alegoria para resolver o aparente paradoxo de ter de se ensimesmar depois de ter se elevado espiritualmente.

Para que possa tocar em um grupo, que na presente metáfora é o Todo, o músico (aqui a parte separada) precisa se refinar e aperceiçoar a tal ponto que possa ser precisa e fluidamente encaixado no todo. Aliás, cito, en passant Ainulindalë ou a Canção dos Ainur, que é a Teogonia/Cosmogonia de J. R. R. Tolkien, como uma representação do processo todo que estou tentanto descrever.

Assim como o músico usa de seu esforço e disciplina para eliminar aquilo que não for servir à banda, Geburah tem de ser utilizada para nos individualizar primeiro para que possamos ser inseridos no todo de forma funcional. Caso o músico não tenha passado por esse processo marciano para se aprimorar, não será de valia para a banda, pois será um zé ruela que não sabe nada. Dessa maneira, sem passar por um nível superior de Geburah espiritual, não será de nenhuma valia a união subsequente com Chesed – será apenas mais água no feijão.

Como certa vez ouvi em uma palestra do Rabino Yitzchak Breitowitz , o sabor da salada não está em uma mistura indistinta que venha a apagar a individualidade dos ingredientes, mas na forma em que cada ingrediente, com sua contribuição única, enriquece o todo.

BE WATER, MY FRIEND

Dessa forma, entendendo que precisamos buscar essa individualidade – individualização, para os Junguianos de plantão, e somente posterior a isso podemos nos colocar harmonicamente no todo, podemos pensar em como o conceito de Não-Ação do Dao (wu-wei) também se encaixa nesse raciocínio, se pensarmos em Geburah e Chesed como Yin e Yang em um grande Tai-Ji ou mar em que essas duas forças interagem.

Da mesma maneira que em uma jam session ou uma apresentação de Jazz precisa haver uma intuição do fluxo que se está seguindo e se antecipa a maneria ideal em que nossa individualidade será melhor empregada para colaborar com a estética e a harmonia da performance, e que isso depende de muito trabalho técnico individual anterior, o entendimento de como nossa atuação poderá beneficiar o Todo advém primeiramente de uma qualificação e empoderamento individual, para em seguida aprendermos a perceber de que maneira podemos contribuir.

Perceba-se que individualidade não é a mesma coisa que egoísmo, uma vez que, em nossa analogia, muitas vezes minha individualidade é exercida através do silência nas pausas executadas, para que outros possam contribuir e brilhar. Ademais, ao cuidarmos primeiro de nos mesmos deixamos de ser um peso morto a ser suportado pela coletividade.

Esse fluxo assertivo de quando ficar em silêncio e quando tocar, quais notas tocar, qual duração e em qual momento – mesmo quando o grupo está improvisando, é algo que exige a maior maestria e sofisticação de um músico. É por isso que todo pedantezinho que leu duas folhas de Foucault e Deleuze e usa uma boina gosta de jazz. Porque entende que aquilo é uma forma muito sofisticada e foda de música – embora eu ache um saco.

O mesmo tipo de sofisticação, só que em uma esfera espiritual, é imprescindível para que possamos saber até que ponto podemos ajudar o outro e quando devemos deixar que o outro colha o aprendizado e consequências por seus atos, ou quando a caridade é necessária e altruísta ou se parte de alguma questão interna não resolvida que nos faz buscar sentirmo-nos superiores ao outro por ajudar ou tenta comprar uma libertação da culpa de algo através da tentativa de ser uma pessoa boa.

Não é à toa que o símbolo de autoridade do Faraó eram as duas armas que trazia ao peito: o cetro em forma de gancho para resgatar os inocentes e o açoite para flagelar as inimiga. Da mesma forma as colunas Jachin e Boaz no templo de Salomão e também dos Maçons e vários outros signos espelham que quando se alcança esse equilíbrio espiritualmente se alcança o domínio sobre o mundo (leia-se o pequeno mundo ou microcosmo).

No Tarot de Crowley, o caminho que liga Geburah e Chesed é a carta da Luxúria, em que vemos a Prostituta Sagrada cavalgando a Besta. Nesta representação, a besta pode ser lida como Geburah em seu caráter mais basal e a Babalon como a força que está sempre disposta a doar e a acolher (Chesed e posteriormente Binah), em sua dança louca do amor que é a existência.

“III 62. Fazei a Mim a vossa reverência! vinde vós a mim através da tribulação do ordálio que é êxtase.”

Também por esta razão, na magia cerimonial, a espada, símbolo do elemento ar e da força que separa e destrói ocupa a posição entre o pantáculo, que representa a matéria e a fisicalidade, e a taça que representa a intuição e a receptividade. A espada é o intermediário entre a vida profana e a espiritualidade elevada. A espada (e portanto Geburah) é o elo que liga Malkuth e Yesod (pantáculos) a Chesed e Binah (taça). Há que se lembrar também que há um anjo com uma espada de fogo que guarda a árvore da vida (Gênesis 3:24).

Quem diria que todas essas coisas viriam de uma reflêxão na volta do trabalho (e sóbrio!), e que tudo isso seria despertado apenas por uma boa nota ouvida na rádio…

Não sei até que ponto todas essas coisas realmente fazem sentido a mais alguém, ou se fui capaz de articulá-las adequadamente, mas essa tentativa de exposição é também escrita com a intenção de mostrar que mesmo as coisas mais triviais podem nos servir de ponte para uma reflexão mais profunda, como podemos ler no Evangelho de Tomé:

“Eu sou a luz que está sobre todos eles. Eu sou o todo. De mim surgiu o Todo e de mim o Todo se estendeu. Rachai um pedaço de madeira, e eu estou lá. Levantai a pedra e me encontrareis lá.”

Amor é a Lei, Amor sob Vontade.

Curitiba, 30 de Maio de 2020, 18:56

dies Saturnii, Lua Crescente

 

 

Frater Melquisedeque


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2 respostas em “I love it when you call me senõrita”

Texto incrível, me senti profundamente impactado, principalmente por ser alguém com pouco conhecimento ocultista, sinceramente pouco conhecimento não-popular também, havia guardado este website em meus favoritos e nunca havia lido algo, me senti na curiosidade de clicar neste texto justamente por causa do título. Estou apenas colocando meus pés na piscina da magia e ocultismo, foi apenas neste ano que conheci termos como thelema, que entendi o que eram ordens mágicas, o que era a magia do caos e até mesmo o que eram sigilos, egregoras, entre outros termos básicos do mundo ocultista. Tenho 21 anos e me sinto guiado pelo Ocultismo, tudo pode não passar de tentativas de meu ser encontrar uma resposta e um sentido, porém se sentido não há, creio que a busca por algo que não há seja mais proveitosa que a inércia nihilista que banha o século 21.

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