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Texto de Nic Laccetti. Traduzido por Caio Ferreira Peres.
Utilizada a tradução de Vitor Cei para os versos dos Livros Sagrados de Thelema publicada no ano de 2018 pela Madras Editora.
Por que o Livro da Lei foi renomeado como Liber AL vel Legis de Liber L vel Legis? Mais importante ainda, qual é o significado para nós hoje da interação entre AL e LA, “Deus” e “nada”, como a chave para o livro sagrado Thelêmico? Minha opinião é que entender Thelema como uma forma de teologia da Morte de Deus – e colocá-la em diálogo com iterações passadas da teologia da Morte de Deus, especialmente em torno da interpretação da “chave” do Livro da Lei – nos ajudará a entender as implicações que Thelema tem para debates sobre religião, divindade, transcendência e imanência no Aeon de Hórus.
De Liber L a Liber AL
A resposta à primeira pergunta acima é clara em termos de contexto histórico: Charles Stansfeld Jones, mais conhecido como Frater Achad, descobriu a “chave” do Livro da Lei em 1918 — o número 31, que equivale tanto a “AL” (Deus) e “LA” (nada) — e eventualmente transmitiu esta informação a Aleister Crowley. Crowley respondeu, aceitando a solução de Achad: “Sua chave abre o Palácio. CCXX se desabrochou como uma flor.” Crowley então renomeou o livro de Liber L vel Legis para Liber AL vel Legis em 1921, como ele explica em The Law is for All:
“Na primeira adição este Livro é chamado L… Este título provavelmente deveria ser AL, ‘El’, já que o ‘L’ foi ouvido da voz de Aiwaz, não visto. AL é o verdadeiro nome do Livro, pois estas letras, e seu número 31, formam a Chave Mestra para seus Mistérios.”
Achad, por sua vez, compilou um registro mágico, Liber 31, para detalhar sua descoberta, e nele especulou sobre os significados cabalísticos do número 31 na interação entre LA e AL. Neste texto, Achad foi o primeiro a sugerir que “Nuit seja considerada como LA e Hadit como AL”, conectando diretamente o número 31 e seus significados com o conteúdo do Livro da Lei.
Mais tarde, em 1936, Crowley escreveria em O Equinócio dos Deuses que Frater Achad entendia que o Livro da Lei “era, por assim dizer, uma vestimenta ou véu sobre a ideia de ‘não’. LA, 31, e AL é Deus, 31, enquanto há um terceiro 31 ainda mais profundamente escondido na letra dupla ST, que é um glifo gráfico do sol e da lua unidos…” Crowley continua explicando o complexo contexto para descobrir o terceiro 31 (3 x 31, é claro, igualando 93, a Palavra da Lei, Thelema) na “letra dupla ST”, e vários mistérios numerológicos no Livro da Lei que podem ser resolvidos através desta fórmula.
Tudo isso é fascinante se você gosta de gematria. Também pode explicar um pouco sobre a nossa questão de significado – o Livro da Lei foi renomeado como Liber AL porque 31 (= LA = AL) foi descoberto como sendo a chave do livro e, na sequência da descoberta posterior de Crowley de “um terceiro 31 ainda mais profundamente escondido”, você poderia interpretar cada 31 como representando um capítulo (ou uma forma divina) do livro, com 93 como a soma total.
Este seria o primeiro 31 como LA — não ou nada — para Nuit, o segundo 31 como AL — Deus — para Hadit, e o terceiro 31 como ST para Ra-Hoor-Khuit. (No entanto, em pelo menos um lugar em O Equinócio dos Deuses, Crowley identifica o terceiro 31/ST como correspondente a “Set ou Satã” – e geralmente essas formas divinas são identificadas por Crowley com Hadit ou Aiwass, não Ra-Hoor-Khuit. Isso complica a identificação de ST com o terceiro capítulo.)
Por mais inteligente que tudo isto possa ser em termos de título de livro, ainda não ajuda muito a explicar se existe um significado ou importância mais profundo por trás de LA e AL – especialmente a sua equivalência final – para nós hoje. É claro que a cópula de Nuit e Hadit, resultando em Ra-Hoor-Khuit, é central para a metafísica Thelêmica, mas será a relação entre LA e AL apenas uma forma alternativa de significar essas duas divindades Thelêmicas? Ou há mais na interação entre “nada” e “Deus”, e na identidade entre eles, que pode nos dar uma visão mais ampla sobre questões teológicas no Aeon de Hórus?
Thelema e a Teologia da Morte de Deus
A teologia da Morte de Deus, que teve seu apogeu acadêmico nas décadas de 1950 e 1960, baseou-se no infame pronunciamento de Friedrich Nietzsche de que “Deus está morto”, mas também foi o culminar de uma história mais longa de discurso sobre a morte de Deus que remonta ao movimento teosófico de do século XVIII, à poesia visionária de William Blake, à filosofia dialética de Hegel e aos precursores teológicos do século XX, como Paul Tillich e Dietrich Bonhoeffer. Alguns desses teólogos usaram a morte de Deus como uma metáfora para a nossa era secular atual, na qual a crença religiosa tradicional (supostamente) se tornou insustentável, enquanto outros teólogos mais ousados sugeriram que uma morte real ocorreu – Deus estava vivo, mas está agora morto.
Alguns teólogos da Morte de Deus combinaram essas opiniões. Por exemplo, o rabino e teólogo judeu Richard L. Rubenstein, baseando-se na Cabala, afirmou que Deus era melhor concebido como um “Santo Nada” – o En-Sof, “aquilo que é sem limite ou fim” (After Auschwitz, 298) . Ao mesmo tempo, Rubenstein escreveu sobre a morte de Deus como um “evento cultural vivido por homens e mulheres. . . Não sendo mais capazes de acreditar em um Deus transcendente que é soberano sobre a história humana e que recompensa e pune homens e mulheres de acordo com seus merecimentos” (294). Para a comunidade judaica, este evento ocorreu na história moderna em Auschwitz. Visões como a de Rubenstein, em que Deus (AL) é entendido como nada (LA), embora também reconheça um momento histórico em que esta concepção se tornou dominante, espelham ideias semelhantes em Thelema – por exemplo, podemos comparar o papel de Auschwitz na teologia de Rubenstein ao reconhecimento de Crowley do derramamento de sangue do início do século XX como um reflexo do nascimento do Aeon de Hórus, após o qual a humanidade não pode mais colocar a sua fé em Deus como um “Totalmente Outro” transcendente. Além disso, as especulações de Frater Achad sobre a interação de LA e AL em Liber 31, incluindo a sua experiência iniciática de ser “levado de volta ao Princípio das Coisas” que desencadeou a descoberta da chave do Livro da Lei, baseiam-se claramente no mesmo cabalística, bem como a definição de Rubenstein de Deus como um “Santo Nada”.
No entanto, mais fascinante para mim é a categoria de teólogos que acreditavam que Deus existia, mas que agora morreu — em parte pela pura audácia do seu ponto de vista, mas também pela natureza mística e apocalíptica das suas ideias. O mais proeminente dos teólogos da Morte de Deus nesta categoria, e para mim o mais brilhante, foi Thomas J.J. Altizer. Sua teologia sugeria (baseando-se fortemente em Blake, Hegel e Nietzsche) que Deus havia realmente morrido – começando na criação, Deus iniciou um processo de auto-esvaziamento que foi completado na crucificação de Jesus Cristo, na qual Cristo “entregou Seu espírito” para o mundo (Mateus 27:50). Após este momento, o mundo está impregnado da presença total da divindade, uma imanência absoluta.
Embora Altizer tenha permanecido identificado com a teologia cristã e a academia teológica ao longo da sua vida (embora os seus escritos tenham sido declarados heréticos por numerosas denominações cristãs na década de 1960), não é surpreendente que a teologia da Morte de Deus de Altizer e a Thelema de Crowley sejam parceiros naturais de diálogo. Tanto Altizer quanto Crowley foram criados como cristãos protestantes, e ambos tiveram experiências quando jovens nas quais se identificaram fortemente com os personagens “maus” da Bíblia – Crowley com a Grande Besta, e Altizer através de uma experiência mística como estudante (ele a chamou de “uma epifania de Satã”) em que Satã o consumiu e absorveu “em seu próprio ser, como se esta fosse a iniciação e o vínculo mais profundo possível, e a união mais profunda e ainda mais horrível” (Altizer, Living the Death of God, 4 ). Desde aquela experiência, Altizer fez da descoberta de uma coincidentia oppositorum entre Cristo e Satã o seu “objetivo teológico mais profundo”, uma ênfase na coincidência dialética dos opostos, do bem e do mal, que não é de todo estranha ao misticismo dialético de Thelema, incluindo a coincidência de AL e LA.
Num nível mais prosaico, tanto Altizer como Crowley tiveram influências intelectuais semelhantes – William Blake, Hegel, Nietzsche e o Budismo, para citar alguns. Ambos foram forçados a lidar com as crises históricas do início do século XX e com o que elas significavam para a prática religiosa e a experiência da divindade numa era de rápida secularização. É claro que o contexto cultural e espiritual de Crowley era, em última análise, muito diferente do de Altizer – onde um deles era um decadente do final do período vitoriano que extraiu suas adereços estéticos e linguagem espiritual de seus primeiros anos na Ordem Hermética da Aurora Dourada (entre outras fontes), o outro era um teólogo acadêmico cristão nos Estados Unidos, ainda escrevendo no estilo da teologia sistemática como disciplina, mesmo quando radicalizou seu significado.
O Equinócio dos Deuses como o Apocalipse
No entanto, está claro que a visão de Altizer da morte de Deus, embora ainda escrita como uma forma de teologia cristã, não é a fórmula do Aeon de Osíris de adoração ao Pai patriarcal, da expiação vicária do deus que morre e ressuscita, mas uma entrega completa do mundo ao indivíduo e à sua própria divindade imanente. O que isso se assemelha é o Aeon de Hórus. Como Altizer descreve em uma análise de Nietzsche:
“… a proclamação da morte de Deus – ou, mais profundamente, a vontade da morte de Deus – é dialética: um dizer Não a Deus (a transcendência de Sein) torna possível um dizer Sim à existência humana (Dasein, existência total no aqui e agora). A transcendência absoluta transforma-se em imanência absoluta; estar aqui e agora (o “agora” existencial pós-cristão) atrai para si todos aqueles poderes que uma vez foram concedidos ao Além. (Radical Theology and the Death of God, 97-98)
O “agora” existencial pós-cristão atraindo para si “todos aqueles poderes que uma vez foram concedidos ao Além” – não é esta existência como pura alegria, ou a afirmação de Liber OZ de que “Não há deus senão o homem”? Não apenas isso, mas a interação dialética entre Não e Sim aqui (um tema recorrente na teologia de Altizer) se assemelha muito às experiências interiores descritas por Achad em Liber 31 – uma dialética constante entre LA e AL, que conduz através de uma série de especulações cabalísticas que em última análise, revela (para usar a descrição de Crowley) o Livro da Lei como “uma vestimenta ou véu sobre a ideia de ‘não’”.
Ainda mais significativo, Altizer descreve a morte de Deus como um evento apocalíptico, uma libertação da história: “Somente quando Deus está morto o Ser pode começar em cada Agora” (Radical Theology and the Death of God, 99). Em Thelema, pelo menos em termos históricos, este evento ocorreu com a recepção do Livro da Lei em 1904 — o que Liber AL vel Legis chama de Equinócio dos Deuses:
“Ab-rogados estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou seu assento no Oriente durante o Equinócio dos Deuses; que Asar esteja com Isa, que também são um. Mas eles não são de mim. Que Asar seja o adorador, Isa o sofredor; Hoor em seu secreto nome e esplendor é o Senhor iniciando.”
Liber AL I:49
Nesse sentido, assim como a morte de Deus no pensamento de Altizer, o Equinócio dos Deuses é em si um apocalipse, a morte da velha criação e o início de uma nova criação, na qual a Divindade é encontrada no indivíduo soberano, a Criança Coroada e Conquistadora, não o Pai transcendente. Crowley diz isso explicitamente em sua descrição da transformação do 20º trunfo do Tarô, do simbolismo tradicional do Juízo Final para o simbolismo do baralho de Thoth do Aeon. No Livro de Thoth, Crowley descreve a relação entre o Juízo Final apocalíptico com O Aeon desta forma:
“A carta antiga chamava-se O Anjo: ou O Juízo Final. Representava um Anjo ou Mensageiro tocando uma trombeta, presa à qual havia uma bandeira com o símbolo do Aeon de Osíris. Abaixo dele, os túmulos se abriam e os mortos se levantavam. Haviam três deles. O central tinha as mãos levantadas em ângulo reto na altura dos cotovelos e ombros, de modo a formar a letra Shin, que remete ao Fogo. A carta representava, portanto, a destruição do mundo pelo Fogo. Isto foi realizado no ano da era vulgar de 1904, quando o deus ígneo Hórus tomou o lugar do deus aéreo Osíris no Oriente como Hierofante…”
De acordo com Crowley, então, o apocalipse ocorreu essencialmente em 1904, com a recepção do Livro da Lei e o início do Aeon de Hórus. Esta não foi apenas uma declaração retórica para Crowley, mas uma realidade experiencial. No mesmo capítulo do Livro de Thoth sobre o Atu XX, ao descrever os eventos do início do século 20, Crowley caracteriza o nascimento do Novo Aeon como uma “transição catastrófica”, marcada por crises históricas, guerras extremas e grandes avanços na tecnologia e comunicações. É o fim de um mundo e o início de outro. É também, no sentido tradicional do termo “apocalipse”, uma revelação – de uma nova fórmula religiosa, a do Aeon de Hórus.
É claro que, nos termos da escatologia cristã (mesmo no cristianismo tradicional), o apocalipse ou Juízo Final já começou há 2.000 anos – no caso de Jesus Cristo, especialmente a sua crucificação. Para Altizer, é este evento apocalíptico que completa a morte de Deus e lança a humanidade para uma nova era, embora a humanidade não fosse capaz de reconciliar esta realidade até os séculos XIX e XX. Embora Crowley, com seu trauma pessoal em torno do Cristianismo (uma característica compartilhada com muitos Thelemitas pós-Crowley) gostaria de remeter a importância da vida de Cristo ao Antigo Aeon, teólogos radicais como Altizer encontraram as sementes da morte apocalíptica de Deus no próprio Novo Testamento. Altizer sugere que, uma vez eliminado o Cristo do Cristianismo, a figura de Jesus dos evangelhos na verdade se assemelha a “uma espécie de precursor ingênuo” do Zaratustra de Nietzsche. Em termos Thelêmicos, quase parece que a teologia da Morte de Deus é uma teologia cristã “purgada pelo profeta”, como diz o Livro da Lei (Liber AL II:5). Em todo caso, o apocalipse do Equinócio dos Deuses já está prefigurado no apocalipse da crucificação, quando o Espírito passa ao mundo.
O Livro da Lei, então, nos lança do AL do Aeon de Osíris, com seu Ser transcendental, para o LA do Novo Aeon, com sua imanência absoluta – e ainda assim, ao mesmo tempo, este é um movimento de LA para AL, um dizer Não a Deus que nos leva a dizer Sim à existência humana neste mundo. Frater Achad já parecia ter sugerido isso em Liber 31, em sua descrição do momento iniciático em que ele experimentou pela primeira vez o movimento entre, e a equivalência de, AL e LA:
“Mais tarde, veio a atração de todos para um Único Ponto de Luz (Hadith) no Centro do Seio. E fui levado de volta ao Princípio das Coisas e descobri como na Verdade não havia Começo nem Fim. Em particular devo mencionar como fui levado de volta ao início das Palavras, e eu Parzival (o Louco ou Zero) era a PALAVRA e mesmo esta se desintegrou para que o Mistério final fosse AL = DEUS e então isso também desapareceu em LA = NÃO. ENTÃO veio o Lampejo de uma Nova Criação e novamente o Lampejo – a solução do Mistério da MUDANÇA e também do NÃO-EU que é o EU.”
Isto também parece ser uma espécie de experiência da morte de Deus, um apocalíptico dizer Não a Deus que leva diretamente ao lampejo fulminante da Nova Criação, que eventualmente é desintegrada novamente, e assim por diante. Também se assemelha muito ao conceito de Nietzsche da Eterna Recorrência, uma influência importante na teologia da morte de Deus de Altizer. Na verdade, a análise desta ideia por Altizer usa explicitamente a linguagem da passagem do Velho Aeon para o Novo Aeon, uma inversão radical de “tanto o ser como os valores do Velho Aeon da história” que torna possível “mesmo agora uma participação em o Novo Aeon da graça” (Theology and the Death of God, 99). Em última análise, foi esta experiência de Achad que o levou diretamente à compreensão de AL-LA como a chave do Livro da Lei.
Entretanto, com Altizer e Crowley fortemente influenciados por William Blake, questiona-se se o trabalho posterior de Altizer sobre a “tradição épica ocidental” de Dante, Milton, Blake e James Joyce, e como ele expressa a morte apocalíptica de Deus, poderia realmente ser aplicado. ao próprio corpus de livros sagrados de Crowley, incluindo o próprio Livro da Lei. Altizer vê a tradição épica como “uma conjunção completa de revelação e história, uma história que é uma história revolucionária, e uma história que é ao mesmo tempo uma viagem interior e cósmica, e uma viagem cósmica e interior cada vez mais plena e finalmente incorporando a finalidade do próprio apocalipse” (Altizer, The Call to Radical Theology, 156).
Esta descrição também poderia ser aplicada às obras proféticas de Crowley. Para Altizer, os épicos de figuras como Blake e Joyce “representam a morte de Deus, uma morte apocalíptica de Deus realizando o apocalipse absoluto, ou aquele apocalipse total que é tudo em tudo… A própria Divindade se torna tudo em tudo através do apocalipse absoluto, pois ‘A Auto-Aniquilação de Deus’ é em si o apocalipse de Deus” (Altizer, The Call to Radical Theology, 127). Tal como estes épicos, os livros sagrados de Crowley libertam e concretizam “aquele sujeito absoluto que é uma coincidentia oppositorum de uma totalidade interior e exterior” – um que Blake, por exemplo, nomeou como uma coincidência de Cristo e Satã, Joyce como uma coincidência de “Here Comes Everybody e Anna Livia Plurabelle”, e os nomes do Livro da Lei como uma coincidência de Nuit e Hadit, LA e AL.
Conclusão
Alguém lendo até aqui pode agora ver como a interação e a equivalência entre LA e AL é uma visão profundamente importante sobre o status da divindade neste Novo Aeon em que vivemos, e de fato pode ser facilmente colocada em diálogo com a radical teologia da Morte de Deus de Altizer, que teve influências semelhantes e chegou a conclusões teológicas semelhantes, como Thelema de Crowley, embora em um contexto religioso muito diferente.
Mas algumas palavras ainda podem ser necessárias sobre por que penso que um diálogo como este é importante tanto para Thelema quanto para a teologia, mesmo fora das ideias específicas delineadas neste artigo.
Do lado da teologia da Morte de Deus, esta é uma tradição teológica que causou grande impacto na cultura popular e acadêmica americana na década de 1960, antes de cair no esquecimento novamente nas décadas seguintes, especialmente com a ascendência do protestantismo evangélico nos Estados Unidos a partir de década de 1980 em diante. Com essa ascensão política, a noção de que vivíamos numa época em que a maioria das pessoas experimenta Deus como morto parecia, na melhor das hipóteses, ingênua. Eu sei que me senti assim quando encontrei pela primeira vez a teologia da Morte de Deus no curso da minha educação teológica em um seminário tradicional (por muitos anos os únicos lugares onde você ouviria falar ou estudaria esta tradição teológica).
Mas isso agora parece estar mudando. Por um lado, a teologia da Morte de Deus em geral e Altizer mais especificamente desfrutaram de um pequeno renascimento no início do século 21 devido a filósofos como Slavoj Zizek citando abertamente e recorrendo às suas ideias; ao mesmo tempo, a morte de Deus parece novamente estar em ascensão como uma experiência existencial aqui, no que parecem ser os últimos dias do Império Americano, especialmente entre os mais jovens. E embora o protestantismo evangélico ainda seja politicamente poderoso, a era de Trump parece ter sido um prego no caixão na ideia de que esse movimento religioso tem realmente qualquer relação com uma experiência de Deus como algo que não seja um poder descarado. Mesmo que este Deus nacionalista cristão ainda não esteja morto, parece claro – como sugeriram teólogos da Morte de Deus como William Hamilton – que temos uma necessidade urgente de assassiná-Lo.
A teologia da Morte de Deus parece-me, portanto, ser um modo importante de pensamento teológico para a nossa era atual, mas ainda tem pouca aceitação (por razões óbvias) na maioria das igrejas e seminários cristãos. Thelema, sendo ela mesma uma espécie de teologia radical da Morte de Deus, pode ser uma forma de operacionalizar seus insights na prática real.
Do outro lado do diálogo, acho que o que foi dito acima ajuda a deixar claro é que mesmo os conceitos mais densos e aparentemente mais específicos em Thelema – neste caso, a “chave” para o Livro da Lei e o Equinócio dos Deuses — podem, na verdade, ainda ser colocados em diálogo com a disciplina mais ampla da teologia, em vez de permanecerem apenas na subcultura Thelêmica como conceitos internos que não têm significado em conversas mais amplas sobre religião, divindade, transcendência e imanência no mundo contemporâneo. Se Thelema quiser ser uma tradição que tenha algum impacto além da comunidade ocultista, ela precisará ser capaz de traduzir suas ideias nos termos dos debates que estão acontecendo na cultura mais ampla; e usar a linguagem da teologia radical é uma forma de fazer isso.
Afinal, Crowley disse que a promulgação da Lei de Thelema – e com ela a verdade de que no Novo Aeon não existe deus senão o homem – é um dos deveres centrais daqueles que se autodenominam Thelemitas. Em vez de guardarmos isso para nós mesmos, deveríamos espalhar as boas novas de que Deus e o nada são um, e que, após a morte de Deus, não há nenhuma parte de nós que não seja dos deuses.
Nic Laccetti é thelemita, teólogo e escritor que mora na cidade de Nova York. Ele é o autor de The Inner Church is the Hope of the World: Western Esotericism as a Theology of Liberation (Resource Publications, 2018) e possui um M.Div. do Union Theological Seminary. Você pode encontrar mais de seus escritos em seu site pessoal, The Light Invisible.
Link para o original: https://thelemicunion.com/al-and-la-thelema-death-of-god/
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