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Em Viagem a Ixtlan, o índio Don Juan explica a Carlos Castaneda: “Você é cheio de besteiras! A morte é a única conselheira sábia que possuímos. Toda vez que sentir, como sente sempre, que está tudo errado e você está prestes a ser aniquilado, vire-se para a sua morte e pergunte se é verdade. Ela lhe dirá que você está errado; que nada importa realmente, além do toque dela. Sua morte lhe dirá: ‘Ainda não o toquei.’” Este trecho revela o lado tragicômico do homem, que leva a vida com inúmeros temores, sem se dar conta de que é realmente a morte quem dá a palavra final. Para que se preocupar, ao invés de viver?
Há determinadas coisas que só são verdadeiramente conhecidas pela experiência direta. Uma delas é a viagem astral ou sonho lúcido. Quem já realizou estas viagens conscientes durante o sono sabe perfeitamente que a morte é uma ilusão. Há quem afirme que tais viagens seriam produto de alguma química do cérebro. Contudo, como explicar o fato de alguém relatar um acontecimento verídico a quilômetros de distância do local onde se encontra? Querer que ondas cerebrais expliquem esse fenômeno é algo, no mínimo, inusitado, para não dizer estapafúrdio. A resposta é que a consciência não se restringe ao cérebro, da mesma forma que a visão não é exclusiva dos olhos. Se a pessoa fechar os olhos e se concentrar no pulso, torna-se capaz de enxergar pela mão, malgrado inúmeros condicionamentos tendam a subverter e mitigar essa visão holística. Igualmente, se a pessoa é perfeitamente capaz de entrar na mente de terceiros, interagindo e influenciando, bem como estabelecer um fluxo emocional, tudo será simples resultado de ondas ou química? Não, há muito mais envolvido. Numa viagem astral, a pessoa interage também com o futuro e o passado; como seria possível a premonição se, de alguma forma, o ser humano não estivesse num patamar espácio-temporal diferente do atual? Nenhuma onda ou química explica isso, mas, se levar em conta que a morte, o espaço, o tempo e a causalidade são ilusões, é perfeitamente possível conceber que a viagem astral seja um fenômeno autêntico.
De qualquer forma, se a morte fosse a etapa final, para que se preocupar com o nada? Se você não existirá também não há razão para preocupações. O inferno? Só as religiões abraâmicas defendem essa estultície. Que maior perda de tempo cósmico do que criar um local de eterna danação para bilhões e bilhões de seres humanos, como uma vingança incansável apenas para demonstrar autoritarismo? O céu, pelo que parece, deve ser escassamente povoado, pois quase ninguém vai para lá, os cânones divinos são os mais absurdos possíveis. Parece que somente os padres e pastores detém o poder de salvação e, cá entre nós?, desconfio que, ainda que os mesmos tivessem a chave de ouro dificilmente cederiam gratuitamente para algum fiel. Nas palavras de Sainte-Beuve, “a natureza quer que desfrutemos a vida o mais possível e morramos sem pensar na morte. O cristianismo inverteu tudo isso”. O medo da morte tornou-se a fonte de todas as religiões. O cristianismo apenas aperfeiçoou a idéia acrescentando o Inferno, para que houvesse uma segunda morte, ainda mais terrível que a primeira. O vulgo pensa “se morrer já é terrível, afogar-se num lago de chama fervente pela eternidade é bilhões de vezes pior”. Então, a morte, que deveria ser pesquisada de forma real e isenta, foi obliterada não apenas numa ilusão, mas em duas, pois passou a haver a segunda morte representada pela Geena.
Além disso, é óbvio que a imortalidade na carne não é nem um pouco desejável. Rousseau foi feliz nesta frase: “Se nos oferecessem a imortalidade na terra, quem aceitaria esta triste dádiva?” Já imaginou a decrepitude carnal pelas centúrias sem-fim? Seria o eterno tormento. Se o manto de carne está deteriorado, nada melhor do que substituí-lo por outro mais adequado, seja ou não de carne. Esta é a função da morte: absorver e renovar.
Shakespeare dá sutilmente a chave para a morte, quando assere “Morrer, dormir. Dormir? Talvez sonhar”. A morte e o sonho são extremamente idênticos. Ambos possuem a mesma fonte, a mesma origem; ambos são feitos da mesma matéria primacial. A própria vida terrena é onírica também. Tudo é subjetivo e relativo; ainda que o vulgo pense em termos de um edifício bem construído, a todo momento desmantela-se como um castelo de cartas.
Justamente começamos a viver quando deixamos de temer a morte. Pense no seguinte: a morte não dói, não possui nenhuma conotação com o sofrimento, é tão natural quanto nascer. Os órgãos apodrecidos é que transmitem a sensação de dor. Por conseguinte, você é informado do caráter “nefasto” da morte a partir de um sintoma físico e também pelos olhos. Os acidentes, assassinatos, doenças que levam ao falecimento, os quais estampam inúmeras capas de jornais, periódicos, revistas, programas de televisão e filmes no cinema mostram a morte exatamente pelo que ela não é: a destruição do corpo físico. Ou seja, assentam-se na aparência de morte. Alguém realmente já auscultou a morte por dentro, pelo que ela realmente é? No Japão antigo torna-se um grande samurai quem vencia o temor da morte. Se alguém parte para a peleja eivado de pavor, como espera vencer um adversário num duelo? Se a pessoa deixa de praticar esportes e obrar realizações mundanas pelo medo da morte, estará realmente vivendo? Na verdade, esta é a verdadeira morte, a morte em vida, quando a pessoa realmente deixa de viver em função do medo da morte. A morte é a suprema ilusão. E, sem sombra de dúvida alguma, TODA ilusão torna-se sinônimo de escravidão.
Por outro lado, a auto-destruição é a extrema manifestação da covardia. Quem opta por este tipo de solução não deveria jamais ter nascido, pois não se tornou merecedor da maior dádiva da natureza, que é a própria vida. Seja motivado pela perda de um amor, emprego ou qualquer outra coisa, nada é motivo para se tirar a própria vida. LaVey ensina que “a vida é a grande indulgência, a morte a grande abstinência”. Da mesma forma, o mártir, ainda que sob motivos nobres, não ama a si mesmo, ama o fanatismo. Põe a pseudo-honra acima de sua vida, abraça um objetivo que logo será esquecido, ainda que a sociedade teime hipocritamente em venerar tal ser acéfalo. Sua imolação caracteriza a estupidez em seu grau mais elevado. Suas cinzas fazem a apologia da servidão e da ignorância, e longe está de trazer algum proveito – não passa do subproduto mais infame do altruísmo.
Até mesmo as pompas fúnebres, segundo Santo Agostinho, “são antes um consolo para os vivos do que um tributo ao morto”. É fácil perceber que, quando alguém próximo morre, há uma espécie de transferência psicológica para a figura do morto, é como se fosse um trailler de sua própria morte. Daí a dita veneração ser um tipo de fuga, um escape do real, de forma que a psique da pessoa permaneça tranqüila, afinal é o “outro” quem morreu. O corajoso, ao confrontar a morte, sabe que ela apavora justamente por ser ilusória. Se alguém avança em direção ao próprio medo, este simplesmente desaparece, pois não passa de um fantasma.
Outra questão é que a morte não manda aviso, ocorre a qualquer momento, não privilegia pessoa sadia ou doente, sábia ou tola, rica ou pobre, boa ou má, ou seja, a morte é a grande igualitária, transforma todos em cinzas sem privilégio de qualquer natureza, ainda que a tumba de uns seja melhor ornamentada que a de outros. Assim, é necessário que a pessoa aprenda a aceitar esta certeza de morrer, sem mascará-la. Elaborar contos maravilhosos como o céu não resolve. Nenhum mito ou lenda deve barganhar pela verdade, pois a verdade, ainda que extremamente dolorosa, é inegociável.
Finalizando este ensaio, coloco aqui uma frase famosa de Flanklin Roosevelt: “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos.”
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