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Sitra Achra

Inveja – Pequeno Tratado Satânico do Pecado

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A inveja é o desejo de possuir o mesmo que o outro tem. Se você vê o seu vizinho chegar em casa com um carro novo, não há nada de errado em desejar o mesmo para si. Isto é perfeitamente natural. É a inveja que vai fazer você ir à luta para conseguir o que você quer. É melhor do que se transformar num mendigo ou num ladrão.

É óbvio que não interessava ao clero e aos senhores feudais que a pessoa quisesse os mesmos privilégios que eles tinham, daí este pecado foi oportunamente criado, de forma a manter o povo à míngua, sem poder reclamar, sob o temor constante do Inferno.

Aliás, essa idéia do Inferno foi a grande criação cristã, nunca houve lugar semelhante no paganismo e só depois de muitos séculos é que foi atenuada, com a criação também do Purgatório, como uma sala de espera do Céu. Inspirado, possivelmente, na lenda do Julgamento de Maat, em que se pesava o coração do morto numa balança e no outro prato a pena da deusa egípcia, que simboliza a justiça; se o coração pesasse mais que a pena, a alma era imediatamente devorada por um monstro.

Pela repressão à inveja é que surgem os ladrões. Nos noticiários de jornais são inúmeros os crimes de colarinho branco, ou seja, de pessoas que, naturalmente, já possuem uma situação financeira mais que privilegiada e, mesmo assim, corroem a sociedade amealhando fortunas em proveito próprio. É óbvio que tais pessoas não necessitariam de mais dinheiro para uso pessoal, mas pelo simples fato de saber que alguém possui mais ainda prefere furtar, apropriar-se, do que ir à luta para conquistar um patamar financeiro superior ou idêntico ao de quem inveja. A ironia é que tais parasitas raramente são punidos. Servem-se de expedientes judiciais, conhecimento nos canais burocráticos e políticos e, quando o clamor popular se torna grande o suficiente para levá-los a julgamento, simplesmente fogem do País.

Enquanto isto, veja a notícia da revista Isto É  n. 1495, de 27.05.98, com o significativo título de Ladrão de Chupeta. Eis a reportagem: “Às cinco horas da tarde da última segunda-feira, 18, em um quartinho de pouco mais de três metros quadrados na Vila Quaquá, zona sul de São Paulo, Cláudia, um bebê de apenas dois meses de idade, berrava. Ela sugou as últimas gotas da mamadeira que seus pais, o desempregado Francisco Cláudio de Carmo, 29 anos, e a doméstica Elisângela da Costa Mota, 26, lhe prepararam. Sem um tostão no bolso, a família só teria mais leite em pó dali a alguns dias quando receberia uma cesta básica da igreja do bairro. Desesperado como o choro e os soluços compulsivos da menina, Francisco, desempregado há seis meses desde que a fábrica de salgadinhos em que era auxiliar de cozinha fechou, resolveu furtar um supermercado. ‘Vi  que ela não gritava de dor  nem com sono. Era fome mesmo.’ O desempregado com primeiro grau incompleto foi preso e autuado em flagrante por furto. O crime previsto no Artigo 155 do Código Penal é inafiançável e a pena é de um ano e quatro meses de reclusão. Não fosse a decisão rápida do juiz Júlio Caio Farto Falles que lhe concedeu liberdade provisória na quarta-feira por entender que o homem não tinha antecedentes criminais, não demonstrava periculosidade e tinha residência fixa, Francisco teria de esperar pelo menos três meses para seu caso ser julgado. Nos 20 minutos em que ficou no estabelecimento, levou uma cartela de chupeta, duas latas de leite em pó, quase um quilo de lingüiça fresca, salsicha de frango e apresuntado, num total de R$19,89. ‘Só peguei o que precisava. Não fiquei com nenhum luxo’, argumenta.”

Portanto, quem toma milhões, bilhões de reais, está praticamente isento de pena, mas o pequeno ladrão é apenado severamente. Existe a desproporção justamente de forma inversa, quando o grande ladrão deveria ser eficazmente punido para dar o exemplo a todos, ainda porque possui meios de escamotear a justiça. O pequeno ladrão também deve ser punido, mas, no caso narrado, trata-se de um furto famélico, a pessoa sequer deveria ser presa, e, se não fosse o bom senso do juiz, poderia inclusive ser condenado à pena privativa de liberdade. Numa questão de sobrevivência a pessoa deve estar isenta de qualquer castigo, é natural que ninguém queira morrer de inanição, muito menos ver seu bebê à míngua.  Por acaso o leitor leu Os Miseráveis, de Victor Hugo? Existe também várias versões em vídeo, vá a uma locadora e pegue a fita, é uma lição de miserabilidade.

A inveja, quando expressa naturalmente, permite ao ser batalhar em prol de inúmeras metas. Caso não existisse, o ser afundaria numa acomodação doentia, não buscaria um melhor padrão de vida. Pelo fato de a inveja ser considerada um mal, a pessoa observa alguém com situação privilegiada e nada faz, porque acha estar cometendo um pecado.

Dois exemplos: 1) Se há alguém mais inteligente, por que não estudar para adquirir sabedoria idêntica e mesmo superior? 2) Se há alguém mais rico, por que não trabalhar adequadamente para adquirir uma excelente situação econômica? Há alguns aspectos a serem levados em conta. Se eu invejo uma pessoa que é um pintor consagrado, mas não tenho aptidão alguma para pintura, há duas vias passíveis de serem trilhadas, ou luto até conseguir a aptidão necessária e lograr sucesso, ou simplesmente opto por uma outra arte, como a dança.


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