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Por: Naamah Acharayim
Excerto do livro:
“Bruxaria Diabólica – Um Grimório de Feitiçaria Antinomiana“
Nas últimas décadas, houve um esforço considerável em tornar a feitiçaria e a bruxaria como algo aceitável dentro da sociedade ocidental. Era necessário remover aquela imagem da bruxa velha e horrenda que matava bebês, para colocar em seu lugar a bruxa boa, que só faz magia para o bem. Essa necessidade de aceitação veio atrelada a uma vontade de tornar a Arte da Bruxaria como algo mais vendável, e para que seja lucrativo, é preciso que se torne palatável ao maior número de pessoas possível. Então grossas camadas de verniz cor de rosa foram passadas para que a bruxaria fosse ressignificada, se tornando agradável, segura e cheia de ética e moralidade, mas de forma a perder sua essência.
As artes da feitiçaria não podem ser contidas em um rótulo. Em prol da imagem benéfica, que também existe, soterraram, exorcizaram, baniram a sombra. A mão que cura é a mesma que pode matar, no entanto, vemos que a imagem sombria e diabólica foi relegada a algum grupo de supostos e desocupados adoradores do diabo, como alguns gostam de denominar aquilo que não entendem. É possível constatar que dentro da maioria dos círculos de bruxaria que busca ser aceita, a bruxaria diabólica continua e continuará sendo algo marginal e execrado, assim como acontece com tudo que é verdadeiramente antinomiano. A bruxaria não é um espaço seguro para abrigar pessoas frágeis, e sim um abismo de mistérios e perigos, onde se caminha nas trilhas tortuosas e espinhosas que são iluminadas pelo fogo luciférico interior, e aqueles que não o possuem, se perdem, se desesperam e principalmente, se iludem achando que são uma coisa que não são.
Então hoje vemos absurdos como pessoas se denominando bruxos por gostarem de abraçar árvores, porque apreciam gatos e borboletas e usam um cristal de quartzo, mas que morrem de medo de cemitérios, ficam cheios de melindres para acender uma vela preta e ao primeiro sinal de qualquer manifestação espiritual, correm em pânico para a primeira igreja que encontrarem. Acreditam que podem adequar espíritos antigos e poderosos dentro de ideologias políticas á seu bel prazer, ou transformam deuses infernais que eram agraciados com sacrifícios sangrentos em seres amorosos e politicamente corretos.
Ser um bruxo, um feiticeiro, é um mergulho no insondável. Busca-se o conhecimento proibido, a interação com espíritos de mortos e entidades inascidas, é através do sombrio e da escuridão que se encontra a luz que o guiará para o além da existência ordinária. É a arte de alterar as urdiduras das teias astrais através de suas práticas obscuras e secretas, é beber do veneno que também é antídoto, é trocar de pele como a serpente, é seguir o caminho da transgressão em prol da obtenção da liberdade. É conhecer a natureza e se integrar a ela, e conhecendo assim seus meandros secretos, saber manipulá-la e alterar o próprio destino. Um verdadeiro praticante das Artes Sombrias é aquele que manipula, e não aquele que é ou se deixa ser manipulado. Bruxaria não é religião, bruxaria é Arte!
Os fundamentos da bruxaria e da feitiçaria encontram-se no sombrio, no obscuro e no diabólico, e é de sua natureza ser contrária á ordem natural das coisas, no sentido de alteração de eventos, desejos e vontades através da magia e no desvendar daquilo que está oculto do restante do rebanho. Até mesmo no paganismo antigo a prática da bruxaria era mal vista e também passível de punições, como ocorre com aquilo que está fora do sistema de culto oficial e estabelecido. O que é óbvio, se alguém realiza práticas que visam modificar aquilo que estava pré determinado para a sociedade em prol de interesses particulares, ou exercer curas sem a permissão dos governantes, líderes e sacerdotes oficiais, automaticamente tal prática pode ser definida como marginal e transgressora.
Ser pagão politeísta, cuja prática é o culto a antigos deuses especificamente europeus e cultos agrários não é exatamente a mesma coisa que bruxaria. Com o advento do cristianismo, qualquer prática que não fosse cristã era considerada pagã e assim foi tudo jogado no mesmo balaio da demonização. As pessoas hoje permanecem misturando tudo em seu processo de des-demonização, no entanto, é importante separar as coisas.
Tiraram o Diabo da bruxaria, tiraram o sombrio, as ervas venenosas, os sacrifícios de sangue, os vôos no bode negro rumo aos sabás luxuriantes, tudo para se adequarem ás normas vigentes, á moral e ao politicamente correto. No lugar, jogaram uma cobertura de moralidade cristã, cujo pecado é pago com a lei do retorno. Acontece que a bruxaria diabólica não se adequa a nada e menos ainda busca aceitação, e também não está atrelada ás morais humanas e seus conceitos que são tão mutáveis quanto o ondular de um lago. A verdadeira feitiçaria é rebelde e opositora, portanto, está intrinsicamente ligada ao Diabo.
Quando digo Diabo, não se trata da figura criada pela igreja propriamente dita, a figura de chifres, rabo, asas de morcego e tridente que na realidade, seria um agente de Deus para punir os desobedientes e testar a lealdade de suas ovelhas. O Diabo aqui refere-se a uma força antagônica e antinomiana que está além das esferas causais. Estas forças podem tomar figuras, tal qual o diabo cristão, como máscaras, se utilizando dessas “vestes” para poder se manifestar neste mundo, de acordo com seus atributos de poder e influência. Não só do diabo cristão, mas também toda figura opositora criada por religiões, filosofias, mitos, etc., essas forças podem se apropriar, já que suas verdadeiras formas não podem ser percebidas pela limitada mente humana e seus sentidos grosseiros.
Tudo o que visa romper com aquilo que está pré estabelecido, quebrar a ordem, rasgar os véus, pode ser visto como diabólico. O Diabo é aquele que separa (o homem dos grilhões do destino), é aquele que queima (as limitações impostas) e com sua queima também ilumina aquilo que até então estava oculto. O Diabo é a serpente antiga que mostrou ao primeiro humano uma pequena centelha de conhecimento, rompendo por completo um estado paradisíaco, que também podemos interpretar como um estado de inércia e ignorância. O preço a ser pago é muito alto, mas nenhuma evolução vem sem uma boa dose de dor. Desta forma, a humanidade despertaria de seu torpor e de sua ignorância, deixando de viver como animais (de acordo com o fluxo natural e instintivo) e despertando a própria consciência, para que possa utilizar verdadeiramente seu livre arbítrio e tomar assento junto aos deuses e demônios (indo contra o fluxo natural da existência). Ninguém chega a lugar nenhum se não der um passo e permanecer inerte na zona de conforto.
O Diabo é aquele que veio para provocar a separação entre aquilo que estava predeterminado, cortando o cordão umbilical energético que prende os seus ao rebanho do barro, para que sejam libertos daquilo que seria seu destino, e assim possam caminhar livremente entre os mundos e além deles. O Diabo é quem convulsiona e revoluciona, mudando a ordem natural das coisas, acendendo o fogo do conhecimento, pois somente através da quebra, da cisão, é que o verdadeiro desenvolvimento é possível.
A feitiçaria é o principal ofício da bruxaria, e o que é ela senão a arte de alterar eventos, manipulando as urdiduras deste plano de existência através de códigos específicos de elementos simpáticos ou de contágio? A partir do momento em que essas manipulações energéticas são realizadas, já há uma quebra daquilo que está pré determinado, como um desvio dos fluxos de um rio para um intento, independente se para benefício ou malefício de alguém. Toda a magia trabalha baseada em similaridade, buscando todo tipo de associação e conexão. Desta forma, a esquerda é associada ao mal e ao Diabo. O sentido anti-horário é o caminho reverso daquilo que foi pré-estabelecido. É o romper dos grilhões das limitações, indo contra o fluxo natural das coisas, determinando e fazendo cumprir sua própria vontade, através do caminho da rebelião. Existem pessoas que se denominam bruxos por celebrarem o fluxo natural das coisas acontecendo, mas o bruxo diabólico é aquele que determina e altera esses fluxos através das artes da feitiçaria, pois aqueles que ainda dormem frequentemente são manipulados pelos que estão despertos.
Não se sabe a origem correta do termo bruxa, mas uma explicação que cabe bem ao conceito de bruxaria diabólica, é que esta palavra deriva do verbo italiano bruciare, que significa queimar. Quando alguém era acusado de bruxaria, os populares gritavam bruciare! Bruciare! Estrangeiros que testemunhavam tais cenas logo associaram esta palavra á pessoa acusada, surgindo assim o termo bruxa. Então bruxa é aquela que queima, não só nas fogueiras da inquisição, mas também e principalmente com a chama luciférica que carrega dentro de si. A chama do Diabo, o fogo do Inferno, e a luz de Lúcifer, a chama que incinera a ignorância, o fogo que transmuta e renova, a luz que ilumina. O fogo é o chamariz dos espíritos, e a bruxa carrega esse fogo dentro dela, traz do abismo as sombras, e carrega em seu sangue flamejante todos os diabos do inferno.
Quando se nega a relação do Diabo com a bruxaria, ou ainda de forma mais ampla, retira dela tudo aquilo que é sombrio e obscuro, está sendo apenas uma forma de auto ilusão. Bruxaria não se trata apenas de resquícios de paganismo e de religiões pré cristãs, nem de simples culto ao reino vegetal e animal e celebrar as mudanças de estações, é algo muito mais profundo, é um caminhar no limiar entre as existências. Não é á toa que em tempos antigos a cerca ou sebe estava ligada ás bruxas: a cerca era o limite entre o civilizado e o selvagem, o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, o mundo das ovelhas obedientes e o mundo dos lobos livres e selvagens. Ser bruxo é traficar com o mundo espiritual das mais diversas formas, manipulando as teias astrais e através do conhecimento diabólico e luciférico, desenvolver seu duplo obscuro para, quando passar pro outro lado da cerca, não mergulhar no coma da morte.
Portanto, a bruxaria deve tomar posse daquilo que realmente lhe pertence e que é seu domínio: as sombras, o obscuro e diabólico. Que os preceitos moralistas e punitivos sejam deixados ás ovelhas, pois a feitiçaria diabólica pertence aos lobos, serpentes e corvos, todos aqueles que possuem dentro de si a chama obscura. A bruxaria é a herança daqueles que se rebelaram, os caídos que se transformaram em demônios, para a libertação daqueles que são de sua linhagem, os verdadeiros antinomianos.
Naamah Acharayim é autora do livro “Bruxaria Diabólica – Um Grimório de Feitiçaria Antinomiana” e “Cultos da Morte” e proprietária da Manus Gloriae Editora.
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