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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer. Trad. Waltensir Dutra.
Resta-nos ainda perguntar: qual o significado da queima de efígies em fogueiras nessas festas? Depois da pesquisa que realizamos, a resposta a essa pergunta parece óbvia. Como se alega, com freqüência, que as fogueiras são acesas com a finalidade de queimar as feiticeiras, e como a efígie nelas queimada é por vezes chamada de “a Bruxa”, podemos naturalmente inclinar-nos a concluir que todas as efígies consumidas nas chamas nessas ocasiões representam bruxas ou feiticeiros e que o costume de queimá-los é simplesmente um substituto da queima real de homens e mulheres malvados, já que, segundo o princípio da magia homeopática ou imitativa, a própria feiticeira é praticamente destruída ao se destruir a sua efígie. No conjunto, essa explicação da queima de bonecos de palha com forma humana nas festas parece ser a mais provável.
Ao mesmo tempo, essas efígies dificilmente podem ser distintas das efígies da Morte que são queimadas ou de alguma outra forma destruídas na primavera; e já mostramos razões para considerar as chamadas efígies da Morte como representantes reais do espírito das árvores ou do espírito da vegetação. Serão as outras efígies, queimadas nas fogueiras da primavera e do solsticio de verão, passíveis da mesma explicação? Parece que sim. Tal como os frag- mentos da chamada Morte são fixados nos campos para que as plantações cresçam, assim também os restos carbonizados da figura queimada nas fogueiras da primavera são por vezes colocados nos campos, com a convicção de que impedirão os insetos de atacar a plantação.
Não obstante, nos costumes populares rela- cionados com as festas dos fogos da Europa, há certas características que parecem indicar uma prática anterior de sacrifício humano. Vimos que há razões para acreditarmos que, na Europa, pessoas vivas agiram, com freqüência, como representantes do espírito das árvores e do espírito dos grãos, e foram imoladas como tais. Não há razão, portanto, para que não tenham sido queimadas, se fosse possível obter vantagens especiais levando-as à morte dessa maneira. A consideração com o sofrimento humano não fazia parte dos cálculos do homem primitivo. Ora, nas festas dos fogos que estamos examinando, a simulação de que se está queimando uma pessoa é, por vezes, levada tão longe que nos parece razoável considerá-la como uma sobrevivência, mitigada, de um costume mais antigo de realmente queimar pessoas vivas. Assim, em Jumièges, na Normandia, o homem vestido de verde que tinha o título de Lobo Verde era perseguido pelos seus camaradas, e, quando ele era alcançado, fingia-se atirá-lo à fogueira do Solstício de Verão.
Dos sacrifícios humanos oferecidos nessas ocasiões, os traços mais claros são os que, há cerca de cem anos, ainda perduravam nas fo- gueiras de Beltane nas Highlands da Escócia, isto é, entre um povo celta que, localizado numa região remota da Europa e quase totalmente isolado de influências externas, conservara até então o seu velho paganismo, melhor talvez do que qualquer outro povo da Europa ocidental. É significativo, portanto, que os sacrifícios humanos pelo fogo — dos quais há provas indiscutíveis — tenham sido praticados sistematicamente pelos celtas. A mais antiga descrição desses nos foi deixada por Júlio César. As linhas principais do costume parecem ter sido as seguintes. Criminosos condenados eram escolhidos pelos celtas para serem sacrificados aos deuses nas grandes fes- tas realizadas a cada cinco anos. Quanto maior o número dessas vítimas, maior se acreditava que seria a fertilidade da terra. Se não houvesse quantidade suficiente de criminosos, prisioneiros de guerra eram imolados para compensar a deficiência. Quando chegava o momento, as vítimas eram sacrificadas pelos druidas ou sacerdotes. Algumas eram mortas são levadas em procissão antes de serem queimadas.
a flechadas, outras empaladas, e outras ainda queimadas vivas da forma descrita a seguir. Imagens colossais feitas de vime ou de madeira e folhagem eram construídas, e, no seu interior, eram colocadas pessoas vivas e animais de vá- rias espécies. O fogo era então ateado às ima- gens, e estas queimavam-se com seu conteúdo vivo.
Essas eram as grandes festas realizadas a cada cinco anos. Mas, além dessas festas qüinqüenais, celebradas em grande escala e com um tão grande desperdício de vidas humanas, parece lógico supor que festas do mesmo tipo, mas de menor escala, fossem realizadas anualmente, e que delas descendem linearmente pelo menos algumas das festas dos fogos que, com seus vestígios de sacrifícios humanos, ainda são celebradas a cada ano em muitas partes da Europa. As imagens gigantescas construídas de vimeiros ou cobertas com capim nas quais os druidas encerravam suas vítimas nos lembram a moldura de folhas na qual o representante humano do espírito das árvores ainda é, com freqüência, enquadrado. Portanto, observando que a fertilidade da terra estava aparentemente na dependência da realização adequada desses sacrifícios, podemos interpretar as vítimas celtas, encerradas em vimeiros e folhagem, como representantes do espírito das árvores ou do espírito da vegetação.
Esses gigantes de vime dos druidas parecem ter tido, até recentemente, seus representantes nas festas da primavera e do verão da Europa moderna. Em Douay, por exemplo, até a primeira parte do século XIX, realizava-se anualmente uma procissão no domingo mais próximo do 7 de julho. Sua característica marcante era uma figura colossal, de seis a oito metros, feita de vimeiros, e chamada “o Gigante”, que desfilava pelas ruas sobre carrinhos e era movimentada, por meio de cordas, por homens encerrados no interior da imagem. Afirma-se que a cabeça de madeira do gigante teria sido esculpida e pintada por Rubens. A figura era armada como um cavaleiro, com lança e espada, elmo e escudo. Atrás dela vinham sua esposa e seus três filhos, todos feitos de vimeiros, dentro do mesmo princípio, mas em tamanho menor.
Ao que parece, os ritos sacrificais dos celtas da antiga Gália podem ser rastreados nas festas populares da Europa moderna. É na França, naturalmente, ou melhor, na ampla área compreendida pelos limites da antiga Gália, que tais ritos deixaram vestígios mais claros nos costumes de queimar gigantes feitos de vime e animais encerrados em estruturas ou cestos de vime. Esses costumes, como o leitor terá observado, manifestam-se geralmente no solsticio de verão ou mais ou menos nessa época. Disso podemos deduzir que os ritos originais dos quais são sucessores degenerados eram celebrados no solsticio de verão. Essa dedução harmoniza-se com a conclusão, suge- rida pelo exame geral dos costumes folk europeus, de que a Festa do Solsticio deve, de um modo geral, ter sido a mais difundida e a mais solene de todas as festas anuais celebradas pelos primitivos arianos na Europa. Devemos ter presente, ao mesmo tempo, que, entre os celtas britânicos, as principais festas dos fogos foram, sem dúvida, a de Beltane (1.° de Maio) e a de Hallowe’en (último dia de outubro), o que levanta uma dúvida sobre se os celtas da Gália também não teriam celebrado os seus principais ritos do fogo, inclusive os que incluíam a queima sacrifical de seres humanos e de animais no início de maio ou no início de novembro, e não no solsticio de verão.
Resta-nos, ainda, perguntar qual o significado desses sacrifícios. Por que eram homens e animais queimados até a morte nessas festas? Se estamos certos na interpretação das modernas festas dos fogos da Europa como tentativas de acabar com o poder da feitiçaria queimando ou banindo bruxas e feiticeiros, disso se segue que podemos explicar os sacrifícios humanos dos celtas da mesma maneira, isto é, podemos supor que os seres humanos queimados pelos druidas nas imagens de vime estivessem condenados à morte por serem bru- xas ou magos, e que o modo de execução pelo fogo era escolhido porque queimá-los vivos era considerada a maneira mais segura de acabar com aqueles seres prejudiciais e perigosos. A mesma explicação poderia aplicar-se ao gado e aos vários animais de muitos tipos que os celtas queimavam juntamente com os homens. Uma vantagem dessa explicação dos antigos sacrifícios celtas está em que ela estabelece, por assim dizer, uma linha de continuidade e coerência no tratamento que a Europa deu às bruxas desde os tempos mais remotos até cerca de dois séculos atrás, quando a crescente influência do racionalismo desacreditou a crença na feitiçaria e pôs fim ao costume de queimar as feiticeiras. De acordo com essa interpretação, a Igreja Católica, no tratamento que conferiu à magia negra, simplesmente colocou em prática a política tradicional do druidismo, e seria interessante perguntar qual das duas instituições, na execução dessa política, exterminou o maior número de inocentes. Seja como for, talvez possamos compreender agora por que os druidas acreditavam que, quanto maior o número de pessoas condenadas à morte, maior seria a fertilidade da terra. Para um leitor moderno, pode não parecer tão óbvia essa conexão entre a atividade do carrasco e a produtividade da terra. Mas um pouco de refle- xão poderá mostrar-lhe que, quando os crimi- nosos que pereciam na fogueira ou no patíbulo eram bruxas cujo prazer era arruinar as plan- tações dos agricultores ou destruí-las com o granizo e a geada, a execução dessas criaturas era realmente planejada para assegurar uma colheita abundante, graças à eliminação de uma das principais causas que paralisam os esforços e destroem as esperanças do homem do campo.
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