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Sitra Achra

Freud e o Diabo

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“Sería muito simpático que Deus existisse, que houvesse criado o mundo e fosse uma verdadeira providência; que existisse uma ordem moral no universo e na vida futura; mas é muito mais surpreendente que tudo isso seja apenas aquilo que nós nos sentimos obrigados a desejar que exista.” — Sigmund Freud

A história do Diabo, coincide com a história do medo e angustias próprias dos psiquismos pessoais. A crença no Diabo representa em grande parte a exteriorização de uma série de desejos insatisfeitos derivados do complexo infantil de Édipo, do desejo de imitar alguns aspectos paternos e da pulsão de desafiar o pai.  Em tal crença  se implica por conseqüência  a emulação e a hostilidade como componentes ambíguos na relação com a figura paterna. É a partir desta identidade que surgem o aspecto mítico opositor de Deus e do Diabo e que se pode estudar seus diversos contextos etno-histórico-religiosos…

Em uma análise psicanalítica o diabo reflete potencialmente quatro experiências psíquicas diversas:

O Diabo Libertino: O pai por quem sentimos admiração e cuja a potência sexual o filho sente inveja. Este aspecto se refere a força fálica da libido do demônio. Para o diabo não há restrições de qualquer tipo nem barreiras sexuais. Os aspectos animalescos das representações do Diabo (chifres, rabo, cascos) são um simbolismos para a completa liberdade sexual que ele, assim como os animais possui. Esta é usualmente a imagem do diabo usada pelos satanistas tradicionais e demonolatras em geral.

 

O Diabo Adversário: O pai contra o qual se sente uma decidida hostilidade e que é o mesmo hostil ao filho. Este aspecto se refere a figura diabólica punida e portadora de destruições. Embora tecnicamente seja Deus quem pune, o Diabo é freqüentemente retratado como o grande senhor do Inferno que pune e castiga o ser humano. Por estes ele sentiria um completo ódio a todo o instante tentando levar os humanos para o seu local de castigo, ou segundo algumas tradições tratando de punir as pessoas aqui mesmo por meio de doenças, pobreza, solidão e demais provações. Esta é usualmente a imagem do diabo usada por devotos das religiões de massa como o cristianismo, judaísmo e islamismo.

 

O Diabo Impostor: O filho que emula o pai, que copia deliberadamente Deus.  O pai da mentira. É o diabo que se confunde com o próprio Demiurgo.  O diabo aqui é o chamado “Símia Dei”; o macaco de Deus. O deus cego (Samael). Um adulto imperfeito, muitas vezes arrogante e orgulhoso do pouco poder que possui em relação ao seu distante e indiferente pai. Esta é usualmente a imagem do diabo usada pelos gnósticos (a aberração gerada por eon Sophia após sua queda) e pelos místicos cristãos em geral.

 

O Diabo Rebelde: O filho que desafia o pai, o grande rebelde que se volta contra Deus e que é expulso do céu. Trata-se da figura do Diabo romântico, a figura miltoniana que faz o impossível e desafia Deus. O rebelde supremo, que leva consigo 1/3 dos anjos do céu assim como o filho representa 1/3 da família. Ele deixa mãe e pai, sai de casa e se ergue sozinho para constrói segundo seus próprios padrões. Esta é usualmente a imagem do diabo usada por satanistas modernos e luciferianistas.

 

A imagem adotada por cada pessoa diz muito sobre o relacionamento que ela mesmo teve com sua figura paterna. Sabemos antes de tudo que Deus é o substituto do pai, ou mais precisamente um pai que foi exaltado. Enquanto que o Demônio malvado é a antítese de Deus. Não é necessária grande perspicácia analítica  para chegar a conclusão que Deus e o Diabo foram originalmente idênticos. Uma única figura que com o tempo foi dividida em duas figuras dotadas de atributos apostos. O pai idealizado, protetor, provedor e amoroso é alocado para a figura divina. Mas sendo humano, o pai possui características conflituosas, e tudo aquilo que não consegue ser facilmente assimilado é alocado para a figura do diabo. O pai irado, ditador, arrogante e obsceno transforma-se no Diabo.

 

Este é um exemplo bem conhecido do processo  pelo qual uma representação contendo atributos contraditórios ( ambivalentes) se descompõe em dois opostos separados de claro contraste. O Pai bom e o Pai Mal não são portanto uma invenção da igreja cristã, mas um constructo psicológico muito comum e confortável a pisquê humana, haja visto sua ancestralidade em mitos muitíssimos mais antigos como os persas Spenta Mainya e Ahriman e os egípcios Osiris e Seth .

 

De qualquer modo, as contradições específicas concernentes a natureza original de Deus refletem a ambivalência que caracteriza a relação de cada um com sua própria figura paterna. Assim, se um Deus justo e misericordioso é um substituto do pai, nada mais natural do que a atitude hostil ante o pai, que o filho odeia, e teme e queria ser ele tenha encontrado tão perfeita expressão nas diversas manifestações históricas do mito de Satanás.

 

Tezcat


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