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Shirlei Massapust
O livro Mongɣol–un Niɣuča Tobčiyan (1228), de autoria desconhecida, é a mais antiga obra literária sobrevivente em uma língua mongol. O historiador chinês Yuan Chao bi shi (元朝祕史) produziu uma tradução em mandarim, o Měnggǔ Mìshǐ (蒙古秘史). No quinto capítulo lemos que, no ano 1201, ocorreu uma reunião das tribos nômades coletivamente conhecidas como tatares — termo que os europeus viriam impropriamente a associar ao grego Tártaro (Τάρταρος), a personificação do Mundo Inferior, o reino de Hades, o mundo dos mortos. — Historicamente, eles se aliaram na intenção de vencer Temujim, o homem que futuramente ficaria conhecido como Gêngis Khan.
Os Tayichi’uts, Merkits, Naimans e algumas tribos pequenas formaram uma confederação liderada por Jamuqa. Contam-se histórias memoráveis sobre eles. Por exemplo, após a aliança, Qan Rey, um cativo ou aliado de Jamuca, passou a atravessar territórios com o único sustento do leite de cinco cabras e a sangria de um camelo. Todavia Qan Rey foi se tornando malvado e tentou matar Erke Quara, seu próprio irmão mais novo… No ano 1202 os dois exércitos rivais batalharam em uma localidade chamada Koyiten, subindo e descendo um terreno montanhoso. Além de guerreiros lutando com uso de força física, Jamuqa levou para o campo de batalha dois feiticeiros chamados Buyilu Han e Hudu Han, aos quais deu a incumbência de lutar com força mágica.
Segundo o texto mongol ambos eram “jada medakün aju’ui”, ou seja, sabiam como usar o jada, cálculo biliar de um grande animal ruminante. Yuan Chao bi shi interpreta tal frase explicando que os dois feiticeiros possuíam conhecimento ou habilidade inata para invocar a chuva.[1] Pois bem, Buyilu Han e Hudu Han produziram uma grande tempestade que trouxe o caos à Koyiten, forçando os beligerantes a baterem em retirada.
As tropas de Temujim acreditaram terem saído em vantagem, porém encontraram seu líder caído ao chão, inconsciente, em agonia. Sua égua foi atingida e não se sabe o que quase o matou quando andava a pé. O oficial Jelme viu uma ferida em seu pescoço. O texto original mongol descreve o rompimento da veia jugular (sujiyasu), mas, sabendo que ninguém sobreviveria a algo como isso, o tradutor interpretou como qualquer dano menos gravoso. Fato é que o oficial Jelme se apressou a tratar Temujim com sangria terapêutica, talvez suspeitando que estivesse envenenado. Jelme chupou sangue da ferida copiosamente e cuspiu no entorno. À meia noite Temujim recuperou a consciência e disse: “Meu sangue secou. Tenho muita sede”. Jelme conseguiu para ele um balde de leite de égua coalhado.[2]
Cálculos biliares bovinos provenientes das fazendas Shanxi e Qinghai, localizadas no noroeste da China. Tal raridade mágica é comercializada a $ 591,30 USD por cada cinco gramas no Ebay. (Anúncio de CHINATOWN-ANTIQUER acessado em 06/01/2024).
Temujim sobreviveu e reinou por mais vinte e cinco anos. Durante essa época correu à boca miúda a lenda de que o primeiro antepassado dos homens da dinastia Yuan nasceu de um lobo cinzento que veio do céu emparelhado com uma corça branca.[3] (Algo não muito diverso das narrativas sobre Rômulo e Remo nutridos pelo leite de uma loba). Isso ainda é lembrado como a mais bela metáfora, por exemplo, no hit da banda The Hu, Wolf Totem (чонон сүлд), segunda faixa do álbum The Gereg (Гэрэг) lançado em 2019.
Em tempos recentes pelo menos um importante artista asiático julgou que não seria um opróbio associar o título honorífico de khan ao vampirismo anglicano.[4] Em 2016 o famoso designer de bonecos coreano Kim Ki Yong (김기용) esculpiu um personagem de porte alético chamado Vampire Khan (뱀파이어 칸)[5], sendo que khan (hangul 칸, derivado do mongol Хаан) é um termo que significa “líder tribal” ou “senhor de um território”. O “khan” mais poderoso que existiu foi Gêngis Khan.
Esquerda: Vampire Khan (뱀파이어 칸) completo com quatro cabeças, dois torsos e um pênis removível. (Foto © 2016, Dollshe Craft). Direita: Detalhes de um dos modelos padronizados de pintura opcional oferecidos pela Dollshe Craft. (Foto © 2019, Shirlei Massapust).
Este boneco do tipo BJD, com 72 cm de altura, foi lançado em dezembro de 2016, limitado a cinquenta unidades. Não poderia ser mais detalhado. Além do corpo com musculatura visível, ele possui arcada dentária completa com a quantidade correta de dentes nas mandíbulas magnéticas; ainda que ninguém veja seus molares quando equipados. Os seus olhos vermelhos são íris esculpidas em mármore encaixadas em domos de poliuretano com cristalino de cristal de vidro e uma película de uretano envolvendo tudo. Mencione-os sempre que quiser ouvir revoltados bradarem: “Para que tanto trabalho e dispêndio numa coisinha de tamanho minúsculo?!”
Notas:
[1] Ainda há entre os mongóis, pessoas que invocam intempéries usado as “pedras da chuva” de nome zhada, zuoda, chada ou yai. Para isso submergem a gema animal em uma bacia de água limpa, e mentalizam uma fórmula mágica, manipulando-a dentro da água até que chova. As melhores pedras são as dos bois e cavalos.
[2] SHI, Yuan Chao bi. Historia secreta de los Mongoles. Trad. Laureano Ramírez Bellerín. Madrid, Miraguano, 2000, p 174-175 (§ 143), 176-177 (§ 145) e 185 (§ 151).
[3] SHI, Yuan Chao bi. Historia secreta de los Mongoles. Trad. Laureano Ramírez Bellerín. Madrid, Miraguano, 2000, p 67-68 (§ 1).
[4] Kim Ki Yong usa estrangeirismo ou mera transliteração do inglês vampire (뱀파이어) ao invés do hangul hŭphyŏlgwi (흡혈귀), mais formal e representativo da assimilação ao folclore local.
[5] WE INTRODUCE VAMPIRE KHAN. Postado em Dollshe Craft, em 14/09/2016. URL: <https://www.dollshecraft.com/introduce-vampire-khan/>.
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