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por Herman Faulstich
Wodanaz, O Tao da Violência
Várias divindades são dedicadas à guerra, todavia, é comum que observem aspectos específicos: Ênio a carnificina; Belona agressividade; Ogum o autocontrole; Marte a disciplina militar; Atena a estratégia e Oðinn, o êxtase do conflito. O êxtase ocorre em dois momentos: no frenesi do combate e no retorno às faculdades sensoriais ao nível padrão após a contenda. O Tao é um estado de percepção da realidade de impossível descrição, já que ocorre em um nível suprarracional, ou seja, o intelecto não alcança a compreensão, tanto que está associado a processos religiosos, é transcendente.
O mesmo pode ser dito na qualidade de Oðinn: o indivíduo entra em um estágio que transcende a razão e, sendo a razão, um instrumento do ego, pode alcançar um tom espiritual. Uma religião ou Tao (Caminho) da violência, por assim dizer. Um dos seus nomes germânicos reflete tal qualidade que, por sinal, é o mais antigo encontrado por escrito: Wodanaz. “Wōdh” é entusiasmado, inspirado, energizado, possuído por espírito, frenético, furioso; “an”, mestre, líder e “az” terminação gramatical. Então: “Senhor dos Inspirados”, “Líder dos Possuídos” ou “Senhor do Frenesi”. Um exemplo está nos Berserkes, que podem muito bem ser vistos como iniciados em um culto de violência, uma vez que “a missa” estava na luta. Um indivíduo nesse estado é ferido e não para, demora mais do que o normal para cansar e apresenta força acima do normal. Eles entravam em um estado de “flow” onde não há racionalização, apenas ação incansável e a baixa dos níveis hormonais ao normal.
Todo competidor de artes marciais e atletas conhecem estados de percepção semelhante. Na verdade, os estados poderiam ser alcançados pelos guerreiros mais facilmente com consumo de enteógenos e álcool em vez de um processo de autoconhecimento e contemplação como no taoismo. Wodanaz, por exemplo, obteve conhecimento transcendente em um porre de hidromel. Aliás, guerra e incentivos químicos existem desde sempre, com um exemplo recente os soldados nazistas com anfetamina (longe de qualquer transcendência).
Se você faz alguma arte marcial ou atividade esportiva que leva ao esgotamento, como Crossfitt por exemplo, pense em Wodanaz. Pronto, o velho caolho agora ganhou mais uma atribuição: “deus dos crosfiteiros”. Heill, Wodanaz!
Oðinn, O Mestre dos Magos
Oðinn, o Pai de Todos, é um deus criador interessante: apesar de fazer o mundo, não é onipotente, onisciente ou onipresente. Ele busca sabedoria e poderes. Mitos escapam de coerência a princípio, pois não são roteiros de filmes, mas vetores de verdades relativas à realidade (ainda que veladas) e lições de moral de culturas inscritas em espaço e tempo específicos. Por isso Oðinn criou o mundo com o corpo de Hymir, mas teve que se imolar ou beber hidromel para ganhar sabedoria.
O principal evento mágico ocorreu quando foi beber no Poço de Mimir para obter sabedoria oculta da magia (vidência e bruxaria),mas havia um preço a pagar: o líder dos aesir enforcou-se (ou dependurou-se) na árvore Yggdrasil, trespassou-se com uma lança e entregou um olho a Mimir. Além de beber da água, quando o sangue caiu no chão, as runas brotaram do solo.
A simbologia dos ordálios carregam tons mágicos-xamânicos: transe ou gnosis para alterar o estado de consciência através da dor e falta de ar a fim de sair do corpo (e ver as runas); olhos diferentes para simbolizar a dupla visão do mundo espiritual e material, uma vez que a cegueira é símbolo de utilização de outras formas de percepção. Os nove dias e noites que durou a provação é associado com um o tempo de um rito iniciático.
Fora isso, os animais que relacionados a ele: dois corvos, “Huginn” (pensamento) e “Muninn” (memória) que saem pelo mundo trazendo informações, representam faculdades elevadas de percepção como se fosse um voo, saída do corpo; os lobos Geri (guloso) e Freki (voraz) que, junto aos cães, simbolizam envio de magia contra inimigos. Os “Ulfheðnar”, um tipo de “Berseker”, mas que “assumiam a forma” (comportamento) de lobo (Berseker era urso). O seu cavalo de oito patas Sleipnir, que o leva para o submundo (Hel), cuja imagem é presente entre o Muria indianos. Não é de se estranhar, pois indianos e nórdicos estão na linha protoindo-europeia, identidade essa que levou um certo movimento político germânico nos anos 30 e 40 a utilizar simbologia hindu corrompendo-a.
Outra ligação com a magia está em um dos seus epítetos: “Pai de Galdrs”. “Galdrs” é um tipo de magia cantada em tom agudo onde o homem vestia-se de mulher imitando a voz feminina. Outra magia chamada “seidhr”,Oðinn aprendeu com Freya e também inaugurou a necromancia, ao invocar uma völva (feiticeira) morta para que predissesse algo para ele. Tudo isso para aumentar o seu “Ásmegin”, ou poder divino, através do conhecimento.
Há controvérsias sobre a utilização do termo “xamanismo” nos nórdicos, mas aqui é usado além do siberiano aplicado ao indo-europeu. além disso, na mitologia nórdica, encontram-se diversos paralelos com práticas autóctones pelo mundo. Outra problemática reside nas fontes, uma vez que os germânicos não deixaram registros do rito nem do mito , estes foram escritos depois sofrendo influências cristãs, vide os Eddas.
Fora isso tudo, Oðinn era transmorfo, marcante característica xamânica. O “Andarilho”, outro dos seus títulos, tornou-se o padrão visual para a ideia que temos de mago, uma vez que foi descrito como um homem mais velho usando capa, chapéu de abas largas, roupas cinzas ou azuis e portando lança ou cajado. Outra influência é Merlin via Disney, mas mesmo o druida seguiu o padrão da divindade teotônica.
Oðinn, a Busca
Há uma história não contada sobre o senhor da magia nórdica. Ele tinha vários nomes, mas Oðinn serve a este propósito. Há muito deixou o seu reino atrás de algo. Fez longa caminhada até sair das brumas nas colossais raízes da árvore que conectava os Nove Mundos, Yggdrasill. De tão altas, o topo não era visto. Podia identificar no meio delas três mulheres sentadas em volta de uma roca, imersas nos seus afazeres. Caminhou até perto delas, parou, apoiando-se no seu cajado de madeira. De forma solene disse:
— Salve, Nornas, senhoras dos fios da vida.
— Salve, Rei de Deuses — responderam as três em uníssono não interrompendo a tarefa.
— O que o traz aqui — perguntou a mais nova chamada Skuld.
— Apesar de já sabermos — disse a mais velha que atendia por Urð.
— Aproxima-te mais, Chefe dos Aesir — falou a que não era nem jovem e nem velha conhecida por Verðandi. O homem alto e corpulento aceitou o convite, tirou o chapéu de abas largas, ajeitou a capa e sentou-se na pedra diante delas.
— Busco a sabedoria das senhoras.
— A prata em vossos cabelos não reflete muita inteligência, pelo visto — disse a idosa. Oðinn guardou silêncio, mas o olhar e o suspiro denunciavam incômodo. Ela continuou:
— Não somos sábias, apenas lemos o fio da vida de todas as criaturas, de bestas a deuses. E você procurando sempre por magia, não é andarilho? Como os Aesir chamam-na mesmo? Ah, sim, Fjölkynngi, o conhecimento das coisas.
— Nem os deuses conhecem tudo — disse Oðinn.
— Bem sabemos disso. Mas sabes qual magia praticamos?
— A magia da leitura do tempo.
— Sim, mas a busca por tal habilidade tem apenas um propósito: alterar o rumo das coisas — Oðinn conservou o silêncio encarando-as — Verðandi continuou:
— Como sabes, nada está acima de nós três, com uma exceção: Orlög. O mundo é regido por diversos poderes. Orlög é o maior deles. É aquilo que não pode ser mudado; o caminho inevitável. Está na mão invisível que puxa tudo para o chão; no grande vento que troca a lua pelo sol e vice-versa; é fortuna e infortúnio; frio e calor; dor e prazer. Não aceita barganha, apenas conformidade. Teimam desafiar Orlög para mudar o curso das coisas, e para isso, buscam a magia, porém o fracasso é companheiro fiel. A menos, claro, que estejam lidando com Wyrd, a trilha aberta pelos seres dentro do próprio Orlög. No Wyrd há possibilidade de mudança, é o caminhar em zigue-zague dentro de uma estrada reta; livre na maneira, mas ainda seguindo uma trajetória determinada. Estás aqui para desafiar Orlög?
— Talvez.
— Muito bem. “Senhor da Magia” não é um dos teus epítetos? Explique para nós o que sabe de magia e, talvez, consideremos dar o que pede — Oðinn assumiu posição mais ereta e começou a falar:
— Magia é som, música e poesia. A das mulheres Vanir, chama-se Seiðr. Trata-se de cantar e dançar, sair de si mesmo para vidência, benção ou malefício. Voa-se para fora do corpo como si mesmo ou fera. Entre os mortais são especialidades das videntes e curandeiras völvas ou seidhkönur; todavia, para homens realizá-las, deverão estar como mulheres. É uma prática solitário, comumente familiar. Costumam usá-la também para invocar espíritos tais como o companheiro animal deles Fylgia que podem tomar o corpo temporariamente da praticante — as fiadeiras permaneceram atentas e Oðinn viu que deveria continuar.
— Outra magia chama-se Galdor. Diferente da Seiðr, o homem vitki ou gothi e a mulher galdakorna ou gythia, precisam estar conscientes durante o encantamento. Atua em seres e objetos empregando desenhos e símbolos. Valem-se dos ritmos que chamam seidhlæti e canções vardlokur. Todas essas magias agem no Wyrd.
— Dominas conhecimento satisfatório, ó Mestre da Inspiração — disse Verðandi.
— Citaste os mortais. O que poderia falar daqueles em que tu sopraste a vida?
— Por certo, senhora Skuld. São criaturas cujo corpo frágil chamam lyke, porém pode mudar, durante a magia, no que chamam Hamr, a aparência, principalmente para formas animais. Uma parte deles chamada Hamingja, liga-se a descendência direta quando da morte, mas pode fazê-lo em outro parente ou qualquer pessoa para auxiliar temporariamente. A Fylgia também possui importância na composição mortal, mas dela já foi falado.
— Pois bem, esperávamos ouvir da tua boca sobre as Runas, “Senhor da Magia” — lembrou do epíteto em tom irônico a caçula que era mais velha do que a mais velha das estrelas.
— Runas? O que são?
— Não cabe a nós ensiná-lo.
— Quem poderia fazê-lo?
— Procure em tua ancestralidade — disse Urð. Oðinn imediatamente pensou no seu pai Borr. Skuld interrompeu o visitante em suas recordações:
— Não, não será pelo sangue paterno que alcançarás o que procura. Vá ter com Mímir, irmão de vossa mãe, em Iotunhaim e beba das águas da sabedoria que ele guarda. Mas entenda, há um preço. Poderes nunca vêm sem uma paga — ouviu Oðinn da idosa. Pensativo, o rei de Godheim agradeceu, colocou o chapéu de volta na cabeça e partiu em direção ás brumas quando ouviu das três:
— Já falamos para ti que possuí belos olhos — perguntaram para gargalharem em seguida.
Oðinn avistou o Poço de Mímir quando do limite das suas forças. A travessia de Iotunhaim exigiu muito ao tentar manter-se incógnito nas terras antigas. Seu povo não era bem-vindo naquela região e ele sentiu isso na pele. Encostou-se em um muro corroído pelo tempo para limpar algumas feridas que ainda sangravam. Ao término da tarefa, ouviu uma voz rouca:
— Ora, ora, o sangue que vejo neste solo é da família — Oðinn voltou-se para a origem da fala e avistou o dono do lugar. Mímir era maior do que ele, o semblante refletia eras de vida, porém a força ainda parecia correr pelos músculos. A calvície instalada contrastava com a longa barba branca que terminava em uma trança grossa abaixo do plexo. Mímir descansou o seu machado ao lado de um trono cavado na colossal raiz de Yggdrasill e sentou-se neste. O visitante aprumou-se e, de forma solene, disse:
— Sábio Mímir, irmão de minha mãe, guardião do poço que leva vosso nome, estou aqui para pedir-lhe algo.
— Não atravessaria estas terras apenas para visitar um velho; aproxime-se O aesir atendeu e aceitou água oferecida. Olhou para o poço que estava próximo ao limpar a boca com as costas da mão.
— Não seria bem esta sede que veio saciar, não é sobrinho? A sede que seca vossa boca?
— Não, é a outra que sabes qual é. Peço para beber das águas que guarda.
— O que buscas com isso?
— Sabedoria.
— Sabedoria é conhecimento irmanado à experiência. É preciso tempo para alcançá-la. Além disso, vosso pedido é algo difuso. Qual sabedoria desejas?
— Das Runas.
— Como soubeste delas?
— Tive com as Nornes.
— Ah, as fiadeiras… Existem coisas maiores aqui envolvidas, então — disse Mímir pensativo olhando para o nada — Que seja, porém, muito será exigido de ti.
— Não seria de outra forma — respondeu um decidido Oðinn.
— Sabedoria exige tempo que é emprego paulatino de energia. Se tens urgência será cobrada carga alta de uma vez — o visitante concordou meneando a cabeça. Mímir dirigiu-se para o poço chamando o sobrinho com um gesto. Era largo, feito de pedras claras e abraçado por pequenas ramificações da raiz da Árvore dos Mundos. As águas eram límpidas refletindo perfeitamente o cenário. O ancião sacou uma adaga e, segurando-a pela lâmina, entregou a Oðinn e disse:
— Filho de minha irmã, tu que buscas saber, deves, primeiro, beber das águas deste poço — Mímir pegou o chifre chamado Gjallarhorn, afundou nelas enchendo-o por completo; levantou em direção à copa de Yggdrasil e cantou uma canção na língua ancestral. Ao término, estendeu para o sobrinho e falou solene:
— Oðinn, tomai dessas águas e jamais terás sede de sabedoria. Saber é ver as coisas de outra maneira. Dai-me um de vossos olhos em troca — O aesir não pensou e cravou a adaga em um dos seus globos oculares. Conteve o urro de dor extraindo o mais rápido que pode e ofereceu o órgão ensanguentado ao tio. Mímir aceitou a oferenda e a jogou no poço. Pegou o sobrinho agonizando, amarrou seus pés e o pendurou em um dos galhos da Árvore de cabeça para baixo. Oðinn fitava o próprio reflexo no poço e também o seu olho flutuando nele.
— Agora enxergas as coisas de outra forma. Com um olho, aquilo que todos enxergam, com o outro, será capaz de enxergar além — Oðinn viu fios brilhantes surgindo a sua volta, em todos os lugares, em todos os seres fios conectando todos os eventos; tudo como um só.
— Diga-me, o que vês — indagou Mímir.
— Não sei… Vejo tudo e todos conectados, coisas que conhecia e ignorava, ligados como que por uma teia translúcida. Mas não consigo expressar… Vejo, mas sou incapaz de entender — disse com a voz engasgada.
— Agora, sobrinho, aprenderás a ler o que vê.
— Para completar o ritual, deverás adentrar o reino dos mortos. E como bem sabes, apenas os mortos entram em Hel ou quem está à beira da morte.
— Termine logo com isso, velho — replicou um Oðinn irritado pela dor. Com a mesma corda que atou os pés, Mímir fez uma forca e colocou-a em torno do pescoço de sobrinho; com outro pedaço amarrou os braços dele e o ergueu bem alto.
— Solte — ordenou Oðinn. Mímir obedeceu para depois ver o sobrinho debater combatendo instintivamente a apneia levando tempo demais. O guardião do poço, vendo que a força empregada poderia quebrar o galho onde estava pendurado, pegou uma lança e fincou em um dos flancos para acelerar o desfalecimento. O grito foi sufocado pela corda e as forças iam diminuindo à medida que o sangue vertida. Os olhos iam fechando e sentiu-se saindo do corpo. Pairou acima do poço. Viu-se embaixo enforcado com Mímir ao lado, olhou para Yggdrasill e a viu como feixes luminosos que uniam os nove mundos. Entrou no tronco e navegou por ele descendo para abaixo da mais funda das raízes. Oðinn, subitamente, viu-se em meio a uma floresta, silenciosa, fria, sem animal algum. Apenas densas árvores em volta sob um céu acinzentado com névoas cobrindo o solo. Parecia flutuar em vez de andar. Viu a abertura de uma caverna à frente. Entrou. As paredes eram repletas de ossos e esqueletos, de animais, humanos, gigantes, elfos, anões e deuses. Tudo o que vive estava incrustado a sua volta. Todos dispostos de forma a indicar que prosseguisse em uma longa descida. O chefe dos aesir não sabe quanto tempo desceu, mas ao final, deparou-se com um cenário de beleza rara: uma floresta colorida repleta de árvores frutíferas, rios, cachoeiras e céu claro. Havia todos os tipos de seres por ali. Não demorou para ver uma mulher sentada em um trono feito por crânios, porém, havia flores em volta. Algumas como enfeite. Podia até mesmo vê-las crescendo dos ossos. Sem dúvida era Hela, a soberana do reino dos mortos. A governanta era matrona, trajando seda verdejante, aparentando fisicamente meia idade, mas o semblante demonstrava antiguidade. Dona de belas feições, olhos e pele escura, usava um crânio lupino florido como coroa e segurava um cajado feito de marfim. O longo cabelo dourado escorria até as costas. O contraste entre o belo e o grotesco desconcertou o visitante.
— Surpreso com a beleza e a vida deste lugar, senhor de Asgard — indagou Hela.
— Diria que sim, Senhora dos Mortos.
— Não sou senhora, sou mãe. Cuido deles aqui no meu mundo que é, ao mesmo tempo, eu mesma. Raro receber visitas de um quase morto, porém não inesperada.
— Então sabes que vim aqui pelas Runas.
— Bem sei, Senhor da Magia. Então aprenda: as Runas são a linguagem do mundo; de todos os mundos. Elas traduzem o movimento do tempo; os eventos que foram, o que é agora e o que ainda não aconteceu. Elas são as palavras ditas pela voz silenciosa de Orlög. Se queres ver o rastro de Wyrd, consulte-as. São sons, imagem, números, emoções, ação, seres e ideias. Causa e efeito não tem ordem para elas; vêm da terra, pois é o elemento que forma os mundos. Tudo o que vive dela surge, por ela é sustentado e para ela retorna. Runas são assim, o mistério que não pode ser realmente explicado, mas sim utilizado.
Oðinn percebia-se sonhando, uma vez que a nitidez do cenário variava e a dor das chagas não se faziam mais presentes. Todavia, tinha consciência do que ouvira e indagou a sua interlocutora:
— Vosso raciocínio excede em complexidade Mãe dos Mortos. O que são de fato?
— Runas manifestam-se como um alfabeto, senhor de Asgard. São escrita e, como tal, dão forma ao que existe apenas em pensamento. Isso é a essência da magia: materializar a vontade. As Runas são gravadas, por isso, na matéria, assim perdurando e passando de geração a geração — O aesir compreendia tudo agora.
— Tu também as ensinarás àqueles em que sopraste vida.
— Refere-se aos de Midgard?
— Sim. As Runas serão o meio pelo qual eles falarão com os deuses e também alcançarão outros mundos. Com elas farão prodígios; serão Forjadores de Encantamentos.
Hela levantou-se do trono, desceu os degraus feitos por fêmures cercados por flores e parou ao lado de Oðinn. Com o cajado ela desenhou uma série de letras no chão.
— Aqui estão elas, Mago. Elas existem agora aqui debaixo, mas cabe a você trazê-las à superfície. Aqui estão inascidas, mas você dar-lhes-á vida. Parta levando consigo o que vieste buscar.
— Agradeço vossa presteza, senhora — mal parou de falar e Hela ergueu bruscamente o deus pelo pescoço com apenas uma das mãos sufocando-o. Oðinn fitou os olhos de negrume abissal e desfaleceu.
Mímir viu o sobrinho abrir os olhos sentindo os pulmões explodirem. Lentamente Oðinn tirou a lança do seu tronco sentido cada milímetro de dor e a usou para cortar a corda que o prendia. Caindo de joelhos em cima da poça de sangue que havia formado abaixo dele; as palmas das mãos tocaram o solo ensanguentado. Recuperando-se, começou a espalhar o líquido rubro pela terra e cantou baixo chamando as Runas à superfície. Da terra batizada com sangue, uma a uma elas foram surgindo. Com o resto de suas forças, Oðinn soprou cada letra que aparecia endurecendo a lama que as cercava. Ao término, ele viu disposto na sua frente um alfabeto riscado em pedaços sólidos. Desfaleceu. O ancião tirou o sobrinho dali, curou as feridas com ervas e velou por ele até recuperar-se. Ao acordar, Oðinn perguntou ao parente quanto tempo ficara pendurado e ouviu:
— Nove dias e nove noites. É um deus difícil de morrer, porém não esperava menos do filho da minha irmã — Mímir em seguida pegou uma pequena bolsa e deu a Oðinn. O deus abriu e deixou cair no colo vinte e quatro pedaços redondos de madeira gravados com os símbolos dados por Hela. Olhou cada um deles e os nomes de todos vieram à mente como se sussurrados por uma presença invisível.
— Antes de partir, compartilhe comigo este barril da melhor cerveja feita pelas elfas de Alfheim — disse Mímir. O segundo barril não demorou a ser aberto.
FIM
Herman Faulstich (Frater Keron-E/Kalimann) é mago, buxo, xamã, desenhista industrial e campeão mundial de Jiu Jitsu. É também autor do autor do livro Thelema, uma introdução à obra de Aleister Crowley
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Uma resposta em “Oðinn, o senhor da Magia Nórdica”
Um texto maravilhoso demais, me identifico e tenho muita afinidade com Oðinn, pois, incessantemente, busco o mesmo que Ele: O Conhecimento. Isto é Tudo e O Todo para mim.