Este texto foi lambido por 312 almas esse mês
Sem a teoria da evolução por seleção natural nada no mundo da biologia faz algum sentido. Sem Darwin e o neo-Darwinismo, você não pode responder a perguntas como “Por que os morcegos tem asas? Por que os gatos tem cinco garras? Ou por que nossas fibras óticas se cruzam na frente de nossas retinas?” Você pode apenas se sentar e apelar para um criador imaginário.
Eu vou fazer uma afirmação audaciosa.
Sem a teoria da evolução por seleção memética nada no mundo da mente faz algum sentido. Sem a memética você não pode responder a perguntas como “Por que eu não consigo tirar esse pensamento da minha mente? Por que eu decidi escrever esse artigo e não esse outro? Quem sou eu?” Sem a memética você pode apenas se sentar e apelar para um agente consciente imaginário.
Nesse artigo eu quero expor as bases de trabalho para a teoria da memética e ver até onde nós podemos ir. Eu devo esboçar as linhas gerais da história e origem da idéia, explorar como ela foi usada, abusada e ignorada, e como ela proveu uma nova forma de encarar o poder das religiões e dos cultos. Eu devo então tomar o ponto de vista dos memes e usar isso para responder cinco perguntas previamente não respondidas sobre a natureza humana. Por que não conseguimos parar de pensar? Por que nós falamos tanto? Por que nós somos gentis com os outros? Por que nossos cérebros são tão grandes? E, finalmente, o que é um eu?
Eu tentei escrever as seções de forma a serem independentes. Se você quiser ler apenas algumas delas eu sugiro que você leia a seção Tomando o ponto de vista dos memes, e pegue qualquer outras que sejam do seu gosto.
Uma História do Meme Meme
Em 1976 Dawkins publicou seu best-seller O Gene Egoísta. Esse livro popularizou a visão crescente na biologia que a seleção natural se procede não no interesse das espécies ou do grupo, nem mesmo do indivíduo, mas no interesse dos genes. Embora a seleção tome partido amplamente no nível do indivíduo, os genes são os verdadeiros replicadores e é a competição deles que dirige a evolução do design biológico.
Dawkins, claro e gentil como sempre, sugeriu que toda a vida em todo lugar no universo deve evoluir pela sobrevivência diferencial de entidades auto-replicadoras ligeiramente imprecisas; ele os chamou de “replicadores”. Além disso, esses replicadores automaticamente se juntam em grupos para criar sistemas, ou máquinas, que os carregam por aí e trabalham em favor de sua replicação continuada. Essas máquinas de sobrevivência, ou “veículos” são nossos corpos familiares – e os dos gatos, da E. coli e do repolho – criados para carregar e proteger os genes dentro deles.
Bem no final do livro ele sugere que o Darwinismo é uma teoria muito grande para ser confinada no restrito contexto do gene. Então ele faz uma pergunta óbvia e provocativa. Existem outros replicadores em nosso planeta? Sim, ele afirma. Bem na nossa cara, embora ainda esteja desajeitado à deriva em sua sopa primordial de cultura, é um outro replicador – uma unidade de imitação. Ele deu a ele o nome de “meme” (para rimar com “creme”) e como exemplos sugeriu “músicas, idéias, slogans, modas de roupas, modos de fazer vasos ou de construir arcos.” Os memes são armazenados nos cérebros humanos e passados adiante via imitação.
Em apenas algumas páginas ele dispôs a fundação para a compreensão da evolução dos memes. Ele discutiu sua propagação ao pular de cérebro para cérebro, os comparou com parasitas infectando um hospedeiro, tratou-os como estruturas vivas fisicamente realizadas, e mostrou como memes que se ajudam mutuamente irão se agrupar assim como os genes o fazem. Ele argumentou que, uma vez que um novo replicador surge, ele tenderá a tomar espaço e começar um novo tipo de evolução. Acima de tudo ele tratou os memes como replicadores por direito, castrando aqueles entre seus colegas que sempre tendiam a retornar à “vantagem biológica” para responder a perguntas sobre o comportamento humano. Sim, ele concordou, nós temos nossos cérebros por razões biológicas (genéticas) mas agora que nós os temos, um novo replicador foi solto e ele não necessita ser subserviente ao antigo. Em outras palavras, a evolução memética pode agora prosseguir sem se preocupar com seus efeitos nos genes.
Alguns anos depois Douglas Hofstadter escreveu sobre frases virais e estruturas auto-replicadoras em sua coluna Temas Metamágicos na Scientific American. Os leitores responderam, com exemplos de textos usando iscas e anzóis para assegurar a sua replicação. Eles sugeriram frases virais desde a instrução mais simples, tal como “Me copie!”, indo entre aquelas que adicionaram ameaças (“Me diga ou eu vou por uma maldição em você”) ou promessas (“Eu vou lhe conceder três desejos”), até exemplos de cartas-corrente virulentas (Hofstadter, 1985, p 53). Um leitor sugeriu o termo memética para a disciplina que estuda os memes. Porém a memética ainda não decolou realmente.
Por que não? A idéia básica é muito simples. Se Dawkins está certo então tudo que você aprendeu por imitação de alguém é um meme. Isso inclui todas as palavras no seu vocabulário, as estórias que você conhece, as habilidades e hábitos que você tomou de outras pessoas e os jogos que você gosta de jogar. Isso inclui as canções que você canta e as regras que você obedece. Então, por exemplo, se você dirige na direita (e eu na esquerda!), come um hamburguer ou uma pizza, assobia “Parabéns Pra Você” ou “Mamãe Eu Quero” ou até mesmo aperta mãos, você está tratando com memes.
O maior proponente da memética desde Dawkins foi o filósofo Dan Dennet. Em seus livros Consciência Explicada (1991) e A Perigosa Idéia de Darwin (1995) ele expande a idéia do meme como um replicador.
Em A Origem das Espécies, Darwin (1859) explicou como a seleção natural deve acontecer se certas condições são reunidas. Se há hereditariedade do pai para a prole, variação entre a prole, e nem toda a prole pode sobreviver – então a seleção deve acontecer. Os indivíduos que tem alguma vantagem útil “tem a melhor chance de ser preservados na luta pela vida” (Darwin, 1859, p 127, e veja Dennett, 1995, p 48) e então irão passar suas vantagens para suas proles. Darwin claramente viu quão óbvio o processo de seleção natural é uma vez que você o compreendeu. Ele simplesmente deve acontecer.
Dennett descreve a evolução como um algoritmo simples – que é, um procedimento desprovido de mente que, quando levado adiante, deve produzir um resultado. Para a evolução você precisa de três coisas – hereditariedade, variação e seleção – então a evolução é inevitável. Você não precisa nos pegar, claro, ou qualquer coisa remotamente parecida conosco; pois a evolução não tem planos nem previsões. Todavia, você tem que conseguir algo mais complexo do que aquilo com o qual você começou. O algoritmo evolucionário é “um esquema para criar Design do Caos sem a ajuda da Mente” (Dennett, 1995, p 50). Essa, disse Dennett, é a perigosa idéia de Darwin.
Não é nenhuma surpresa que as pessoas tenham ficado aterrorizadas com isso, e lutaram tão duramente contra ela. É escandalosamente simples e terrivelmente poderosa.
Se a evolução é um algoritmo então ela deveria ser capaz de rodar em diferentes substratos. Nós tendemos a pensar na evolução como dependente dos genes porque essa é a maneira com a qual a biologia funciona neste planeta, mas o algoritmo é neutro sobre isso e irá rodar onde quer que haja hereditariedade, variação e seleção. Ou – como Dawkins colocou – um replicador. Não importa que replicador. Se os memes são replicadores então a evolução irá ocorrer.
Então, são os memes replicadores?
Existe uma enorme variedade nos comportamentos que os humanos produzem, esses comportamentos são copiados, mais ou menos precisamente por outros seres humanos, e nem todas as cópias sobrevivem. O meme portanto se encaixa perfeitamente com o esquema de hereditariedade, variação e seleção. Pense em melodias, por exemplo. Milhões de variantes são cantadas por milhões de pessoas. Apenas algumas são passadas adiante e repetidas e até mesmo algumas chegam até as paradas pop ou às coleções de clássicos. Os ensaios científicos proliferam mas apenas alguns poucos chegam às longas listagens nos indexes de citações. Apenas algumas das tramas nojentas feitas nos trabalhos chegam aos shows de TV que lhe contam como funcionam as coisas e apenas algumas das minhas brilhantes idéias foram apreciadas por alguém! Em outras palavras, a competição para ser copiado é violenta.
Claro que os memes não são como os genes em muitos aspectos e nós devemos ter muito cuidado ao aplicar os termos da genética nos memes. A cópia dos memes é feita por um tipo de “engenharia reversa” por uma pessoa copiando o comportamento de outra, ao invés de por transcrição química. Nós também não sabemos como os memes são armazenados nos cérebros humanos e se eles irão são digitalmente armazenados, como os genes, ou não. Entretanto, o ponto importante é que se os memes são realmente replicadores, a evolução memética deve ocorrer.
Dennett está convencido que eles são e ele explora como os memes competem para entrarem em quantas mentes forem possíveis. Essa competição é a força seletiva da memosfera e os memes bem sucedidos criam a mente humana conforme seguem adiante, reestruturando nossos cérebros para fazê-los melhores abrigos para os memes. A consciência humana, afirma Dennett, é um grande complexo de memes, e uma pessoa é melhor entendida como um certo tipo de macaco infestado com memes. Se ele está certo então nós não podemos esperar entender as origens da mente humana sem a memética.
Isso torna mais fascinante que a maioria das pessoas interessadas na mente humana tenham ignorado a memética ou simplesmente falhado em entendê-la. Mary Midgley (1994) chama os memes de “entidades míticas” que não são interessantes; “uma metáfora vazia e errônea”. Num recente debate no rádio, Stephen Jay Gould chamou a idéia dos memes de “metáfora sem sentido” (embora eu não estou certa que alguém pode de fato ter uma metáfora sem sentido!). Ele deseja “que o termo “evolução cultural” deixe de ser usado.” (Gould, 1996, p 219-20)
A palavra “Meme” nem mesmo aparece no index de livros importantes sobre a origem humana e de linguagem (e.g. Donald, 1991; Dunbar, 1996; Mithen, 1996; Pinker, 1994; Tudge, 1995; Wills, 1993), em uma excelente coleção sobre a psicologia evolucionária (Barkow, Cosmides e Tooby, 1992), nem em livros sobre a moralidade humana (Ridley, 1996; Wright, 1994). Embora existam muitas teorias sobre a evolução da cultura, quase todas fazem a cultura ser totalmente subserviente da conveniência genética, como na metáfora de Wilson (1978) dos genes retendo a cultura em rédeas ou a afirmação de Lumsden e Wilson que “a ligação entre os genes e a cultura não pode ser rompida” (1981, p 344). Cavalli-Sforza e Feldman (1981) tratam a “atividade cultural como uma extensão da conveniência Darwiniana” (p 362) e até mesmo Durham (1991), o único a usar a palavra “meme”, se restringe a exemplos de características culturais de relevância óbvia para a conveniência genética, tal como o nome das cores, hábitos de dieta e costumes de casamento. Talvez Boyd e Richerson (1990) chegam mais perto de tratar a unidade cultural como um replicador verdadeiro. Entretanto eles continuam vendo a “evolução genética e cultural como um apertado processo casado coevolucionário nos humanos” (Richerson & Boyd, 1992, p 80).
Tão quanto eu posso entendê-los, ninguém exceto Cloak (1975) e Dawkins trataram suas unidades de troca como verdadeiros replicadores. Se há um continuum desde a completa rejeição de Gould em uma ponta, até Dawkins e Cloak na outra, então a maioria fica no meio. Eles aceitam a evolução cultural mas não a idéia de um segundo replicador. Quando eles dizem “adaptativa” ou “mal adaptativa” eles dizem em relação aos genes. Quando chega na hora do vamos ver eles sempre voltam para os apelos da vantagem biológica, assim como Dawkins se queixou que seus colegas fizeram vinte anos atrás.
Dawkins é claro sobre esse assunto quando ele diz “não há razão para o sucesso em um meme deveria ter qualquer conexão com qualquer coisa sobre o sucesso genético”. Eu concordo. Eu vou propor uma teoria da memética que reside no final desse continuum. Eu sugiro que, uma vez que a evolução genética tenha criado criaturas que foram capazes de imitar as outras, um segundo replicador nasceu. Desde então nossos cérebros e mentes tem sido o produto de dois replicadores, não um. Hoje muitas das pressões de seleção nos memes ainda são de origem genética (tal como quem nós achamos sexy e que comidas são gostosas) mas conforme a evolução memética prossegue cada vez mais rápido, nossas mentes estão se tornando cada vez mais o produto dos memes, não dos genes. Se a memética é verdadeira então os memes criaram as mentes humanas e a cultura com a mesma certeza que os genes criaram os corpos humanos.
Religiões como Complexos de Memes Co-Adaptados
Dawkins (1976) introduziu o termo complexo de memes co-adaptado. Com isso ele quis dizer um grupo de memes que prosperam na companhia um do outro. Assim como os genes se agrupam para proteção mútua, levando finalmente à criação de organismos, então nós devemos esperar que os memes se agrupem. Como Dawkins (1993) põe “irá haver um agrupamento de idéias que florescem na presença um do outro”.
Complexos de memes incluem todos esses grupos de memes que tendem a serem passados adiante juntos, tal como as ideologias políticas, crenças religiosas, paradigmas e teorias científicas, movimentos artísticos, e linguagens. Os mais bem sucedidos entre eles não são apenas frouxas aglomerações de idéias compatíveis, mas grupos bem estruturados com memes diferentes especializados como anzóis, iscas, ameaças, e sistemas de imunidade. (O jargão memético ainda está evoluindo e esses termos podem mudar, mas veja o “dicionário memético” de Grant (Grant, 1990)).
Quando eu tinha uns dez anos de idade eu recebi um cartão postal e uma carta que continha uma lista de seis nomes e me instruiu a mandar um cartão postal para o primeiro nome da lista. Eu deveria por o meu próprio nome e endereço no final e mandar a nova lista para mais seis pessoas. Me prometia que eu receberia diversos cartões postais.
Essa foi uma carta corrente bastante inócua como essas coisa são, consistindo apenas em uma isca (os cartões postais prometidos) e um anzol (mande para mais seis pessoas). Ameaças também são comuns (mande isso ou o mal olhado irá lhe pegar) e muitas tem conseqüências bem piores do que um desperdício de selos. O que elas tem em comum é a instrução para “me duplicar” (o anzol) juntamente com os co-memes para coerção. Esses simples pequenos grupos podem se espalhar muito bem.
Com o advento dos computadores grupos meméticos virais tem muito mais espaço para brincar e podem pular de disco para disco entre usuários de computador “sem higiene”. Dawkins (1993) discute como os vírus e minhocas de computador usam truques para espalharem a si mesmos. Alguns se enterram na memória apenas para surgir como uma bomba relógio; alguns infectam apenas uma pequena proporção do que eles podem conseguir, e alguns são acionados probabilisticamente. Como vírus biológicos eles não devem matar todos os hospedeiros muito cedo ou eles irão morrer. O efeito final pode ser bem divertido, tal como um que faz o alto-falante do Macintosh dizer “Não entre em pânico!”, mas alguns travaram redes inteiras e destruíram teses doutorais inteiras. Meus alunos recentemente encontraram um vírus no WORD6 que vive em uma seção formatadora chamada “Tese” – lhe tentando à ser infectado justamente quando seu trabalho de um ano inteiro está quase terminado. Não é de espantar que nós agora temos uma proliferação de antivírus – o equivalente ao remédio da infosfera.
Os vírus de Internet são relativamente uma coisa nova. A semana passada eu recebi um aviso muito gentil de alguém que eu nunca conheci. “Não baixe nenhuma mensagem entitulada “Cumprimentos do Amigo de Correspondência”” ele dizia – e prossegui ume avisando que se eu lê-se essa terrível mensagem eu iria deixar entrar um vírus “Cavalo de Tróia” que iria destruir tudo no meu hard drive e então enviaria a si mesmo para cada endereço de e-mail na minha caixa postal. Para proteger todos os meus amigos, e toda a rede de computadores, eu deveria agir rápido e enviar esse aviso à eles.
Você percebeu? O vírus descrito não faz sentido – e não existe. O vírus real é o aviso. Esse é um pequeno complexo de memes muito esperto que usa ambas ameaças e apelos para o altruísmo para te pegar – a vítima boba e preocupada – para passá-lo adiante. Não é o primeiro – “Bons Tempos” e “Deeyenda Maddick” usaram um truque similar – e provavelmente não será o último. Entretanto, quanto mais pessoais aprendem a ignorar os avisos esses vírus irão começar a falhar e talvez isso irá deixar entrar vírus piores, conforme as pessoas começarem a ignorar as advertências que eles deveriam avisar. Então cuidado!
O que isso tem a ver com as religiões? De acordo com Dawkins, tem muito. A mais controversa aplicação da memética é sem dúvida o seu tratamento às religiões como complexos de memes co-adaptados (Dawkins 1976, 1993). Ele descreve, sem nenhum receio, as religiões como “vírus da mente” e analisa como elas funcionam.
Elas funcionam porque os cérebros humanos são exatamente o que os info-vírus precisam; cérebros podem absorver informação, replicá-la razoavelmente com precisão, e obedecer às instruções que elas incorporam. Dawkins usa o exemplo do Catolicismo Romano; uma gangue de memes mutuamente compatíveis que são estáveis o suficiente para merecer um nome. O coração do Catolicismo são suas maiores crenças; um poderoso e piedoso Deus, Jesus seu filho que nasceu de uma virgem e se levantou dos mortos, o espírito santo, e assim vai. Se isso não é implausível o suficiente você pode adicionar a crença em milagres ou a transmutação literal de água em sangue. Por que alguém deveria acreditar nessas coisas? Dawkins explica.
Ameaças de fogo infernal e danação são técnicas efetivas e maldosas de persuasão. Desde da tenra idade crianças são criadas por seus pais Católicos para acreditar que se elas quebrarem certas regras elas irão queimar no inferno para sempre após a morte. As crianças não podem facilmente testar isso já que nem o inferno nem Deus podem ser vistos, embora Ele pode ver tudo o que elas fazem. Então elas devem simplesmente viver um medo durante a vida toda até a morte, quando elas irão descobrir com certeza – ou não! A idéia de inferno é portanto um meme auto-perpetuante.
E eu disse “testar” a idéia? Algumas crenças religiosas podem ser testadas, tal como se o vinho realmente vira sangue, se a prece realmente ajuda; daí a necessidade de um meme anti-teste da fé. No Catolicismo, a dúvida deve ser evitada, enquanto a fé é nutrida e respeitada. Se o seu conhecimento de biologia o leva a duvidar do parto virginal, – ou se a guerra, crueldade e fome parecem desafiar a bondade de Deus – então você deve ter fé. A história de São Tomé é um conto-advertência contra a procura de evidências. Como Dawkins o pôs “Nada é mais letal para certos tipos de memes do que a tendência de procurar por evidências” (Dawkins, 1976, p 198) e as religiões, diferentemente da ciência, se certificam de desencorajar isso. Também diferente da ciência, as religiões freqüentemente incluem memes que tornam seus portadores violentamente intolerantes à idéias novas e não familiares e então protegem a si mesmos contra serem expulsos em favor de uma religião diferente – ou de nenhuma.
Finalmente os complexos de memes precisam de mecanismos para assegurar sua própria disseminação. “Mate o infiel” irá se desfazer da oposição. “Siga em frente e multiplique-se” irá produzir mais crianças para passarem eles adiante. Também o fará proibir a masturbação, controle de natalidade ou casamentos entre-fés. Se o medo de ficar cego não funciona, existem prêmios no paraíso para missionários e aqueles que convertem os descrentes (Dawkins, 1993; Lynch, 1996).
O catolicismo geralmente se dissemina de pai para filho mas os padres celibatos têm um papel também. Isso é particularmente interessante já que o celibato significa o fim da linha para os genes, mas não para os memes. Um padre que não tem esposa ou filhos para se preocupar tem mais tempo para disseminar seus memes, incluindo os para o celibato. Celibato é outro parceiro nesse vasto complexo de memes religiosos que se ajudam mutuamente.
Dawkins (1993) dá outros exemplos desde o Judaísmo, tal como a falta de sentido dos Rabinos testando a pureza-kosher da comida, ou os horrores de Jim Jones liderando seu rebanho para o suicídio em massa na selva da Guiana. Hoje ele poderia adicionar o “Portão do Paraíso” ao seu catálogo. “Obviamente um meme que faz com que os indivíduos que topem com ele matem a si mesmos tem uma grave desvantagem, mas não necessariamente uma desvantagem fatal. … um meme suicida pode se disseminar, como quando um martírio dramático e bem-divulgado inspira outros a morrer pela causa profundamente amada, e isso por sua vez inspira outros a morrerem, e assim vai.” (Dawkins, 1982, p111).
Ele poderia igualmente ter escolhido o Islã; uma fé que inclui o conceito de jihad ou guerra santa, e tem punições particularmente maldosas para as pessoas que desertam da fé. Até mesmo hoje o autor, e herético, Salman Rushdie vive temendo por sua vida porque muitos Muçulmanos consideram ser seu dever sagrado matá-lo. Uma vez que o você tenha sido infectado com memes poderosos como esses você deve pagar um preço alto para se livrar deles.
Lynch (1996) explora profundamente alguns truques usados pelas religiões e cultos. “Honre teu pai e mãe” é um excelente mandamento, aumentando as chances de que a criança tome as crenças de seus pais, incluindo o próprio mandamento. Como um meme secular ele não deve ter muito sucesso, já que os garotos iriam certamente rejeitá-lo se eles pensassem que ele veio diretamente dos pais. Entretanto, apresentado como uma idéia de um Deus (que é poderoso, vê tudo e pune a desobediência) ele tem chances bem melhores – um bom exemplo de memes “virando gangues”.
Leis de dieta podem prosperar porque elas protegem contra doenças, mas porem também manter as pessoas na fé ao tornar mais difícil a elas se adaptar a outras dietas de fora. Códigos morais podem ampliar a cooperação efetiva e sobreviver mas podem também ser formas de punir lapsos de fé. Observar os “dias sagrados” garante muito tempo para disseminar os memes, e as preces e graças públicas nas refeições asseguram que muitas pessoas estão expostas à eles. Aprender textos sacros de cor, e colocando eles em músicas inspiradoras ou memoráveis assegura sua longevidade.
Na longa história das religiões a maioria delas se disseminou verticalmente – ou seja, de pai para filho. Até mesmo hoje o melhor preditor de sua religião é a religião de seus pais – mesmo se você pensa que você racionalmente escolher a “melhor” ou “mais verdadeira”! Entretanto, hoje mais e mais religiões e cultos novos se disseminam horizontalmente – de qualquer pessoa para qualquer outra pessoa. Os dois tipos usam diferentes truques meméticos para sua replicação.
Como exemplo do primeiro tipo Lynch (1996) dá os Hutterites. Eles tem em média mais de dez filhos por casal, uma média fantástica que é possivelmente ajudada pelo modo com o qual eles distribuem a responsabilidade paterna, fazendo de cada criança extra um fardo apenas um pouco mais pesado para seus pais naturais. Outras religiões põem mais esforço na conversão, como as fés evangélicas que prosperam sobre recompensas instantâneas e alegria espiritual na conversão.
Tomando o Ponto de Vista dos Memes
Nós estamos prontos agora para tomar o ponto de vista dos memes. A aproximação básica é assim – imagine um mundo cheio de hospedeiros para os memes (e.g. cérebros) e muito mais memes do que existem possíveis lares para eles. Agora pergunte – quais memes são mais prováveis de encontrar um lar seguro e serem passados adiante? É assim simples.
Ao fazer isso eu tentei seguir algumas regras simples.
Primeiro, lembre-se que os memes (assim como os genes) não tem poder de previsão!
Segundo, considere apenas os interesses dos memes, não dos genes ou do organismo. Os memes não se preocupam sobre os genes ou as pessoas – tudo o que eles fazem é se reproduzirem. Afirmações resumidas tais como “memes querem x” ou “memes tentam fazer y” devem sempre serem traduzíveis de volta para a forma maior, tal como “memes que tem o efeito de produzir x são mais prováveis de sobreviver do que os que não fazem isso.”
Terceiro, os memes, por definição, são passados adiante por imitação. Então aprender por tentativa e erro ou por feedback não é memético, nem o são todas as formas de comunicação. Apenas quando a idéia, o comportamento ou a habilidade é passado adiante por imitação é que conta como um meme.
Agora, lembrando-se dessas regras, nós podemos fazer a pergunta e ver para onde ela nos leva.
Imagine um mundo cheio de cérebros, e muito mais memes do que existem possíveis lares para eles. Que memes são mais prováveis de encontrar um lar seguro e serem passados adiante?
Algumas das conseqüências são inicialmente óbvias – uma vez que você as tenha visto. E algumas são assustadoramente poderosas.
Eu devo começar com duas simples, parcialmente como exercícios de como pensar memeticamente.
1 Por que não conseguimos parar de pensar?
Você consegue parar de pensar? Se você já meditou você sabe saberá quão difícil isso é – a mente simplesmente parece continuar alegremente. Se estivéssemos pensando pensamentos úteis, praticando habilidades mentais, ou resolvendo problemas relevantes haveria algum sentido, mas na maioria das vezes não parece que estamos. Então por que nós simplesmente não podemos nos sentar e não pensar? De um ponto de vista genético todo esse pensamento extra parece extremamente desperdiçador – e animais que desperdiçam energia não sobrevivem. A memética provê uma resposta simples.
Imagine um mundo cheio de cérebros, e muito mais memes do que existem lares. Que memes são mais prováveis de acharem um lar seguro e serem passados adiante?
Imagine um meme que encoraja seu hospedeiro a mantê-lo mentalmente ensaiado, ou uma música que é tão fácil de cantarolar que fica girando em sua cabeça, ou um pensamento que simplesmente te obriga a continuar pensando sobre ele.
Imagine em contraste um meme que se enterra caladamente em sua memória e nunca é ensaiado, ou uma música que é tão imemorável para girar em sua cabeça, ou um pensamento que é chato demais para ser repensado.
Qual se sairá melhor? Outras coisas sendo iguais, o primeiro irá muito. Ensaio auxilia a memória, e você é mais provável que você expresse (ou até mesmo cante) as idéias e músicas que preenchem suas horas ao acordar. Qual é a conseqüência? A memosfera se enche de canções atraentes, e de pensamentos pensáveis. Nós todos cruzamos com eles e então nós todos pensamos um bocado.
O princípio aqui é familiar da biologia. Em uma floresta, qualquer árvore que cresça mais consegue mais luz. Então os genes para crescer alto se tornam mais comuns na piscina de genes e a floresta termina sendo tão alta quanto as árvores podem ser.
Nós podemos aplicar o mesmo princípio novamente.
2 Por que nós falamos tanto?
Imagine um mundo cheio de cérebros, e muito mais memes do que existem lares. Que memes são mais prováveis de acharem um lar seguro e serem passados adiante?
Imagine qualquer meme que encoraje a fala. Ele pode ser uma idéia como “falar torna as pessoas como você” ou “é amigável conversar”. Pode ser um pensamento urgente que você sente obrigado a compartilhar, uma piada engraçada, boas notícias que todos querem ouvir, ou qualquer meme que prospere dentro de uma pessoa faladora.
Imagine em contraste qualquer meme que desencoraje a fala, tal como o pensamento “falar é perda de tempo”. Ele pode ser algo que você não ousa dizer alto, algo muito difícil de dizer, ou qualquer meme que prospere dentro de uma pessoa tímida e retraída.
Qual se sairá melhor? Posto dessa forma a resposta é óbvia. O primeiro será muito mais ouvido por mais pessoas e, outras coisas sendo iguais, simplesmente deve ter uma chance melhor de ser propagado. Qual é a conseqüência disso? A memosfera irá se encher com memes que encorajam a fala e nós iremos todos falar bastante. E nós falamos!
Uma maneira mais simples de expor isso:- pessoas que falam mais irão, em média, disseminar mais memes. Então qualquer meme que prospere em tagarelas é mais suscetível a ser disseminado.
Isso me faz enxergar a conversação sob uma nova luz. Toda essa falação é fundeada em vantagens biológicas? Falar gasta muita energia e nós falamos sobre algumas coisas estúpidas e sem sentido! Esses pensamentos e conversações triviais e estúpidos tem alguma vantagem biológica escondida?
Eu gostaria de pelo menos oferecer uma sugestão que eles não oferecem. Que nós fazemos toda essa falação e toda essa pensação meramente porque os memes que nos fazem fazer isso são bons sobreviventes. Os memes parecem estar trabalhando contra os genes.
Isso prepara o palco para uma sugestão mais audaciosa.
3 Por que nós somos tão gentis com os outros?
Claro que nós não somos sempre gentis com os outros, mas a cooperação humana e o altruísmo são coisas misteriosas – a despeito dos tremendos avanços feitos na compreensão das seleção de grupo e conveniência inclusiva, altruísmo recíproco e estratégias evolucionárias estáveis (veja e.g. Wright, 1994; Ridley, 1996). As sociedades humanas exibem muito mais cooperação do que é típico das sociedades de vertebrados, e nós cooperamos com os não-relativos em uma larga escala (Richerson e Boyd, 1992). Como Cronin o pôs, a moralidade humana “apresenta um desafio óbvio para a teoria Darwiniana” (Cronin, 1991, p 325).
Todos podem pensar provavelmente nos seus exemplos favoritos. Richard Dawkins (1989 p 230) chama a doação de sangue de “um genuíno caso de altruísmo puro e desinteressado”. Eu fico mais impressionada pela caridade de dar às pessoas em países distantes que provavelmente compartilham tão poucos dos nossos genes quanto qualquer outra pessoa na terra e que nós provavelmente nunca iremos conhecer. E por que nós devolvemos carteiras achadas na rua, resgatamos animais selvagens machucados, suportamos companhias eco-amigas ou reciclamos nossas garrafas? Por que tantas pessoas querem ser pobres enfermeiras e conselheiras com péssimos salários, assistentes sociais e psicoterapeutas, quando elas poderiam viver em casas maiores, atrair companheiros mais ricos, e ter mais crianças se elas fossem banqueiras, corretoras ou advogadas?
Muitas pessoas acreditam que tudo isso deve finalmente ser explicado em termos de vantagem biológica. Talvez será, mas eu ofereço uma alternativa a ser considerada; a teoria memética do altruísmo. Nós podemos usar nossa tática, agora, familiar.
Imagine um mundo cheio de cérebros, e muito mais memes do que existem lares. Que memes são mais prováveis de acharem um lar seguro e serem passados adiante?
Imagine o tipo de meme que encoraja o seu hospedeiro a ser amigável e gentil. Ele poderia ser um para dar boas festas, para ser generoso com a geleia de laranja deita em casa, ou apenas estar preparado para gastar tempo escutando às mágoas de um amigo. Agora compare isso com os memes para ser antipático e pão-duro – nunca cozinhando jantares para as pessoas ou pagando drinks, e recusando a gastar seu tempo ouvindo os outros. Qual irá se disseminar mais rapidanente?
O primeiro tipo, claro. As pessoas gostam de ser gentis com as pessoas. Então aqueles que abrigam muitos memes amigáveis irão gastar mais memes com os outros e Ter mais chances de disseminar seus memes. Em conseqüência muitos de nós iremos acabar abrigando muitos memes para sermos gentis com os outros.
Uma maneira mais simples de dizer isso:- as pessoas que são altruísticas irão, em média, disseminar mais memes. Então qualquer meme que prospere em pessoas altruísticas é mais provável de disseminar – incluindo os memes para ser altruísta.
Você pode desejar desafiar qualquer um dos passos acima. É portanto animador aprender com os muitos experimentos de psicologia social, que as pessoas são mais suscetíveis a adotar idéias de pessoas que elas gostam (Eagly e Chaiken, 1984). Se isso é uma causa ou é uma conseqüência do argumento acima é algo debatível. Seria mais interessante se fatos psicológicos como estes, ou outros tais como a dissonância cognitiva, ou a necessidade de auto-estima, pudessem ser derivados simplesmente de princípios meméticos – mas esse é um tópico para outra hora!
Por enquanto nós devemos considerar se a idéia é ou não testável. Ela prediz que as pessoas deveriam agir de maneiras que beneficiem a disseminação de seus memes mesmo à um certo custo a si mesmas. Nós estamos acostumados em comprar informação útil, e com anunciantes comprando seus meios até a mente das pessoas com o propósito de vender produtos, mas essa teoria prediz que pessoas irão pagar (ou trabalhar) simplesmente para disseminar os memes que elas carregam – porque os memes as forçam. Missionários e Testemunhas de Jeová parece que o fazem.
Muitos aspectos da persuasão e da conversão em causas podem acabar envolvendo altruísmo dirigido por memes. Altruísmo é mais outro tipo de truque memético que as religiões (aqueles complexos de memes mais poderosos) tem explorado. Quase todas elas prosperam ao fazer seus membros trabalharem para elas e acreditar que eles estão fazendo o bem.
Claro, ser generoso é caro. Sempre existirá pressão contra isso, e se os memes puderem achar estratégias alternativas para disseminar, eles irão. Por exemplo, pessoas poderosas podem ser capazes de disseminar memes sem ser altruístas! Entretanto, isso não muda o argumento básico – que o altruísmo dissemina memes.
Você pode ter percebido que o tema principal em todos esses argumentos é que os memes podem agir em oposição ao interesse dos genes. Pensar o tempo todo pode não usar muita energia mas deve custar algo. Pensar é certamente dispendioso, como qualquer um que tenha estado totalmente exausto ou seriamente doente iria atestar. E, claro, qualquer ato altruísta é, por definição, custoso para o autor.
Eu diria que isso é exatamente o que nós deveríamos esperar se os memes são verdadeiros replicadores. Eles não se preocupam com os genes ou as criaturas que os genes criaram. O único interesse deles é a auto-propagação. Então se eles puderem se propagar ao roubar recursos dos genes, eles o farão.
No próximo exemplo nós veremos os memes forçando a mão dos genes de uma forma muito mais dramática.
4 Por que nossos cérebros são tão grandes?
Sim, eu sei que isso é um velho castanheiro, e que existem muitas e muitas boas respostas para a pergunta. Mas elas são boas o suficiente? Não vamos nos esquecer quão misteriosa a questão realmente é. Os cérebros são notoriamente caros tanto para serem construídos quanto para funcionarem. Eles tomam cerca de 2% do peso do corpo mas usam cerca de 20% de sua energia. Nossos cérebros tem três vezes o tamanho dos cérebros dos macacos com corpo de tamanho equivalente. Comparados com outros mamíferos nosso quociente de encefalização é ainda maior, até 25 vezes (Jerison, 1973; Leakey, 1994; Wills, 1993). Em muitas medidas a capacidade do cérebro humano se destaca. O fato que tal inteligência surgiu em um animal que fica de pé pode ou não ser uma coincidência mas ele certamente aumenta o problema. Nossos pélvis não são idealmente adaptador para dar a luz a cérebros grandes e então o nascimento das crianças é um processo arriscado para os seres humanos – mesmo assim nós o fazemos. Por que?
O mistério ficou mais profundo para mim ao pensar sobre o tamanho da vantagem biológica requerida para sobrevivência. Em um estudo a respeito do destino dos Neandertais, Zubrow (Leakey, 1994) usou simulações de computador para determinar o efeito de uma margem ligeiramente competitiva. Ele concluiu que uma vantagem de 2% poderia eliminar a população competidora em menos de um milênio. Se nós necessitamos apenas de uma vantagem tão pequena por que nós temos uma tão grande?
Diversas respostas foram recentemente propostas. Por exemplo, Dunbar (1996) argumenta que nós precisamos de cérebros mais largos para poder fazer fofocar, e fofocar é um tipo de trote verbal para manter grandes bandos de pessoas juntas. Christopher Wills (1993) argumenta que a evolução desenfreada do cérebro humano resulta de um acelerante loop de feedback gene-ambiente. Miller (1993) propõe que nossos vastos cérebros foram criados pela seleção sexual; e Richerson e Boyd (1992) afirmam que eles são usados para aprendizado individual e social, favorecido pelas crescentes taxas de variação ambiental.
O que todos esses autores tem em comum é que seu último apelo é para os genes. Como os colegas de Dawkins que gemem, eles sempre desejam voltar para a vantagem biológica. Eu proponho uma alternativa baseada na vantagem memética.
Imagine hominídeos antigos que, por boas razões biológicas, ganharam a habilidade de imitar uns aos outros e a desenvolver uma linguagem simples. Uma vez que esse passo tenha ocorrido os memes podem começar a se disseminar, e o segundo replicador nasceu. Lembre-se – uma vez que isso tenha acontecido os genes não seriam mais capazes de parar a disseminação! Presumivelmente os memes mais antigos seriam úteis, tal como maneiras de fazer vasos ou facas, ou maneiras de pegar ou desmembrar a presa. Vamos assumir que algumas pessoas teriam cérebros um pouco maiores e que esses cérebros maiores fossem melhores copiadores. Conforme mais e mais pessoas começaram a pegar esses memes antigos, o ambiente iria mudar e então iria se ficar mais e mais necessário ter novas habilidades para poder sobreviver.
Uma pessoa que poderia rapidamente aprender a fazer um bom vaso ou contar uma história popular iria achar mais facilmente um companheiro, e então a seleção sexual iria adicionar mais pressão para cérebros grandes. No novo ambiente pessoas com cérebros maiores iriam ter uma vantagem e a importância da vantagem iria aumentar conforme os memes se disseminassem. Me parece que essa mudança fundamental nas pressões de seleção, aumentar a taxa de propagação dos memes, provê pela primeira vez uma razão plausível por quê nossos cérebros são totalmente destacados de todos os outros cérebros no planeta. Eles foram dirigidos pelos memes. Um replicador forçou os movimentos do outro.
5 Quem sou eu?
Nós podemos agora ver a mente humana como o produto de dois replicadores, um usando para sua replicação a maquinaria criada pelo outro. Como Dennett apontou, as pessoas são animais infestados com memes. Nossas personalidades, habilidades e qualidades únicas derivam da complexo interação desses replicadores. E sobre nossos mais profundos eus – o “verdadeiro eu”, a pessoa que experimenta a “minha” vida?
Eu diria que os eus são complexos de memes co-adaptados – embora apenas um dos muitos suportados por qualquer cérebro dado (Blackmore, 1996). Como as religiões, sistemas de crença política e cultos, eles são conjuntos de memes que prosperam na companhia uns dos outros. Como as religiões, sistemas de crença política e cultos, eles são abrigos seguros para todos os tipos de memes viajantes e eles estão protegidos da destruição por vários truques meméticos. Eles não tem que ser verdadeiros.
De fato nós sabemos que “eus” são um mito. Olhe dentro do cérebro e você achará apenas neurônios. Você não achará uma pessoazinha puxando as cordas ou um homúnculo observando o show em uma tela lá dentro (Dennett, 1991). Você não acha o lugar onde as “minhas” decisões conscientes são tomadas. Você não acha a coisa que apaixonadamente segura todas essas crenças e opiniões. A maioria de nós ainda persiste em pensar sobre nós mesmos dessa forma. Mas a verdade é que – não há ninguém lá!
Nós agora temos uma resposta radicalmente nova para a pergunta “Quem sou eu?”, e de certa forma uma horripilante. “Eu” sou um dos muitos complexos de meme co-adaptados vivendo dentro desse cérebro. Essa idéia assustadora pode explicar por que a memética não é mais popular. A memética lida com um terrível sopro na supremacia do eu.
O Futuro para os Memes
Os memes estão aí fora! Na maior parte da história humana os memes evoluíram ao lado dos genes. Eles foram passados adiante na maioria das vezes verticalmente – de pai para filho – e portanto evoluíram na mesma velocidade que os genes. Isso não é mais verdade. Os memes podem pular de cérebro para cérebro em segundos – mesmo quando os cérebros estão a meio planeta de distância.
Enquanto alguns memes ficam em cérebros por semanas, meses ou anos antes de serem passados adiante, muitos agora se disseminam na velocidade da luz. A invenção do telefone, das máquinas de fax e e-mail, todas aumentam a velocidade de propagação dos memes. Conforme a alta velocidade, a precisão e a cópia horizontal dos memes aumenta nós podemos esperar alguns desenvolvimentos dramáticos na memosfera.
Primeiro, quanto mais rápido os memes se disseminam mais fraca é a resistência da seleção natural (genética). Esse divórcio relativo de genes e memes pode significar que mais do que nunca os memes que são prejudiciais para seus portadores irão se disseminar. Nós podemos já estar vendo isso em alguns dos cultos perigosos, fads, sistemas políticos, crimes audazes e crenças falsas que agora podem se disseminar tão rapidamente.
Segundo, nós podemos esperar que os memes construam para si mesmos veículos cada vez melhores para sua própria propagação. Os genes construíram para si mesmos organismos para carregá-los por aí. Qual é o equivalente memético? Artefatos como livros, pinturas, ferramentas e aeroplanos podem contar (Dennett, 1995) mas eles são fracos comparados com computadores ou a Internet. Até essas recentes invenções ainda estão amplamente dependentes de humanos para seu funcionamento, e dos genes que esses humanos carregam – apesar de tudo, sexo é o tópico mais popular na Internet. Então, pode o segundo replicador algum dia se libertar? Ele pode se nós algum dia construirmos rob6os que diretamente imitem uns aos outros. Felizmente essa é uma tarefa tão difícil que não será alcançada tão cedo e talvez até lá nós já teremos uma compreensão melhor da memética e estaremos em uma posição melhor para estar à altura dos nossos novos vizinhos.
Conclusão
Eu demonstrei como a teoria da memética provê novas respostas para algumas perguntas importantes sobre a natureza humana. Se eu estou certa, então nós humanos somos o produto de dois replicadores, não apenas um. Nos últimos cem anos nós perdemos com sucesso a ilusão que um Deus é necessário para compreender o design de nossos corpos. Talvez no próximo milênio nós poderemos perder a ilusão de que agentes conscientes são necessários para compreender o design de nossas mentes.
Referências
Barkow,J.H., Cosmides,L. e Tooby,J. (Eds) (1992) The Adapted Mind: Evolutionary psychology and the generation of culture. Oxford, OUP.
Blackmore,S.J. (1996) Waking from the Meme Dream The Psychology of Awakening: An International Conference on Buddhism, Science and Psychotherapy, Dartington, 9 November 1996.
Boyd,R. e Richerson,P.J. (1990) Group selection among alternative evolutionarily stable strategies. Journal of Theoretical Biology, 145, 331-342
Cavalli-Sforza,L.L. e Feldman,M.W. (1981) Cultural Transmission and Evolution: A quantitative approach. Princeton, NJ, Princeton University Press.
Cloak,F.R. (1975) Is a cultural ethology possible? Human Ecology, 3, 161-182
Cronin,H. (1991) The Ant and the Peacock. Cambridge, Cambridge University Press.
Darwin, C. (1859) On the Origin of Species by Means of Natural Selection. London, Murray.
Dawkins,R. (1976) The Selfish Gene Oxford, Oxford University Press (nova edição com material adicional, 1989)
Dawkins,R. (1982) The Extended Phenotype. Oxford, Oxford University Press.
Dawkins,R. (1993) Viruses of the mind. Em B.Dahlbohm (ed) Dennett and his Critics: Demystifying Mind. Oxford, Blackwell.
Dennett,D. (1991). Consciousness Explained. Boston, Little, Brown.
Dennett,D. (1995) Darwin’s Dangerous Idea, London, Penguin
Donald, M (1991) Origins of the Modern Mind: Three Stages in the Evolution of Culture and Cognition. Cambridge, Mass, Harvard University Press.
Dunbar,R. (1996) Grooming, Gossip and the Evolution of Language. London, Faber & Faber.
Durham,W.H. (1991) Coevolution: Genes, Culture and Human Diversity. Stanford, Ca., Stanford University Press.
Eagly,A.H. e Chaiken,S. (1984) Cognitive theories of persuasion. Em L.Berkowitz (Ed), Advances in Experimental Social Psychology, 17, 267-359. New York, Academic Press.
Gould,S.J. (1996) Full House. Harmony Books (Publicado no Reino Unido como Life’s Grandeur, London, Jonathan Cape.)
Grant,G. (1990) Memetic lexicon. http://pespmc1.vub.ac.be/MEMLEX.html
Hofstadter (1985) Metamagical Themas: Questing for the essence of mind and pattern. N.Y. Basic Books
Jerison,H.J. (1973) Evolution of the Brain and Intelligence. N.Y. Academic Press.
Leakey,R. (1994) The Origin of Humankind London, Weidenfeld and Nicolson
Lumsden,C.J. e Wilson,E.O. (1981) Genes, Mind and Culture. Cambridge, Mass., Harvard University Press.
Lynch,A. (1996) Thought Contagion: How Belief Spreads Through Society. N.Y. Basic Books.
Midgley,M. (1994) Letter to the Editor, New Scientist, 12 Feb, 50.
Miller,G. (1993) Evolution of the Human Brain through Runaway Sexual Selection. PhD Thesis, Stanford University Psychology Department
Mithen,S. (1996) The Prehistory of the Mind. London, Thames and Hudson.
Pinker, S. (1994) The Language Instinct New York, Morrow
Richerson,P.J. e Boyd,R. (1992) Cultural inheritance and evolutionary ecology. Em E.A.Smith and B.Winterhalder (Eds) Evolutionary Ecology and Human Behaviour 61-92.
Ridley,M. (1996) The Origins of Virtue. London, Viking.
Tudge,C. (1995) The Day before Yesterday: Five Million Years of Human History, London, Jonathan Cape.
Wills,C. (1993) The Runaway Brain: The Evolution of human uniqueness. N.Y., Basic Books.
Wilson, E.O. (1978) On Human Nature. Cambridge, Mass., Harvard University Press.
Wright,R. (1994) The Moral Animal. Pantheon Books. ***
Publicado na The Skeptic (EUA), 1997, 5 No 2, 43-49
Por: Susan Blackmore
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.