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O Barulho como tecnologia mágicka

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Lox’i Rofokália[1]

Por muito tempo, mantida principalmente por tipos introvertidos de séculos passados, a imagem de que o silêncio era uma das habilidades mais importantes no arsenal do mago perdurou. Talvez realmente seja, para alguns. A mim nunca fez sentido a figura do mago silencioso. Na era da informação, já quase na metade da terceira década do século XXI, muitos dos que estão atualmente vivos foram criados numa cultura online de oversharing, acostumados a postar e digitalizar as mais banais ações cotidianas. E assim, o silêncio tem que tomar outra forma. Numa cultura onde cada um de seus passos é registrado e publicado obsessivamente, como se faz o silêncio?

O silêncio hoje, na nova era, se dá no barulho. Em desaparecer em meio ao ar de suas palavras e ações. Quando publicar cada um de seus passos se torna intuitivo, se não compulsivo, é preciso se mascarar na multitude de ideias que são apresentadas e surfar na onda de comunicação.

A verdade é que o oversharing se tornou comum, a expressão de pessoas mesmo em situações presenciais, se tornou quase um “tipo” ou código de linguagem própria. Vide quase qualquer um hoje em dia conseguir um diagnóstico de déficit de atenção. Em um mundo que atira uma infinidade de informações em sua mente a todos os instantes, sejam propagandas ou outras ideias, algo como o filme They Live (1989), é necessário adaptar sua mente para viver no fluxo de informação, e a verdade é que muitos de nós já somos adaptados, pois crescemos nele.

Vivendo uma vida online, tendo um perfil de acesso regular em uma ou mais redes sociais, especialmente aqueles com alcance alto e/ou públicos; cedo ou tarde, aqueles seguidores regulares conseguirão dizer onde você mora, o rosto de seus amados e familiares, seus valores e intentos, e até mesmo o layout e design interno de sua casa, mesmo que eles não estejam ativamente atrás deste tipo de informação. Tentar restringir o fluxo infinito de informação passada quase diretamente entre a mente e o mundo pode se mostrar uma tentativa não apenas fútil, mas danosa, levando ao isolamento preventivo ainda acompanhado do sentimento de que se está nu e exposto perante o mundo. O segredo está em dar informações demais, que nem sempre são de alguma relevância, especialmente se não são de nenhuma relevância; talvez haja relevância para alguém, mas acima de tudo, dá margem para uma infinitude de outras interpretações. Assim, o intento se mascara no ar, saltando como um golfinho pela linha do mar, ocasionalmente se mostrando, para logo voltar à escuridão.

Revele demais, fale demais, e crie as névoas nas quais pode viver em segurança e tranquilidade. A ideia é algo por aí.

Mesmo quando dedicamos nosso foco a tentar absorver ao máximo uma série de informações que nos serão passadas, a verdade é que nossa absorção comumente deixa a desejar. Quando sentamos em uma sala de aula, com o intento absoluto de memorizar as palavras, conteúdos e ideias que nos serão passados, acredito que a maior parte de nós já passou por algo do tipo, e percebeu que a maneira com a qual informações se fixam em nossas mentes depende muito de uma série de outros fatores externos a ela. Ouvir uma vez, uma informação, sem compreender a correlação dela com outras ideias e/ou sem ter uma atribuição de algum tipo de valor para aquela informação em sua vida, comumente leva ao esquecimento. Especialmente se aquela informação não sobe à tona novamente, ou se existem informações conflitantes e/ou incertas a respeito dela; exatamente o tipo de “armadilha” que costuma apresentar-se em um exercício de uma prova escolar.

Há uma magia intensa na arte de se relacionar na era digital, e isso se dá dentro de largas escalas e/ou online, mas também dentro de nossas órbitas pessoais de interação, em nossos pequenos círculos de amigos e aqueles que os rodeiam, e/ou offline.

Ideias hoje em dia se espalham como fogo em um pavio banhado em óleo sem vela, ardentemente, para logo se apagar possivelmente para sempre. Estamos a todo momento em contato com milhares delas, a todo momento, todos os dias. Silêncio numa era como esta só pode se dar neste barulho de fagulhas intensas em todos os lugares.

Estamos a todos os momentos deixando rastros de ideias não inicialmente planejadas em intentos interpretados por outros, em todas as nossas interações com o mundo, e a internet é apenas um catalisador disso, que mesmo quando abstraído, permeia nossas vidas direta ou indiretamente. É preciso não apenas saber destas interpretações errôneas, como usá-las a seu favor.

Vivemos na era de pessoas em larga escala falando muito sem dizer absolutamente nada. Um excelente exemplo disso está nos discursos dos “grandes líderes” populistas que ganharam tanto destaque desde a metade do século XX até hoje, e que provavelmente terão ressurgência nos próximos anos. Observe debates, discursos e entrevistas com esses indivíduos, e perceberá que a maior parte deles pode falar por tempo quase indeterminado sem dizer absolutamente nada, especialmente sobre o que se de fato gostaria de saber.

Os fenômenos parassociais também acentuam o tipo de ideias que queremos elevar. Ao acompanhar alguém digitalmente por algum tempo, especialmente em alguns tipos de interações específicas, é comum que nos sintamos próximos daquela pessoa e tenhamos algum tipo de envolvimento emocional, mesmo sem nunca ter tido contato direto com aquele indivíduo. Perceberá que acredita conhecer muito mais aquelas pessoas do que de fato conhece; perceberá que quando se fixa os olhos em algo, também não se pode ver nada.

Todos esses conceitos foram trazidos à tona não com o intuito de mostrar um meio de surfar estas ondas, mas de dizer que é possível, e que quando se abre os olhos para isso, as barreiras pessoais da privacidade de cada um se tornam claras. E também, é claro, buscando incentivar muitos daqueles que não se encaixam nos padrões e se amarram às inconformidades.


Lorena Helena Uchôa ou Lox’i Rofokália é trans, historiadora pela PUC-SP, psiconauta, e neo-xamã caoísta. Ela foca seus estudos em psiquismo, caos e químiognose, e em práticas de transformação corporal mágicka. Siga-a em sua página do Instagram aonde oferece feitiços, oráculos, mentorias e shitposting em @lolo.rofokalia.


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