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por Leonhard Schmitz, Ph.D
título original “Lupercalia”
O Dicionário de Antiguidades Gregas e Romanas, John Murray, Londres, 1875 define LUPERCALIA como um dos festivais mais antigos da Roma Imperial, que era celebrado todos os anos em honra a Lupercus, o deus da fertilidade. Essa pelo menos é a história mais conhecida. Pode parecer óbvio que a Lupercalia poderia homenagear um deus chamado Lupercus, mas esse não parece ser o caso: “Lupercus” provavelmente foi um deus retroativamente construído a partir do próprio festival. Quaisquer deuses reais em cuja honra a Lupercalia poderia ter sido realizada não é embasada pelos historiadores.
Tudo o que sabemos de sua história, mostra que era originalmente um festival dos pastores e sua introdução em Roma estava ligada aos nomes de Rômulo e Remo, os reis dos pastores e fundadores de Roma. Escritores gregos e seus seguidores entre os romanos o representam como um festival de Pan e atribuem sua introdução ao Arcadiano Evandro. Essa má representação surgiu em parte da obasessão dos escritores de identificar as divindades romanas com as da Grécia e em parte de suas cerimônias mais antigas e quase selvagens, que certamente são uma prova de que o festival deve ter se originado na mais remota antiguidade.
O festival era realizado todos os anos, em 15 de fevereiro, no Lupercal, onde se dizia que Rômulo e Remo foram amamentados pela loba; o local continha um altar e um bosque sagrado para o deus Lupercus (Aurel. Vict. de Orig. Gent. Rom. 22; Ovídio. Fast. II.267). Aqui os Luperci se reuniam no dia da Lupercalia e sacrificavam cabras e cachorros jovens ao deus, animais esses que são notáveis por seu forte instinto sexual, e, portanto, eram sacrifícios apropriados ao deus da fertilidade (Plut. Rom. 21; Servius ad Aen. VIII.343).
Dois jovens de nobre linhagem eram então levados aos Luperci, e um deles tocava suas testas com uma espada mergulhada no sangue das vítimas; outros Luperci imediatamente limpavam as manchas ensanguentadas com lã embebida em leite. Em seguida, os dois jovens eram obrigados a soltar uma risada. Essa cerimônia era provavelmente uma purificação simbólica dos pastores. Após o sacrifício, os Luperci participavam de uma refeição, na qual eram abundantemente supridos de vinho (Val. Max. II.2.9). Eles então cortavam a pele das cabras que haviam sacrificado em pedaços; com alguns deles cobriam partes de seus corpos em imitação ao deus Lupercus, que era representado meio nu e meio coberto com pele de cabra. Os outros pedaços da pele eram cortados em tiras, e segurando-os nas mãos, corriam pelas ruas da cidade, tocando ou batendo com eles em todas as pessoas que encontravam em seu caminho, e especialmente nas mulheres, que até se aproximavam voluntariamente para esse fim, pois acreditavam que essa cerimônia as tornava férteis e facilitava o parto. Esse ato de correr com tiras de pele de cabra era uma purificação simbólica da terra, e o de tocar as pessoas era uma purificação humana, pois as palavras pelas quais esse ato é designado são februare e lustrare (Ovídio. Fast. II.31; Fest. s.v. Februarius). A própria pele de cabra era chamada de februum, o dia festivo de dies februata e o mês em que ocorria Februarius “mês de purificação” ou “mês de expiação” e o próprio deus etrusco Februus e posterioremente a “Juno Februata”
O ato de purificar e fertilizar, que, como vimos, era aplicado às mulheres, era sem dúvida originalmente aplicado aos rebanhos e ao povo da cidade no Palatino (Varro, de Ling. Lat. V. p60, Bip.). Festus (s.v. Crepos) diz que os Luperci também eram chamados de crepi ou creppi, por causa de seus golpes com peles de cabra (a crepitu pellicularum), mas é mais provável que o nome crepi tenha sido derivado de crepa, que era o antigo nome para cabra (Fest. s.v. Caprae).
O festival da Lupercalia, embora tenha perdido necessariamente sua importância original quando os romanos deixaram de ser uma nação de pastores, sempre foi observado em comemoração aos fundadores da cidade. Antônio, em seu consulado, foi um dos Luperci e não apenas correu com eles semi-nu coberto com pedaços de pele de cabra pela cidade, mas até mesmo dirigiu-se ao povo no fórum com esse traje (Plut. Caes. 61). Após o tempo de César, no entanto, as Lupercalia parecem ter sido negligenciadas, pois Augusto é lembrado por tê-las restaurado (Suet. Aug. 31), mas ele proibiu que os jovens (imberbes) participassem da corrida. O festival foi celebrado regularmente até a época do imperador Anastácio. As Lupercalia também eram celebradas em outras cidades da Itália e da Gália, pois Luperci são mencionados em inscrições de Velitrae, Praeneste, Nemausus e outros lugares (Orelli, Inscr. n2251, &c.). (Cf. Luperci; e Hartung, Die Relig. der Römer, vol. II p176, &c.).
Lupercalia e o Dia dos Namorados
As tentativas modernas de relacionar a Lupercalia ao Dia dos Namorados devido a mera (aproximada) data são no mínimo muito suspeitas. A conexão ocasional entre os dois parece ser uma indicação da mentalidade do final do século XX, segundo a qual um festival de amantes deve necessariamente derivar das titilações da fertilidade antiga e da flagelação por cabras. Mais importante ainda, não há o menor vestígio de evidência histórica para essa conexão.
É frequentemente dito que no século V, o Papa Gelásio instituiu o Dia dos Namorados, mas isso não é verdade: o que ele fez foi emitir uma longa e severa carta proibindo os cristãos de celebrar a Lupercalia; nessa carta, não há menção a São Valentim possivelmente um bispo de Terni na Úmbria, embora haja vários outros candidatos. Quando exatamente o martírio de São Valentim começou a ser comemorado é incerto, mas foi bem depois da época de Gelásio; e a celebração popular do amor com todas as suas características parece datar apenas da Idade Média tardia, ou pelo menos a menção mais antiga sobrevivente do dia de São Valentim em conexão com o amor romântico ocorre na Inglaterra por volta de 1380, e apenas de passagem: sobre pássaros, não pessoas. Não é preciso dizer que, nessa época, a Idade das Trevas havia apagado completamente a memória popular do antigo festival romano que havia sido celebrado pela última vez quase 900 anos antes.
De qualquer forma, se você consegue ver alguma relação entre a celebração da Lupercalia conforme lida acima e a celebração do Dia dos Namorados por alguém, você é melhor do que eu, ou tem amigos extremamente estranhos.
Deixando de lado as idiossincrasias daqueles que buscam reduzir o Cristianismo a um amontoado de rituais pagãos – caso você não tenha percebido, caro leitor, estamos lidando com uma agenda -, as Lupercalia foram descritas como incluindo uma “loteria” na qual as jovens escreviam seus nomes em pedaços de papel e os jovens os tiravam de uma caixa (ou vice-versa), sob a supervisão dos Luperci: isso é pura fabricação, e uma fabricação recente. A primeira menção dessa ideia data apenas de 1756, no livro de Alban Butler, “Vidas dos Padres, Mártires e Outros Santos Principais”, onde o autor afirma (Vol. 2, s.v. 14 de fevereiro, São Valentim, Sacerdote e Mártir) que “Para abolir o costume supersticioso e lascivo dos pagãos de meninos tirando os nomes de meninas, em homenagem à deusa Februata Juno, no décimo quinto dia deste mês, vários pastores zelosos substituíram os nomes dos santos em bilhetes, dados neste dia.” Nenhuma evidência de tal costume romano foi encontrada: investigando, descobrimos que Butler transpôs para a Roma antiga o relato de Henri Misson, um viajante francês, sobre costumes na… espere… Inglaterra e Escócia, traduzido para o inglês e republicado como “Memórias e Observações de M. Misson em Suas Viagens pela Inglaterra, com Algumas Observações sobre a Escócia e a Irlanda” (Londres, 1719), pp330-331. Pelo menos Butler não mencionou as Lupercalia: esse passo coube a um francês chamado Douce, após o qual, como de costume nesse tipo de coisa, todos repetiram até que se tornou “verdade”: mas não há testemunho antigo disso. Isso não é verdade. Há muitas coisas que não sabemos. Muitas pessoas, evitando um vazio, o preenchem com absurdos.
Se você deseja obter mais informações sobre a Lupercalia, pode começar pelo livro “The Lupercalia”, de A. M. Franklin.
Fonte:: https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/secondary/SMIGRA*/Lupercalia.html
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