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André Correia (Conexão Pagã / @bercodepalha)
Quando somos crianças, um dos maiores medos que temos é o medo do escuro. Mas já pararam para pensar no que é tão assustador na escuridão? Pois bem, o que assusta na escuridão é exatamente a falta de conhecimento do que pode estar lá e não podemos ver. Ou seja, o medo não é da ausência de luz, é do que não sabemos, do desconhecido. É o temor da ausência de informações, é a sensação de perda total de controle que nos assusta.
Outra coisa que gosto de usar para exemplificar o quão assustadora é a perda de controle, é a ideia de ter um fantasma vivendo em nossa casa. Se um espírito compartilha a casa conosco, mas não se manifesta fisicamente, ou seja, não movimenta portas, não abre armários, não faz barulhos assustadores, não puxa o lençol de ninguém e não aparece parado ao lado da nossa cama, ou seja, ele coabita, mas não se manifesta. Como ele poderia ser um incômodo racionalmente se desconhecemos a sua existência?
A ideia de um espírito dentro de casa é tão assustadora quanto a entrada de um ladrão em nossa casa. O que difere é a natureza do terror vivido, a qualidade do susto. Mas é disso que se trata: susto!
A ideia de estar tranquilo em casa e, repentinamente, alguém invadir o seu espaço pessoal, macular a sua intimidade, é assustador. Somos tomados por insegurança e incertezas. Ao fazer com que você sinta que o seu local mais seguro foi violado e que o controle fugiu das suas mãos, é como se estivéssemos no escuro.
“O que pode acontecer agora?” É a ausência de esclarecimento que realmente nos assusta. Não importa se é fantasma ou ladrão. Quer ver?
Se você está andando pela calçada e de repente vê um carro andando pelas ruas sem motorista, ou um telefone flutuando ou algo do gênero, por mais esquisito que isso possa parecer, nossa reação é de estranhamento, possível riso como reflexo do cérebro tentando assimilar a ausência de lógica e uma gravação no celular para colocar numa rede social. Agora imagine, 3h da madrugada, um banquinho se arrastando sozinho na cozinha da sua casa sem nenhuma explicação aparente. Pois é!
A falta de controle é um aspecto que nos mobiliza e nos tira totalmente a reação. Por esse motivo, no estudo da Bruxaria, somos convidados a lidar com essa sombra, com essa escuridão e nos familiarizar e até nos preparar para a falta de controle. E isso não tem nada a ver com fazer contato com o capeta, invocar um demônio ou algo do tipo.
Talvez seja algo até mais complicado, que é aprender a lidar com o “dark side of the moon” da mente humana, com o lado selvagem do ser humano. Se por um lado isso parece fácil, eu te alerto: o lado sombrio da mente humana está tão profundo que a nossa razão não possui ferramentas para hipotetizar a existência do seu conteúdo. Na verdade, nossos mecanismos de defesa são guardiões ferozes da nossa sanidade. Ao fazer essa imersão em si, é necessário reconhecer as nossas falhas, os nossos erros, nossos medos, nossas fragilidades, nossa violência primal, nossa arrogância, nossa mesquinhez, a prepotência, adormecer o ego, afrouxar magicamente a rigidez do superego e tomar contato lentamente com o nosso id.
Psicologicamente isso é impossível? Creio que não totalmente, por isso nós vamos o mais fundo possível, até que a dor se torne insuportável e que a sanidade seja posta à prova, nos colocando em risco de loucura. Mas calma aí jovem! Não estou falando de colocar a vida em risco. Estou me referindo a ir tão longe nos estudos sobre mente, magia e espiritualidade que a lógica começará a ser questionada, que as certezas se tornarão dúvidas e todas as suas crenças cairão por terra. Chega num ponto desse desenvolvimento em que o impossível se torna possível e aquilo que não era começa a ser. Onde as informações se ladeiam, se validando e invalidando em busca de um equilíbrio natural. Toda aquela crença que você considerava falsa, sem nexo e sentido ganha uma fagulha de credibilidade. E tudo aquilo que você crê é questionado vorazmente. Essa é a escuridão da mente e do conhecimento em busca de iluminar algumas verdades. Parece loucura e nem sei se conseguirei deixar isso claro com as palavras no papel, mas o que posso oferecer é somente isso.
Às vezes, nos apegamos a verdades absolutas, que podem ser como uma piscina muito grande e profunda. Com o tempo, você pode nadar na piscina toda, explorar todo o seu espaço e, por mais trabalhoso que seja, você pode até contar quantos ladrilhos revestem o interior. Mas e depois que a sabedoria da piscina se esgotar? Você mergulharia em outra piscina de conhecimentos ou você entraria no mar? Conhecer as suas sombras é exatamente isso. Esgotar a compreensão da própria pequenez em um determinado tema e, logo em seguida, olhar para a vastidão das sombras que existem na nossa mente e tentar ao menos saber um pouco de alguma parte dela.
Nesse mergulho, precisamos também tomar um cuidado absurdo com a nossa vaidade. Tomar conhecimento de algumas informações não te torna somente mais poderoso, mas também te cobra mais responsabilidades. Acreditar que, por mais que se lapide essas informações e se jogue luz sobre alguns dos seus aspectos, ainda existe muito mais à espreita. Isso é ruim? Eu creio que isso seja saudável.
Ao sabermos da existência das sombras da natureza e da nossa sombra humana pessoal, compreendemos que o mundo interno e externo ainda podem e devem ser estudados. E também que somos eternas crianças, estudantes e ignorantes diante da grande inconsciência com a qual coexistimos, habitamos e somos.
O pouco do domínio que você conquista em terapia é apenas um grão de areia.
Mas é o grão de areia que mais te fortalece na sua integração com o sagrado selvagem.
André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Participa dos projetos Conexão Pagã e Music, Magic and Folklore. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.
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