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Por Lilith Ashtart e Opus Tenebrarum
O tema deste ensaio, embora óbvio para o praticante mais experiente, que já o tenha estudado e discutido, surgiu da constatação de como a falta de conhecimento sobre os atributos que distinguem o Caminho da Mão Esquerda do Caminho da Mão Direita está, de forma cada vez mais frequente, propiciando distorções ao se proferir sobre as filosofias sustentadas nos mesmos, por meio das divulgações de diversos grupos de ocultismo, seitas, rede sociais, dentre outros lugares. Desde os tempos antigos, diferentes culturas têm feito associações ao lado direito com o positivo e o bem, e ao lado esquerdo com o negativo e o mal. Na antiga Grécia, Homero mencionava um tipo de adivinhação com pássaros, que consistia em observar o seu vôo: caso voasse para a direita, traria bom presságio e caso voasse para a esquerda, representava mau agouro. Canhotos sempre foram vistos com maus olhos, mesmo há poucos séculos atrás, chegando ao ponto de serem obrigados a realizar as suas tarefas com a mão direita para não serem estigmatizado pela sociedade.
Dentro do ocultismo é comum usarmos rótulos de Caminho da Mão Esquerda (Left Hand Path) e Caminho da Mão Direita (Right Hand Path). Estes termos, ao contrário das associações comumente utilizadas pelo senso comum devido ao dogma social dominante (assim como as descritas acima), não são empregados com a finalidade de vincular a si os conceitos da oposição entre “bem” e “mal”, mas denotam as características de cada caminho e, consequentemente, à busca de seus adeptos.
As filosofias intituladas de Caminho da Mão Direita são caracterizadas por trabalharem visando o bem coletivo, ou sob os desígnios da vontade de um deus, sem contestar o que lhes é ordenado. A vontade própria de seus adeptos, ou seu benefício, assim como a liberdade para questionar tais desígnios são negados, por serem considerados egóicos, negativos e antinaturais. Entretanto, o foco deste ensaio é o Caminho da Mão Esquerda, com suas características e objetivos, e é nele que vamos nos focar com maior empenho.
A concepção de Caminho da Mão Esquerda é derivada do termo sâncrito वाममार्ग, vāmamārga (vama = esquerdo, e marga = estrada/caminho), o tantra da Mão Esquerda. Os aspirantes a esse caminho dedicam-se à procura da iluminação (autoconhecimento), e, exclusivamente por meio de sua dedicação em suas buscas e experiências, podem atingir um nível muito acima do ordinário em relação ao conhecimento, à sabedoria e ao controle sobre si mesmo e ao que se encontra ao seu redor.
Por conseguinte, as filosofias designadas como Caminho da Mão Esquerda, apesar de poderem ter as mais diversas origens, possuem tais características comuns entre si, o que as unem sob este termo. É certo afirmar, desta forma, que para alcançar seus objetivos, a ênfase destas filosofias encontra-se no individualismo, no subjetivismo, no orgulho, no questionamento e liberdade de pensamento em relação aos sistemas dogmáticos e morais encontrados na sociedade, na busca pelo autoconhecimento e pela autodeificação, na admissão de seus próprios atos.
A iniciação no Caminho da Mão Esquerda envolve necessariamente o questionamento das ideias e padrões anteriormente aceitos, para identificar quais são os que não correspondem à sua busca e impede o alcance de seus objetivos. Abandonar tais princípios muitas vezes torna-se um processo árduo por diversas razões, entre elas a dificuldade de identificá-los, por alguns estarem tão consolidados em nós, e pelo desamparo diante do confronto com uma realidade que não nos abriga mais de nossas próprias sombras. Talvez por esse motivo o que mais estamos observando são indivíduos que se propõem a seguir religiões e filosofias de Mão Esquerda, como o Satanismo e o Luciferianismo, e que, por ignorância ou fraqueza, não compreendem que nesse caminho são os únicos responsáveis por si mesmos. Desta forma, não abandonam a concepção de um deus benevolente que se preocupa e protege seus filhos em troca de servidão, amor, temor e submissão, e transferem esta imagem típica das filosofias de direita para os ícones de esquerda como Lúcifer e Satã. Abandonam, assim, o principal propósito deste caminho: tornar-se um deus!
Desta forma, é imprescindível compreender que um adepto do Caminho da Mão Esquerda, ao almejar tornar-se um deus, não faz súplicas ou torna-se servil e dependente de outros deuses, pois tem consciência de que depende apenas de si para alcançar seus propósitos, pois não há dignidade em entregar a uma divindade sua vida, para que esta zele e cuide dele, já que nenhuma o fará sem cobrar por isso. Além disso, trocar favores com um deus, colocar o próprio caminho e escolhas nas mãos dele, em troca de adoração e submissão às suas prerrogativas, é tirar a responsabilidade de si mesmo sobre seus atos, e aprisionar-se na servidão. Um deus genuíno jamais curva-se diante de outro deus!
Com isso não queremos dizer que não é plausível, por meio de negociações, realizar associações que favoreçam a ambos. Em vista disso, é bom frisar novamente que no LHP não existem trocas de favores, apenas negociações. Um deus não pede nem cede favores. Ele decide não pedir favores a outros deuses para não ficar devendo para estes, sem saber de que forma será cobrado, mas sim negociar, com preços estipulados, pois sabe o quanto vale e quer pagar por esta transação. Quando não se estipula o preço, ele acaba sendo a servidão para ambas as partes, devido à dependência de um pelo outro em servir e obter ganhos.
Ao assumir tal posição e responsabilidade, não há nada de errado em se ter orgulho de seus próprios feitos e de ser reconhecido por eles, e este tem sido outro aspecto totalmente deturpado atualmente. Observamos, ironicamente, muitos praticantes ditos luciferianos ou satanistas condenando aquele que é o grande “pecado” de Lúcifer! Clara visão de uma herança das filosofias dos caminhos de direita que não foi abandonada, mas apenas travestida em uma nova filosofia que batizam indevidamente como Luciferianismo ou Satanismo, devido a sua ignorância a respeito do assunto. Eles veem o orgulho como um aspecto totalmente negativo, por nutrir o ego daquele que o sente. Já discorremos anteriormente sobre as formas em que o ego pode agir no texto “Orgulho Luciferiano” e, embora ele possa ter um aspecto devastador, ele também possui um aspecto altamente favorável para o indivíduo, que é o de intensificar cada vez mais a sua busca, ao constatar as suas próprias capacidades e êxitos.
Para isso, contudo, o constante aperfeiçoamento do conhecimento sobre si mesmo é essencial. E é isso que assusta aqueles que preferem fugir das responsabilidades. É um elemento que requer muita dedicação e que a todo momento nos incentiva a entrarmos em contato com nossas sombras. Por que o esforço para ter este contato, se há um deus bondoso que olha por nós, nos livra do perigo e coloca em nosso caminho tudo que necessitamos? É nisto que estão convertendo os deuses, demônios, espíritos e arquétipos representativos do Caminho da Mão Esquerda. Deuses sabem que são deuses e possuem orgulho disso, pois não carregam empecilhos morais que os impeçam de constatarem que há muitos inferiores a eles, e que jamais chegarão ao seu status.
Justamente por esta busca pelo autoconhecimento e pelos meios que auxiliarão a obtê-lo, as filosofias centradas no Caminho de Mão Esquerda são marcadas pelo individualismo, outra característica repudiada pela maior parte da sociedade e direitistas. Este seria um tópico por demais extenso, e será tratado de forma mais ampla em outro ensaio.
Podemos definir como individualista aquele que não se submete ao rebanho, aquele que coloca seus interesses e prioridades acima do coletivo, não sacrificando sua vontade ou seus valores em prol destes. Isso não significa que devemos nos isolar das outras pessoas ou deixar de amá-las, muito pelo contrário, pois através do autoconhecimento podemos identificar nossos verdadeiros valores e nos dedicarmos com exclusividade a eles. O homem sempre foi um animal social, e assim deve continuar sendo, mas é importante que saiba selecionar aqueles com quem se relaciona, ou seja, aqueles que julga dignos de uma troca de valores e acima de tudo respeitem sua subjetividade.
O que observamos, a partir do exposto, é a suma importância do compromisso de cada um com a sua busca do conhecimento e autoaperfeiçoamento. Devemos, para isso, eliminar o comodismo e não aceitar incondicionalmente tudo que nos é exposto. Isto apenas é possível através do constante estudo, de forma a desconstruir antigas deturpações e ludibriosas imposições, e da prática de tais informações para constatar sua veracidade e reconstruir de forma sábia um corpo teórico e prático que torne-se efetivo e autêntico para o despertar de nossa potencialidade divina.
O Caminho da Mão Esquerda nos propõe os instrumentos necessários para romper nossas amarras com os antigos princípios escravagistas, para que possamos alcançar este patamar de deuses. Não é, absolutamente, um caminho destinado aos fracos. Por isso, de nada adianta anunciar-se como um adepto de tal caminho, corrompendo seus princípios e mantendo as antigas crenças e morais ligadas ao Caminho da Mão Direita sob os mais diversos rótulos, pois estes estarão criando apenas mais uma ilusão entre as tantas com as quais nos deparamos em nosso cotidiano e fortalecendo os obstáculos que tentam nos impedir de entrar em contato com quem realmente somos, impossibilitando os passos nesta jornada. É neste ponto que se separam os verdadeiros deuses e os escravos, diante da juíza mais implacável que podemos encontrar: a própria Vida.
Lilith Ashtart é psicóloga, taróloga, escritora, pesquisadora e praticante de ocultismo e LHP. Editora da publicação aperiódica Nox Arcana. Autora do livro Lux Aeterna
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