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André Correia (Conexão Pagã / @bercodepalha)
Eu sempre fui uma pessoa muito sozinha e quieta. Minha mãe diz que fui uma criança que não deu muito trabalho, sempre muito tranquilo, bonzinho e solitário. Segundo ela, a única preocupação que dei quando menor, foi com a saúde sempre frágil. Entrando e saindo de hospitais, tomando muita medicação, fazendo tratamentos e outros acompanhamentos dessa natureza. Sempre muito solitário.
Na verdade, acredito que sempre gostei de estar sozinho em tudo o que me propus a fazer. Minhas atividades sempre foram solitárias, meus esportes foram mais individuais e menos coletivos e sempre me dei bem com a leitura.
Hoje, gosto de pensar que até mesmo meus gostos se desenvolveram para causar o isolamento. As músicas sempre foram provocativas, as leituras sempre chocantes ou algo que poucas pessoas conheciam. Meus animais sempre foram do tipo que afastavam curiosos, como lagartos, salamandras, sapos e cobras. Não que eu não tivesse cachorros e gatos também. Eu sempre gostei de animais.
Por algum período da minha vida me vi dependente de algumas pessoas. Eu precisava de amigos em quem eu confiasse muito para que eu me sentisse seguro, que eu conseguisse tomar decisões e movimentar meus planos, projetos pessoais e profissionais.
Posteriormente fui entender essa característica de personalidade, do meu comportamento que me fazia precisar de segurança para que algumas coisas dessem certo e me trouxessem calma. Mas a solidão sempre foi a melhor opção.
Não gosto de festas de aniversário, apesar de gostar que as pessoas lembrem de mim (mesmo que eu não saiba responder aos parabéns). Não gosto de celebrações de Ano Novo, de Natal, de festas em geral. Tem muitas pessoas juntas? Eu estou fora.
Mas veja só que interessante. Eu gosto de celebrar rituais públicos. Principalmente quando estou com pessoas que gosto ao redor, quando encontro bons olhares, felizes, se divertindo ou encontrando algo de sagrado naquilo que estou compartilhando.
Gosto também de exercer a parte de atendimento, que em muitos momentos é inerente ao sacerdócio. Gosto de conversar com as pessoas sobre suas dúvidas, aflições, receios, medos e tudo mais. E mesmo que eu não tenha respostas, gosto de compartilhar da dúvida e acolher nos momentos de crise. Talvez isso sempre tenha sido assim. Talvez por isso tenha me formado psicólogo, por isso tenha sido palhaço em hospitais por quase 2 décadas e tenha iniciado estudos em enfermagem.
Mas dentro da espiritualidade, acredito que sempre optei por vagar contemplando o caminho sozinho do que correr em bando. Como muitas vezes já disse, não acredito que haja o melhor ou pior caminho, mas sim aquele com o qual você se adapta melhor. E o meu é solitário.
Porém, acho importante dizer que quando falo em caminho solitário, não me refiro ao isolamento social na montanha, sem internet, sem telefone e totalmente desconectado do mundo. Pelo contrário. Converso muito com alguns amigos sobre minhas crenças, minhas práticas, aprendo coisas novas, descarto coisas que não me servem mais. Participo e coordeno grupos de estudos. Sou co-criador de um canal de informação sobre paganismo e bruxaria, a Conexão Pagã. Fiz bons amigos no Projeto Mayhem, no qual eventualmente componho a banca de entrevistadores. Realizo rituais públicos, rodas de tambores e muitas outras atividades. Mas em minhas práticas, não sigo nenhuma tradição, não sirvo a nenhum grupo, não me submeto a nenhuma ordem externa.
São muitos e muitos anos praticando, tropeçando, levantando, errando, corrigindo e, por fim, acertando, para que eu possa dizer que minha prática é solitária e bastante disciplinada.
Diferente do que muitos pensam, a prática da bruxaria não é somente a realização de feitiços, magias e coisas do tipo. Na verdade, essas coisas eu considero apenas complementos de todo um conjunto de práticas, crenças e de estilo de vida. Minha bruxaria é muito mais devocional, contemplativa, de busca de relação e contato com os espíritos e deuses.
É uma busca de autoconhecimento, de integração com a natureza, mas não de uma maneira superficial, mas sim muito intensa. Não é só me “conectar com a florzinha ou com a árvore”, como ouvi algum tempo atrás. É um mergulho profundo dentro de mim mesmo, pois é aí que eu encontro a natureza mais próxima e não fora de mim. A relação com as manifestações naturais sagradas é extremamente importante, mas se eu não me conhecer, como poderei me conectar com o outro de forma plena? Por esse motivo acredito que uma das práticas mais importantes para os que buscam a bruxaria é fazer terapia.
TENTATIVA E ERRO
Não nascemos sabendo, certo? Tudo aquilo que ouvimos da boca de outras pessoas, tudo aquilo que lemos em apostilas, redes sociais e livros, por mais corretas que estejam, passaram pelo crivo interpretativo, pelas limitações de compreensão e até pela capacidade do autor expressar uma ideia. Esse texto não é diferente. Ele não é verdade de ninguém, senão somente a minha, o autor. No entanto, é possível que no momento que você esteja lendo isso, eu já tenha aprendido novas coisas, absorvido mais conhecimentos, elaborado novas ideias, mudado de opinião ou até mesmo morrido e parado de existir nesse plano. Mas as minhas provocações continuam vivas e valendo. Esse texto é uma tentativa de provocar você que está lendo, a pensar sozinho.
Claro, leia tudo o que estiver ao seu alcance, assista todos os documentários, veja e ouça todos os podcasts, faça cursos (muito cuidado aqui!), mas no final das contas lembre-se de que você coletou informações somente, a conclusão é sua. E ter todo esse conhecimento e tentar pensar por conta própria pode ser enlouquecedor. De verdade! Questionar a existência dos deuses, duvidar dos fundadores de tradições e ordens, não confiar nas pessoas ao seu lado, pensar que tudo o que você fez e acreditou até hoje foi apenas imaginação. É de perder a cabeça. Mais uma vez, façam terapia!
Mas o nosso desenvolvimento é assim mesmo. Tentativa e erro.
Crescer não é linear, não é uma pista lisa e sem obstáculos. É um off-road maluco, cheio de subidas, descidas, curvas e tudo mais. E pasme: É muito legal se perceber capaz de desbravar tudo isso. Quando você menos perceber, está dominando histórias, mitos, teorias, práticas e tudo o que você trilhou. E aí vem a ânsia de todo estudioso: você sempre vai querer mais.
Talvez por isso nunca me senti confortável em grupos. Eu sempre quis olhar por cima do muro, pular o muro e conhecer quem eram as pessoas que estavam lá. Muitas vezes isso contradizia as regras desses grupos e para não desrespeitar pessoas e ordens, eu sempre optei por caminhar sozinho pelas estradas que circundam os castelos murados de conhecimentos organizados, porém limitados.
Isso me trouxe limitações? Obviamente que sim. Tenho certeza que perdi muitas oportunidades de aprender com grandes professores, mestres, metodologias, iniciações, processos e tudo mais. Em muitos momentos eu quis romantizar essa minha possível indisciplina, chamando de “liberdade” e me considerando um Lobo Solitário. Mas talvez, eu não passe de um Bobo Solitário ou como gosto de chamar em tom de brincadeira, um bruxo vira-lata. De forma mais simbólica, acredito que consequentemente tenha me tornado uma mistura de três arcanos do tarot, o Louco, o Eremita e o Hierofante.
André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Participa dos projetos Conexão Pagã e Music, Magic and Folklore. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.
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Uma resposta em “O Louco, o Eremita e o Hierofante”
Inomináveis Saudações, André Correia.
Muito me identifico com este vosso texto em muitos pontos, desde alguns momentos de infância até a questão de que não me dou bem com grupos. Nem Rituais em Grupo me agradam, o que já é bem diferente do senhor, mais por uma opção individual atada à minha personalidade muito introvertida. E há muito do meu Ego também, pois sem este nada podemos realizar.
Me sinto também encaixado dentro da Simbologia do Louco, do Eremita e do Hierofante. Sou um crônico solitário e errei muito ao tentar me encaixar dentro de certos padrões em grupos. Me sinto melhor agora, após finalmente perceber que devo caminhar na Estrada da Espiritualidade sozinho. No entanto, sem abrir mão de conhecer tudo dentro da mesma que eu quero tocar e de fazer amizades com outros Adeptos. Tudo vem a ser Aprendizado e aquisição de conhecimentos, restando a nós mesmos separar o que é útil do inútil.
Conversar comigo mesmo, meditar com meu Abismo, minhas Trevas, minha Escuridão, é a melhor Terapia que realizo. A Psicologia seria apenas um complemento, não desprezo o trabalho de um Psicólogo; no entanto, desenterrar do Interno muito que há em mim e ainda se oculta torna-se cada vez mais um Rito que pretendo fazer crescer e desenvolver-se cada vez mais.
Muito obrigado pelo artigo, um escrito de valor para aqueles como nós, Loucos, Eremitas e Hierofantes.