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Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier
“Terra fumegante de fábricas. Terra trepidante de negócios. Terra vibrante de cem novas radiações. Este grande organismo, no fim de contas, apenas vive por e para uma nova alma. Sol, a mudança de idade, uma modificação do Pensamento. Ora, onde procurar, onde colocar essa alteração renovadora e subtil que, sem modificar apreciavelmente os nossos corpos, fez de nós seres novos? Em parte alguma senão numa nova intuição, que modifica na sua totalidade a fisionomia do Universo em que nos movíamos – por outras palavras, num despertar.”
Desta forma, para Teilhard de Chardin, a mutação da espécie humana começou: a nova alma está prestes a nascer. Essa mutação opera-se nas profundas regiões da inteligência e, devido a essa “alteração renovadora,” é-nos facultada uma visão total e totalmente diferente do Universo. Ao estado de vigília da consciência segue-se um estado superior, em comparação com o qual o precedente não passava de sono. Eis chegado o tempo do verdadeiro despertar.
É a uma reflexão sobre esse despertar verdadeiro que desejamos conduzir o leitor. Eu disse, no início do nosso trabalho, de que forma a minha infância e a minha adolescência se acharam impregnadas de um sentimento semelhante àquele que animava Teilhard. Quando analiso o Conjunto dos meus actos, das minhas investigações, dos meus escritos, vejo bem que tudo foi orientado pelo sentimento, tão violento e tão vasto em meu pai, de que há para a consciência humana uma etapa a transpor, de que há um “segundo sopro” a encontrar, e de que chegaram os tempos. Este livro, no fundo, apenas tem como objectivo a afirmação tão poderosa quanto possível desse sentimento.
Em relação à ciência, o atraso da psicologia é considerável. A psicologia dita moderna estuda um homem conforme à visão do século xIx, dominado pelo positivismo militante. A ciência realmente moderna prospecta um Universo que se revela cada vez mais rico em surpresas, cada vez menos de acordo com as estruturas do espírito e com a natureza do conhecimento oficialmente admitidos. A psicologia dos estados conscientes supõe um homem determinado e estático: o homo sapiens do “século das luzes”. A física desvenda um mundo que joga diversos jogos a um tempo, com múltiplas portas abertas sobre o infinito. As ciências exactas vão dar ao fantástico. As ciências humanas ainda se encontram fechadas na superstição positivista. A noção do devir, do evolutivo, domina o pensamento científico. A psicologia ainda se baseia numa visão do homem terminado, nas funções mentais uma vez por todas hierarquizadas. Ora, bem pelo contrário, a nós parece-nos que o homem não está terminado, parece-nos vislumbrar, através dos formidáveis abalos que neste momento alteram o mundo, abalos em altura no domínio do conhecimento, abalos em largura produzidos pela formação das grandes massas, as premissas de uma modificação do estado da consciência humana, uma “alteração renovadora” no interior do próprio homem. De forma que a psicologia eficaz, adaptada aos tempos que nós vivemos, deveria, segundo cremos, basear-se não naquilo que o homem é (ou antes naquilo que ele parece ser), mas naquilo que ele pode vir a ser, na sua possível evolução. O primeiro trabalho útil seria a procura do ponto de vista sobre essa possível evolução. Foi a essa procura que nos dedicámos.
Todas as doutrinas tradicionais assentam na ideia de que o homem não é um ser completo, e as antigas psicologias estudam as condições em que se devem operar as alterações, modificações, transmutações, que levarão o homem à sua verdadeira realização. Uma determinada reflexão absolutamente moderna realizada segundo o nosso método leva-nos a pensar que o homem possui, provavelmente, faculdades que não explora, toda uma maquinaria por utilizar. Já o dissemos: o conhecimento do mundo exterior no seu limite, provoca uma revisão da própria natureza do conhecimento, das estruturas da inteligência e da percepção. Também dissemos que a próxima revolução seria psicológica. Esta ideia não é apenas nossa: é partilhada por muitos investigadores modernos de Oppenheimer a Costa de Beauregard, de Wolfgang Pauli a Heisenberg, de Charles-Noel Martin a Jacques Menétrier.
No entanto, é verdade que no limiar dessa revolução nenhum dos altos pensamentos quase religiosos que animam os investigadores penetra no espírito dos homens vulgares, vivificando as profundezas da sociedade. Tudo se modificou em certos cérebros. Nada se modificou desde o século xIx nas ideias gerais a respeito da natureza do homem e da sociedade humana. Jaurès, num artigo inédito sobre Deus, escrito no final da sua vida, dizia com grandeza:
“O que hoje queremos dizer é que a ideia religiosa, por momentos afastada, pode reapossar-se dos espíritos e das consciências, visto que as conclusões actuais da ciência os predispõem a recebê-la. Existe desde já, se assim se pode dizer, uma religião já pronta, e se ela não penetra neste momento nas profundezas da sociedade, se a burguesia é limitadamente espiritualista ou tolamente positivista, se o proletariado está dividido entre a superstição servil ou o materialismo apaixonado, é porque o regime social actual é um regime de embrutecimento e de ódio, quer dizer, um regime irreligioso. Não é, como dizem muitas vezes os declamadores vulgares e os moralistas sem ideias, porque a nossa sociedade tenha a preocupação dos interesses materiais que ela é irreligiosa. Pelo contrário, há qualquer coisa de religioso na conquista da natureza pelo homem, na apropriação das forças do Universo pelas necessidades da humanidade. Não, o que é irreligioso é que o homem não conquista a natureza sem escravizar os homens. Não é a preocupação pelo progresso material que afasta o homem dos altos pensamentos e da meditação das coisas divinas, é o esgotamento do labor inumano que não permite, à maior parte dos homens, ter a força de pensar nem sequer a de sentir a vida, quer dizer, Deus. É também a sobrexcitação das paixões vis, a inveja e o orgulho, que desperdiçam em lutas ímpias a energia íntima dos mais valorosos e dos mais felizes. Entre a provocação da fome e a sobrexcitação do ódio, a humanidade não pode pensar no infinito. A humanidade é como uma grande árvore, cheia do ruído de moscas irritadas sob um céu de tempestade, e nesse zumbido de ódio a voz profunda e divina do Universo não é ouvida.”
Foi com emoção que descobri este texto de Jaurès. Ele retoma os termos da longa mensagem que meu pai lhe havia enviado. Meu pai esperou febrilmente a resposta, que não chegou. Foi a mim que ela chegou, por intermédio desse inédito, perto de cinquenta anos mais tarde. . .
É evidente que o homem não tem um conhecimento de si próprio à altura do que ele faz, isto é, do que a ciência, recompensa
do seu obscuro labor, revela a respeito do Universo, dos seus mistérios, dos seus poderes e das suas harmonias. E se o não tem é porque a organização social, baseada em ideias caducas, o priva de esperança, de repouso e de paz. Privado da vida, no verdadeiro sentido da palavra, como poderia ele descobrir a vastidão do infinito? No entanto, tudo nos incita a pensar que as coisas se modificarão rapidamente; que a agitação das grandes massas, a formidável pressão das descobertas e das técnicas, o movimento das ideias nas esferas da verdadeira responsabilidade, o contacto com as inteligências exteriores varrerão os antigos princípios que paralisam a vida em sociedade, e que o homem, novamente disponível no final desse caminho que vai da alienação à revolta e, depois, da revolta à adesão, sentirá nascer nele próprio essa “alma nova” de que fala Teilhard, e descobrirá na liberdade esse “poder de ser causa” que liga o ser ao facto.
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Que o homem possui certos poderes: premonição, telepatia, etc., parece que está provado. Existem factos observáveis. Mas, até aqui, tais factos foram apresentados como supostas provas da “realidade de alma”, ou do “espírito dos mortos”. O extraordinário como manifestação do improvável: contra-senso. Portanto rejeitámos, no nosso trabalho, qualquer recurso ao oculto e ao mágico. Isto não significa que se deva desprezar a totalidade dos factos e dos textos desse género. Quanto a isso, tomámos a mesma atitude de Roger Bacon[1], tão moderna e inteligente: “É necessário, nestes assuntos, proceder com prudência, pois o homem pode facilmente enganar-se, e encontrar-nos-emos em presença de dois erros: uns negam tudo o que é extraordinário, e os outros, ultrapassando a razão, caem na magia. Precisamos portanto de desconfiar desses numerosos livros que contêm versos, caracteres, orações, conjurações, sacrifícios, pois trata-se de livros de pura magia, e de outros em número infinito, os quais não possuem o poder da arte nem o da natureza, mas histórias de feiticeiros. É necessário, por outro lado, considerar que, entre os livros considerados mágicos, há-os que o não são de forma alguma e contêm o segredo dos sábios… Se alguém encontrar nessas obras qualquer operação da natureza ou da arte, que a guarde…”
O único progresso em psicologia foi o começo da exploração das profundezas, das zonas subconscientes. Nós cremos que existem também cumes a explorar, uma zona superconsciente. Ou antes, as nossas pesquisas e reflexões convidam-nos a admitir como hipótese a existência de um equipamento superior do cérebro, em grande parte inexplorado. No estado de vigília normal da consciência, fica em actividade um décimo do cérebro. Que se passa nos nove décimos aparentemente silenciosos? Não existe um estado onde a totalidade do cérebro se acharia em actividade organizada? Todos os factos que vamos agora enumerar e estudar podem ser ligados a um fenómeno de activação das zonas habitualmente adormecidas. Ora ainda não existe nenhuma psicologia orientada para esse fenómeno. Sem dúvida será necessário aguardar que a neurofisiologia progrida para que nasça uma psicologia dos cumes. Sem esperar o desenvolvimento dessa nova psicologia, e sem querer prever os seus resultados, queremos simplesmente chamar a atenção para esse domínio. Pode ser que a sua exploração se revele tão importante como a exploração do átomo e a do espaço.
Até aqui, todo o interesse se fixou naquilo que está por debaixo da consciência; quanto à própria consciência, não deixou de aparecer, no estudo moderno, como um fenómeno proveniente das zonas inferiores: o sexo para Freud, os reflexos condicionados para Pavlov, etc. De forma que toda a literatura psicológica, todo o romance moderno, por exemplo, corresponde à definição de Chesterton: “Essas pessoas que, ao falarem do mar, só falam do enjoo.” Mas Chesterton era católico: ele cria na existência dos cumes da consciência porque admitia a existência de Deus. Tornava-se necessário que a psicologia se libertasse, como qualquer outra ciência, da teologia. Nós apenas pensamos que a libertação ainda não é completa; que existe também uma libertação em altura: pelo estudo metódico dos fenómenos que se situam acima da consciência, da inteligência que vibra a uma frequência superior.
O espectro da luz apresenta-se assim: à esquerda, a larga faixa das ondas hertzianas e do infravermelho. Ao centro, a estreita faixa da luz visível; à direita, a faixa infinita: ultravioleta, raios X, raios gama e o desconhecido.
E se o espectro da inteligência, da luz humana, lhe fosse comparável? À esquerda, o infra ou subconsciente, ao centro, a estreita faixa da consciência, à direita, a faixa infinita da ultraconsciência. Até aqui os estudos só atingiram a consciência e a subconsciência. O vasto domínio da ultraconsciência não parece ter sido explorado, a não ser pelos místicos e pelos mágicos: explorações secretas, testemunhos pouco esclarecedores. A pequena quantidade de informações conseguidas faz com que se expliquem certos fenómenos inegáveis – como seja a intuição e o génio, correspondendo ao princípio da faixa da direita – com os fenómenos da infraconsciência, correspondendo ao final da faixa da esquerda. Aquilo que sabemos do subconsciente serve-nos para explicar o pouco que sabemos do superconsciente. Ora, não se pode explicar a direita do espectro de luz com a esquerda, os raios gama com as ondas hertzianas: as propriedades não são as mesmas. Assim, pensamos que, se existe um estado para além do estado de consciência, as propriedades do espírito são aí totalmente diferentes. Outros métodos, diferentes dos da psicologia dos estados inferiores, devem ser encontrados.
Em que condições pode o espírito atingir esse outro estado. Quais serão então as suas propriedades? A que conhecimentos é então susceptível de chegar? O formidável movimento do conhecimento faz-nos chegar a esse ponto em que o espírito se sabe na obrigação de se modificar, para ver o que há a ver, para fazer o que deve ser feito. “O pouco que vemos é devido ao pouco que somos.” Mas seremos nós apenas aquilo que julgamos ser?
1 1613: Lettre sur les Prodiges.
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