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Psicologicamente, Satan pode ser estudado como um arquétipo, uma estrutura inata do inconsciente, que demanda inteligência, energia e poder, conhecida como a Sombra. Satan é a grande fórmula da transpessoalidade, conhecida vulgarmente como iluminação. Este é o grande segredo oculto de algumas ordens iniciáticas, que trabalham com seu arquétipo às escondidas, inclusive no seio do Cristianismo.
Aleister Crowley afirma que o sátiro é a verdadeira natureza de qualquer ser humano, podendo se manifestar externamente como um íncubo ou súcubo, conforme a natureza masculina ou feminina. A representação em Pan é de natureza sexual, estritamente ligada à própria imortalidade. A origem do termo diabo, diable, o ente dual, pode ser relacionado a dois aspectos. O primeiro é o gêmeo das primeiras fases da mitologia, como Caim e Abel, que modernamente tomou as feições do Dr. Jekill e Mr. Hide. Neste sentido, LaVey diz que “há uma besta no homem que precisa ser exercitada, não exorcizada”. O segundo relaciona-se ao próprio corpo astral, que seria o “duplo” da pessoa. Quando a pessoa dorme, é o corpo astral que assume, desvelando os aspectos obscuros do ser.
Vejamos a lição de Kenneth Grant[1]: “A Besta, como a corporificação do Logus (que é Thelema, Vontade), encarna simbólica e verdadeiramente a Palavra deste cada vez que um ato sacramental de união sexual ocorre; ou seja, cada vez o amor é feito sob vontade. Este é o sacramento que os Cristãos abominam como a suprema blasfêmia contra o Espírito Santo porque eles não podem admitir a operação da fórmula da besta unida à mulher como a condição necessária para a produção da divindade! Além disso, No Éon precedente (o de Osíris), Set ou Satan eram vistos como maléficos porque a natureza do desejo era mal compreendida; ele era identificado com o Diabo e com o mal moral. Entretanto, este diabo, Satan é a verdadeira fórmula da Iluminação.”
Satan possui a sua origem no deus egípcio Set, o princípio da consciência isolada no ser humano. De Set-Hen[2], Satan. O sacerdócio de Set remonta de antes de 3200 a. C., com estimativas chegando até 5000 a. C. Os adoradores de Set foram os maiores astrólogos do Egito, bem como os construtores da Grande Pirâmide, segundo o egiptologista Lepsius. Set era a mais antiga de todas as deidades, remonta até a época acadiana ou sumeriana, e era a mais poderosa também, segundo O Livro dos Mortos (Capítulo 175).
Naqueles tempos, Set não era ainda considerado a personificação do mal e o seu culto possuiu uma imensa quantidade de adeptos. Da mesma forma, o deus Shiva, que foi quem teve mais templos na Índia, sendo visto também como outro arquétipo da Sombra. Na trindade criação-manutenção-transformação, Set e Shiva eram signos da transformação, não apenas a acarretada pela morte (transformação de realidade), mas sobretudo a pela iluminação (transformação de consciência).
A estrela de Set, Sothis ou Sirius, o sol por detrás do sol, ou o sol que aparece no abismo cabalístico, também abria o ano zodiacal em 365 dias. Set era o senhor do Pólo Sul, a primeira estrela da Constelação Boreal de Tífon, a Grande Ursa. Quando os povos emigraram para o deserto, deu-se a impressão ilusória que a estrela tinha “caído”, daí surgiu a idéia do “anjo caído” cristão. “Esta é a razão do pentagrama reverso ou apontando para o sul ser normalmente abominado como o selo do diabo. Ele é o Selo de Satan, pois que ele invoca a serpente do sexo, a serpente obeah. Os osirianos, não menos do que os cristãos, rechaçavam esse aspecto da existência, e o pentagrama de Set, o Sul, era considerado como sendo o emblema de impureza e da abominação. Ele é também a Estrela de Satan para aqueles que vêem o uso mágico da corrente sexual como ‘mau’, ou seja, do diabo. Originalmente, ele não possuía qualquer mácula moral; esta foi projetada sobre ele pelos seguidores dos cultos do velho éon, aqueles representados nos mitos pelo Deus Moribundo – Adônis, Osíris, Cristo etc.”[3]
Ensina o Templo de Set que “o Terceiro Século da Era Comum foi o ápice do Hermeticismo Setiano. Mas com a imposição do cristianismo como a religião imperial romana, o individualismo foi novamente desprezado. O cristianismo egípcio identificou Set com Satan e ele quase desapareceu como uma figura na magia egípcia”. Durante as migrações, os yezides levaram o seu deus com eles. Set (ShT) deu origem a Shaitan (ShTN), acrescentando-se a letra N, atribuída a Escorpião. O valor numérico de Shaitan é 359. Shaitan passou depois a significar “o adversário”. Adversário de que? Bem, se entendermos o conceito obsoleto de Deus, como a projeção do próprio sistema corrupto e decadente, a resposta se encaixa. Satan é o grande adversário de todo ranço inventado sob a capa da religião e da sociedade para o ser humano NEGAR A SI MESMO.
Visto que a origem do termo Satan está em Set, é de se perguntar de onde veio a forma do diabo com chifres. Quando os primeiros padres católicos começaram a catequizar os pagãos, contrapunham ao deus local um mártir cristão inventado. É de se observar que não há documentação válida para a maioria dos santos antigos, simplesmente porque não existiram. Os verdadeiros mártires do início do cristianismo foram os pagãos, essênios e gnósticos. Nietsche esclarece que “As histórias dos santos apresentam a mais duvidosa variedade de literatura existente; examiná-las pelo método científico, na completa ausência de documentos comprobatórios, parece-me condenar antecipadamente toda a indagação – trata-se de um vão esforço de erudição…” E Marcelo Mota[4] explica muito bem como se deu o processo de transposição dos deuses locais para os santos católicos. Realmente, desconhece-se documentos fidedignos em que a Igreja poderia se basear para provar a sua existência.
Contudo, houve um deus que não podia ser transformado em santo, porque ele era tremendamente celebrador da vida, musical, irreverente, viril, namorador de ninfas. Este deus era imensamente querido e celebrado pela massa, era um deus de chifres e cascos de bode, chamava-se Pan. Como os seus ritos eram muito orgiásticos, não podia ser absorvido pela Igreja Católica, pois esta recepcionou uma parte do seu cerimonial no culto persa de Mitra, muito popular entre os soldados romanos, que pregava a castidade como forma de evolução espiritual, e que foram difundidos em Roma na época de Pompeu. Então foi transformado no diabo!
Na verdade, Satan representa uma rebelião contra esta fraude religiosa. Vejamos o sentido de rebelião nas palavras de Alberto Cousté: “Santo Anselmo de Canterbury, em De casu Diaboli, atribui a rebelião de Satan ao desejo de ter uma vontade própria, ou seja, à sua vocação pela liberdade. Sabemos que os anjos, como os homens, gozam por decisão divina de livre-arbítrio, e esta responsabilidade é praticamente a chave de toda a ontologia. Com efeito, se a liberdade dos filhos consistisse exclusivamente em realizar os desejos dos Pais, em lugar de anjos e homens falaríamos de marionetes, além do que ninguém diferiria essencialmente de seus congêneres. Desde que reconhecido como Senhor, o Diabo é bom pagador e tem com que pagar; sua moeda é o conhecimento, único caminho que assinala aos homens para livrar-se do temor, da reverência e da submissão a um Deus remoto e sempre indiferente.”[5]
Alguém vai perguntar: A imagem de Satan não estaria consolidada pela religião cristã após estes 2000 anos? Vai adiantar o avanço ou o recuo no tempo para mudar uma imagem tão bem construída? É uma boa pergunta. O autor responde que, por detrás da capa do diabo com chifres e garfos, no meio das chamas infernais, há algo a ser perscrutado. Adão era apenas um animal pastando no Paraíso, sua vida era totalmente sem sentido. Comer, beber, dormir e obedecer. O que Adão realmente realizava? Nada. A serpente veio para mudar este quadro. Tornou Adão consciente e responsável por si mesmo. “Imitar o Diabo significava então rebelar-se contra a opressão, recusar-se à submissão entendida como uma fatalidade inamovível, conhecer em vez de repetir, ser consciente do uno entre a multidão, fornicar com alegria, gozar dos sentidos, só se arrepender de ter deixado de aproveitar uma experiência, negar os dogmas em benefício da investigação. A partir desse descobrimento, a sorte estava lançada. E se é certo que os homens não podem viver sem Deus, não é menos verdade que não parece possível que tentem ressuscitar o velho deus mosaico, terrível e repressor, tirano da carne em troca de um prêmio cuja verossimilitude é hipotética, mas sim que o substituam por outro: jovial, concessivo, estimulante, disposto a misturar-se com suas criaturas e incitá-las à ação.”[6]
O problema realmente começa no Gênesis. Vamos pelo raciocínio cristão, para ver aonde chega. Se Deus é suma bondade e onisciência, sabe de antemão o que irá acontecer, de forma a evitar o mal. Então, é de se perguntar: por que criou Satan? Criou a sua criatura imperfeita, sabia que ela ia se rebelar e não impediu? Por que Deus apontou a Árvore do Bem e do Mal a Adão? Todos sabem que o fruto proibido é o mais gostoso… De qualquer forma, seria praticamente impossível Adão descobrir a árvore num jardim tão vasto como o Éden. Não teria sido Deus o verdadeiro tentador, ao apontá-la? Ele nem sequer impediu a ação da serpente.
O cristão responderá “mas Deus nos deu o livre arbítrio”. O problema é que livre-arbítrio, cuja segunda opção é o Inferno, nunca foi livre-arbítrio. O verdadeiro livre-arbítrio não impõe nenhuma ameaça. Uma pessoa normal não destrói irremediavelmente o seu filho só porque errou para consigo. Então, imagina o ser de suma bondade… Simplesmente contraditório.
É óbvio que há uma inversão de papéis na Bíblia. Javeh é que é o verdadeiro demônio, não Satan. Observe-se que não há nenhum Evangelho Segundo Satan. Nunca houve direito de resposta ao suposto ente que tem levado a culpa de todas as estupidezes humanas nestes 2000 anos. Até mesmo nos julgamentos humanos dos crimes mais hediondos sempre se dá direito de resposta ao réu, é a célebre máxima latina audiatur et altera pars, que significa seja ouvida também a parte adversa. Trata-se, por conseguinte, a Bíblia, de um livro extremamente parcial.
O que o sistema sócio-religioso trouxe ao homem? Bem, o homem originalmente era um mamífero da espécie do macaco. Contudo, todos os mamíferos entram naturalmente em equilíbrio com o meio ambiente, mas o homem não. O homem vai para uma área, multiplica-se e devasta o ecossistema. Então, a solução é ir para outra área. Há outro organismo na Terra que segue o mesmo padrão. É o vírus. O sistema sócio-religioso transformou o homem num vírus que consome a si próprio, à sua própria espécie, às outras espécies e ao planeta em geral, como um todo.
Então, a explicação é outra, simbólica, citada anteriormente. Deus é uma essência inerente ao ser humano e a toda existência (não apenas física). Satan é o grande fator de transformação humana, o homem deixa de ser um animal para se tornar o seu próprio Deus. Há também o aspecto kundalínico na serpente, eis que a energia sexual faz parte do processo. Afinal, sexo é o portal da vida, o criador de vida, não apenas corporal, mas magicamente é considerada de maior importância. O homem é a chave e a mulher e o portal, por onde transpassam todas as criações do universo.
Satan representa o elemento Fogo, o seu ponto cardeal é o Sul, naipe de Tarot é Paus, e está simbolicamente relacionado ao Inferno, que trata todos os aspectos considerados “negativos” como fatores transformativos da qualidade de ser. É o grande senhor da realidade onírica. No ser humano representa os poderes psíquicos.
[1] Extraído do livro Renascer da Magia
[2] Majestade de Set.
[3] Idem.
[4] É muito interessante a discussão a respeito do Cristianismo que este autor faz em Carta a um Maçon. Todavia, este texto não se acha publicado. Se o caro leitor quiser ter acesso ao mesmo, entre em contacto com alguma ordem thelemica na Web.
[5] Extraído do livro A Biografia do Diabo, de Alberto Cousté.
[6] Idem
Alimente sua alma com mais:
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