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Thelema

Entusiasmo Energizado Sub figura DCCCXI

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Imprimatur: N. Fra. A. · . A. · .

Uma Nota Sobre Teurgia
I

IAO, O Supremo Deus dos Gnósticos, o verdadeiro Deus, é o Senhor desta obra. Invoquemo-Lo portanto, por aquele nome que os Companheiros da Arca Real blasfemam, para que nos auxilie neste ensaio a declarar os meios que Ele nos deu!
II

A consciência divina que é refletida e refratada nas obras do Gênio se alimenta de uma certa secreção, assim creio. Esta secreção é análoga ao sêmen, mas não idêntica. Existem poucos homens, e um ainda mais raro número de mulheres (estas invariavelmente andróginas), que possuem a qualquer tempo em qualquer quantidade esta secreção.

Tão intimamente está esta secreção relacionada com a economia sexual orgânica que me parece às vezes como se a secreção fosse um subproduto daquele processo que gera o sêmen. Que alguma forma desta doutrina tem sido geralmente aceita através dos tempos, é demonstrado pelas universais proibições religiosas. Tem sido assumido que a santidade depende da castidade, e a castidade tem quase sempre sido interpretada como abstenção. Mas eu duvido que a relação seja tão simples; por exemplo, eu percebo em mim mesmo que manifestações de força mental criadora sempre concorrem com alguma condição anormal dos poderes fisiológicos de geração. Mas não ocorre que longos períodos de abstenção, por um lado, ou excessos orgásticos, por outro, sejam favoráveis à manifestação de força mental criadora, ou mesmo à sua formação.

Eu me conheço bem, e em mim essa força é extremamente intensa; seus resultados são espantosos.

Por exemplo, eu escrevi Tannhäuser (Nota de M.: Poema dramático de A.C.; não confundir com a ópera de Wagner.), completo de concepção a execução, em sessenta e sete horas consecutivas. Durante esse tempo eu estive inconsciente da sucessão de dias e noites, mesmo após ter parado; nem ocorreu nenhuma reação de fadiga. Esta obra foi escrita quando eu tinha vinte e quatro anos de idade, imediatamente após o término de uma orgia que normalmente me teria exaurido por completo.

Mui frequentemente eu tenho notado que a assim-chamada satisfação sexual me deixou insatisfeito e incansado, e desprendeu as torrentes de poesia que têm desgraçado a minha carreira.

No entanto, por outro lado, um período de abstenção algumas vezes me fortificou para um grande esforço; mas isto de forma alguma tem sido invariavelmente o caso. À conclusão da expedição ao K2, após cinco meses de inatividade sexual, eu não executei absolutamente trabalho algum, com exceção de umas poucas poesias líricas esparsas; e isto durante meses após.

Eu posso mencionar o ano de 1911. Naquela época eu estava vivendo, em excelente estado de saúde, com a mulher amada. A saúde dela era, no entanto, variável, e nós estávamos ambos constantemente preocupados.

O tempo que fazia era continuamente belo e quente. Durante um período de aproximadamente três meses eu não perdi quase que nenhuma manhã; sempre ao acordar eu rebentava com uma nova idéia que tinha que ser assentada no papel.

A energia total de meu ser era muito alta. Meu peso era aproximadamente sessenta e seis quilos, que fora meu peso de boxeador quando dez anos mais moço. Nós caminhávamos a pé algumas vinte milhas diárias através de floresta de montanha.

O número de manuscritos produzido durante essa época é surpreendente; sua variedade ainda mais; de sua excelência eu não falarei.

Eis aqui uma lista de memória; absolutamente não está completa:

1. Mais ou menos uma dúzia de livros de instruções da A.·. A.·. , incluindo Liber Astarte, e o Templo do Rei Salomão para o Equinox VII.

2. Contos:

O Lenhador.

Seu Pecado Secreto.

3. Peças:

O Violinista do Rei.

O Venerável Eel.

Escritas uma atrás da outra, sem interrupção: Adonis, Os Ghuls.

Mortadello.

4. Poemas:

O Sétuplo Sacramento.

Um Aniversário.

5. Fundamentos da Qabalah Grega (necessitando a coleção e análise de alguns milhares de palavras).

Eu creio que este fenômeno é único na história da literatura.

Eu posso ainda referir-me à minha segunda viagem à Algéria, onde a minha vida sexual, se bem que cheia, não havia sido satisfatória.

Deixando Biskra, eu estava tão cheio de idéias que tive que saltar do trem em El-Kantara, onde eu escrevi “O Escorpião”. Cinco ou seis poemas foram escritos no caminho para Paris; “A Ordália de Ida Pendragon” durante minha estadia de vinte e quatro horas em Paris, e “Tempestade de Neve” e “O Silêncio Elétrico” imediatamente ao meu retorno à Inglaterra.

Para resumir, eu posso sempre traçar uma conexão entre minha condição sexual e a condição de criação artística; uma conexão que é íntima ao ponto de ser quase uma identidade, e no entanto ao mesmo tempo tão distante que eu não posso predicar uma única proposição importante sobre o assunto.

São estas considerações que me entristecem quando sou censurado pelos ignorantes como desejando produzir gênio por meios mecânicos. Eu posso falhar, mas meu fracasso é mil vezes superior ao máximo sucesso dos ignorantes.

Eu basearei portanto os meus comentos não tanto sobre as observações obtidas por mim mesmo, e os experimentos que eu tenho tentado, mas antes sobre os métodos clássicos e geralmente reconhecidos de produzir aquele entusiasmo energizado que é a alavanca que move Deus.
III

Os Gregos dizem que há três métodos de descarregar aquela secreção genial a que me referi. Eles pensavam talvez que seus métodos tendiam ao processo de secreção, mesmo; mas isto eu não creio por completo, ou sem dúvida. Pois a manifestação de força implica a existência de força, e esta força deve ter vindo de algum lugar. É mais fácil para mim dizer ‘subconciência’ e ‘secreção’ do que postular um reservatório externo; é mais simples estender a minha conotação de “homem” do que inventar “Deus”.

Entretanto, parcimônia à parte, eu verifico em minha experiência que é inútil chicotear um cavalo exausto. Existem épocas em que estou completamente desprovido de uma gota sequer deste elixir. Nada é capaz de restaurá-lo; nem descanso na cama, nem drogas, nem exercício. Por outro lado, algumas vezes quando após um longo período de trabalho severo eu estou caindo de fadiga física, talvez estendido no chão, demasiado cansado para mover mão ou pé, a ocorrência de uma idéia me restaurou à perfeita intensidade de energia, e o desenvolvimento da idéia em questão dissipou completamente a já mencionada fadiga física, se bem que a cerebração envolve um grande trabalho adicional.

Exatamente paralelo (sem coincidir em lugar algum) é o caso da mania. Um louco pode lutar contra seis atletas treinados durante horas, sem mostrar nenhum sinal de fadiga. Então ele subitamente sofrerá um colapso, mas tão cedo a idéia que provoca o acesso ocorra novamente, ele resumirá a luta, tão descansado como se não tivesse passado pela tremenda exerção de pouco antes. Até termos descoberto “ação muscular inconsciente” e seus efeitos, era racional supor que um homem em tal condição estava “possesso de um demônio”; e a diferença entre o louco e o gênio é organizado; a loucura é caótica. Frequentemente a organização do gênio ocorre em linhas originais, e médicos ignorantes e mal-equilibrados tomam esta organização por desordem. O tempo demonstrou que Whistler e Gauguin “tinham regras” tanto quanto os mestres clássicos que — vociferaram críticos tacanhos — estes inovadores geniais estavam “desacatando”.
IV

Os Gregos dizem que há três métodos de descarregar a garrafa de Leyden do Gênio. Estes três métodos eles atribuem a três Deuses.

Estes três Deuses são Dionísio, Apolo, Afrodite. Em bom português: vinho, música e mulher.

Agora, seria um grande erro imaginar que os gregos estavam recomendando uma visita a um bordel. Antes condenássemos, assim, a Missa Solene na Catedral de São Pedro em Roma só porque assistimos a um comício revivalista de baixo protestantismo, estilo sul dos Estados Unidos da América. (Nota de M.: Tornar-se-a aparente do estudo deste ensaio que A.C. estava tentando informar a Igreja de Roma dos segredos perdidos por essa organização. Este ensaio foi publicado em The Equinox, cuja publicação estava sendo atentamente seguida por padres jesuítas. A Igreja de Roma agradeceu a boa intenção de sua maneira usual mordendo a mão que a afagava. Porém, a semente deu frutos e continuará dando frutos entre os padres mais inteligentes e mais aptos.) A desordem é sempre uma paródia de ordem, porque não existe nenhuma desordem arquetípica que ela possa copiar. Um crítico de segunda categoria pode parodiar um poeta; mas um poeta não pode parodiar um tal crítico. O crítico é um feixe de impressões; não existe ego atrás disso. Todas as fotografias são essencialmente semelhantes; as obras de todos os bons pintores são essencialmente diversas.

Alguns escritores supõem que nos antigos ritos de Eleusis o Grão-Sacerdote copulava publicamente com a Grã-Sacerdotisa. Fosse assim, o ato não seria mais “indecente” do que é “blasfemo” para o sacerdote fazer de pão e vinho o corpo e o sangue de Deus.

É verdade, os protestantes dizem que isto é blasfemo; mas o protestante é uma pessoa para a qual todas as coisas sagradas são profanas; cuja mente, sendo toda ela um monturo, não vê no ato sexual senão um crime ou uma pilhéria; cujas expressões faciais variam somente entre a prega de desdém e a risada de deboche.

O protestantismo é o excremento do pensamento humano, e por esta razão, em países protestantes, a arte, quando existe, só existe para revoltar-se. Deixemos esta alusão pouco agradável e voltemos à nossa consideração dos métodos dos Gregos.
V

Concordemos portanto que não segue, do fato que vinho, mulher e música são os ingredientes da taverna do cais do porto, que estes ingredientes devam necessariamente produzir um veneno infernal.

Existe certa gente de mentalidade tão rudimentar que eles pensam que, quando provaram que o instinto religioso é uma mera florescência do instinto sexual, destruíram a religião.

Nós deveríamos antes ponderar que a taverna do cais do porto dá ao marinheiro seu único relance do céu, tal qual a crítica destrutiva dos falicistas apenas prova que o sexo é um sacramento. A consciência, diz o materialista de machado na mão, é uma função do cérebro. Ele apenas reformulou a antiga afirmação: “Vossos corpos são os templos do Espírito Santo!”

Ora, o sexo é com justiça santificado neste senso, que ele é o fogo eterno da raça. Thomas Henry Huxley admitiu que “alguns dos animalculae mais baixos são em certo senso imortais”, porque eles continuam a se reproduzir eternamente por fissão, e não importa com que freqüência você divide x por 2, existe sempre algo que resta. Mas Huxley parece nunca ter percebido que a humanidade é imortal exatamente no mesmo senso, e continua reproduzindo-se com características semelhantes através das idades, mudada por circunstâncias do ambiente, é verdade, mas sempre idênticas a si. Mas a flor espiritual deste processo é que no momento da descarga um êxtase físico ocorre, um espasmo análogo aquele espasmo mental que a meditação outorga. E mais, no uso sacramental e cerimonial do ato sexual, a consciência divina pode ser alcançada.
VI

O ato sexual sendo então um sacramento, resta-nos considerar em que o fato de ser o ato um sacramento limita o emprego dos órgãos.

Primeiro, é claramente legítimo empregá-lo para seu propósito físico natural. Mas, se é permissível utilizá-lo cerimonialmente para um propósito religioso, verificaremos que neste caso o ato está circundado de muitas restrições.

Pois neste caso os órgãos tornam-se santos. Pouco importa à mera propagação que os homens sejam viciosos; o mais debochado roué poderia engendrar, e quase certamente engendraria, crianças mais saudáveis que um pudico semi-assexuado. Portanto, as assim chamadas restrições “morais” não estão baseadas sobre a razão; e por isto são negligenciadas.

Mas admitamos o seu propósito religioso, e podemos imediatamente declarar que o ato não deve ser profanado. Não deve ser executado com leviandade e tolice.

O ato pode ser empregado para o direto objetivo de propagação da raça.

O ato pode ser empregado em obediência a verdadeira paixão; pois a paixão, precisamente como o nome sugere, é inspirada antes por uma força de divino poder e beleza do que pela vontade pessoal do indivíduo; frequentemente vai contra esta vontade do indivíduo.

É apenas o casual e o rotineiro – o que Cristo chamava “ocioso” – uso, ou antes abuso, destas forças que constituí a sua profanação. Será além do mais evidente que, se o ato em si deve ser o sacramento em uma cerimônia religiosa, este ato deve ser realizado apenas por amor a Deus. Todas as considerações pessoais devem ser banidas por completo. Da mesma forma que qualquer sacerdote pode executar o milagre da transubstanciação, assim pode qualquer homem, possuindo as necessárias qualificações, executar este outro milagre, cuja natureza deve formar o assunto de uma discussão subsequente.

Objetivos pessoais tendo sido destruídos, a fortiori é necessário ignorar considerações sociais e outras semelhantes.

Beleza e força físicas são necessárias e desejáveis por razões estéticas, a atenção dos adorantes podendo ser distraída se os operadores são feios, deformados ou incompetentes. Não deve ser necessário acrescentar a necessidade de estrito autocontrole e concentração por parte destes operadores. Tal como seria blasfêmia apreciar o gosto grosseiro da base material do vinho do sacramento, da mesma forma o celebrante deve suprimir até a mais diminuta manifestação de prazer animal.

Dos testes qualificadores não há necessidade de falar; é suficiente dizer que os adeptos tem sempre sido capazes de assegurar eficiência, e tem sempre sabido como obtê-la.

É desnecessário insistir numa qualidade semelhante na congregação: a excitação sexual deve ser suprimida e transformada em seu equivalente religioso.
VII

Com estes preliminares estabelecidos a fim de nos guardarmos contra já previstas críticas por parte daqueles Protestantes que, Deus os tendo feito um pouco abaixo dos Anjos, fizeram-se a si próprios muito abaixo das bêstas pela sua consistentemente bestial interpretação de todas as coisas humanas e divinas, podemos considerar primeiramente a natureza triuna destes antigos métodos de energização do entusiasmo.

A música tem duas partes: tom e ritmo. A segunda qualidade associa a música à dança; e aquela perue da dança que não é ritmo, é sexo. Agora, aquela parte do sexo que não é uma forma de dança, movimento animal, é intoxicação da alma, o que estabelece uma relação com o vinho. Outras identidades se sugerirão por si mesmas ao estudante.

Pelo uso dos três métodos em um o ente inteiro do homem pode ser estimulado.

A música criará uma harmonia geral do cérebro, conduzindo-o em seus próprios caminhos; o vinho assegura um estímulo geral da natureza animal, e a excitação sexual eleva a natureza moral do homem pela sua estreita analogia com o mais elevado êxtase. Resta sempre, porém, que ele mesmo deve executar a transmutação final. A não ser que ele possua a secreção especial que eu postulei, o resultado será corriqueiro.

Tão consonante com a natureza do homem é este sistema que ele é exatamente parodiado e profanado, não apenas na taverna do cais do porto, mas no baile da sociedade. Aqui, para as naturezas mais baixas, o resultado é embriagues, doença e morte; para as naturezas médias, um embotamento gradual dos sentimentos mais elevados; para as naturezas mais finas, uma exilaração resultando no melhor dos casos na fundação de um amor que dura uma vida inteira.

Se estes “ritos” da sociedade são devidamente executados, não deve resultar exaustão. Após um baile, a pessoa deveria sentir a necessidade de uma longa caminhada no jovem ar matinal. Cansaço ou tédio, dor de cabeça ou sonolência, são avisos da Natureza.
VIII

Agora, o propósito de um tal baile, a atitude moral ao entrar, parece a mim de suprema importância. Se você vai com a idéia de passar o tempo, você está na realidade passando a si próprio. Baudelaire fala da primeira fase do amor, quando o mancebo beija as árvores dos bosques antes que não beijar coisa alguma. Na idade de trinta e seis anos, eu me surpreendi em Pompéia, beijando apaixonadamente aquela grande grave estátua de mulher ereta na avenida das tumbas. Mesmo hoje em dia, quando eu acordo de manhã, eu às vezes beijo os meus próprios braços.

É com tal sentimento que a gente deveria ir a um baile, e é com um tal sentimento, intensificado, purificado e exaltado, que deveríamos sair de um baile.

Se isto é assim, quanto mais a gente for com o direto propósito religioso queimando em nosso inteiro ser! Beethoven bramindo à madrugada não é um espetáculo estranho para mim, que grito de alegria e espanto ao compreender (sem o que ninguém pode realmente dizer que vê) uma folha de relva. Eu caio de joelhos em adoração silenciosa da lua; eu velo meus olhos religiosamente diante do esplendor sagrado de um bom quadro de Van Gogh.

Imagine-se então num baile em que a música é o côro celeste, o vinho é o vinho do Graal, ou aquele do Sabbath dos Adeptos, e nosso parceiro de dança o Infinito e Eterno, o Verdadeiro e Altíssimo Deus Vivo!

Ide até mesmo a um gafieira – sim, até isto servirá mesmo ao mínimo entre vós – com vossa alma inteira acesa dentro de vós, com vossa vontade inteira concentrada nestas transubstanciações, e dizei-me que milagre ocorre!

É o ódio contra, o desgosto pela vida, que leva a gente ao baile quando se é idoso; quando se é jovem a gente está em brasas até chegar a hora; mas o amor a Deus, que é o único verdadeiro amor, não diminui com a idade; torna-se mais profundo e mais intenso com cada satisfação. Parece como se nos mais nobres entre os homens esta secreção constantemente aumentasse – o que certamente sugere um reservatório externo – de forma que a idade perde toda a sua amargura. Nós encontramos o “Irmão Lourenço”, Nicholas Herman de Lorraine, à idade de oitenta anos em contínuo gozo da união com Deus. Buddha na mesma idade subia e descia os Oito Alto Trances como um acrobata numa escada; histórias não semelhantes são relatadas sobre o Bispo Berkeley. Muitas pessoas não alcançaram união até chegarem à meia-idade, e então raramente a perderam depois.

É verdade que gênio, no sentido ordinário da palavra, quase sempre se manifestou nos jovens. Talvez nós devamos considerar casos como o de Nicholas Herman, casos de gênio adquirido.

Ora, eu sou certamente de opinião de que gênio pode ser adquirido; ou, alternativamente, que é uma possessão quase universal da raça humana. Sua raridade pode ser atribuída à influência opressora de uma sociedade corrupta. É raro encontrarmos um jovem sem altos ideais, pensamentos generosos, um senso de santidade, de sua própria importância; o que, sendo interpretado, é o seu senso de sua própria identidade com Deus. Três anos no mundo, e ele é um caixeiro de banco, ou mesmo um funcionário público. Somente aqueles que compreendem intuitivamente, desde a mais tenra infância, que devem sobressair, e que tem a incrível coragem e persistência de assim fazer a despeito de toda aquela tirania, desumanidade e zombeteiro desprezo dos inferiores, somente eles conseguem chegar à idade viril intocados.

Todo pensamento sério ou espiritual é alvo de pilhéria; poetas são considerados “efeminados” e “covardes”, aparentemente porque são os únicos meninos com uma vontade própria e, com a coragem de estarem sozinhos contra toda a escola, mestres e discípulos em liga contra eles da mesma maneira que, uma vez, Herodes e Pilato estiveram em liga; a honra é substituída por compromissos, a santidade por hipocrisia.

Mesmo onde encontramos realmente boa semente nascendo em solo favorável, com demasiada frequência existe um desperdício das forças. Demasiado fácil encorajamento de um poeta ou pintor é muito pior para ele que qualquer quantidade de oposição. Aqui novamente a Questão Sexual (assim chamada pelos carolas, pelos castrados espirituais, pelos vegetarianos-a-vapor e o resto da canalha que não sabe pensar nem falar quase de outra coisa senão esta, a ocupação constante dos seus pensamentos) intromete a sua horrenda cabeça. Eu creio que todo menino está originalmente cônscio de que o sexo é uma coisa sagrada. Mas ele não sabe o que o sexo é. Com infinita timidez ele pergunta. O professor reage com santo horror; o menino com um risinho debochado, uma careta maliciosa e obscena, talvez pior.

Eu estou inclinado a concordar com o Principal de Eton quando ele diz que paixões pederásticas entre meninos de escola “não causam dano”; mais, eu acrescentarei que acho que tais paixões são a única faceta redentora da vida sexual em colégios internos de rapazes.

Os Hindus são mais sábios. Na hora, vigiada e esperada, da puberdade, o menino é preparado como que para um sacramento; ele é guiado a um Templo devidamente consagrado, e ali, por uma mulher sábia e santa, hábil na arte, e dedicada exclusivamente a este propósito, ele é iniciado com toda solenidade nos mistérios da vida.

Desta forma o ato é declarado religioso, sagrado, impessoal, completamente alheio ao amorismo sentimental, ao eroticismo, ao animalismo, ao pecado original e todas as outras vilezas que o Protestantismo fez dele.

A Igreja Católica, até certo ponto, creio eu, preservou a tradição Pagã. O Casamento é um sacramento (Naturalmente, existiu um escola de diabólicos anandros que mantiveram que o ato, em si, é “maligno”. De tais blasfemadores da Natureza o melhor é que nada mais seja dito.). Mas em sua tentativa de depravar o ato de todas as adições que o profanariam, os Patriarcas da Igreja adicionaram, a despeito de si mesmos, outros acréscimos que o profanaram mais. Eles o ligaram as idéias de propriedade material e de herança. Eles quiseram que o ato servisse tanto a Deus quanto a Mammon.

Corretamente restringindo o sacerdote, que deve empregar toda a sua energia para o milagre da Missa, eles fizeram deste conselho de perfeição uma perfeição em demasia. A tradição mágica foi parcialmente perdida; o sacerdote não podia fazer o que se esperava dele, e a porção reprimida da sua energia azedou-se.

Daí, os pensamentos de sacerdotes católicos, da mesma forma que os pensamentos dos modernos protestantes, revolvem eternamente em volta da Questão Sexual.

Uma Missa especial e secreta, uma Missa do espírito Santo, uma Missa do mistério da Encarnação, para ser executada a intervalos estabelecidos, poderia ter salvado tanto monges quanto freiras, e dado à Igreja eterno domínio do mundo.
IX

Voltando ao assunto. A raridade da manifestação do gênio é em grande parte devida à destruição de seus rebentos. Mesmo tal como na vida física é uma exceção a planta de cujas mil sementes uma germina e cresce, da mesma maneira as condições presentes da humanidade matam todos a não ser os mais fortes filhos do gênio.

Mas da mesma forma como os coelhos aumentam diariamente na Austrália, onde se sabe que até mesmo um missionário engendrou noventa crianças em dois anos, da mesma maneira nós seremos capazes de criar gênio, se pudermos descobrir as condições que o impedem, e pudermos removê-las.

O óbvio passo prático a tomar é restaurar os ritos de Baco, Afrodite e Apolo a seu lugar devido. Eles não deveriam estar abertos a qualquer um, e a idade viril seria a recompensa de ordália e iniciação.

Os testes físicos deveriam ser severos, e os fracos deveriam ser eliminados, não artificialmente preservados. A mesma observação se aplica a testes intelectuais. Mas tais testes deveriam ser tão amplos em alcance quanto possível. Eu era um absoluto inútil na escola em todo tipo de atletismo e jogos, porque eu desprezava estas atividades. No entanto eu mantive, e ainda mantenho, numerosos recordes mundiais de alpinismo. Similarmente, exames não medem inteligência. Cecil Rhodes recusava dar emprego a qualquer homem com um grau universitário. Que tais graus levam a honrarias e prosperidade na Inglaterra é simplesmente um sinal da decadência da Inglaterra, se bem que mesmo na Inglaterra estes graus são usualmente os degraus da escadaria cujo topo é a preguiça clerical ou a escravidão pedagógica.

Tal é o esboço esquemático da pintura que eu queria traçar. Se o poder de possuir propriedade material dependesse da competência pessoal de um homem, e da percepção de valores reais por parte dele, uma nova aristocracia seria imediatamente criada; e o fato mortífero que a consideração social hoje em dia varia com o poder de comprar champanhe deixaria de ser um fato. Nossa pluto-hetairo-politicocracia cairia em um só dia.

Mas eu estou demasiado cônscio de que uma tal pintura provavelmente não será executada. Nós podemos então somente trabalhar paciente e secretamente. Nós devemos selecionar apropriado e treiná-lo com a maior reverência nestes três métodos principais, ou auxiliar a alma em seu orgasmo genial.
X

Esta atitude de reverência é de uma importância que eu não posso exagerar. Gente normal experimenta alívio normal de qualquer excitação geral ou especial no ato sexual.

O Comandante Marston, R.N.; cujos experimentos sobre o efeito do tom-tom na mulher inglesa casada são clássicos e conclusivos, descreveu admiravelmente como o vago desassossego que ela demonstra ao princípio gradualmente assume a forma de excitação sexual e culmina, se assim for permitido, em masturbação desavergonhada ou solicitações indecentes. Mas este e um corolário natural da proposição que inglesas casadas usualmente desconhecem a satisfação sexual. Seus desejos são constantemente estimulados e nunca gratificados por maridos brutais e ignorantes. Este fato, novamente, explica a espantosa quantidade de casos de safismo na alta sociedade inglesa.

Os Hindus previnem seus discípulos contra os perigos de exercícios respiratórios. Efetivamente, a mínima relaxação dos tecidos físicos ou morais pode fazer com que a energia acumulada pela prática se descarregue numa emissão involuntária. Eu já notei este fenômeno em minha própria experiência.

É portanto da máxima importância realizar que o alívio da tensão deve ser encontrado naquilo que os Hebreus e os Gregos chamavam profecia, e que é melhor quando organizado numa arte. A descarga desordenada é mero desperdício, um deserto de uivos; a descarga ordeira é um “Prometeu Libertado”, ou uma “Láge dáiran”, de acordo com as aptidões especiais da pessoa entusiasmada. Mas deve ser lembrado que aptidões especiais são muito fáceis de adquirir se a força impelidora do entusiasmo for grande. Se você não pode observar as regras alheias, estabeleça regras próprias. Um grupo de regras, no final das contas, é tão bom quanto qualquer outro.

Henri Rousseua, o douanier, foi apupado a vida inteira. Eu ri tanto quanto o resto; se bem que, quase que a despeito de mim mesmo, eu repetia (como soe frase ser) que “eu sentia algo; um não – sei – quê.”

No momento em que ocorreu a alguém a idéia de colocar todas as pinturas dele numa sala por si sós, tornou-se instantaneamente evidente que a naiveté dele era a simplicidade de um mestre.

Que ninguém imagine que eu não percebo, ou que avalio mau, os perigos inerentes no emprego destes métodos. A ocorrência até de uma coisa tão simples como a fadiga poderia fazer de uma Las Meninas uma estúpida crise sexual.

Será necessário a maior parte dos ingleses emular o autocontrole dos árabes e hindus, cujo ideal é deflorar a maior quantidade possível de virgens – oitenta é considerado número mais ou menos satisfatório sem completar o ato.

É, realmente, de importância primária para o celebrante em qualquer rito fálico que ele seja capaz de completar o ato sem uma vez sequer permitir a um pensamento sexual ou sensual que lhe invada a mente. A mente deve estar tão absolutamente desprendida do nosso próprio corpo quando ela está no corpo da outra pessoa.
XI

De instrumentos musicais, pouco são apropriados. A voz humana é o melhor, e o único que pode com utilidade ser empregado em coro. Qualquer coisa parecida com uma orquestra implica infinito ensaio, e introduz uma atmosfera de artificialidade. O órgão é um instrumento muito valioso para solos, e é uma orquestra em si, enquanto que seu tom e associações favorecem a idéia religiosa.

O violino é o mais útil de todos, pois todo e cada um dos seus matizes expressa a fome pelo infinito; e no entanto ele é tão fluente e tem um diapasão maior que aquele de qualquer dos seus competidores. Acompanhamento deve ser dispensado, a não ser que haja um harpista disponível.

A acordeão é um instrumento horrível, quando não seja por causa das associações que traz a mente; e o piano se lhe assemelha, se bem que, se invisível e tocado por um Paderewski, serviria.

A trombeta e a campainha são excelentes, para surpreender, nas crises de uma cerimônia.

Quente, vibrante, apaixonado, e uma classe diversa de cerimônia, uma classe mais intensa e mais direta, o tom – tom é incomparável. Combina bem a prática de mantra, e é o melhor acompanhamento para qualquer dança sagrada.
XII

De danças sagradas, a mais prática para uma assembléia é a dança sentada. A gente se senta de pernas cruzadas no chão, e inclina o corpo de um lado para o outro partindo dos quadris, em ritmo com o mantra. Um solo ou dueto de dançarinos como um espetáculo causa distração neste exercício. Eu sugeria uma luz muito pequena e muito brilhante no chão no meio da sala. Uma tal sala serve melhor se forrada com mármore em mosaico; o tapete de uma loja maçônica ordinária não é mau.

Os olhos, se enxergam, vêem apenas os quadrados mecânicos ou rítmicos, conduzindo em perspectiva a simples, quieta luz no centro.

A oscilação do corpo com o mantra (o qual tende a subir e descer por si mesmo de um modo muito esquisito) torna-se mais acentuada; finalmente ocorre um curioso estágio espasmódico, e então a consciência oscila e se vai; talvez irrompe na consciência divina, talvez é meramente retornada a si mesma por alguma variável de impressão externa.

O acima é uma descrição muito elementar de uma forma de cerimônia muito simples e muito séria, baseada inteiramente sobre o ritmo.

É facílima de preparar, e seus resultados são usualmente muito encorajadores para o principiante.
XIII

O vinho sendo um zombador, e bebida mais forte sendo enraivecedora, seu uso é mais capaz de produzir distúrbios que a mera música.

Uma dificuldade essencial é a dosagem. A gente necessita exatamente o suficiente; e, como observa Blake, só se pode verificar quando é suficiente tomando demais. Para cada homem a dose varia e normalmente; assim também para o mesmo homem em momentos diversos.

A solução cerimonial deste problema é ter um auxiliar silencioso que leva consigo o vaso de libação, e o apresenta a cada um dos celebrantes em sucessão, a intervalos frequentes. Pequenas doses deveriam ser bebidas, e o vaso recusado ou aceito quando o celebrante julgar aconselhável; porém, o portador do vaso deveria ser um iniciado, e exercer sua própria discrição antes de apresentar o vaso. O mínimo sintoma de que intoxicação está se apossando de um participante deveria ser um sinal para o portador não apresentar o vaso aquele participante. Esta prática pode ser facilmente combinada com a cerimônia previamente descrita.

Se desejado, em vez de vinho o elixir introduzido por mim na Europa pode ser empregado. Mas seus resultados, se usado desta maneira, não foram ainda completamente estudados. É meu propósito imediato reparar esta negligencia.
XIV

A excitação sexual, que deve completar a harmonia do método, oferece um problema mais difícil.

É excepcionalmente desejável que os movimentos corporais necessários nas circunstâncias sejam decorosos no mais elevado sentido da palavra; e muita gente está tão mal condicionada que será incapaz de observar uma semelhante cerimônia a não ser com olhos críticos ou lascivos; uma coisa ou outra seria fatal a todo o trabalho prévio de preparação. Presumivelmente é melhor esperar até todos os presentes estarem grandemente exaltados antes de arriscar uma profanação.

Não é desejável, na minha opinião, que celebrantes comuns executem isto em público.

O sacrifício deveria ser único.

Se ou não…
XV

Até aqui eu havia escrito quando o distinto poeta cuja conversação sobre os Mistérios me havia incitado a rabiscar estas poucas notas superficiais bateu à minha porta. Eu lhe disse que estava trabalhando nas idéias sugeridas por ele, e que bem, que eu não sabia como continuar. Ele pediu permissão para ver o manuscrito (pois ele lê o inglês fluentemente, se bem que o fala pouco), e isso feito, animou-se e disse: “Se você vier comigo agora, nós terminaremos o seu ensaio”. Contente de encontrar qualquer desculpa para não continuar trabalhando, e quanto mais plausível melhor, eu apressei-me a vestir meu casaco e a por o meu chapéu.

Por falar nisto, ele observou no automóvel, “eu creio que você não se importaria de me dar a Palavra de Rose Croix”. Surpreendido, eu troquei os segredos de I.N.R.I. com ele. “E agora, mui excelente e perfeito Príncipe”, ele disse, “o que segue está sob este gelo”, e ele deu-me o mais solene de todos os signos maçônicos. “Você está a ponto”, disse ele, “de comparar o seu ideal com o nosso real”.

Ele tocou uma campainha. O automóvel parou, e nós soltamos. Ele despediu o chauffeur. “Venha”, disse ele, “nós temos quase um quilometro bem batido a percorrer”. Nós caminhamos através de espessos bosques até uma casa velha, onde fomos recebidos em silêncio por um cavalheiro que, se bem que em roupas de gala, tinha na mão uma espada muito “praticável”. Satisfazendo-o, nós fomos passados adiante através de um corredor a uma antecâmara, onde outro guardião armado nos esperava. Este, após outro exame, ofereceu-me roupagens de côrte, a insígnia de um príncipe soberano de Rose Croix, e uma jarreteira e manto; a jarreteira de seda verde, o manto de veludo verde, e forrado com seda cor de cereja. “É uma missa ordinária”, cochichou o guardião. Nesta antecâmara estavam três ou quatro outros, tanto senhoras quanto cavalheiros, afanosamente colocando as roupagens.

Em uma terceira sala nós encontramos uma procissão formada, e juntamo-nos a ela. Havia vinte e seis de nós. Passando um último guardião, nós entramos na capela mesma, em cujo umbral estavam de pé um mancebo e uma mocinha, ambos vestidos em simples robes de seda branca bordada a ouro, vermelho e azul. O primeiro empunhava uma tocha de madeira resinosa; a segunda nos salpicou ao passarmos com água de rosas de uma taça.

A sala em que nós agora estávamos havia sido uma capela; tanto era demonstrado pela sua forma. Mas o altar-mor estava coberto com uma toalha que exibia a Rosa e Cruz, enquanto que sobre esta estavam enfileirados sete candelabros, cada qual de sete ramos.

Os bancos haviam sido conservados; e à mão de cada cavalheiro estava uma vela acesa de cera cor-de-rosa, e diante dele um buque de rosas.

No centro da nave jazia uma grande cruz – uma cruz de calvário de dez quadrados”, medindo, digamos seis por cinco pés – pintada em vermelho sobre uma prancha branca, dos lados da qual pendiam anéis através dos quais saíam as pontas de postes dourados que passavam por baixo da prancha. Em cada ângulo desta estava ereto um estandarte, mostrando leão, touro, águia e homem; e do topo entre os quatro estendia-se um dossel azul, onde estavam figurados em ouro os doze emblemas do zodíaco.

Cavalheiros e Damas tendo tomado seus lugares, subitamente uma campainha tilintou me arquitrave. Instantaneamente todos se ergueram. As portas abriram-se a um toque de trombetas de fora, e um arauto avançou, seguido pelo Alto Sacerdote e Sacerdotisa.

O Alto Sacerdote era um homem de aproximadamente sessenta anos de idade, se posso julgar pela barba branca; mas ele caminhava com o passo elástico, se bem que seguro, dos trinta. A Grã Sacerdotisa, uma orgulhosa alta, sombria mulher de talvez trinta anos de idade, vinha a seu lado, as mãos de ambos erguidas e tocando-se como no minueto. Os mantos de ambos eram conduzidos pelo casal de jovens que nos havia admitido.

Enquanto tudo isto se passava, um órgão invisível tocava um Intróito.

Isto cessou quando eles tomaram seus postos no altar. Eles voltaram-se em direção ao Oeste, esperando.

Ao fechar das portas, o guarda armado, que estava vestido em um robe escarlate em vez de verde, desembainharam as suas espadas e voltaram-se para fora, mantendo as pontas das espadas diante de si. Esta parte da cerimônia pareceu interminável. Quando acabou, a moça e o mancebo reapareceram; carregando, uma um vaso, o outro, um turíbulo. Cantando alguma litania, aparentemente em grego, se bem que eu não pude pegar as palavras, eles purificaram e consagraram a capela.

Agora o Alto Sacerdote e a Grã sacerdotisa começaram uma litania em linha rítmicas de igual comprimento. A cada terceira resposta eles tocavam as mãos de uma maneira peculiar; a cada sétima eles se beijavam. A vigésima primeira foi um abraço completo. A campainha tilintou na arquitrave; e eles se separaram. O Alto Sacerdote então tomou de sobre o altar um frasco curiosamente modelado para imitar um falo. A Grã Sacerdotisa ajoelhou-se e apresentou uma taça de ouro moldada na forma de um barco. Ele ajoelhou-se do outro lado dela, mas não verteu do frasco.

Agora os Cavalheiros e Damas começaram uma longa litania; primeiro uma dama em voz fina, então um cavalheiro em voz masculina, então uma resposta em coro de todos os presentes com o órgão. Este Coro era: EVOE HO, IACCHE! EPELTHON, EPELTHON, EVOE, IAO!

De novo e de novo este coro ergueu-se e caiu. Lá para o fim, fosse um efeito teatral ou não, eu não posso assegurar, a luz sobre o altar tornou-se rósea, então púrpura. O Alto Sacerdote súbita e incisivamente ergueu a mão; silêncio instantâneo.

Ele agora verteu o vinho do frasco. A Grã Sacerdotisa deu-o à jovem assistente, a qual levou-o a todos os presentes.

Isto não era um vinho ordinário. Já foi dito de vodka que parece água e tem gosto de fogo. Com este vinho o reverso é o caso. Ele era de um rico ouro de fogo, em que flamas de luz dançavam e tremiam; mas seu gosto era límpido e puro como água fresca da fonte. Tão cedo eu bebi dele, porém, eu comecei a tremer. Era uma sensação muitíssimo surpreendente; eu posso imaginar que um homem se sinta assim quando está esperando pelo carrasco; quando passou o estágio de medo, e só resta excitação.

Eu olhei a minha bancada, e vi que cada qual era afetado da mesma maneira. Durante a libação, a Alta sacerdotisa cantou um hino, novamente em grego. Desta vez eu reconheci as palavras; eram as de uma velha Ode a Afrodite.

O mancebo assistente agora desceu à cruz vermelha, ajoelhou-se e beijou-a; então dançou sobre ela de uma tal forma que ele parecia estar traçando as linhas de uma maravilhosa rosa de ouro, pois a percussão fez com que uma chuva de pó brilhante caísse do dossel. Enquanto isso, a litania (palavras diversas, mas o mesmo coro) recomeçou. Desta vez era um dueto entre o Alto Sacerdote e a Grã sacerdotisa. A cada coro Cavalheiro e damas se curvavam profundamente. A moça movia-se continuamente à roda, e o vaso passava.

Isto terminou com a exaustão do mancebo, que caiu desfalecido sobre a cruz. A moça imediatamente tomou o vaso e chegou-o aos lábios dele. Então ele levantou-se e, com o auxílio do Guardião do Santuário, levou-o para fora da capela.

A campainha novamente tilintou na arquitrave.

O arauto tocou uma fanfarra.

O Alto Sacerdote e a Grã Sacerdotisa moveram-se majestosamente um em direção ao outro e abraçaram-se e beijaram-se, no ato desatando os pesados robes dourados que vestiam. Estes robes tombaram, gêmeos lagos de ouro. Eu agora vi-a vestida de seda watered, forrada por completo (como depois tornou-se evidente) com arminho.

A vestimenta do Alto Sacerdote era um bordado elaborado de todas as cores, harmonizadas por uma arte delicadíssima, entretanto robusta. Ele usava também peitoral correspondendo ao dossel: uma “besta” esculpida em ouro a cada canto, enquanto que os doze signos do zodíaco eram simbolizados pelas pedras do peitoral.

A campainha tilintou ainda uma vez, e o arauto de novo fez soar sua trombeta. Os celebrantes moveram-se de mãos dadas ao longo da nave enquanto o órgão trovejava suas harmonias solenes.

Todos os Cavalheiros e Damas ergueram-se e deram o signo secreto da Rose Croix.

Foi nesta parte da cerimonia que coisas começaram a acontecer comigo. Eu tornei-me subitamente cônscio de que meu corpo perdera tanto o peso quanto o senso do tato. Minha consciência parecia não mais estar situada em meu corpo. Eu “me confundi”, se eu posso usar esta expressão, com uma das estrelas no dossel.

Desta maneira eu não vi os celebrantes enquanto eles se aproximavam da cruz. A campainha tilintou de novo; eu retornei a mim mesmo, e então vi que a Grã sacerdotisa, de pé ao pé da cruz, havia atirado seu robe sobre esta, de forma que a cruz não mais era visível. Havia apenas um estrado coberto de arminho. Ela estava agora nua a não ser pelo seu diadema colorido e cravejado de jóias, a pesada coleira de ouro em volta de seu pescoço, e os braceletes e tornozeletes que combinavam com esta. Ela começou a cantar em uma linguagem doce e estranha, tão baixo e tão suavemente que em minha parcial confusão eu não pude ouvir tudo; mas eu peguei algumas palavras, Io Paian! Io Pan! E uma frase em que as palavras Ias Sabao terminavam enfaticamente uma sentença em que eu distingui as palavras Eros, Thelema e Sebazo.

Enquanto assim fazia, ele desatou o peitoral do Alto Sacerdote e deu-o a moça assistente. Seguiu a vez do robe; eu vi que eles estavam nus e sem vergonha. Pela primeira vez houve silêncio absoluto.

Agora, de uma centena de jatos em volta do tablado esguichou uma fumaça perfumada e púrpura. O mundo foi envolto em uma acariciante gaze de névoa, sagrada como as nuvens no cume das montanhas.

Então, a um sinal dado pelo Alto Sacerdote, a campainha tilintou uma vez mais. Os celebrantes estenderam seus braços na forma de três círculos e meio. Ela então deitou-o sobre a cruz, e tomou o seu lugar apontado.

O órgão de novo fez rolar sua solene música.

Eu estava perdido para tudo. Eu vi apenas isto, que os celebrantes não faziam nenhum movimento esperado. Os movimentos eram extremamente curtos; no entanto extremamente fortes.

Isto deve ter continuado durante muito tempo. A mim pareceu-me como se a eternidade mesma não pudesse conter a variedade e profundidade de minhas experiências. Nem língua nem pena poderiam registrá-las; e no entanto eu anseio por tentar o impossível.

1 – Eu era, certamente, indubitavelmente, a estrela no dossel. Esta estrela era um mundo inconcebivelmente enorme de pura flama.

2 – Eu subitamente percebi que a estrela não tinha nenhum tamanho. Não é que a estrela diminuísse de tamanho; é que ela (=eu) tornou-se subitamente cônscia do espaço infinito.

3 – Uma explosão tomou lugar. Em conseqüência eu era um ponto de luz, infinitamente pequeno, no entanto infinitamente brilhante; e este ponto não tinha posição.

4 – Consequentemente, este ponto era ubíquo, e havia um sentimento de infinito assombro e desorientação, cegado depois de muito tempo por um jorro de raptura infinita (eu uso a palavra “cegado” como se forçado a assim fazer; eu teria preferido usar as palavras “apagado”, ou “esmagado”, ou “iluminado”).

5 – Esta infinita repleção – eu não a descrevi como tal, mas assim era – foi subitamente mudada em uma sensação de infinito vazio, que se tornou consciente como uma ânsia.

6 – Estes dois sentimentos começaram a alternar-se, sempre subitamente, e sem se confundirem um com o outro, muito rapidamente.

7 – Esta alternação deve ter ocorrido cinqüenta vezes – eu teria antes dito uma centena.

8 – Os dois sentimentos subitamente se tornaram um só. Novamente a palavra explosão é a única que dá qualquer idéia disto.

9 – Agora pareceu-me que me tornara consciente de tudo simultaneamente, que era tudo, ao mesmo tempo um e muitos. Eu digo simultaneamente, isto é: eu não era sucessivamente todas as coisas, mas instantaneamente.

10 – Este ente, se posso chamá-lo de ente, pareceu cair dentro de um infinito abismo de Nada.

11 – Enquanto esta “queda” se processava, a campainha subitamente tilintou três vezes. Eu instantaneamente me tornei meu ser normal, no entanto com uma percepção constante, a qual nunca mais me deixou até agora, de que a verdade neste assunto não é este “eu” normal, mas “Aquilo” que está ainda caindo no Nada. Asseguraram-me aqueles que sabem que eu serei capaz de retornar o fio se presenciar outra cerimonia.

O tilintar da campainha esvaiu-se por fim. A moça assistente correu a cobrir os celebrantes com as dobras do arminho. O arauto tocou uma fanfarra, e os Cavalheiros e Damas deixaram as bancadas. Avançando ao tablado, nós tomamos os postes dourados para carregar, e seguimos o arauto em procissão para fora da capela, levando a liteira a uma pequena capela lateral saindo da antecâmara do meio; e ali a deixamos, o guarda fechando as portas.

Em silêncio nos desvestimos, e deixamos a casa. A uma milha mais ou menos através do bosque nós encontramos o automóvel do meu amigo esperando.

Eu perguntei a ele, se aquilo era uma missa ordinária, não me poderia ser permitido assistir a uma Missa Solene?

“Talvez”, respondeu ele com um curioso sorriso, “se tudo que dizem de si é verdade”.

Entretanto ele me deu permissão de descrever a cerimonia e seus resultados com tanta fidelidade quanto eu fosse capaz, recomendando-me apenas que não desse nenhuma indicação da cidade perto da qual ela ocorrera.

Eu estou disposto a indicar a iniciados do grau Rose Croix da maçonaria sob a devida patente das autoridades legítimas (pois existem Maçons espúrios trabalhando sob uma patente forjada) o endereço de uma pessoa disposta a considerar sua capacidade de se afiliarem a um capítulo praticando ritos deste tipo.
XVI

Eu considero desnecessário e supérfluo continuar meu ensaio sobre os Mistérios e minha análise do Entusiasmo Energizado.

Aleister Crowley

A. · . A. · . Publicação em Classe C.


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