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Kalevala: a epopeia nacional da Finlândia

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Dra. Sirkka-Liisa Mettomäki Secretária da Associação Kalevala e Dra. Anneli Asplund, Investigadora Especial, Associação da Literatura Finlandesa

A primeira edição do Kalevala foi publicada em 1835. A obra nasceu como resultado do trabalho realizado por Elias Lönnrot, sendo composta pelos poemas populares que ele recolheu.

A poesia lírica antiga, com um metro singular de quatro troqueus, baseado nas relações da acentuação das palavras, vivia na tradição dos povos de língua fino-ugriana da região do Báltico, há mais de dois milénios.

Quando o Kalevala foi publicado, a Finlândia era, desde há um quarto de século, um Grão-Ducado da Rússia, tendo antes disso pertencido ao Reino da Suécia até 1809.

O Kalevala foi um ponto de viragem na evolução da cultura de língua finlandesa, tendo também despertado interesse fora do país. Entre os finlandeses, a obra fez nascer a confiança nas possibilidades da sua própria língua e cultura e, além fronteiras, levou um pequeno povo desconhecido à consciência dos outros povos europeus, ganhando assim o estatuto de epopeia nacional.

Lönnrot, ajudado por alguns amigos, continuou o trabalho de recolha da poesia popular, conseguindo material novo em grande abundância. Lönnrot usou este material para publicar a segunda, mais alargada versão do Kalevala em 1849. É esta nova versão que, desde então, tem sido lida na Finlândia e servido de base à grande maioria das traduções para outros idiomas.

SUMÁRIO

Canções do Kalevala

Como era essa poesia popular antiga que Lönnrot encontrou nas suas viagens? O que é que contam esses cantares? Quando nasceram? Quanto tempo existiram?

Supõe-se que há cerca de 2500 – 3000 anos houve uma profunda transformação cultural no seio dos povos fineses que viviam junto ao Golfo da Finlândia. Dessa transformação nasceu uma forma particular de cantar, caracterizada pela aliteração inicial e repetição do verso, assim como pela ausência de estrofes. Os versos obedeciam a um metro singular de quatro troqueus, que passou a ser conhecido como o metro do Kalevala. Quanto ao ritmo, os versos musicais eram na sua maioria em quatro ou cinco troqueus, e as melodias variavam numa escala de cinco notas.

A poesia popular antiga não é um conjunto de poemas criados numa só época, mas sim uma formação estratificada com materiais de várias idades. O material mais antigo são os poemas míticos, que contam lendas antigas do tempo da criação, do nascimento do mundo e da cultura humana.

A personagem principal dos poemas épicos é muitas vezes um cantor poderoso, um xamã, um mago, o líder espiritual da sua tribo, que viaja ao mundo dos mortos em busca de conhecimentos e respostas. Os heróis cantados nos poemas também têm as suas aventuras numa terra ultramarina, na Pohjola do Kalevala (a Terra do Norte), em viagens cujo objectivo podia ser um pedido de casamento, uma pilhagem ou simplesmente uma fuga.

Os poemas líricos interpretavam os sentimentos da alma. A poesia ritual concentrava-se principalmente nas bodas e na matança do urso. Os feitiços ou encantamentos, no metro do Kalevala, eram uma magia de palavras que fazia parte da vida quotidiana.

Esta antiga tradição de cantar manteve-se viva em toda a Finlândia até ao século XVI.

Depois da reforma, a igreja luterana proibiu o uso dos cantares, caracterizando

todo essa anciã tradição como pagã. Ao mesmo tempo as novas correntes musicais provenientes do ocidente ganharam força na Finlândia.

Pouco a pouco, a antiga tradição começou a desaparecer, primeiro na parte ocidental da Finlândia e mais tarde no resto do país. Alguns poemas e cantares já tinham sido recolhidos no século XVII, mas o trabalho essencial de recolha só foi feito no século XIX.
Nas regiões da província de Viena, na Carélia Oriental, esta antiga tradição conseguiu sobreviver até aos nossos dias.

A Cultura Finlandesa nos Princípios do Século XIX

Durante o domínio sueco (1500-1809) a língua finlandesa tinha muito pouca importância. Nas escolas e na universidade usava-se o sueco e o latim, sendo o sueco a língua usada na administração pública. O finlandês era falado apenas pelo povo, e os únicos textos publicados em finlandês eram leis e literatura religiosa.

Contudo, já desde finais do século XVIII, havia na Universidade de Turku um pequeno grupo familiarizado com a ideologia do romantismo europeu. Os seus membros compreenderam que a língua vernácula e a recolha e publicação da poesia popular tinham uma importância vital para o desenvolvimento da cultura nacional.

Sob o domínio russo (1809-1917), a Finlândia possuía uma organização política e administrativa particular. Situada entre a Suécia e a Rússia, tinha que assegurar a paz na fronteira noroeste do novo amo. Por outro lado, graças ao seu estatuto autonómico, os finlandeses podiam considerar-se como uma nação separada.

Nasceram novos laços culturais com São Petersburgo, mas não se fecharam as fronteiras à influência e intercambio cultural com a Suécia. Os ideais do romantismo ganharam força e influência, começando então a recolha, o estudo e a publicação da poesia popular.

Väinämöinen, personagem principal dos poemas, transformou-se no símbolo do renascimento de uma identidade nacional. O herói que cantava e tocava o “kantele”, a cítara finlandesa, foi comparado a Orfeu que, como Väinämöinen, conseguia encantar os ouvintes com a sua música maravilhosa.

Os jovens românticos de Turku perceberam que só numa cultura de características e língua próprias, um pequeno povo pode encontrar os valores e recursos espirituais necessários para o seu desenvolvimento. Foi também nesse mesmo espírito romântico que nasceram as primeiras obras de arte nacionais.

O Elias de Sammatti

Elias Lönnrot nasceu no dia 9 de Abril de 1802 na freguesia de Sammatti, no sul da Finlândia, numa família de sete filhos do mestre alfaiate Fredrik Juhana Lönnrot. O talento do jovem Elias foi descoberto já cedo. Aprendeu a ler aos cinco anos de idade e os livros transformaram-se na sua grande paixão.

Na vizinhança a sua vontade de ler originou várias anedotas e histórias: “Levantem-se! o Elias há muito que está a ler sentado no ramo da árvore!”, era assim que a mulher do rendeiro vizinho acordava os seus filhos. Segundo outra história, um dia o jovem Elias pediu à mãe pão que ela não tinha para lhe dar: “Ai não! então leio!”, retorquiu o rapaz.

Embora sem posses, os pais decidiram pôr o filho na escola. Tenaz e desejoso de aprender, o jovem levou avante os seus estudos, matriculando-se na Universidade de Turku em 1822.

Os Tempos de Estudante de Lönnrot

Na Universidade Lönnrot estudou várias matérias, como era hábito nessa altura. Além da medicina, estudou latim, grego, história e literatura. Lönnrot também conheceu um pequeno círculo de professores e estudantes de espírito nacionalista, cujo objectivo principal era promover a posição da língua nacional.

No âmbito dos seus estudos, Lönnrot familiarizou-se com as colectâneas de poesia popular recém-publicadas. Descobriu-se que na Finlândia Oriental, especialmente na província de Viena, na Carélia Russa, haviam lugares onde os cantares antigos ainda se mantinham vivos entre as populações.

Lönnrot fez a sua tese sobre a mitologia finlandesa, ou seja sobre o Väinämöinen. Este livrete em latim foi publicado em 1827. Lönnrot formou-se em medicina em 1832.

Em 1827 a Finlândia foi abalada por uma enorme catástrofe, o pavoroso incêndio que destruiu completamente a cidade de Turku, a então capital do país, onde estava instalada a Universidade. Tendo sido impossível organizar o ensino universitário no ano lectivo de 1827-1828, Lönnrot passou todo o Inverno como professor particular em Vesilahti, onde a ideia de fazer uma viagem de recolha de poemas à Carélia começou a ganhar forma na sua mente. Lönnrot decidiu aproveitar o Verão de 1828 para realizar essa viagem às províncias de Savo e da Carélia.

Viagens de Recolha

Após ocupar o Verão todo com sua primeira viagem de recolha, Lönnrot regressou a Laukko onde passou o Outono preparando a publicação do vasto material que havia recolhido num espesso caderno de apontamentos, um total de 6000 versos, na sua maioria versos mágicos e poemas épicos.

Lönnrot continuou os seus estudos universitários em Helsínquia, para onde tinha sido transferida a universidade, mas a sua grande paixão continuou a ser a poesia popular. Lönnrot fazia parte daquele pequeno grupo, cujos objectivos eram recolher a poesia popular antiga e expandir o uso da língua finlandesa.

A fim de promover esses objectivos, foi estabelecida, em 1831, a Associação da Literatura Finlandesa, da qual Lönnrot foi o primeiro secretário e membro activo durante muitos anos.

Uma das primeiras acções da Associação foi angariar os fundos necessários para que Lönnrot pudesse realizar outra viagem de recolha à província de Viena, na Carélia Oriental, viagem que acabaria por ser interrompida, dado que Lönnrot foi chamado a prestar os seus serviços de médico devido a uma epidemia de cólera que se propagou pela Finlândia. A viagem foi, contudo, realizada no Verão de1832 e Lönnrot conseguiu recolher mais 3000 versos.

Em 1833 Lönnrot solicitou um lugar de médico na pequena e remota cidade de Kajaani. A falta do grupo de colegas e amigos que deixava em Helsínquia era compensada pela proximidade de Kajaani às regiões de Viena, ricas em poesia popular tradicional, na Carélia Oriental. Lönnrot concebeu então um novo plano para publicar os poemas. A sua ideia era publicar colectâneas separadas, concentradas nos heróis principais.

A quarta viagem de recolha, realizada em Setembro de 1833, foi determinante para o nascimento do Kalevala. Nas vilas da província de Viena, Lönnrot pôde ver e sentir como se mantinha viva a tradição nessa região.

Lönnrot começou a organizar os seus apontamentos. Os poemas da primeira viagem tinham sido publicados em livretes com o nome de Kantele entre 1829 e1831. Depois da viagem realizada em 1833 nasceram os manuscritos de Lemminkäinen, Väinämöinen e dos cantares das Gentes Casadouras, este último consistia principalmente em canções nupciais. Contudo, isto não foi suficiente para satisfazer o escritor. O seu objectivo era reunir e publicar os poemas numa só obra – uma grande epopeia – como a Odisseia e a Ilíada de Homero e os Edas dos antigos povos escandinavos. Assim nasceu a primeira colectânea de 5000 versos, posteriormente chamada Primeiro Kalevala. Mas Lönnrot ainda não ficou satisfeito. O seu pensamento continuava firmemente ligado às vilas da província de Viena, na Carélia Oriental.

Na sua quinta viagem, em Abril de 1834, Lönnrot conheceu Arhippa Perttunen, o melhor de todos os cantores que Lönnrot tinha até então encontrado em Viena.

Conclusão do Kalevala em 1835 e 1849

Depois da viagem de 1834 foi possível avançar com a ideia de reunir o material numa só obra, num poema épico nacional, o que se veio a concretizar com a publicação do Kalevala em princípios de 1835.

A publicação do Kalevala não apagou a paixão que Lönnrot sentia pela recolha de poemas. Lönnrot continuou o seu trabalho e viajou pela província de Viena já em Abril e Outubro do mesmo ano, mas a sua grande expedição teve lugar nos anos de 1836 -1837. O exemplo de Lönnrot inspirou muitos outros estudiosos a fazer estas viagens de recolha.

Lönnrot começou a preparar uma nova, mais extensa edição do Kalevala, a qual foi publicada em 1849. Neste novo Kalevala Lönnrot incluiu episódios completos e modificou uma grande parte dos textos já existentes. O primeiro Kalevala transcrevia com relativa fidelidade os cantares originais. Na composição do novo Kalevala, Lönnrot afastou-se mais e mais do texto original.

Lönnrot explicou este procedimento da seguinte maneira: “Considero que eu próprio tenho o mesmo direito que, segundo a minha convicção, todos os cantores reservaram a si próprios, ou seja, o direito de arranjar os poemas na forma mais consonante ou, como um verso diz – Eu próprio em mago me tornei, e a cantar comecei – ou seja, considero-me tão bom cantor como eles.

O Conteúdo do Kalevala

Ilmatar (a Deusa do Ar) desce à água e torna-se mãe das águas. Uma negrinha põe ovos no seu joelho. Os ovos partem-se e dos pedaços forma-se o mundo. Väinämöinen nasce da mãe das águas. Sampsa Pellervoinen semeia árvores. Uma árvore cresce tanto que esconde o Sol e a Lua. Do mar emerge um pequeno homem que abate o carvalho. O Sol e a Lua podem brilhar novamente.

3-4

Joukahainen desafia Väinämöinen para um concurso de sabedoria e perde. Väinämöinen fá-lo afundar-se num pântano com o seu canto mágico. Para salvar a vida, Joukahainen promete a mão de sua irmã Aino a Väinämöinen. Aino suicida-se lançando-se ao mar.

5-7

Väinämöinen procura Aino no mar, consegue apanhá-la na forma de um peixe, mas perde-a. Decide então ir pedir em casamento a donzela de Pohjola. Joukahainen, sedento de vingança, atira uma flecha ao cavalo de Väinämöinen. Väinämöinen cai ao mar. Uma águia salva-o e leva-o para a costa de Pohjola. A velha de Pohjola, Louhi, cuida dele. Para poder voltar a casa, Väinämöinen promete dar-lhe o “sampo” (engenho mágico) feito pelo ferreiro Ilmarinen. A donzela de Pohjola é prometida ao ferreiro como recompensa.

8-9

Na sua viagem para casa Väinämöinen vê a donzela de Pohjola e pede-a em casamento. Como condição de casamento a moça manda Väinämöinen fazer provas sobrenaturais. Ao construir um barco Väinämöinen fere-se no joelho com o machado. Ukko, o deus supremo, usa os seus poderes para estancar o sangue.

10

Väinämöinen, contra a vontade de Ilmarinen, usa os seus poderes mágicos e envia-o para Pohjola. Ilmarinen forja o “sampo”. A velha Louhi esconde o engenho num penhasco. Ilmarinen vê-se obrigado a regressar sem a noiva prometida.

11-12

Lemminkäinen parte para Saari (ilha) à procura de mulher, brinca com as donzelas da ilha e rouba Kyllikki. Lemminkäinen abandona Kyllikki e vai pedir em casamento a donzela de Pohjola. Com o seu canto, faz as gentes de Pohjola sair da casa, mas não encanta o pastor de gado.

13-15

Lemminkäinen pede em casamento a filha de Louhi, que exige como prémio primeiro o alce de Hiisi (alce do diabo), depois o seu cavalo castrado com boca de fogo e por fim o cisne do rio de Tuonela (terra dos mortos). O pastor, sedento de vingança, mata Lemminkäinen e deita-o ao rio de Tuonela. A mãe sabe da morte do filho e parte à sua procura. Com um ancinho, apanha os pedaços do filho do rio, junta-os, e ressuscita-o.

16-17

Väinämöinen começa a construir um barco e vai a Tuonela pedir as palavras mágicas que lhe faltam para o acabar mas não as consegue. Väinämöinen vai buscar as palavras que faltam à barriga de um mago morto, Antero Vipunen, e acaba o barco.

18-19

Väinämöinen parte no seu barco para ir pedir a donzela de Pohjola em casamento. Ilmarinen também vai pedir a mão da donzela, que escolhe o criador do “sampo”. Ilmarinen passa as três provas sobrenaturais: lavra um campo cheio de víboras, caça o urso de Tuonela e o lobo de Manala (as entranhas da Terra) e finalmente pesca um lúcio enorme do rio de Tuonela. Louhi promete a sua filha a Ilmarinen.

20-25

Preparam-se as bodas em Pohjola. Todos são convidados, excepto Lemminkäinen. O noivo e os convidados do noivo chegam a Pohjola. É-lhes oferecido de comer e de beber. Väinämöinen entretem os convidados com as suas canções. A noiva recebe instruções para o casamento, o noivo também. A noiva despede-se da família e parte com Ilmarinen rumo a Kalevala. Chegam à casa de Ilmarinen, onde os convidados voltam a receber de comer e de beber. Väinämöinen canta uma canção de agradecimento.

26-27

Lemminkäinen vai à boda de Pohjola sem ser convidado e exige que lhe seja dado de comer e de beber. É-lhe oferecida uma caneca de cerveja cheia de víboras. Depois de uma luta com canções e com espadas, Lemminkäinen mata o dono da casa.

28-30

Lemminkäinen foge do povo de Pohjola que se prepara para a guerra. Esconde-se em Saari (ilha) onde fica a viver com as donzelas da ilha, até ser obrigado a fugir dos homens ciumentos de Saari. Lemminkäinen encontra a sua casa queimada e a sua mãe numa cabana no meio da floresta. Parte para Pohjola em busca de vingança, mas é obrigado a regressar a casa.

31-34

Untamo e Kalervo zangam-se e da família de Kalervo fica um filho, Kullervo, que com os seus dotes sobrenaturais estraga todos os trabalhos que lhe são entregues. Untamo vende o rapaz como escravo a Ilmarinen. A mulher de Ilmarinen manda o rapaz pastar o gado e, por maldade, esconde uma pedra no pão do pastor. Kullervo estraga a sua faca na pedra e, para se vingar, arremessa as vacas ao pântano e leva feras como gado para a casa. Quando a mulher de Ilmarinen começa a ordenhar as vacas, as feras matam-na. Kullervo foge e encontra os pais na floresta, mas ouve que a irmã desapareceu.

35-36

O pai manda Kullervo a pagar os impostos. Na viagem de regresso, sem saber, seduz a própria irmã. Ao saber a verdade a irmã suicida-se nos rápidos. Kullervo parte para uma expedição de vingança. Depois de matar as gentes de Untamo, regressa a casa, mas encontra toda a família morta. Kullervo suicida-se.

37

Ilmarinen está de luto pela esposa e forja uma mulher de ouro para si. Mas a mulher de ouro é fria. Väinämöinen avisa a juventude para que não venerem o ouro.

38

Ilmarinen é rejeitado pela filha mais nova de Pohjola e rapta-a. A moça aborrece Ilmarinen que por fim a transforma em gaivota com o seu canto mágico. llmarinen conta a Väinämöinen a riqueza que o “sampo” traz a Pohjola.

9-41

Väinämöinen, Ilmarinen e Lemminkäinen partem para ir roubar o “sampo“a Pohjola. No caminho o barco encalha no dorso de um enorme lúcio. Väinämöinen mata o lúcio e constrói uma citara finlandesa (kantele) do seu maxilar. Mais ninguém a consegue tocar, mas Väinämöinen encanta todo o mundo com a sua música.

42-43

Em Pohjola Väinämöinen adormece toda a gente com a sua música e consegue levar o “sampo” para o barco. As gentes de Pohjola acordam e a velha Louhi deita obstáculos no caminho dos que furtaram o engenho. Os expedicionários conseguem fugir, mas a citara cai ao mar. A velha Louhi persegue-os transformando-se numa enorme águia. Durante a luta o engenho mágico parte-se e cai ao mar. Dos pedaços, uns transformam-se em tesouros que ficam no fundo do mar, outros dão à costa na Finlândia, enriquecendo o país. A velha Louhi fica com a tampa do “sampo” e uma vida de pobreza.

44

Väinämöinen procura a sua citara no fundo do mar, sem êxito. Em seu lugar constrói outra, de vidoeiro, e volta a encantar o mundo inteiro com a sua música.

45-46

A velha Louhi espalha doenças para destruir o povo de Kalevala, mas Väinämöinen cura todas as enfermidades. Louhi manda um urso atacar o gado, mas Väinämöinen abate a fera. Festeja-se a matança do urso.

47-48

A velha de Pohjola esconde as luzes do céu e rouba o fogo. Ukko, o deus supremo, lança o fogo para criar uma nova lua e um novo sol, mas as chamas caem na barriga de um grande peixe. Väinämöinen, ajudado por Ilmarinen, pesca o peixe e põe o fogo ao serviço das pessoas.

49

Ilmarinen forja um novo sol e uma nova lua, mas os astros não brilham. Depois de combater as gentes de Pohjola, Väinämöinen regressa e encomenda a Ilmarinen as chaves que podem libertar o Sol e a Lua da montanha de Pohjola. Enquanto Ilmarinen forja as chaves, Louhi deixa que as luzes voltem ao céu.

50

Marjatta fica grávida de uma baga de arando. Nasce um menino na floresta, mas desaparece logo, até que é encontrado num pântano. Väinämöinen condena à morte o rapaz sem pai, mas ele levanta-se protestando contra a sentença. O rapaz é baptizado rei da Carélia. Väinämöinen desaparece num barco de cobre, profetizando que ainda lhe hão-de pedir que traga um novo “sampo”, que faça brilhar um novo Sol e que toque uma nova música.

O Romantismo Nacional e a Época de Ouro da Arte Finlandesa

O entusiasmo gerado pelo Kalevala esteve desde sempre ligado ao carelianismo da epopeia. A Carélia era considerada uma arca do tesouro da poesia, o museu idílico da antiguidade.

Carelianismo é o nome dado ao interesse romântico que nasceu sobre a antiguidade, o Kalevala e a Carélia, e que teve o seu auge na década de 1890.

Os que recolhiam a poesia popular e os etnógrafos viajavam pela Carélia, trazendo sempre novas e interessantes descobertas, e descreviam as suas experiências inesquecíveis em livros de viagens e em jornais. A Carélia transformou-se rapidamente num lugar de peregrinação, particularmente para quem estava ligado às artes. A importância do Kalevala como fonte de entusiasmo e de inspiração cresceu de forma jamais vista.

Pouco depois da publicação do Kalevala os investigadores salientavam que, embora o texto da epopeia, na sua maior parte, assentasse na tradição popular genuína, o Kalevala era, no seu todo, uma obra composta por Lönnrot. Para os carelianistas, contudo, o Kalevala representava exactamente a verdadeira antiguidade finlandesa.

Para os carelianistas, a paisagem e o povo da Carélia eram os representantes do mundo do Kalevala nos tempos modernos. Como no pensamento europeu em geral, os povos que viviam isolados dos centros mais importantes eram frequentemente considerados como o espelho do modo de vida de épocas mais antigas.

Em 1919 os carelianistas fundaram a Associação Kalevala. Um dos objectivos dessa associação era construir a Casa do Kalevala, que seria o centro de arte e de investigação do Kalevala.

No século XX o entusiasmo e o interesse pelo Kalevala e pela Carélia têm variado, chegando mesmo a transformar-se em crítica: falava-se da cultura da casca do vidoeiro, da fuga aos tempos modernos.

Nos fins deste século o Kalevala e a poesia popular voltaram a ser motivo de interesse. De certo modo o círculo fechou-se, já que voltaram a ser possíveis as viagens às terras dos cantares do Kalevala.

Na época do romantismo nacional dos fins do século passado nasceram na Finlândia peças de arte que justificam o facto de essa época ser conhecida como período dourado da arte finlandesa. Em todas as formas de arte foram criadas obras inspiradas nos valores nacionais, sobretudo no Kalevala. Estas obras ainda hoje são a pedra angular da arte finlandesa.

Por exemplo, o poeta Eino Leino, o compositor Jean Sibelius, o pintor Akseli Gallen-Kallela, o escultor Emil Wikström e o arquitecto Eliel Saarinen procuraram na Carélia a pessoa genuína e a paisagem original. O mundo do Kalevala foi o símbolo através de qual os artistas procuraram interpretar os sentimentos mais profundos da humanidade. Posteriormente a influência do Kalevala tem sido menos pronunciada, surgindo mais como sentimentos míticos da natureza do que como temas verdadeiramente do Kalevala.

A poesia do Kalevala foi originalmente apresentada em forma de canção. Os poemas só começaram a ser recitados depois da publicação da obra. A forma de canção e a temática das questões fundamentais do Kalevala fizeram com que o Kalevala se tornasse imediatamente numa importante fonte de inspiração dos compositores finlandeses.

Jean Sibelius teve a inspiração careliana em 1890 através da música do compositor Robert Kajanus. O encontro com o cantor careliano, Larin Paraske também inspirou Sibelius. Depois de uma viagem à Carélia em 1892, o poema sinfónico Kullervo foi a primeira composição de Sibelius inspirada num tema do Kalevala.

Pouco tempo depois da publicação do Kalevala em 1835 começou-se a pensar na ilustração da obra. Foram organizados concursos sobre o tema, mas segundo os críticos os resultados não ilustravam o Kalevala de forma correcta.

Depois do concurso de ilustração do Kalevala realizado em 1891, Akseli Gallen-Kallela surgiu como artista mais proeminente no tratamento dos temas da Kalevala, cujas personagens ainda hoje ganham forma através das imagens por ele criadas.

O Kalevala no mundo

O Kalevala é a obra literária finlandesa mais traduzida no mundo. Foi traduzido para 51 línguas, mas ainda não foi publicado em todas. Na totalidade existem mais de 150 traduções ou adaptações traduzidas do Kalevala.

A primeira tradução foi publicada em sueco já no ano de1841. A primeira tradução da nova versão do Kalevala foi em alemão, publicada em 1852.

A maior parte das traduções foram feitas directamente da versão original em finlandês, mas muitas também foram feitas a partir das versões em grandes línguas mundiais, tais como o inglês, o alemão e o russo.

Por que é que o Kalevala é tão traduzido a pesar da sua língua arcaica, métrica antiga e da limitada expressão internacional da cultura finlandesa? As explicações podem ser várias. O Kalevala faz parte da literatura mundial cujos interesse e influência não têm limitações temporais ou de lugar.

Nos últimos anos também tem sido referido que a semelhança do Kalevala com a poesia heróica ou com as epopeias de outros povos o aproxima das nações que ainda estão a construir a sua independência e a sua consciência cultural.

Quem é que faz as traduções? Como é que se interpreta o Kalevala numa nova língua ou cultura? Alguns tradutores consideram importante a transferência do significado e da correcção etnográfica ou linguística; estes são normalmente investigadores. Por outro lado, alguns tradutores querem interpretar o Kalevala desde o ponto de vista da cultura destinatária; estes são normalmente escritores e poetas. Para eles o importante é a realidade mental do Kalevala, onde o exotismo nórdico apenas cobre os mitos que no fim são comuns a todo a humanidade.

Foram publicadas 46 traduções do Kalevala em prosa ou em verso. A seguir estão listadas as línguas em ordem alfabética, entre parêntesis os anos de publicação.

Alemão (entre outros 1852, 1914, 1967)
Árabe * (1991)
Arménio (1972)
Bielorusso (1956)
Búlgaro (1992)
Catalão (1997)
Checo (1894)
Chinês (1962)
Dinamarquês (entre outros 1907, 1994)
Espanhol (entre outros 1953, 1985)
Esperanto (1964)
Estónio (entre outros 1883, 1939)
Feroé (1993)
Francês (entre outros 1867, 1930, 1991)
Fulani (1983)
Georgiano (1969)
Grego (1992)
Hebraico (1930)
Hindustani (1990
Holandês (entre outros 1940, 1985)
Húngaro (entre outros 1871, 1909, 1970, 1972)
Inglês (entre outros 1888, 1907, 1963, 1989)
Inglês dos Estados Unidos (1988)
Islandês (1957)
Italiano (entre outros 1910, 1941)
Japonês (entre outros 1937, 1976)
Yiddish (1954)
Kannada/tulu (1985)
Komi (1980)
Latim (1986)
Letão (1924)
Lituano (entre outros 1922, 1972)
Moldaviano (1961)
Norueguês (1967)
Polaco (entre outros 1958, 1974)
Romeno (entre outros 1942, 1959)
Russo (entre outros 1888, 1970)
Servo-croata (1935)
Eslovaco (entre outros 1962, 1986)
Esloveno (entre outros 1961, 1997)
Swahili (1992)
Sueco (entre outros 1841, 1864, 1884, 1948)
Tâmil (1994)
Turco (1965)
Ucraniano (1901)
Vietnamês (1994)

O Kalevala em várias formas

Foram publicadas dezenas de versões do Kalevala em finlandês, tanto na Finlândia como na Carélia Russa e nos Estados Unidos.

A Associação da Literatura Finlandesa, que publicou a primeira versão do Kalevala em 1835, tem posteriormente publicado novas versões, com as explicações do Lönnrot incluídas. Vários editores também procuraram ilustrar o texto com imagens.

O pintor Akseli Gallen-Kallela foi quem mais influenciou a ilustração do Kalevala. A obra completa do Kalevala também foi ilustrada na Finlândia por Matti Visanti (1938), Aarno Karimo (1952-1953) e Björn Landström (1985).

Também foram publicadas várias versões curtas do Kalevala, assim como edições dirigidas especialmente às crianças e jovens. O Kalevala começou a ser estudado na escola em 1843, ano em que a língua finlandesa passou a fazer parte do currículo nas escolas finlandesas. Foi nomeadamente Lönnrot, que editou uma versão abreviada do Kalevala para as escolas em 1862. Até aos anos 50 já tinha sido publicada uma dezena de versões escolares do Kalevala. A última publicação foi o Kalevala Curto editado por Aarne Salminen em 1985.

A partir do princípio deste século também têm sido publicadas histórias do Kalevala destinadas a crianças pequenas. Na década de 1960 foram publicadas as versões O Kalevala Dourado das Crianças, de Aili Konttinen, e As Histórias do Kalevala, de Martti Haavio.

Os pequenos leitores de hoje encontraram o seu Kalevala em 1992, quando o escritor e ilustrador Mauri Kunnas publicou o Kalevala dos Cães. A sua ilustração também foi inspirada na arte do Akseli Gallen-Kallela. No prefácio Mauri Kunnas explica que depois de ouvir o ladrar dos cães durante anos a fio, concluiu que os cães nos querem dizer alguma coisa: “Assim, fiz a mala e fui fazer uma viagem de recolha entre os cães da vizinhança… as histórias faziam lembrar de tal maneira a epopeia nacional finlandesa que decidi dar o nome a esta história heróica em conformidade com o Kalevala.”

O Kalevala na Finlândia Contemporânea

O Kalevala marcou de tal maneira muitos dos sectores da vida contemporânea finlandesa que por vezes nem se nota. As suas marcas enraizaram-se na nossa cultura para sempre. Isto compreende-se melhor através de uma observação do nosso vocabulário onomástico.

Os nomes de bairros, de ruas, de empresas e de produtos nacionais não se esgotam na nossa epopeia nacional. No seu melhor, o Kalevala é uma marca exclusiva no mundo inteiro.

O uso dos nomes do Kalevala foi particularmente comum nos fins do século passado, sendo hoje em dia mais casual. Porém, a originalidade dos produtos da indústria e do artesanato finlandeses, continua a ser sublinhada com a escolha de um nome tirado do Kalevala.

“Os seguros da família estão na companhia de seguros Pohjola. Quando se recebem visitas, põe-se na mesa o serviço de estanho Sampo e a dona de casa, Aino Pohjola, veste a camisola de lã Väinämöinen. Ilmari Pohjola, o marido, trabalha na companhia de asfalto Lemminkäinen, e a Aino Pohjola trabalha na joalharia Kalevala Koru. O pai do Ilmari Pohjola, quando jovem, trabalhou no quebra-gelos Sampo. A Aino Pohjola, por seu lado, vem de uma família de agricultores, que usava na colheita uma debulhadora Sampo. A família era sócia da Associação Pellervo e os seus seguros estavam na seguradora Kaleva. A casa de Verão da família Pohjola é em Hiidenvesi (Água do Diabo). À noite acendem a lareira com fósforos Sampo.”

Segundo a Kalevala, quem tiver o engenho mágico, o Sampo, terá tudo que há de bom na vida. Quem perder o sampo fica condenado à ruína.

Durante os últimos 150 anos a definição do engenho mágico, tem sido debatida por investigadores e cientistas finlandeses de quase todos os ramos da ciência, e também por estrangeiros conhecedores do Kalevala. As definições são tantas como os investigadores. As possibilidades são ilimitadas. O interesse pelo mistério do engenho mágico talvez resida no facto de que Sampo é, de todos os nomes do Kalevala, o mais usado.

O Kalevala na arte contemporânea

O Kalevala interessa os finlandeses não só pelo seu valor simbólico, mas também pelo seu conteúdo. A epopeia em si, tanto como a poesia e a música popular antiga continuam a ser alvo de uma investigação activa no país.

A partir das comemorações dos 150 anos do Kalevala antigo em 1985, iniciou-se uma nova renascença do Kalevala na vida artística finlandesa. O interessante é que o Kalevala foi tirado da redoma onde era venerado, passando a ser um instrumento de utilidade pública entre os finlandeses. O uso do Kalevala pelos artistas finlandeses da actualidade não se resume apenas à transcrição dos textos ou à sua ilustração. Eles procuram sobretudo tratar as eternas questões da humanidade – a vida, a morte, o amor e a labuta diária – através do mundo místico do Kalevala.

Assim, o Kalevala continua a desempenhar um papel activo na vida cultural finlandesa. Numa perspectiva de quase 200 anos, o importante é ver-se como as várias gerações têm interpretado o Kalevala, aproveitando o antigo para criar algo de novo. O Kalevala não ficou guardado nas redomas de uns, nem a criar pó em nas estantes de outros, e continua a ter um lugar importante no cerimonial e no quotidiano dos finlandeses.

Ultimamente, o fotógrafo Vertti Teräsvuori, inspirando-se no Kalevala, tem rompido as fronteiras da interpretação tradicional com a sua exposição Pre Kalevala. A exposição inclui fotografias, extractos de filmes, jóias, objectos, roupa, etc., sendo, na multiplicidade do material exposto, uma descrição dum mundo, onde o poder da palavra ainda tinha influência no quotidiano.

Em 1997, após um interregno de dez anos, várias companhias de teatro voltaram a incluir temas do Kalevala nos seus programas. Por exemplo, no Teatro Nacional da Finlândia, foi levada a cena uma peça na qual os feitos heróicos da epopeia, e especialmente a personagem de Väinämöinen, assumia uma faceta humorística, porquanto o argumento estabelecia ligações entre o passado e o presente.

Na música finlandesa erudita, composta a partir de temas do Kalevala, é especialmente a história trágica de Kullervo que tem inspirado vários compositores, começando por Jean Sibelius. Em 1992, no dia do Kalevala, foi estreada, em Los Angeles, a ópera Kullervo de autoria do compositor Aulis Sallinen. A estreia finlandesa dessa ópera teve lugar em Novembro de 1993.

Aulis Sallinen explicou a razão da escolha de Kullervo para personagem principal da sua obra da seguinte maneira: “Não valeria a pena contar esta história se nela não houvesse aquela ária que se eleva acima de todas as outras, o tema da mãe de Kullervo, bordado com as cores profundas do ouro. Na personagem de um monstro humano, homem infeliz, vê a mãe um rapazinho, há muito perdido, cujo cabelo brilha com a cor amarela dos campos de linho. – Hoje, depois de terminada a obra, ainda sou da mesma opinião. Ele resultou nisso mesmo.”

Juntamente com as figuras de Aino e de Kullervo, “sampo”, o engenho mágico, também tem atraído vários artistas para os temas do Kalevala. Talvez a música seja a área onde o enigma do engenho mágico tem sido melhor conseguido.

Entre os compositores contemporâneos, Einojuhani Rautavaara, na sua obra “O Roubo do Sampo” (1982), define a aspiração, o roubo e a destruição como sendo as chaves do mistério do engenho mágico. Há que perdê-lo, para que se possa aspirar à sua posse. Na obra de Rautavaara, os contos do Kalevala são distanciados do realismo e os acontecimentos são apresentados como um jogo de fantasia.

O Kalevala e as suas histórias permitem uma infinidade de interpretações. Talvez seja essa a razão da sua vitalidade, onde nem hoje se vislumbram quaisquer sinais de desfalecimento.


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