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Três Formas de se Ferrar com Magia

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Ultor Felis

Como em qualquer jornada pelo desconhecido, a prática magica apresenta alguns riscos significativos que podem desviar até mesmo o mais prudente dos viajantes. Os romances, filmes e séries sobre magia fazem parecer que quando a magia “dá errado” ela dá errado de modo catastrófico. Portais abrem de onde saem pesadelos encarnados, pessoas viram animais, o passado é modificado irremediavelmente. Rostos derretem, parentes morrem, demônios veem cobrar o preço, o horror.. A realidade contudo é muito mais sutil, porém não menos perigosa. É sua sanidade que está em jogo. Não se trata de perder sua alma imortal, virar sapo ou incendiar sua casa (ao menos que você não tome cuidado com as velas). Os perigos envolvendo as artes ocultas são bem diferentes, mas nada desprezíveis. Vejamos alguns deles.

PERIGO 1: VIAJAR NA MAIONESE

Conforme diz Jason Louv em Magick.me, magia é um aspecto do pensamento humano que se manifesta tanto de maneira pré-racional quanto pós-racional. A fase pré-racional antecede o entendimento científico de causa e efeito, manifestando-se em práticas como a magia simpática e ação à distância. Um exemplo claro é o uso de alfinetes em bonecos vodu, que tentam estabelecer conexões entre elementos distintos por meio de canais ocultos. Por outro lado, a magia pós-racional denota um estágio mais avançado de compreensão, onde há uma percepção da interconexão entre todos os elementos do universo, evidenciada por tecnologias como a internet, e busca responder a indagações existenciais profundas por meio de uma abordagem racional e científica.

O verdadeiro perigo da magia, frequentemente estigmatizada e mal interpretada, reside na possível renúncia à racionalidade. No século 21, dotado de acesso ilimitado à informação através da internet, é crucial manter um rigor racional e científico ao explorar caminhos mágicos. Carl Sagan, em sua obra “O Mundo Assombrado pelos Demônios“, adverte sobre os riscos de uma sociedade mergulhada em superstição e irracionalidade mágica. Adicionalmente, pensadores como Christopher Hitchens argumentam que a religião e o pensamento mágico mais prejudicam do que beneficiam a sociedade.

Dentro deste quadro, a magia deve ser considerada não como uma fuga, mas como um complemento ao pensamento científico. Essa perspectiva requer um entendimento aprofundado de conceitos como vieses cognitivos e a distinção entre sincronicidade e confirmação de viés, noções de estatística e probabilidade, essenciais para evitar equívocos e erros de julgamento. Como Marcelo Del Debbio deixa transparecer nesta entrevista, o magista busca um equilíbrio entre racionalidade e intuição, entre o conhecimento científico e a experiência subjetiva que a magia proporciona. É crucial não se inclinar excessivamente para a racionalidade, evitando racionalizar aspectos da vida que talvez não devam ser racionalizados. A magia, ao estimular a intuição e oferecer meios para a transformação pessoal, não desafia a ciência, mas atua como uma abordagem artística para enriquecer a percepção pessoal e a experiência de vida. Equilibrar ciência e magia, racionalidade e intuição, é fundamental para uma navegação eficaz e harmoniosa no mundo moderno, afastando-se dos perigos do pensamento anti-científico, que pode ter consequências severas.

PERIGO 2: FALTA DE DIREÇÃO

O segundo grande perigo no estudo do ocultismo e da magia reside na definição inadequada de objetivos. O universo da magia é um labirinto abrangendo sistemas e tradições que vão da Teurgia Martinista ao Tecno Xamanismo. Diante de tantas opções, que se encontram em abundância nas seções de espiritualidade das livrarias, o desafio é escolher um caminho sem perder o foco. A tentação de explorar e integrar diferentes práticas é grande, mas isso pode desviar o praticante de suas metas originais.

O principal problema que muitos enfrentam é iniciar no caminho da magia sem um propósito claro, o que pode ser comparado a entrar em um labirinto sem mapa. Idealmente este propósito deveria ser sua Verdadeira Vontade, mas isso pode ser pedir demais para quem está começando. Embora a magia seja uma ferramenta poderosa para a transformação pessoal e para alcançar estados mentais em que tudo parece possível — desde iniciar um negócio até estabelecer relacionamentos —, ela exige clareza de intenção. Sem objetivos definidos, é fácil se perder em um emaranhado de possibilidades sem alcançar nada substancial.

Além disso, a falta de metas claras pode levar a uma perigosa obsessão por ideais inatingíveis, onde a pessoa se encontra em um estado constante de autoengano, percebendo-se como alguém que não é, e sem tomar medidas concretas para mudar. Esse estado de confusão pode ser comparado a uma casa de espelhos, onde cada reflexão distorcida reforça delírios de grandeza. Nesse contexto, o indivíduo pode começar a se ver como uma figura messiânica ou dotada de poderes sobrenaturais, um fenômeno frequentemente observado em comunidades mágicas, onde o ego inflado substitui a realização real.

Para evitar esses perigos, é essencial começar com um plano bem definido. Antes de se aventurar nas práticas mágicas, é fundamental escrever claramente as metas e escolher as ferramentas que efetivamente auxiliem na realização desses objetivos. A magia deve servir como meio para um fim, e não como um fim em si mesma. Encarar a magia como parte integral da identidade pessoal, sem objetivos claros, é um caminho direto para a desilusão e uma vitamina para o narcisismo. Portanto, é crucial manter um equilíbrio saudável entre aspirações mágicas e responsabilidades da vida real, como a carreira e relações interpessoais, para assegurar que a prática mágica complemente e enriqueça a experiência de vida, em vez de dominá-la e distorcê-la. Portanto, fazer da magia sua identidade é um atalho para delírios de grandeza. Não cometa esse erro.

PERIGO 3: FANATISMO

O terceiro perigo significativo no caminho da magia é o fanatismo, que pode se manifestar quando alguém acredita ter descoberto o único caminho verdadeiro. Frequentemente, à medida que os praticantes exploram diversas práticas mágicas, encontram uma que parece proporcionar avanços pessoais profundamente significativos. Esse sentimento de revelação pode, inadvertidamente, levar a uma mentalidade de unicitismo, onde a pessoa começa a ver seu caminho como o único válido, menosprezando todos os outros. Esse tipo de pensamento pode incitar conflitos e, historicamente, até guerras e massacres. É vital reconhecer que o caminho que funciona para um indivíduo pode não ser universalmente aplicável.

Adicionalmente, o fanatismo químico, ou seja, a dependência de drogas, é uma armadilha comum. Enquanto substâncias psicoativas têm sido utilizadas em práticas xamânicas ancestrais, é importante destacar que seu uso rotineiro pode distorcer a percepção da realidade e prejudicar a capacidade de discernimento. Se quiser ter uma noção mais sensata e pé no chão do papel dos psicotrópicos na magia, recomendo o Psicotropicon de Thiago Tamosauskas, e não, não é o oba oba que todo mundo imagina. Celebridades do ocultismo como Aleister Crowley e Jack Parsons são frequentemente citados como exemplos negativos de como o abuso de substâncias pode ser erroneamente atribuído à prática da magia em si. No entanto, é essencial compreender que a magia não é a causadora desses comportamentos extremos, mas sim o abuso de drogas. Existem muitas outras formas de alcançar estados alterados de consciência, como canto, jejum, meditação e mantras, que são saudáveis e eficazes, proporcionando experiências profundas sem os riscos associados ao uso de substâncias.

Outro grande perigo é a susceptibilidade a cultos. Quando acabar este texto vá imediatamente se informar sobre o comportamento de seita. Em momentos de crise espiritual ou confusão, as pessoas são particularmente vulneráveis a indivíduos ou grupos que se apresentam como salvadores, prometendo orientação e segurança. No entanto, esses líderes carismáticos muitas vezes exploram seus seguidores para benefício próprio, prendendo-os em uma dinâmica de dependência e submissão. Essa situação pode ser comparada à institucionalização, onde os indivíduos se acostumam tanto a um sistema que se tornam incapazes de funcionar fora dele, similar à adaptação de prisioneiros ao sistema prisional.

Portanto, é crucial para qualquer praticante de magia manter uma mente aberta e crítica, evitar a dependência química e se proteger contra a influência de líderes manipuladores. Ao fazê-lo, pode-se explorar a magia de forma segura e enriquecedora, promovendo o crescimento pessoal sem cair nos perigos do fanatismo ou da exploração.

COMO SE PROTEGER

Pois bem, como então exorcizar os demônios do Delírio, da Dispersão e do Fanatismo? Se pararmos para analisar veremos que os grandes perigos associados à prática da magia giram em torno da dificuldade em distinguir a realidade da fantasia, frequentemente resultando na perda da capacidade de diferenciar entre os dois. Para contornar esses perigos e transformá-los em oportunidades construtivas, algumas soluções são propostas:

  • Defina metas claras. Compreender por que você se interessa por magia e o que espera alcançar com ela é crucial. Seja buscando sucesso profissional, criativo, um maior entendimento sobre seu propósito de vida ou simples curiosidade, estabelecer um objetivo claro oferece uma direção, uma “estrela do norte” para guiar-se mesmo em momentos de confusão.
  • Manter os pés no chão. Lembre-se de que, apesar das aspirações espirituais, você permanece um ser humano com responsabilidades e relações no mundo físico. Equilibrar o místico e o mundano, mantendo um emprego, relacionamentos e hobbies fora da esfera espiritual, ajuda a manter uma perspectiva saudável sobre a vida. Aprimore o raciocínio lógico e compreender métodos científicos também é fundamental. A educação sobre vieses cognitivos e o pensamento racional é acessível por meio de recursos como artigos, vídeos e palestras online. Fortalecer essas habilidades ajuda a navegar pela magia de maneira consciente e evitar o autoengano.
  • Evite o fanatismo. Respeite as jornadas espirituais alheias. Evite impor suas crenças ou descreditar as experiências dos outros. Focar em sua própria trajetória facilita o progresso pessoal sem o desperdício de energia em debates ou imposições. Aborde a magia com uma mente aberta e crítica; estar disposto a aprender não significa abdicar do controle pessoal. Seja cético quanto a líderes e mestres que requerem obediência cega ou promovem dependência.

Por fim, aceite que desafios e aparentes retrocessos podem ser oportunidades disfarçadas. O caminho da magia, assim como a vida, não é linear e pode envolver reviravoltas dramáticas que, retrospectivamente, revelam-se fundamentais para o crescimento pessoal e espiritual. De fato, muito deste texto é fruto dos meus próprios erros. Com um pouco de sorte você pode aprender a não cair neles também. Mas se cair, levante. Estas abordagens não só mitigam os perigos associados à prática mágica, mas também enriquecem a experiência, proporcionando um desenvolvimento mais autêntico e alinhado com a verdadeira vontade do praticante.


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