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Por Fr. Hanu, IXº
No fim do século XIX, a Ordo Templi Orientis, também conhecida pela sigla O.T.O., surgiu como uma das mais intrigantes e misteriosas fraternidades ocultas da era moderna. Seu fundador, Carl Kellner, um próspero industrial austríaco e estudioso do esoterismo, vislumbrou uma ordem que amalgamasse os ensinamentos místicos do Oriente e as tradições ocultas do Ocidente. Kellner, cuja jornada espiritual o levou a explorar as profundezas do tantra, do sufismo e da maçonaria, ambicionava reviver os antigos mistérios, que acreditava terem sido diluídos ao longo dos tempos. Embora fosse um sonho glorioso, Kellner pouco conseguiu fazer para que a Ordem, de fato, operasse. Com sua morte em 1905, o multidisciplinar Theodor Reuss assumiu o comando da Ordem. Conhecido por suas conexões influentes e seu profundo interesse pelo ocultismo, Reuss reorganizou a O.T.O., enfatizando a importância da iniciação esotérica e aprofundando a estrutura de graus da ordem. Foi ele o grande responsável pela expansão da Ordem, trazendo novos membros e integrando outros movimentos esotéricos sob seu guarda-chuva e utilizando suas habilidades para disseminar os ensinamentos ocultos, publicando numerosos artigos e periódicos, tornando as doutrinas da O.T.O. acessíveis a um público mais amplo e despertando o interesse de buscadores espirituais. Reuss também foi responsável por estabelecer alianças com figuras relevantes dentro do mundo ocultista da época, organizou conferências e reuniões, criando um espaço para o intercâmbio de ideias esotéricas e o fortalecimento da comunidade.
Um dos principais eventos da expansão da O.T.O. ocorreu quando Reuss entrou em correspondência com Gerard Encausse, mais conhecido como Papus, um dos mais importantes personagens do esoterismo francês da época e fundador da Ordem Martinista. Esta interação não foi apenas simbólica, mas também estratégica, pois Papus era altamente respeitado no mundo ocultista e suas bênçãos podiam legitimar ainda mais a O.T.O. no cenário internacional. Papus reconheceu a importância da O.T.O. e endossou sua expansão, percebendo a oportunidade de unificar várias correntes esotéricas sob uma única bandeira. Essa aliança entre Reuss e Papus simbolizava uma fusão de tradições ocultas, ampliando o alcance e a diversidade das práticas para ambos. Assim, Reuss concedeu a Papus autoridade sobre a Ordo Templi Orientis na França, enquanto Papus, por sua vez, conferiu a Reuss a liderança da Ecclesia Gnostica Catholica (E.G.C.) na Alemanha, o que permitiu a Reuss incorporar o trabalho eclesiástico juntamente com o trabalho maçônico, reforçando suas raízes na tradição gnóstica e no cristianismo esotérico, trazendo uma dimensão religiosa e mística para a O.T.O que complementava a abordagem maçônica e mágica. Esta expansão não só fortaleceu a posição da O.T.O. como uma das principais ordens ocultas do mundo, mas também enriqueceu seu repertório espiritual.
Algum tempo após assumir o ramo francês da O.T.O., Papus conheceu Lucien-François Jean-Maine, cuja família teve contato com o misterioso Martinez de Pasqualy no Haiti, um episódio histórico que estava profundamente enraizado na tradição esotérica que Papus reverenciava e promovia através do Martinismo. Este elo histórico e espiritual entre Jean-Maine e Pasqualy foi um fator chave no reconhecimento mútuo entre ambos, fazendo com que Papus outorgasse a Maine não apenas o bispado Gnóstico, mas os graus da O.T.O de modo a permitir a ele abrir seu próprio ramo no Caribe, que com o passar dos anos viria a ser conhecido como Ordo Templi Orientis Antiqua.
O ingresso de Aleister Crowley na O.T.O. marcou outro episódio significativo na história da Ordem. Crowley, já uma figura proeminente no ocultismo com sua vasta obra literária e esotérica. A relação de Crowley com a O.T.O. começou de uma maneira bastante peculiar e reveladora. Com a publicação do “O Livro das Mentiras”, um texto esotérico e enigmático, cheio de alegorias e simbolismos ocultos, que chamou a atenção de Theodor Reuss e o deixou impressionado e um tanto perplexo com o conteúdo. Reuss acreditava que Crowley havia revelado, talvez inconscientemente, o segredo mais íntimo da Ordem, que só era conhecido pelos mais altos iniciados. O fato de Crowley ter acesso a tal conhecimento, sem ser membro da Ordem, surpreendeu Reuss e fez com que Crowley não apenas fosse rapidamente elevado aos altos graus da O.T.O., mas também recebesse autorização para estabelecer um ramo inglês da Ordem, conhecido como Misteria Mystica Maxima (M∴M∴M∴). A partir desse ponto, Crowley começou a integrar suas próprias ideias e filosofias na O.T.O., especialmente a Lei de Thelema, que ele havia recebido alguns anos antes em 1904, em sua experiência no Cairo, que resultou na escrita de “O Livro da Lei”.
Reuss, percebendo a singularidade da visão de Crowley e sua filosofia do “Novo Aeon”, incorporou a Lei de Thelema – “Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei” – como um princípio central da O.T.O. Essa aceitação não foi meramente superficial, pois Reuss reconheceu a necessidade de adaptar os rituais e ensinamentos da O.T.O. para alinhá-los com a visão thelemica de Crowley. Essa fusão de ideias e práticas marcou uma nova era para a O.T.O., transformando-a em uma ordem que não apenas abraçava, mas que era definida pelo ethos do Novo Aeon. As contribuições de Crowley, enraizadas em sua compreensão profunda do ocultismo e sua visão revolucionária, solidificaram ainda mais a sua posição na Ordem.
A liderança de Reuss, no entanto, começou a dar sinais de declínio devido a problemas de saúde, e ele viu em Crowley não apenas um sucessor, mas um revolucionário capaz de levar a O.T.O a novas alturas. Assim, a passagem da tocha de Reuss para Crowley foi um momento de grande significado, simbolizando não apenas uma mudança de liderança, mas uma evolução nas próprias fundações da ordem. Contudo, essa transição não foi isenta de controvérsias. Enquanto muitos membros da O.T.O. aceitaram Crowley como seu novo líder, outros se mostraram reticentes ou até mesmo resistentes à mudança. A personalidade carismática, mas provocativa, de Crowley e suas ideias radicais não eram universalmente bem-vindas, o que levou a cisões dentro da O.T.O.
Na década de 1940, a O.T.O sob liderança de Crowley, outrora vibrante, encontrava-se em um estado de declínio. Durante este período turbulento, um único corpo local, a Loja Ágape na Califórnia, conseguiu manter um trabalho ativo e significativo, sendo liderada e tendo como membros algumas dos mais notáveis nomes no universo de Thelema. Dentre os diversos membros dessa loja podemos citar Jack Parsons, um cientista de foguetes e ocultista, que desempenhou um papel crucial na história de Thelema devido a seu trabalho com Babalon e sua polêmica parceria com L. Ron Hubbard, o que gerou desgastes na sua relação com Crowley e consequentemente sua saída da liderança da Loja, o que encerrou os trabalhos em solo americano. Após a morte de Crowley em 1947, a estrutura organizacional internacional da O.T.O. se desintegrou, com a Ordem sendo reduzida a pequenos grupos dispersos, lutando para preservar os ensinamentos e as práticas estabelecidas.
Foi nesse período que Karl Germer, apontado por Crowley como seu sucesso, assumiu a liderança da O.T.O. Mais introspectivo e menos carismático do que Crowley, Germer buscou manter a ordem unida e ativa, porém seu estilo de liderança e sua abordagem foram questionados por muitos, levando a conflitos internos com personagens de destaque como Kenneth Grant, um discípulo de Crowley e uma voz influente no ocultismo, que buscava estabelecer sua própria visão para a O.T.O. e Thelema. A cisão entre ambos ocorreu quando Grant publicou um manifesto da Fraternitas Saturni de Eugen Grosche em inglês. Germer então expulsou Grant da organização sobre sua liderança, dando origem uma ordem inglesa, liderada por Grant, e outra americana, que se manteve sob liderança de Germer.
Germer faleceu em 1962, abrindo espaço para dois personagens importantes da história de Thelema. O primeiro foi Grady McMurtry, um veterano da Segunda Guerra Mundial e membro da Loja liderada por Parsons, que se esforçou para reavivar a O.T.O. americana em meio ao caos e declínio que se seguiram à morte de Crowley. Ele alegou ter recebido autoridade de Crowley, através de cartas conhecidas como “Caliphate letters”, para assumir o controle e reorganizar a ordem, caso ela se encontrasse em perigo de extinção e assim buscou reunir antigos membros e atrair novos adeptos, estabelecendo assim um núcleo para a renovação da O.T.O nos Estados Unidos. Este movimento de renascimento foi marcado por uma abordagem mais estruturada e culminou na formação da organização que é hoje “Ordo Templi Orientis International Headquarters” também conhecida como “O.T.O. Califado”, uma referência a posição de Califa do líder da organização.
Outro personagem de destaque foi Marcelo Ramos Motta, escritor e cineasta brasileiro e responsável por algumas traduções do material de Crowley para a língua portuguesa. Sua trajetória foi marcada por uma dedicação intensa à propagação de Thelema, enfrentando adversidades consideráveis. Ainda na década de 1950, Motta foi convidado por Germer para representá-lo, posicionando-se assim como um potencial sucessor natural para liderar não apenas a A∴A∴, mas também a própria O.T.O., após o falecimento de Germer. Esta situação culminou em disputas legais e conflitos sobre a legitimidade e a interpretação dos ensinamentos da Ordem, tornando-se uma das controvérsias mais marcantes na história da Ordem pós-Crowley. Essas disputas envolveram não apenas Motta e McMurtry, mas também personalidades de destaque na história de Thelema, como Phyllis Seckler e Sascha Germer, que adotaram uma posição ambígua entre ambos. Durante as décadas de 1970 e 1980, uma série de disputas ocorreu entre ambos os grupos, envolvendo até disputas judiciais, e culminando em uma nova cisão da Ordem.
Euclydes Lacerda de Almeida, um discípulo de Marcelo Motta, é outro personagem que merece ser destacado devido ao papel significativo que ele desempenhou na preservação e propagação dos ensinamentos de Thelema no Brasil. Sua jornada espiritual, marcada por experiências profundas e um compromisso inabalável com a busca do conhecimento oculto, reflete a influência duradoura de Motta e Crowley em sua vida e trabalho. Nascido no Rio de Janeiro em 1936, Euclydes enfrentou desafios desde cedo. Ainda assim sua infância foi marcada por experiências místicas significativas, incluindo uma iniciação precoce nas artes mágicas com sua tutora. Ainda jovem, Euclydes explorou várias tradições esotéricas, incluindo a Maçonaria e o Espiritismo. No Brasil, Euclydes Lacerda de Almeida, teve uma contribuição fundamental no desenvolvimento da A∴A∴ e da O.T.O, a Sociedade Novo Aeon e os Cavaleiros de Thelema, estruturas que fortaleceram significativamente o movimento Thelemico no país.
A Sociedade Novo Aeon tinha como objetivo promover os princípios de Thelema e servir como um ponto de encontro para os interessados em explorar as dimensões místicas e filosóficas dessa tradição, se tornando um importante veículo para a disseminação dos ensinamentos de Crowley no Brasil, organizando eventos, publicações e encontros que ajudaram a criar uma comunidade coesa e engajada. Os Cavaleiros de Thelema, por outro lado, representaram uma abordagem mais prática e ritualística de Thelema. Inspirados pelos ideais de cavalaria e fraternidade, os membros deste grupo se dedicavam a um estudo mais aprofundado e à prática dos rituais Thelemicos.
As cisões na O.T.O não se limitaram a disputa entre McMurtry e Motta. Durante os últimos anos de Aleister Crowley, a O.T.O. presenciou uma diversificação significativa em suas práticas e interpretações, refletindo uma tendência comum em movimentos esotéricos de adaptação e transformação. Esta fase foi marcada pela continuidade do trabalho de diversos líderes e grupos, cada um contribuindo com sua visão única para a rica tapeçaria da Ordem. Entre as figuras notáveis que mantiveram a tradição da O.T.O., mas que seguiram com o trabalho sem vínculo formal com a liderança central, encontramos o já mencionado Eugen Grosche da Fraternitas Saturni, Spencer Lewis da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis (AMORC) e Arnold Krumm Heller da Fraternitas Rosicruciana Antiqua (F.R.A.), o ramo suíço da O.T.O, sob a liderança de Frater Paragranus, entre outros. Esses líderes, embora influenciados pelos ensinamentos de Crowley, desenvolveram suas próprias interpretações e práticas. Essa diversificação e fragmentação da tradição da Ordem com o passar do tempo, refletiu a riqueza das tradições ocultas e permitiu uma gama mais ampla de interpretações e práticas, mas compartilhando um objetivo comum: servir como um espaço mágico-social no Novo Aeon – afinal “não há Deus se não o homem”, logo é preciso que esse espaço divino exista e se perpetue, com suas histórias e contribuições únicas, continuam a enriquecer o seu legado e a influenciar a jornada espiritual de muitos buscadores ao redor do mundo.
A Ordo Templi Orientis – Ritos Unidos representa a síntese de variadas correntes e tradições que compõem o rico mosaico da história da Ordo Templi Orientis, enfatizando a continuidade e a integridade da tradição em meio à sua diversidade e evolução. As iniciações que compõe a Ordo Templi Orientis – Ritos Unidos são derivadas do Soberano Santuário Brasileiro via Euclydes Lacerda de Almeida, assim como dos Soberanos Santuários da Inglaterra, Espanha, Suíça, Itália, EUA e Cuba, sendo transmitidas a Frater Hanu por Frater Iskuros, inaugurando um novo capítulo na história da Ordem e preservando a sua tradição.
Frater Hanu IXº é graduado em História, com pós-graduação em Maçonologia e Teologia, além de Frater Superior da Ordo Templi Orientis Ritos Unidos. Para conhecer a Ordo Templi Orientis Ritos Unidos, visite o site: https://www.ordotempliorientis.net/
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