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André Correia (@andrecorreiapaganismo)
Houve um tempo, já na atualidade, em que a bruxaria trabalhava de forma árdua, quase em uníssono, para o resgate de uma sacralidade das práticas antigas. Foi um tempo inocente, quase ingênuo, em que se acreditava que a nova bruxaria era a “antiga religião”. Entendemos depois que, além de não ser, ainda não tínhamos maturidade para perguntar: “Antiga religião de quem? Quais povos? Qual região? Qual período?”. E talvez essa ignorância tornasse tudo mais leve.
Obviamente, existiam diferenças, conflitos discretos e vaidades, mas eram mais sutis. Ainda que houvesse discordâncias, existia o respeito. Mas… O que aconteceu hoje em dia?
Sinto que houve uma ruptura com o sagrado e que toda devoção se limita a acender velas para imagens, soprar canela todo dia 1º, dar maçã ao Garraduende e ter um altar instagramável.
Todo mundo já foi iniciante em algum momento e se encantou com a beleza da superficialidade, mas e se algumas pessoas se recusarem a ir além? Minha primeira resposta é: “Tudo bem, cada um chega até onde se sente feliz”. Mas, pensando um pouco além, vejo os comportamentos e consequências dessas escolhas para a bruxaria atual. Algo que, em outros momentos, era tido realmente como religião, ofício, ocultismo e afins, atualmente me parece ter se tornado uma festa à fantasia esotérica.
Sinto que a bruxaria atual se tornou um mercado de certificados, sustentado pela carência identitária de pessoas frágeis demais para se encontrarem sozinhas. A bruxaria, não toda, claro, mas em um número muito grande, se transformou num playground de crianças sedentas por encantamento e fantasia gótica. É quase uma mistura de Disney com Neil Gaiman.
Conversando com alguns que iniciaram nos anos 80/90, noto que a opinião é semelhante. Todos falam de reclusão, falta de motivação, desrespeito e que não observam um real interesse dessa geração na bruxaria em si, mas sim no roleplay que desloca o indivíduo do centro da razão para um mundo de possibilidades ora real e ora absurdamente lúdico.
Penso muitas vezes: “Para quê continuar escrevendo, gravando e ritualizando publicamente?”. E essa pergunta surge por não encontrar justificativas que sustentem o compartilhamento de ideias, informações, experiências e afins. Se, por um lado, estou envelhecendo, me tornando amargo e crítico demais, por outro lado, ainda sustento a minha esperança utópica de que existam pessoas alinhadas com as práticas realmente afins aos deuses antigos.
Me entristece saber que uma legião de pessoas com muito potencial têm olhado mais para o espelho d’água de Narciso em vez de encarar o Diabo que habita no dark side da alma. Muitos têm se perdido no centro da vaidade, buscando confirmações para suas crenças mimadas em vez de aceitar o que é transmitido há décadas.
André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.
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