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Os mais antigos mistérios gregos parecem ser os de Elêusis, pequena povoação, hoje Lefsina, do noroeste de Atenas, pois eles datam dos tempos pré-micênicos, como o demonstram as pesquisas arqueológicas realizadas no local.
Um hino homérico do século VII antes da nossa era conta, sob a forma de lenda, a fundação do santuário.
Zeus e a deusa mãe Deméter tinham uma filha querida, Cora, que um dia foi raptada por Hades, deus dos Infernos.
Deméter, louca de dor, procurou a filha por toda a parte, mas em vão, certa vez, disfarçada de velha, foi recolhida na corte do rei Chélios e pediu para beber uma mistura de cevada, água e erva-dormideira. Atenderam ao seu desejo. Como agradecimento, ela encarregou-se de cuidar do filho recém-nascido da rainha e, para torná-lo imortal, ungia-o de dia com ambrósia e à noite submetia-o às chamas purificadoras de um fogo sagrado.
A rainha, surpreendendo este ritual, ficou deveras assustada, mas então a deusa revelou-lhe a sua identidade: «Sou», disse, «Deméter, a Venerada, a que regenera os homens e faz crescer as plantas. É meu desejo que se erga aqui um templo onde eu própria ensinarei os mistérios.»
Em seguida, desapareceu, deixando atrás de si uma claridade divina e os aromas maravilhosos de todas as flores da Primavera.
Zeus acabou por conceder a sua esposa o privilégio de tornar a ver Cora durante um terço do ano, ficando outro terço reservado a Hades que desposara aquela que ele raptara.
É este o primeiro mito de Perséfone.
Tranqüilizada, Deméter revelou aos soberanos de Elêusis: Triptoleme, Diocles, Emuope e Cheleos, os mitos que viriam a tornar-se célebres (Existem tantas versões como autores).
Alguns dão um lugar quase primordial a Dioniso, ou Baco (o deus Soma dos Arianos = bebida de iniciação), o que bastante associa os Mistérios aos mais antigos cultos arianos da Gália e das Índias.
Noutra versão, dada por Clemente de Alexandria, o Mistério começa com Afrodite (Vênus) e os Coribantas, ou Cabiros. Uma descrição da cena da bebida pedida por Deméter esclarece o rito do cesto (cofre) na tradição completamente falsificada.
Eis o texto de Clemente de Alexandria, que torna ridículo o que ele considera uma fábula de mau gosto:
«Contudo, Baubo (a rainha) recebe Deo (Deméter) na sua casa e apresenta-lhe a bebida chamada cyceon. Mas a deusa, dominada pela dor, afasta a taça e recusa-se a beber. Então Baubo, triste com este desprezo, despe-se e mostra-se em toda a sua nudez.
«Este gesto alegra a deusa e a vontade de rir que ela sente decide-a a tomar a bebida!
«Eis pois o que Atenas esconde nos seus mistérios, não o negueis, viso que tenho a meu favor a descrição feita por Orfeu.
«Citar-vos-eis os seus versos a fim de reproduzir, contra essa infâmia, o testemunho do próprio mistagogo: «Proferindo estas palavras, ela ergueu a sua túnica e desnudou as partes baixas do seu corpo, que se escondem aos olhares; a seu lado estava o pequeno Iaco que, com a mão, acariciava, rindo, a parte inferior do seio de Baubo; ao ver isto, Deo teve vontade de rir, e ela pegou então na taça decorada com pinturas na qual deitara o cyceon.»
«Eis um espetáculo admirável e muito conveniente para uma deusa!…
«Não há nada mais ímpio do que os mistérios… é uma lei sem valor, uma opinião vã, e o mistério do dragão não passa de uma mentira, como o resto.
«A iniciação que se lhe associa é o contrário da iniciação verdadeira.»
É certo que Clemente de Alexandria (160 D. C.) era um filósofo grego cristão e parcial por princípio, contudo não podemos senão aprovar as suas conclusões.
Incontestavelmente, os mistérios egípcios, há 4.000 anos, e os mistérios gregos, há 2.000 anos, eram paródias da iniciação autêntica, dos conhecimentos que a classe sacerdotal tinha completamente esquecido.
Daremos, adiante, um apanhado dos ritos de Elêusis, mas há boa razões para se crer que o mistério do cofre, tornado simples cesto, se referia a um falo de madeira ou de pedra, e a uma vulva, consistindo o «trabalho» na introdução de um na outra.
Compreende-se então toda a ironia do bom Clemente de Alexandria, num século em que o cristianismo, novinho em folha, não era senão pureza e espírito de sacrifício!
Aliás, devemos recordar-nos de que os Gregos eram fundamentalmente anti-religiosos, dando que a sua mitologia não era, em suma, mais do que uma sucessão de relações licenciosas, de incestos, de adultérios, de raptos e de outras brincadeiras de velhos guerreiros e de deuses olímpicos!
Na lenda de Elêusis, a aventura inicia-se com uma nota escabrosa: « Júpiter uniu-se a Deo, sua própria mãe, e depois a Prosérpina, sua filha. depois de tê-la gerado, desflorou Core.»
A propósito de um desses objetos encerrados no cesto, o falo, o bom Clemente indigna-se!
Evidentemente, ele ignorava que a sua própria religião cristã iria venerar a virgem de Airão, a amêndoas mística em forma de vulva irradiante que envolve as imagens da Virgem.
Amadores do erotismo, estetas e incrédulos por natureza, os Gregos tiravam o caráter sagrado às divindades integrando-as nas fábulas, como se, sabendo que os deuses tinham sido simples anjos iniciadores de forma humana, viris e por vezes sem escrúpulos, tivesse sido sacrílego assimilá-los a criaturas celestes…
O que, de resto, também não teria sido sério!
Para mais, o Olimpo dos Gregos era terrestre e tudo estava genialmente imaginado para atrair os deuses à Terra e abolir a distância que os separava dos mortais. Neste estado de espírito, a iniciação não podia ter um caráter religioso, pelo menos nas épocas historicamente conhecidas.
Os mistérios de Elêusis eram fundamentalmente os mesmos que os de Delos, consagrados a Apolo, e os de Samotrácia, dedicados aos Cabiros.
Em todos eles eram transmitidos os segredos dos Iniciadores vindos do céu, a sua identidade, a crença em outra pátria situada em uma estrela, a ciência da astronomia, da física, da química, dos encantamentos, da serpente voadora, do dilúvio, a lei infringível da preservação do patrimônio biológico humano e a necessidade de uma transmissão secreta.
Tais foram os segredos iniciais dos Mistérios, disto temos a certeza absoluta.
É de notar que, como acontecia com os Celtas (e no livro de Enoch), a iniciação a Elêusis é dada por uma mulher: Deméter, com o ritual da bebida mágica: ambrósia ou cyceon.
Os Druidas Eumolpe e Musée, que foram grandes Mestres, ensinavam, de preferência, mulheres.
Consideram-se por vezes os Mistérios de Elêusis como provenientes dos Mistérios Cabiros Fenícios, os quais descendiam dos Mistérios Druidas votados a Taliesin, filho de Korrigan ou Gwyon, e de Koridwen.
No rito, o «cofre» tinha dupla importância: intrínseca, primeiro, e depois por encerrar o segredo «dos objetos».
Como os mistérios foram instituídos para transmitir o conhecimento depois do dilúvio julgamos que o cofre representava a arca, o barco que salvou alguns seres humanos.
Nos arredores de Roma, em 1696, descobriu-se um vaso que tinha a forma de um pequeno barril. Datava de uma época grega muito antiga, e continha vinte casais de animais e mais de trinta e cinco figurinhas humanas, todas elas na postura de pessoas que procuram escapar a uma inundação. As mulheres eram representadas aos ombros dos homens.
Pensa-se que este vaso servia para as festas chamadas Hidroforias, as quais, segundo Apolônius citado por Suedas, se celebravam em memória dos que tinham perecido no dilúvio.
Vasos semelhantes teriam servido nos mistérios de Elêusis.
Tudo isto se tornou bastante compreensível, muito razoável para o nosso espírito de homens do século XXI, mas há dois ou três mil anos a Criação do Mundo (Omphalos), a refração da luz e as funções da glândula pineal constituíam mistérios tão grandes que só os iniciados os conheciam, não sendo conveniente revelá-los à «maioria».
Os ritos Eleusinianos do período decadente eram tidos pelos sacerdotes tanto mais secretos quanto a Verdade é que em nada os compreendiam. Assim, entendiam ser indispensável, para manter uma aparência de dignidade, adotar ares misteriosos e dar aos objetos um significado nebuloso.
As Eleusínias, celebradas, originalmente, de cinco em cinco anos, tinham por oficiantes os sacerdotes, ou Hierofantes, e as sacerdotisas, ou Tisíades, coroadas de mirto e portadoras de uma chave, símbolo dos mistérios.
Decorriam durante, pelo menos, duas semanas, sendo nove os dias principais:
1º – dia da reunião dos neófitos.
2º – chamado «alaze, mystoï» (para o mar, mistos!): purificação pela água.
3º – jejum = preparava-se o leito nupcial da virgem divina. À noite, interrompia-se o jejum comendo bolos de cevada e dormideira, e bebia-se cyceon, bebida sagrada.
4º – procissão do calathus (cesto).
5º – dia dos archotes, com procissão noturna.
6º – dia da partida de Atenas para junto de Elêusis. Cultos de Ceres, de Iaco e de Dionísio.
7º – dia do regresso ao templo, com cerimônias da figueira sagrada e brincadeiras da ponte. Esta ponte era a Cephise, por onde passava a procissão por entre a gozação e brincadeiras maliciosas da multidão. Aliás, a procissão tomava parte nelas.
8º – Cerimônias dedicadas a Esculápio que, em tempos tendo chegado nesse dia a Atenas, vindo de Epidauro, depois das cerimônias, foi iniciado à noite, costume que se perpetuou para todos os que se encontravam nas mesmas circunstâncias.
9º – e último dia, chamado plémochoé, do nome de dois vasos que se enchiam de vinho colocando-os um a ocidente e outro a oriente. Depois do que eram quebrados, ao mesmo tempo que se pronunciavam palavras mágicas.
O sentido deste símbolo é claro: «O conhecimento (os vasos) vinha do ocidente através dos Pélagos – Celtas, e do Oriente, pelos indo-europeus e os Persas. Os vasos podem ser partidos, a sabedoria foi já transmitida ao iniciado.»
As Eleusínias celebravam-se na Primavera e no Outono, os dois períodos de sementeira dos grãos, correspondentes aos pequenos e grandes Mistérios obrigatórios para todos os iniciados.
Existia também um grau superior, a Epóplia ou Autópsia (do grupo autos = ele próprio, e opsis = vista), isto é, visão interior, êxtase, pondo em comunicação com Deus e buscando um poder paranormal.
A iniciação era pois dada no templo de Deméter, situado no lado da colina, sob uma fonte; a entrada do santuário era proibida aos profanos, sob pena de morte.
O jejum incidia principalmente sobre a carne de aves domésticas, peixe, favas, romãs e maçãs (fruta do conhecimento).
Os Hierofantes a fim de melhor suportarem a abstinência, tinham autorização para beber sumo de cicuta (a cicuta é um veneno, mas dosada, possui virtudes medicinais e alucinógenas).
Na ilha de Céos, no mar Egeu, na antigüidade, os anciães inúteis à pátria deixavam habitualmente a vida bebendo cicuta.
Perto do fogo do sacrifício estava «o filho do lar», que tinha de ser de puro sangue ateniense, nos últimos tempos, iniciavam-se os homens, as mulheres e as crianças, com excepção dos bárbaros, dos assassinos, e dos cristãos.
Os ritos misteriosos tinham lugar durante vigílias sagradas, em Elêusis: percursos nas trevas, provas de terror e de ansiedade, visões de objetos aterradores, vozes misteriosas e desconhecidas, e depois fulgor e fantasmas que desapareciam por alçapões… numa palavra, todo o arsenal bem conhecido da Iniciação!
O momento mais importante e sem dúvida o menos afastado da verdade primitiva era o confronto dos objetos misteriosos e a revelação das palavras sagradas.
Clemente de Alexandria dá um resumo desses Mistérios:
«Eis», diz, «na fórmula Eleusiana: jejuei, bebi cicuta, peguei no que havia dentro do cesto e, depois do meu trabalho, coloque tudo na bolsa; em seguida, pegando outra vez naquelas coisas, coloque-as dentro do cesto.»
A cicuta não é a bebida simples reclamada por Deméter: água, cevada, dormideira, embora semelhante mistura se revele, a priori, nitidamente alucinógena.
Segundo os autores antigos, essa bebida compunha-se principalmente de cevada primitiva, leite, mel, azeite ou vinho, mas há tantas receitas quantos os autores!
Aquele que a bebia devia adquirir o conhecimento do passado e responder de às perguntas do Hierofantes.
Quanto aos «objetos misteriosos» encerrados no cofre, temos uma lista que certamente seria maior ainda com a superstição, a ignorância dos sacerdotes e a deturpação do segredo inicial: as seis cores do arco-íris, as seis plantas «eficazes», um falo, uma vulva, um Omphalos (ovos primordial), uma serpente (a iniciadora), trigo, mel, uma pinha (símbolo da glândula pineal, ou 3º olho), um torrão de terra, um «maná» e os xoanon (Parece haver uma aproximação etimológica a fazer-se entre o xoana, pedra negra, e o xoarcam, o primeiro dos cinco paraísos da mitologia hindu. No xoarcam, trinta e três milhões de deuses e quarenta e oito mil penitentes julgados dignos da felicidade vivem uma existência paradisíaca entre mulheres maravilhosamente belas, sensuais e sábias) pedras negras milagrosamente caídas do céu no reinado de Cécrops e às quais estava ligada a fortuna de Atenas.
A tudo isto acrescentar-se-iam ainda os bustos de deuses e deusas, «ídolos de madeira mal talhados», dizia Tertuliano, dos quais alguns estavam enlaçados por serpentes, comemorando assim a união fecunda das mulheres terrestres com os Iniciadores do Céu. A manipulação desses objetos devia, na crença geral, transmitir as forças misteriosas que os habitavam e estabelecer uma espécie de filiação divina.
Uma Iniciação era custeada pelo neófito devido aos custos da Escola e custava trinta dracmas, mais um porco e ainda uma gratificação aos Sacerdotes de Elêusis.
Flávio Lins
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