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A Gnose do Vazio

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Por Asenath Mason, Visions of The Nightside (Visões do Lado Noturno). Tradução de Robert Pereira. Revisão de Ícaro Aron Soares.

O reino do Lado Noturno é caótico e dinâmico. De modo a nos movermos pelos labirintos sombrios do Lado Noturno nós criamos mapas e modelos iniciáticos pelos quais tentamos organizar o caos  na  ordem,  dando  a  ele sentido lógico  e  coerência. Organizamos  nosso  mundo colocando-o em estruturas, categorias, polaridades, opostos, etc. Tendemos a ver o tempo como linear: o dia segue a noite, estações vêm e mudam para outras, nós nascemos, crescemos, ficamos idosos e morremos.  Toda  nossa  visão  de  mundo  é  baseada no desejo de  lógica  e  continuidade.  A  mente humana  se  acha  confusa  se  este  equilíbrio  universal  é  perturbado,  se  as  forças  do Lado  Noturno começam a fluir para dentro do mundo e revertem sua ordem natural. Mas o que realmente é o Lado Noturno?  Deixe-nos  pensar  em  todas as coisas que  nós  conhecemos:  familiares,  lógicas, compreensíveis,  evocando sentimentos  de  segurança e  confiança.  O Lado  Noturno é  todo  o  resto. Tudo  que  encontra-se  fora das fronteiras  da segurança,  familiaridade, lógica  ou  coerência. É o irracional, o rejeitado, o reprimido, o repugnante, o temido, o aversivo, etc. São as Qliphoth, conchas habitadas por monstros e demônios, excrementos da Criação. Tudo o que preferiríamos  não  terem nossas vidas. Consequentemente, nós podemos nos perguntar porque absolutamente alguém quereria entrar no Lado Noturno e deixar essas forças dentro de seu mundo?

A magia do Caminho da Mão Esquerda, que trabalha com  as  forças do Lado  Noturno, tem uma  reputação bastante  duvidosa,  pois  inclui  coisas  com  as  quais  os  magos  e  iniciados  de  outros caminhos de desenvolvimento espiritual nunca iriam  trabalhar. Alguns  veem-nas como  perigosas  e imprevisíveis, com vagas perspectivas de sucesso. Outros são atraídos para esta magia por causa de seu comportamento sombrio, práticas excitantes e a promessa de resultados rápidos. Somente poucos abordam-na com entendimento genuíno de seus mecanismos e consciência do que ela detém e como este processo iniciático realmente funciona. 

Nos tempos atuais, o mais popular mapa  iniciático  do Lado  Noturno é  a  Árvore  da  Noite Cabalística, também conhecida como a Árvore da Morte, ou a Árvore das Qliphoth. Ela consiste de 11 mundos,  ou  zonas  de  poder,  que  sucessivamente  despertam  e  ativam  certos  poderes  mágicos  e desenvolvem habilidades psíquicas do iniciado. A Árvore das Qliphoth é vista como o lado escuro ou sombra da Árvore da Vida, a antítese, ou a contraparte negativa. De fato é muito mais complicado. Existem muitas  teorias  sobre  a  origem  e  a  natureza  de  ambos  os  lados  da  Árvore. Algumas  delas enxergam a Árvore da Morte como um vasto reservatório de tudo aquilo que a Árvore da Vida não é. Outros comparam a Árvore da Vida a uma ilha em um imenso oceano negro que a cerca por todos os lados, também acima e abaixo. Este oceano é o reino das Qliphoth e muitos magos acreditam que ele não  pode  ser  realmente  organizado  ou  categorizado  como  mundos ou  quaisquer  estruturas, simplesmente por causa de sua energia bruta, indiferenciada, puro caos que contém tudo e nada ao mesmo  tempo.  Enquanto  a  Árvore  Cabalística  contém  apenas  um  número  limitado  de  reinos,  há milhões  de  mundos  Qliphóticos,  caminhos  e  dimensões  que  nunca  foram  mapeados. Muitos  pensam que é sem sentido utilizar essas forças como um modelo iniciático, já que nada aqui é previsível e nada pode ser tido como certo. Por outro lado, muitos magistas têm trabalhado com sucesso com a Árvore Sombria, superando  o  nível  de  desenvolvimento  mágico  que  eles  deveriam  normalmente  alcançar através de outro mapa iniciático, ou progredido extremamente rápido em sua Ascensão pessoal. Há também a hipótese de que a Árvore das Qliphoth é a antítese direta, ou o oposto da Árvore da Vida. As 11  Qliphoth  existentes no  lado  escuro  da  Árvore representam forças  e  princípios  que  estão  em oposição direta às 10 Sephiroth, contradizendo os poderes da Árvore brilhante. Mesmo o número das Qliphoth  é  uma  paródia  da  unidade  divina  e  coerência  do  número  10,  que  simboliza  a  perfeição  de Deus. O domínio das Qliphoth goza de uma má reputação e é visto como o reino de Satã, o Adversário, identificado com Lúcifer ou Samael, que governa sobre hordas de espíritos malignos e demônios com sua consorte impura, Lilith, a Rainha da Noite. Eles são os primeiros iniciadores, guias e aliados no caminho iniciático Qliphótico,  e  em  seu  reino  somos  confrontados por tudo  o  que  nós  normalmente mantemos fora de nossas vidas. Então, novamente, nós precisamos perguntar por quê absolutamente trabalhar com as qliphoth? Aqueles  que percorreram  o  caminho  longe  o  suficiente  para  entenderem como  o  processo  iniciático  funciona  muito  provavelmente  responderão: porque  o  encontro  com  o Lado  Noturno é  inevitável. O Lado  Noturno não  é  um  reino  distante  existente  em  outros  planos  e consistindo  de  mundos  misteriosos  e outras dimensões.  Ele  está  aqui  e agora. É o  lado repulsivo  e cruel  da  realidade  que  nós  encontramos  todos  os  dias,  mas  que  simplesmente  escolhemos  não perceber. É violência, fome, vícios, pobreza, doenças, morte, assassinato, guerra, estupro, destruição, abusos,  desespero,  medo,  terror, desgosto  e  muito,  muito  mais. Nós  o observamos  todos  os  dias  e estamos felizes com ele contanto que tudo não nos diga respeito de qualquer maneira direta. Quando somos  confrontados  diretamente  com  o  lado  escuro  do  mundo e  nos  tornamos  diretamente envolvidos  nele,  para  muitos  de  nós  este  encontro  leva  à  destruição. Poucos  são  fortes  o  suficiente para  enfrentar  esta  prova  e  emergir  vitoriosos  e  fortalecidos. Este  é  o Lado  Noturno no  nível mundano, manifestação das qliphoth em nosso mudo cotidiano. Isto é também com o que você terá de lidar no caminho iniciático Qliphótico. Este encontro é inevitável certamente. Não é uma questão de se, é uma questão de quando tudo isto entrará em sua vida e colocará você através de ordálias severas que irão  despedaçar seu  mundo e  transformá-lo  a  partir  de  dentro. Fracassar  nas  provas  é  sucumbir  à escuridão e ao desespero, ser devorado pelo Vazio. Somente tendo êxito com as ordálias iniciáticas, que se manifestam através de eventos de nossa vida diária, nós podemos avançar para outro nível de nossa Ascensão pessoal.

Um iniciado da Árvore da Vida, onde tudo parece coerente e lógico, e o caminho leva de um ponto concreto a outro, será confrontado com as qliphoth quando alcançar o abismo. Até então o mapa parece nítido: em Malkuth, o Reino, nós exploramos o corpo e aprendemos a controlar o mundo no qual nós vivemos. No reino astral de Yesod (Fundamento), Hod (Esplendor) e Netzach (Vitória), nós viajamos  para  os  mundos  internos  dos  sonhos, visões,fantasias  e  imaginação;  através  de  modelos racionais de  pensamento  aprendemos  a  formar  conceitos, definições,  teorias  e  estruturas;  e  nós também  desenvolvemos  o  sentido  de  dar  e  compartilhar,  abraçando  o  outro  e  explorando  o significado de paixões e emoções. Em Tiphereth (Beleza), que é o centro da Árvore, nós aprendemos os  princípios  de  equilíbrio  e  integridade,  que  são  então  trazidos  para  a manifestação  no  reino  de Geburah (Força) e Chesed (Misericórdia); aqui nós também encontramos nossa deidade pessoal, ou o sagrado  anjo  guardião,  ou  nossa  imagem  pessoal  de  Divindade. Então,  enquanto  se  prepara  para ascender  para  a  tríade  mais  alta  na  Árvore,  Binah (Entendimento), Chockmah  (Sabedoria)  e Kether (Coroa),  o  adepto  é  repentinamente  lançado  no  abismo  para  confrontar  sua  escuridão  pessoal,  a Sombra  interna. Lá,  teremos  de  enfrentar  tudo  o  que  nós  sempre  rejeitamos,  reprimimos,  ou recusamos perceber. Tudo isso, sem exceções, e tudo ao mesmo tempo. Esta  é uma ordália severa e traumática, e realmente, há poucos relatos de magos que foram bem sucedidos neste teste iniciático. É a experiência direta do Vazio, a tremenda, infinita força que existe como um eterno oceano contendo todos os mundos e universos, destruindo-os a cada momento e criando novamente. Para o adepto do caminho Qliphótico, acredita-se que a experiência é menos traumática e nós estamos melhor preparados para o que lá  nos  aguarda, a medida que confrontamos, conquistamos  e  absorvemos nossa Sombra pessoal em cada nível sucessivo do caminho.

Como se parece na prática? Deixe-nos dar um breve passeio através dos sucessivos mundos na  árvore  das  Qliphoth.  Primeiro  nós  temos  a  Qlipha  Lilith  (A  Rainha  da  Noite),  o  Portão  para  o Desconhecido. Aqui encontramos os primeiros aliados e guias no caminho e a consciência se abre para o  contato  com  as  energias  do Lado  Noturno.  A  Chama  da  Divindade  é  inflamada,  a  Serpente Kundalini desperta e começa a ascender rumo à Iluminação, e a Deusa da Noite se aproxima para nos guiar através dos labirintos do Lado Noturno. Na esfera de Gamaliel (O Obsceno), nós encontramos a Deusa da Lua que nos apresenta os segredos da magia lunar, mistérios da bruxaria e alquimia sexual. Esta  é  a  esfera  astral  dos  sonhos  e  fantasias,  imaginação  e  alucinações. No  mundo  de  Samael  (O Veneno de Deus), bebemos o Veneno alquímico, o elixir da morte, que nos é entregue pelo Anjo da Morte, Samael. Nesta esfera aprendemos sobre os mistérios da morte e separação da alma do corpo. Aqui nós encontramos o Ceifeiro e somos confrontados com testes de insanidade, dúvida e descrença. No último dos mundos astrais, A ́arab Zaraq (O Corvo da Dispersão), nós adentramos no caminho do misticismo sexual e somos confrontados com as ordálias do guerreiro espiritual. Aqui a consciência é movida do corpo para o espírito, e a alma é liberada em voo extático entre o plano astral e a esfera solar.  No  coração  da  Árvore,  a  Qlipha  Thagirion  (O  Litigiador),  nós  encontramos  nossa  deidade pessoal, o conceito integrado do Anjo e Besta, que é então equilibrado entre as forças de Golochab (O Incendiário) e Gha ́agsheblah (O Atormentador). Aqui, na esfera solar, e através de ordálias de luxúria e  sofrimento  nos  tornamos  o  Fogo  do  Apocalipse,  os  Atormentadores. O  caminho  do  guerreiro, iniciado no reino astral, é agora completado, e preparemos a nós mesmos para a jornada através do Abismo. Além do Abismo Cabalístico existe a tríade superior da Árvore, que no mundo das Qliphoth é a  Trindade  Profana:  Satariel  (O  Ocultador),  Ghagiel  (O  Estorvador)  e  Thaumiel  (Gêmeos de Deus).Aqui,  todas  as  regras  e  definições  são  quebradas. Nós  enfrentamos  testes  de  surrealismo  e absurdidade e aprendemos a encontrar a verdade no que está oculto. Thaumiel representa a realização da  Divindade. O  Olho  do  Dragão  é  Aberto  e  o  iniciado  é  convidado  a  entrar  no  próprio  Vazio,  o verdadeiro Ventre do Dragão.

O Abismo é a janela paro o Vazio. Ele existe em ambos os lados da árvore e se estende além, para dentro do Ventre do Dragão. Aqui nós utilizamos a teoria da Árvore Cabalística descrita como uma estrutura coerente, onde os lados escuro e luminoso coexistem juntos em um equilíbrio universal e  complementam um  ao  outro através  da polaridade  dos  opostos. Este  é  o  alicerce  da  maioria  dos mapas e modelos iniciáticos dentro dos sistemas mágicos baseados na Cabala. Tudo o que existe além da Árvore  é o Vazio, o Dragão, a força por trás de toda a criação e manifestação. Aqui é onde todos os mapas,  estruturas  e  definições não  fazem  mais  sentido,  onde  tudo  o  que  aprendemos  até  agora  se contradiz,  onde tudo  e nada  é  real. Aqui  nós  encontramos  a  Torre  Negra,  que  está  de  sentinela no limiar  do  Vazio,  onde  os  mundos  da  manifestação  e do Não  Ser  se  encontram  e  se  cruzam. É  a encruzilhada entre estar sonhando e acordado, entre o sono da ignorância e a consciência desperta, o portão para o Ventre do Dragão e o canal para a corrente primordial do Vazio.

O que nós conhecemos como o “Lado Diurno” é somente uma pequena parte da eterna força que existe fora do universo conhecido para o homem. É infinita, dinâmica, indefinida, e ilimitada. E quando nos tornamos uma parte dessa força, nossa jornada espiritual também se torna um continuo  fluxo. É  o  processo  de  mudança sem  fim,  reconstrução  e  reavaliação  de  nossas  metas, interesses,  relacionamentos,  personalidades,  ou  meios  de  autoexpressão. A  forma  com  a  qual tendemos  a  descrever  o  mundo  é  limitada, apenas ilusão. Nomes  e  definições  atribuídos  às  coisas criam  limites  e fronteiras. Através  do  processo  iniciático  do  caminho  Qliphótico  nós  aprendemos  a perceber essas limitações e transcendê-las. Redefinimos nosso mundo e aprendemos desconstruí-lo e criá-lo novamente, apenas pela força da nossa Vontade.

O  Dragão  é  a  força bruta,  indiferenciada  e  indefinida  que  não  pertence  às  leis  do  tempo  e espaço e não está limitada pela percepção humana. É importante salientar aqui que o termo “Dragão” não  se refere  a qualquer deidade  específica ou personagem  mitológico. Ele denota a infinita,  eterna corrente do Vazio que flui através dos portões do Lado Noturno para o mundo do homem e pode ser aproveitada  e  utilizada  como  veículo  evolutivo para  aqueles  que  buscam  abrir  as  portas  para  esta força primordial e abraçar seu poder. Mitos e lendas ao redor do mundo descrevem esta força como um  monstro  primitivo,  um  dragão  ou  uma  serpente. Na  tradição  Escandinava,  nós  encontramos vários monstros dragões: Jormungandr, a aterrorizante serpente segurando o mundo do homem em seu  abraço  espiralado, Nidhogg, que  se  alimenta  das  raízes  da  Árvore  da  Vida, Yggdrasil,  e  o dragão  Fafnir,  que  protege  tesouros  lendários  e  provoca  terror  no  coração  das  pessoas. Na mitologia Egípcia, o princípio draconiano do Caos lutando contra a Ordem é representado pela serpente Apep que incessantemente tenta devorar o Sol e aprisionar Ra, o Deus Sol, na escuridão do submundo. A Bíblia descreve  o aterrorizante  Leviatã, o monstro marinho, e Behemoth, o dragão  da  terra. Tífon,  o  temível  monstro  da  mitologia  grega  que  combateu Zeus  sobre  o Olimpo, também é identificado com o Dragão primitivo. Mitos Ugaríticos mencionam Lotan, a serpente marinha de sete cabeças, e Yamm, o antigo deus do mar que habita em Tehom, as águas do Abismo. Há também Tiamat, a deusa dragão da cosmologia Babilônica, a mãe do universo, cuja  história  é  um  dos  mais  antigos  mitos  da  Criação. O  mundo  como  nós  o  conhecemos  foi formado  a  partir  da  sua  carne  e  os  seres  humanos  foram  criados  a  partir  do  sangue  de  seu demônio consorte. E há muitos outros dragões e monstros mitológicos personificando a força do Lado Noturno, o princípio do Caos primordial, Escuridão e Vazio. Nos mitos e lendas, esses seres são mortos ou derrotados por heróis que representam a nova ordem mundial, o triunfo da Luz sobre as Trevas. Deuses e  heróis  desses  mitos  representam  o  desejo  humano  de  entender  e controlar  o  mundo  transformando  Caos  em  Ordem. No  mito  Babilônico,  Marduk,  que  derrota Tiamat  e  suas hordas  de  demônios,  organiza  o  universo  de  acordo  com  um  padrão  fixo – ele coloca estrelas e constelações em ordem, cria fronteiras entre o mundo do homem e o reino dos deuses, e  tranca  os  monstros  e  criaturas  do  caos  primordial  atrás  de  portões  protegidos por sentinelas  especialmente nomeados. O  mundo  se  torna  uma  estrutura  segura  e  familiar,  onde todos conhecem seu lugar e todos os seres representam seus papéis designados. Também isto é tudo ilusão, visto que o Vazio é tão imenso, tão poderoso, tão tremendo para ser trancado fora do mundo e mantido longe por fronteiras artificiais. As paredes racham e desmoronam, os portões são destrancados e abertos por aqueles que buscam o poder do Dragão, o equilíbrio universal é continuamente  perturbado, e  os  monstros do  Vazio entram no mundo  do homem  para  causar destruição e guiar aqueles que os chamaram, levando as almas dos iniciados para os tortuosos labirintos do Lado Noturno.

A mente humana tem a tendência de definir, categorizar, racionalizar, fazer comparações,buscar analogias, atribuir forma e significado para o que é incompreensível. Mesmo entre magos, poucos  podem  admitir  que  existe  algo  que  não  pode  ser  colocado  em  estruturas,  dissecado, analisado e entendido. Assim, nós tendemos a ver a Árvore das Qliphoth como o reflexo negativo da Árvore das Sephiroth. A verdade é que isto é muito mais complicado. O Lado Noturno é uma massa  infinita  de  túneis,  caminhos,  zonas  de  poder,  esferas,  mundos  e  dimensões.  Nada  aqui possui  estruturas,  não  existe  simetria  e  nada  é previsível. Nada  também  corresponde  em qualquer  maneira  direta  à  Árvore  da  Vida. Toda  forma  está  no  Vazio,  bem  como  o  Vazio  se manifesta  em  todas  as  formas. O  sentido  de  tempo  linear,  que  é  uma parte da  consciência  do Lado Luminoso, não existe aqui. A ilusão do tempo e do espaço é despedaçada e tudo se torna simultâneo. Tudo se funde e se torna um. A magia do Vazio é intuitiva e irracional. Não há mapa que  descreva  a  imensidão  do Lado  Noturno. A  Árvore  das Qliphoth,  com  seus  túneis  de  Sete zonas de poder Qliphóticas, é meramente um esboço do que este tremendo reino realmente detém. Um  viajante  por  estes  caminhos  e  esferas  encontrará  poderosos  guias  e  aliados,  bem  como inimigos viciosos que tentarão rasgar a alma em pedaços e se alimentar de sua essência imortal. Nós  alcançaremos  maravilhosos mundos e lindos locais, mas  também  seremos  puxados  para labirintos negros, onde nada faz sentido e onde podemos facilmente nos perdermos, para sempre vagando  em  desespero  e  confusão. Em  um  momento  a  jornada  se  parecerá  como  uma  bela aventura,  em  outro,  será  um  horrível  trauma.  Aqui  tudo  se  torna  um,  terror  se  funde  com fascinação,  beleza  com  repulsão,  aversão  com  prazer.  Tudo  isto  espera  por  nós  no  caminho,  e tudo  isto  tem  de  ser  aceito  como  uma  parte  natural  da  iniciação  Qliphótica. Com  cada  nível iniciático,  horror  e  loucura  desaparecem  e  produzem  êxtase  e  fascinação  com  o  quê  o  que acabamos de experimentar. Para entender este processo, temos de perceber que esta é a jornada para a inteireza, recuar para dentro de nós. Este recuo é catártico e leva à inspiração e integração. Conforme viajamos através das sucessivas camadas de nós mesmos, nós exploramos tudo o que parece repulsivo, detestável, aterrorizante, medonho e aparentemente inaceitável. Tudo isto tem de ser confrontado, absorvido e abraçado com alegria e deleite. A consciência livre dos grilhões da matéria é liberada, mas o corpo é o templo e o altar no processo alquímico de transformação espiritual. Explorando o que parece repulsivo, perigoso ou proibido, nós transgredimos nossas limitações -este é  método das Qliphoth.

Nas mitologias antigas, lendas populares, ou simplesmente sonhos e visões daqueles que tiveram um vislumbre do Lado Noturno, monstros e criatura do caos primordial personificam tudo o que não pertence ao mundo do homem, tudo o que é alienígena, desconhecido, estranho. Seres  amorfos,  horrores  sobrenaturais,  alienígenas  híbridos  compostos  de  partes  tomadas emprestadas de feras lendárias ou diferentes animais, todos esses representam o caráter primevo do Vazio, onde tudo e nada existe ao mesmo tempo e palavras e símbolos podem ter podem ter todos os possíveis significados ou absolutamente nenhum. Eles refletem o caos e desordem da Escuridão  primordial,  enquanto  as  deidades  mais  jovens,  nascidas  nas  novas  estruturas  do universo,  são  normalmente  retratadas  na  forma  humana,  de  modo  a  retratar  o  mundo compreensível,  o  visível  e  o  familiar.  Essas  criaturas  nascidas  no  Ventre  da  Escuridão,  deuses dragões e espíritos de mitos e lendas, antigos Titãs e Gigantes, ou mesmo Os Grandes Antigos do Necronomicon, todas elas carregam a essência do Vazio, o Dragão Primevo, mas nenhum deles é o Dragão. Elas são meramente centelhas desta força sem limites percebida pela limitada mente humana. O  Dragão  não  deve  ser  percebido  como  “deus”,  “espírito”,  ou  qualquer  ser  tangível, definido,  apesar  de  que  muitas entidades  podem  ser  vistas  como  manifestação  da  essência  do Dragão, intermediários que nos ajudam a tocar e entender esta infinita corrente. Nós utilizamos formas e nomes para representar a energia do Vazio de uma maneira tangível, para alcançar e entender sua essência, mas a mente humana não está predisposta para experimentar o Vazio, que não é  nada  parecido  com  o mundo em  que nós  vivemos: não há  muros, estruturas, fronteiras, direções, tempo, formas, nomes ou definições. Existe tudo e não há coisa alguma. Há todos os deuses e nenhum deles ao mesmo tempo. Ele contém tudo e nada e tudo isto é real -à medida que acreditamos que seja real. O próprio Dragão é indefinido e intangível. Deuses e espíritos que carregam a essência Draconiana primordial são apenas manifestações desta força mas nenhum deles é a única e completa representação do Dragão. A força do Vazio é energia primária, bruta, o Ventre do Dragão, onde todos os mundos e todos os seres vivos nasceram e onde eles podem ser reconstruídos e recriados novamente.

Este processo de renascimento, ou recriação, é o propósito do trabalho iniciático do Lado Noturno. É a dissolução e reconstrução da consciência, personalidade, o ego, identidade -tudo o que constitui a nossa autoimagem com a qual nós tendemos a nos identificar. Com cada iniciação, esta  imagem  é  quebrada,  despedaçada,  reformulada  de  modo  a  se  adequar  ao  nosso  nível  de Ascensão  pessoal. Com  cada  nível,  nossas  percepções,  metas  e  interesses  mudam  e  se desenvolvem.  Esta  transformação  não  vem  sem  um  preço,  e  com  cada  iniciação  somos confrontados  com  a  necessidade de  sacrifício.  Monstros  primitivos  e  dragões  chegam  com relâmpagos e trovões, rasgando o céu e espalhando destruição pelo mundo. Este é o simbolismo da iluminação  Draconiana. Uma  vez  que  trilhamos  o  caminho  e  nos  tornamos  uma  parte  da corrente,  a  Chama  Negra  do  Vazio,  o  fogo  primitivo  do  Dragão,  irá  gradualmente  incinerar qualquer obstáculo que se interponha em nosso caminho na busca de Divindade. Para entender a natureza deste processo precisamos estar cientes de que a transformação toda ocorre em nossa consciência e somente se manifesta em eventos do mundo físico, empurrando-nos para rearranjar nossas vidas a fim  de  se  adequar ao  destino  que  se abre  para  nós. Esta tarefa  não é de  forma alguma fácil, e sacrifícios que precisam ser feitos a fim de seguir o caminho são frequentemente assustadores e traumáticos. O “obstáculo” em seu caminho de Ascensão espiritual pode parecer ser o seu cônjuge, seu pai, seu filho, seu emprego, sua casa e assim por diante. Você está pronto para deixar tudo para trás e mover-se com a corrente? A verdade é que quando o processo já está em  movimento,  você  pode  não  ter  uma  escolha  e  isto  irá  acontecer  de  qualquer  forma, independente do quanto você possa querer prevenir esta transição. Esta é a natureza das Qliphoth. Muitos  serão  atraídos  pelo  caminho, poucos  permanecerão,  prontos para  aceitar  e  encontrar  o poder que ele detém. A única forma de ser bem sucedido no caminho é se abrir para tudo que possa acontecer, e quando vier, você precisa abraçar e transformar fraqueza em força, medo em coragem, veneno em elixir da vida. É assim que você ganha poder e aprende a moldar sua vida. O caminho do Lado Noturno torna muitas coisas possíveis,mas elas jamais lhe serão entregues em uma bandeja.

A crise no caminho espiritual ocorre quando nós olhamos direto para o Vazio, quando enfrentamos  a loucura e  o  terror  do Lado  Noturno,  quando  temos  de  encarar  a  desagradável verdade acerca de nós mesmos e do mundo ao redor. A experiência do Vazio destrói todas as camadas  da  psique,  deixando o âmago de nossa existência desnudo e despojado  de  todas  as proteções, mecanismos defensivos, muros e escudos que tendemos a construir ao redor de nós mesmos. Nós mergulhamos nas águas negras de Tiamat, e nos tornamos a manifestação viva do Vazio e o canal ativo para suas energias. A fase inicial deste processo pode se manifestar através de toda  sorte  de  fenômenos  negativos -muitos magistas falam  de relacionamentos destruídos, perda de emprego e alicerces materiais, mortes na família, doenças, infortúnios, etc. Quando isto acontece,  nós  normalmente  desistimos  ou  tentamos  nos  proteger por  meio  de  ferramentas  e rituais mágicos. A verdade é que não podemos proteger da essência dissolvente do Vazio nem a nós  mesmos  ou  aqueles  que  nos  cercam,  porque  as  coisas  que  acontecem  à  nossa  volta  são manifestações  de  nossa  Vontade  e  ocorrem  porque queremos  que  aconteçam.  Mesmo  se  não percebermos  agora,  chegará  um  momento  em  nossas  vidas  quando iremos  olhar para  trás  e iremos  saber  e  entender  o  que  aconteceu  e  porquê,e  nós  também  saberemos  que  tinha  de acontecer, independente de toda a dor e desespero que causou. Quando as energias do Vazio, se manifestam,  pessoas  são  assustadas  e  confusas.  Este  é  o  momento  quando  começamos  a questionar e duvidar de tudo. Contudo, uma vez que o processo é posto em movimento, ele não pode ser parado. Não é fácil entender que é você e você sozinho o responsável por isto, que todas as coisas boas e  ruins  acontecem porque  você  as  trouxe  para  sua  vida, por  sua  Vontade consciente ou inconsciente – não importa, porque cedo ou tarde seu inconsciente será trazido para a luz da consciência de qualquer maneira. Poucos são capazes de aceitar essa responsabilidade e viver com ela. Não adianta fugir, abandonar o caminho, ou construir mais muros e escudos em volta – tudo isto vem de dentro.

O  Vazio  não é  um local ou  uma  esfera,  ou  qualquer coisa  que possa  ser  explicada por definições ou descrita por temos da consciência do Lado Luminoso. Seus portões não podem ser abertos e fechados à vontade. Ele está em toda parte, sempre profundo, sempre em movimento, mudando a cada momento singular, fortalecendo Apetite e Desejo, que é a mais poderosa força motriz do universo. Ele é a força pura e bruta da consciência cósmica, o princípio motor por trás de toda criação e toda destruição. Nós carregamos o Vazio por dentro – é nossa Sombra interna, a Besta interior. Ela é o Apetite que todos nós sentimos a cada momento de nossa existência – o desejo  de  poder,  amor,  admiração,  dinheiro,  sucesso,  saúde,  paz,  conforto,  descanso,  sono, comida, sexo, etc. Há sempre alguma coisa pela qual nós ansiamos, algo que sentimos falta, uma promessa de satisfação. É a energia do Vazio que nos motiva e conduz-nos a agir. Esta é a força dinâmica  da  evolução,  o  veículo  da  Ascensão  espiritual. Os  sucessivos  níveis  da  iniciação Qliphótica nos dão um vislumbre desta força, mas mesmo se expandirmos a consciência através de técnicas de alteração da mente, nós ainda não seremos capazes de alcançar a imensidão do Vazio. Meramente  iremos avançar  mais os  muros  da  percepção.  A  fim de  experimentar  o  Vazio,  nós temos  de  entrar  nele e  nos  deixar ser  transformados  por  sua  corrente  primordial. Este  é  o renascimento alquímico  nas Águas  Negras do Abismo,  nas espirais  do  Dragão. Como adeptos Draconianos  nós  procuramos  entrar  no  Vazio  e  recuperar  a  consciência  primordial  que  está contida no Ventre do Dragão, a eterna e imortal essência Draconiana de evolução pessoal. Não existe Abismo para “cruzar”, nem muros, margens ou fronteiras. Quando nós estamos no coração do Vazio, olhando para fora a partir da sua imensidão, o universo parece pequeno e limitado, e tudo o que importava antes é visto de uma perspectiva diferente. Aqui nós nos tornamos conscientes de todas as possibilidades, e nós podemos olhar para o passado, presente e futuro. Aqui nós também somos livres da sujeição do destino e nós podemos mudar o mundo e alterar os padrões de eventos unicamente pela força da nossa Vontade. Esta é a experiência libertadora para a qual nós nos preparamos através dos sucessíveis níveis da iniciação Qliphótica, a gnose da Autodeificação.


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