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A maioria das pessoas é incapaz de entender como uma personalidade antisocial e criminosa, tal como a de um “serial killer” (assassino serial), é possível, em um ser humano como nós.
Não são apenas os assassinos seriais, mas uma grande proporção de criminosos violentos em nossa sociedade (em torno de 25% dos prisioneiros) mostram muitas características do que a psiquiatria chama de “sociopatia”, um termo melhor e mais preciso do que psicopatia. A DSM-IV, o importante manual de diagnóstico usado por psicólogos e psiquiatras, define um distúrbio mais geral, denominado mais apropriadamente, “distúrbio da personalidade antisocial” (DPA) e lista suas principais características, que podem ser facilmente reconhecidas em indivíduos afetados. A Organização Mundial de Saúde também definiu sociopatia em sua classificação de doenças CID-10, usando o termo “distúrbio da personalidade dissocial”.
Os sociopatas são caracterizados pelo desprezo pelas obrigações sociais e por uma falta de consideração com os sentimentos dos outros. Eles exibem egocentrismo patológico, emoções superficiais, falta de auto-percepção, pobre controle da impulsividade (incluindo baixa tolerância para frustração e limiar baixo para descarga de agressão), irresponsabilidade, falta de empatia com outros seres humanos e ausência de remorso, ansiedade e sentimento de culpa em relação ao seu comportamento anti-social. Eles são geralmente cínicos, manipuladores, incapazes de manter uma relação e de amar. Eles mentem sem qualquer vergonha, roubam, abusam, trapaceiam, negligenciam suas famílias e parentes, e colocam em risco suas vidas e a de outras pessoas. O pesquisador canadense Robert Hare, um dos maiores especialistas do mundo em sociopatia criminosa, os caracteriza como “predadores intra-espécies que usam charme, manipulação, intimidação e violência para controlar os outros e para satisfazer suas próprias necessidades. Em sua falta de consciência e de sentimento pelos outros, eles tomam friamente aquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de culpa ou arrependimento.”
Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição, e de modificar seus comportamentos. Quando eles descobrem que seu comportamento não é tolerado pela sociedade, eles reagem escondendo-o, mas nunca o suprimindo, e disfarçando de forma inteligente as suas características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram no passado o termo “insanidade moral” ou “insanité sans délire” para caracterizar esta psicopatologia. Um sociopata clássico foi Donatien-Alphonse-François de Sade (1740-1814), um nobre francês cuja preferências sexuais perversas e novelas (tais como Justine) originaram o termo sadismo.
O indivíduo sociopata geralmente exibe um charme superficial para as outras pessoas e tem uma inteligência normal ou acima da média. Não mostra sintomas de outras doenças mentais, tais como neuroses, alucinações, delírios, irritações ou psicoses. Eles podem ter um comportamento tranqüilo no relacionamento social normal e têm uma considerável presença social e boa fluência verbal. Em alguns casos, eles são os líderes sociais de seus grupos. Muito poucas pessoas, mesmo após um contato duradouro com os sociopatas, são capazes de imaginar o seu “lado negro”, o qual a maioria dos sociopatas é capaz de esconder com sucesso durante sua vida inteira, levando a uma dupla existência. Vítimas fatais de sociopatas violentos percebem seu verdadeiro lado apenas alguns momentos antes de sua morte.
O mais assustador é o fato que entre 1 e 4% da população é sociopata em maior ou menor escala. Claro, a maioria das pessoas com DPA não é criminosa e é capaz de se controlar dentro dos limites da tolerabilidade social. Eles são considerados somente como “socialmente perniciosos”, ou têm personalidade odiosas, e cada um de nós conhece alguém que se ajusta a esta descrição. Políticos corruptos e cínicos, que sobem rapidamente na carreira, líderes autoritários, pessoas agressivas e abusadoras, etc., estão entre eles. Uma característica comum é que eles se engajam sistematicamente em enganação e manipulação de outros para ganhos pessoais. De fato, muitos sociopatas não-violentos e adaptados podem ser encontrados em nossa sociedade. Um estudo epidemiológico do NIMH registrou que somente 47% daqueles que eram caracterizados como tendo DPA tinham uma história de processo criminal significativo. Os eventos mais relevantes para estas pessoas ocorrem na área de problemas de trabalho, violência doméstica, tráfico e dificuldades conjugais severas. Muitas pessoas evitam indivíduos com este distúrbio de personalidade porque eles são irritáveis, argumentadores e intimidadores. Seu comportamento frequentemente é rude, impredizível e arrogante.
A sociopatia é reconhecida precocemente em um indivíduo: ela começa na infância ou adolescência e continua na vida adulta (o diagnóstico é possível em torno de 15 a 16 anos). Crianças sociopatas manifestam tendências e comportamentos que são altamente indicativos de seu distúrbio. Por exemplo, eles são aparentemente imunes a punição dos pais, e não são afetados pela dor. Nada funciona para alterar seu comportamento indesejável, e consequentemente os pais geralmente desistem, o que faz a situação piorar. Os sociopatas violentos mostram uma história de torturar pequenos animais quando eles eram crianças e também vandalismo, mentiras sistemáticas, roubo, agressão aos colegas da escola e desafio à autoridade dos pais e professores.
No entanto, apenas uma pequena fração dos sociopatas se desenvolve em criminosos violentos, estrupradores e assassinos seriais. Em casos mais severos, a doença pode evoluir para canibalismo e rituais sádicos de tortura e morte, frequentemente de natureza bizarra. Há um amplo consenso que estas formas extremas de sociopatia violenta são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados em celas especiais para criminosos insanos por toda a vida.Um sociopata típico deste tipo foi retratado por Dr. Hannibal “O Canibal” Lecter no filme e livro “O Silêncio dos Inocentes”.
Os próprios sociopatas se descrevem como “predadores” e geralmente são orgulhosos disto. Eles não têm o tipo mais comum de comportamento agressivo, que é o da violência acompanhada de descarga emocional (geralmente raiva ou medo) e nem ativação do sistema nervoso simpático (dilatação das pupilas, aumento dos batimentos cardíacos e respiração, descarga de adrenalina, etc). Seu tipo de violência é similar à agressão predatória, que é acompanhada por excitação simpática mínima ou por falta dela, e é planejado, proposital, e sem emoção (“a sangue-frio”). Isto está correlacionado com um senso de superioridade, de que eles podem exercer poder e domínio irrestrito sobre outros, ignorar suas necessidades e justificar o uso do que quer que eles sintam para alcancar seus ideais e evitar consequências adversas para seus atos. Por exemplo, em Justine, o personagem que incorpora o Marquês de Sade diz que tudo é justificado quando o objetivo é a gratificação de seus sentidos, e que a ele é permitido usar outros seres humanos da forma como ele desejar para aquele propósito.
O fato dos sociopatas possuirem pouca empatia para o sofrimento dos outros tem sido demonstrado experimentalmente em muitos estudos, os quais têm mostrado que eles exibem um processamento anormal de aspectos emocionais da linguagem, e que geralmente eles possuem resposta fisiológica fraca (no sistema nervoso autônomo) a imagens, palavras e situações de alto conteúdo emocional. Como acontece com os predadores, os sociopatas são capazes de uma atenção extremamente alta em certas situações.
O distúrbio sociopático também está altamente associado com a incidência de abuso de drogas e alcoolismo. De fato, esta associação piora os aspectos do comportamento sociopático, assim considera-se que eles são mutuamente reforçadores.
O DPA é relativamente fácil de diagnosticar. O mesmo Dr. Hare desenvolveu uma escala de avaliação, chamada Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R), que é útil para este propósito, particularmente na avaliação de criminosos (a população forense). Você pode testar a si próprio usando uma escala on-line disponível no Internet Mental Health.
Sociopatas violentos ocasionam um alto preço para a sociedade humana. Nos EUA, mais da metade dos policiais mortos por criminosos eram vítimas de sociopatas. O DPA é comum entre dependentes de drogas, mulheres e crianças, gangsters, terroristas, sádicos, torturadores, etc. Além disso, “os psicopatas são aproximadamente três vezes mais propensos a recidivar – ou quatro vezes mais propensos a recidivar violentamente do que os não sociopatas”, de acordo com um estudo recente. Citando novamente o Dr Robert Hare: “É enorme o sofrimento social, econômico e pessoal causado por algumas pessoas cujas atitudes e comportamento resultam menos das forças sociais do que de um senso inerente de autoridade e uma incapacidade para conexão emocional do que o resto da humanidade. Para estes indivíduos – os psicopatas – as regras sociais não são uma força limitante, e a idéia de um bem comum é meramente uma abstração confusa e inconveniente”.
Além disso, sob situações de stress, tais como em guerras, pobreza geral e quebra da economia, surtos epidêmicos ou brigas políticas, etc., os sociopatas podem adquirir o status de líderes regionais ou nacionais e sábios, tais como Adolf Hitler, Stalin, Saddam Hussein, Idi Amin, etc. Quando eles alcançam posições de poder, eles podem causar mais danos do que como indivíduos.
Qual é a causa da sociopatia? Como o cérebro está envolvido? Como isto pode ser prevenido e tratado?
Estas são questões importantes para a humanidade, para a lei e medicina. A curva ascendente da violência sem sentido, frequentemente por pessoas jovens (a medida que o tempo passa, mais e mais jovens…), impõe um senso de urgência em obter respostas para elas.
Por que os sociopatas têm estas características? Os seus cérebros são diferentes daqueles das pessoas normais? Eles exibem alterações patológicas?
Muitos estudos têm mostrado nos últimos 20 anos que assassinos e criminosos ultraviolentos têm evidências precoces de doença cerebral. Por exemplo, em um estudo, 20 de 31 assassinos confessos e sentenciados possuiam diagnósticos neurológicos específicos. Alguns dos presos tinham mais que um distúrbio, e nenhum sujeito era normal em todas as esferas. Entre os diagnósticos, estavam a esquizofrenia, depressão, epilepsia, alcoolismo, demência alcoólica, retardamento mental, paralisia cerebral, injúria cerebral, distúrbios dissociativos e outros. Mais de 64% dos criminosos pareciam ter anormalidades no lobo frontal. Quase 84% dos sujeitos tinham sido vítimas de severo abuso físico e/ou sexual. O grupo de assassinos incluiu membros de gangues, sequestradores, ladrões, assassinos seriais, um sentenciado que tinha matado seu filho pequeno, e outro que assassinara seus três irmãos.
Em outro estudo realizado no Canadá em 1994, no grupo mais violento de 372 homens presos em um hospital mental de segurança máxima, 20 % tinham anormalidades focais temporais do EEG, e 41% tinham alterações patológicas da estrutura do cérebro no lobo temporal. As taxas correspondentes para o resto do grupo violento foram de 2.4 % e 6.7 %, respectivamente, sugerindo assim um papel importante para os danos neurológicos na gênese das personalidades violentas, em uma proporção de 21:1 para agressivos habituais, e de até 4:1 (quatro vezes mais que na população normal), no caso de agressivos incidentais (uma única vez). O estudo conclui: “nós propomos que, embora tais discrepâncias não sejam suficientes para confirmar a neuropatologia como uma causa univariada da agressão criminosa, também não é razoável supor que sejam meram artefatos do acaso.”
De acordo com os autores Nathaniel J. Pollone e James J. Hennessy, “Vários estudos em um período de mais de 40 anos sugeriram uma incidência relativamente alta de neuropatologia entre os criminosos violentos, muitas vezes acima daquele encontrado na população em geral, em taxas que excedem de 31:1 no caso de homicidas acidentais.” (35 Annual Meeting of the Academy of Criminal Justice Sciences, Albuquerque, NM, 14 março, 1998).
Ainda que este tenha sido sempre um assunto muito controvertido, muitos pesquisadores acham que existem fortes argumentos à favor de um substrato da doença cerebral presente em criminosos violentos; e que isto tem consequências importantes para muitas coisas, desde do ponto de vista da lei, até a perspectiva de uma prevenção efetiva e do tratamento da sociopatia.
A Hipótese do Cérebro Frontal
Como os indivíduos sociopatas têm alterações marcantes em relação aos outros seres humanos, é natural que se devesse investigar primeiro se a parte do cérebro que é responsável por este tipo de comportamento também teria alguma anormalidade significativa.
Muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pela parte do cérebro chamada lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios cerebrais. Todos os primatas sociais desenvolveram bastante o cérebros frontal, e a espécie humana tem o maior desenvolvimento de todos. Auto-controle, planejamento, julgamento, o equilíbrio das necessidades do indivíduo versus a necessidade social, e muitas outras funções essenciais subjacente ao intercurso social efetivo são mediadas pelas estruturas frontais do cérebro.
Há muito tempo que os neurocientistas sabem que as lesões desta parte do cérebro levam a déficits severos em todos estes comportamentos. O uso abusivo da lobotomia pré-frontal como uma ferramenta terapêutica pelos cirurgiões em muitas doenças mentais nas décadas de 40 e 50, forneceu dados mais que suficientes aos pesquisadores para implicar o cérebro frontal na gênese das personalidades antissociais.
Existem muitos exemplos de pessoas que adquiriram personalidades sociopáticas devido a lesões patológicas do cérebro, tais como tumores. Por exemplo, um estudo de caso em 1992 descreveu um paciente que desenvolveu alterações de personalidade, as quais se assemelhavam fortemente a um distúrbio de personalidade antissocial, após a remoção cirúrgica de um tumor na glândula hipófise, o qual provocou danos a uma parte do lobo frontal chamado córtex órbito frontal esquerdo. Neste caso, testes neuropsicológicos e de personalidade não revelaram qualquer déficit cognitivo ou psicopatologia.
Antonio and Hanna Damasio, dois notáveis neurologistas e pesquisadores da Universidade de Iowa, investigaram na última década as bases neurológicas da psicopatologia. Eles mostraram em 1990, por exemplo, que indivíduos que tinham se submetido a danos do córtex frontal ventromedial (e que tinham personalidades normais antes do dano) desenvolveram conduta social anormal, levando a consequências pessoais negativas. Entre outras coisas, eles apresentaram tomada de decisões inadequadas e habilidades de planejamento, as quais são conhecidas por serem processadas pelo lobo frontal do cérebro.
Por que o cérebro frontal parece ser tão importante na gênese de indivíduos antissociais? Uma hipótese provável é que quando não existe punição, ou quando a pessoa é incapaz de ser condicionada pelo medo, devido a uma lesão no córtex órbito-frontal, por exemplo, ou devido a baixa atividade neural nesta área, então ele desenvolve uma personalidade antissocial.
Pesquisas com animais têm mostrado que o córtex órbito-frontal direito está envolvido no medo condicionado. Por exemplo, quando um rato é punido com um choque elétrico cada vez que uma luz pisca em sua gaiola, ele sente medo, por associar aquele estímulo à punição. Seres humanos normais aprendem muito cedo na vida a evitar comportamentos antissociais, porque eles são punidos por isso e também porque eles possuem circuitos cerebrais para associar o medo da punição (sentimento da emoção) à supressão do comportamento. Este parece ser um elemento chave no desenvolvimento da personalidade.
Felizmente, temos agora uma maneira mais direta de visualizar a função cerebral, e que tem conduzido a uma notável explosão em nosso conhecimento sobre o funcionamento interno do cérebro do psicopata nos últimos dois ou três anos: a tomografia PET.
O equipamento de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) obtém imagens seccionais do cérebro vivo, usando cores para representar o grau de atividade.
Usando o PET, o pesquisador médico americano Adrian Raine e colegas estudaram assassinos, com resultados surpreendentes. Eles encontraram que 41 assassinos tinham um nível muito diminuído do funcionamento cerebral no córtex pré-frontal em relação às pessoas normais, indicando um déficit relacionado à violência. Em outras palavras, mesmo quando nenhuma alteração patológica visível era apresentada, o dano frontal era aparente, através de uma atividade anormalmente baixa do cérebro naquela área. “O dano nesta região cerebral”, notou Raine, “pode resultar em impulsividade, perda do auto-controle, imaturidade, emocionalidade alterada, e incapacidade para modificar o comportamento, o que pode facilitar atos agressivos”. Outras anormalidades observadas pelo estudo de PET do cérebro de assassinos incluiu um metabolismo neural reduzido no giro parietal superior, giro angular esquerdo, corpo caloso, e assimetrias anormais de atividade na amígdala, tálamo, e lobo temporal medial. É provável que estes efeitos sejam relacionados à violência e criminalidade; pois algumas destas estruturas fazemo parte do chamado sistema límbico, que processa emoções e comportamento emocional.
Um aspecto interessante da pesquisa do Dr. Raine é que ele correlacionou as imagens cerebrais de PET à história pessoal do assassino, afim de certificar-se se eles tinham sido submetidos a algum trauma psíquico, abuso físico ou sexual, abandono e pobreza, quando eles eram crianças (um ambiente deprivado para o desenvolvimento da personalidade). Entre os assassinos, 12 tinham sofrido abuso significativo ou deprivação (recebido maus tratos). Foi descoberto que assassinos vindos de lares deprivados tinham déficits muito maiores na área órbito-frontal do cérebro (14 % em média) do que pessoas normais e assassinos vindos de ambientes não deprivados.
Os estudos iniciais controlados, realizados por Raine e colegas foram confirmados por uma série de investigações baseadas em PET com indivíduos sociopatas e criminosos violentos. Em um estudo em 1994, 17 pacientes com diagnóstico de distúrbio de personalidade foram submetidos ao PET. Os pesquisadores provaram que havia uma forte correlação inversa entre uma história de dificuldades de controle de agressividade durante toda a vida e o metabolismo regional no córtex frontal. Seis destes pacientes eram antissociais, o resto tinha vários distúrbios de personalidade (marginais, dependentes narcisistas). O PET foi usado novamente em 1995 para avaliar o metabolismo da glicose cerebral em oito sujeitos normais e oito pacientes psiquiátricos com história de comportamento repetitivo violento. Os autores obervaram que “sete dos pacientes mostraram amplas áreas de baixo metabolismo cerebral, particularmente no córtex pré-frontal e temporal medial quando comparado à sujeitos normais. Estas regiões têm sido implicadas como o substrato para agressão e impulsividade, e sua disfunção pode ter contribuído para pacientes com comportamento violento”. Mais recentemente (1997), a tecnologia de imagens cerebrais por PET mostrou também que os psicopatas diferiram de não-psicopatas no padrão de fluxo cerebral relativo durante o processamento de palavras com coneteúdo emocional. As mudanças de personalidade adquiridas devido à injúria cerebral são também acompanhadas por uma diminuição na atividade neural na área frontal.
Evidências indiretas do papel do córtex pré-frontal no comportamento psicopático vêm de outros experimentos. No Canadá, uma equipe liderada por Dominique LaPierre comparou 30 psicopatas a 30 criminosos não-psicopatas, usando testes que avaliam a função de duas partes do córtex pré-frontal: o órbito-frontal e as áreas ventromediais frontais. Os resultados mostraram que “os psicopatas eram prejudicados em todas as tarefas órbito-frontais e ventromediais”, mas não na função de outras áreas do córtex frontal. As similaridades entre psicopatas e pacientes com dano de córtex pré-frontal apareceu em várias áreas do estudo. “Os psicopatas e pacientes órbito-frontais ou ventromediais mostram uma preocupação exagerada com parceiros sexuais, atuando de uma forma promíscua e impessoal”, observaram os pesquisadores.”Ambos são marcantes quanto à sua falta de julgamento ético e social.
Ambos negligenciam as consequências a longo prazo de suas ações, escolhendo a gratificação imediata ao invés de um planejamento cuidadoso”.
Conclusões
Em resumo, ainda que muitos destes resultados devam ser tomados com cuidado, todos eles convergem para uma importante descoberta: a de que os cérebros de criminosos violentos e sociopatas são na verdade alterados de maneira sutil, e que este fato pode agora ser revelado por novas técnicas sofisticadas. Uma consideração importante é que o comportamento humano é extremamente complicado e o resultado de uma interação de muitos fatores sociais, biológicos e psicológicos. “Existem muitos fatores envolvidos no crime. A função cerebral é apenas uma delas”, diz o Prof. Adrian Raine. “Mas, ao entendermos a sua função cerebral, estaremos em uma melhor posição para entender as causas completas do comportamento violento”.
Outra desvantagem dos estudos retrospectivos (isto é, feitos após o distúrbio aparecer em indivíduos estudados), é que é difícil separar causa da consequência. Em outras palavras, será que o déficit cerebral observado é a causa da anormalidade psicológica ou apenas o seu resultado?. Além disso, os resultados são ainda preliminares e não dão credibilidade ao uso destes métodos de neuroimagem e avaliação da função para “diagnosticar” indivíduos em risco de sociopatia; deste modo eles não devem ser usados para propósitos clínicos ou forenses no presente estágio.
Portanto, existe razoável evidência que os os sociopatas têm uma disfunção do cérebro frontal. Porque e quando esta disfunção aparece ainda é totalmente desconhecido, até agora.
Emocionalmente Insensíveis
Muitas das características da personalidade dos psicopatas poderiam ser explicadas por déficits emocionais. Por exemplo, eles têm pouco afeto com os outros, são incapazes de amar, não ficam nervosos facilmente e não mostram remorso ou vergonha quando eles abusam de outras pessoas. Assim, os cientistas têm feito hipóteses há muito tempo que os psicopatas têm uma deficiência em suas reações aos estímulos evocadores do medo, e esta seria causa de sua insensibilidade e também de sua incapacidade de aprender pela experiência.
Muitos experimentos com indivíduos sociopatas têm sugerido que isto é verdade. Um destes experimentos colocou agressores criminosos com alto nível de distúrbio de personalidade sociopática observando projeções de slides com figuras com diferentes conteúdos emocionais. Enquanto olhavam para as imagens, eles eram assustados subitamente, com sons inesperados. Quando pessoas normais estão vendo imagens agradáveis, a resposta de susto (um piscar de olhos) é de menor magnitude do que quando as imagens são desagradáveis ou estressantes (representando agressão, sangue, horror, etc).
Imagens neutras têm uma resposta de susto no ponto intermediário daquelas de prazer e desprazer. O que acontece com sociopatas criminosos? Eles têm exatamente o padrão oposto: piscam menos os olhos em resposta ao barulho quando estão assistindo imagens estressantes ! Entretanto, somente os sociopatas que tinham uma característica de indiferença emocional mostraram este fenômeno. Isto poderia ser explicado por uma falta de reatividade nestes agressores.
Em outro experimento, os cientistas registraram respostas fisiológicas de agressores criminosos sociopatas quando viam imagens estressantes, ou quando processavam palavras com alto conteúdo emocional. Os parâmetros fisiológicos registrados são os mesmos que os nos aparelhos de “detectores de mentiras”.
A frequência cardíaca (isto é, quantas batidas por minuto, registradas na forma de curva em função do tempo). Estímulos que provocam medo ou stress eliciam um aumento na frequência cardíaca em indivíduos normais;
Reação galvânica da pele. A resistência elétrica da pele de certas regiões do corpo (por exemplo, a palma da mão) é afetada por sudorese emocional (ela aparece somente quando a pessoa está nervosa, mas não quando está com calor, como no suor normal: é por isso que falamos que uma pessoa está com as “mãos suadas” quando ela está mentindo).
Frequência respiratória: também é afetada pelo estímulo emocional, tornando-se mais rápida e mais superficial.
Os psicopatas não mostram alteração nestes parâmetros quando são submetidos ao stress ou a imagens desagradáveis. Estas alterações também não aparecem quando os sujeitos são avisados antecipadamente por um flash de luz quando eles vão receber um estímulo estressante (por exemplo, um desagradável sopro de ar em suas faces). Esta é a razão porque os sociopatas mentem tão bem e porque eles não são detectados pelos equipamentos de detecção de mentiras.
Entretanto, tudo isto não significa que os sociopatas não tenham emoções. Eles têm, mas em relação a eles mesmos, não em relação aos outros. De fato, tais indivíduos são incapazes de sentirem emoçoes “sociais” tais como simpatia, empatia, gratidão, etc. Isto pode explicar porque os sociopatas são tão desejosos de inflingir sofrimento e dor em outras pessoas sem sentir qualquer remorso. Para eles, as emoções de outras pessoas não têm qualquer importância; eles são “incapazes de construir uma similitude emocional do outro”.
Quais são os tipos de emoções que o sociopata tem? Aparentemente, eles reagem a tudo, e rapidamente, com sentimentos agressivos, são muito irritáveis e também sensíveis a qualquer coisa que provoque vergonha ou humilhação. Com relações às emoções positivas, eles obtém prazer através da sensação de dominância e sentem satisfação por isto.
O Erro de Descartes
Antonio Damasio, um neurologista americano-português, já citado por nós na introdução, tem uma teoria que poderia explicar porque pacientes com distúrbios provocados por lesões no cérebro frontal ventromedial (e, por extensão, sociopatas) têm estes problemas emocionais. Ele a chamou de a “hipótese do marcador somático”, que tem mais ou menos a seguinte forma: Indivíduos normais ativam os chamados “estados somáticos” (alterações na frequência cardíaca e respiração, dilatação das pupilas, sudorese, expressão facial, etc.) em resposta à punição associada às situações sociais. Por exemplo, uma criança quebra alguma coisa valiosa e é punida severamente por seus pais, evocando estes estados somáticos. Da próxima vez que ocorrer uma situação similar, os marcadores somáticos são ativados e a mesma emoção associada à punição é sentida. De modo a evitar isto, a criança suprime o comportamento indesejado.
De acordo com o Dr. Damásio, pessoas com danos no lobo frontal são incapazes de ativar estes marcadores somáticos. Ele diz: “isto deprivaria o indivíduo de um dispositivo automático para sinalizar consequências deletérias relativas a respostas que poderiam trazer a recompensa imediata”. Isto explica também porque os sociopatas e pacientes com danos no lobo pré-frontal mostram poucas respostas autonômicas a palavras condicionadas socialmente e imagens com conteúdo emocional, mas têm respostas normais a estímulos incondicionados como outras pesquisas do Dr. Damasio mostraram.
Analisando o comportamento sociopático e suas causas, Damásio sugeriu em seu livro bestseller, “Descartes’ Error: Emotion, Reason and the Human Brain” (O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano), que a razão e a emoção não são coisas separadas e antagonistas em noso cérebro (este foi o erro cometido pelo filósofo francês René Descartes aludido no título do livro), mas que um é importante para o outro na construção da nossa personalidade sadia. Indivíduos que são inteligentes e que são capazes de raciocinar bem, tornam-se monstros sociais quando eles não sentem “emoção social”, que é a base da moral, do sentimento que está certo ou errado, etc.
O Autor
Renato M.E. Sabbatini, PhD. neurocientista e especialista em Informática Biomédica, doutor pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado no Instituto de Psiquiatria Max Planck em Munique, na Alemanha. Atualmente, é diretor do Núcleo de Informática Bimédica da Unicamp e professor de Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas, (Campinas, Brasil). Email: sabbatin@nib.unicamp.br
Copyright 1998 Universidade Estadual de Campinas
Renato M.E. Sabbatini, PhD
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