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Sar Naquista
“Grande é o trabalho de procurar nos conhecermos como somos; mas é preciso, após disso, trabalhar para nos conhecermos como deveríamos ser.”
– Louis-Claude de Saint-Martin (Meu Livro Verde)
Na epigrafe que abre este artigo Louis-Claude de Saint-Martin, nosso amado “Filósofo Desconhecido” fala dos dois conhecimentos aos quais devemos nos ocupar. Um martinista deve ser capaz de ter uma visão clara para ver a si mesmo como realmente é e uma vontade obstinada capaz de transformar-se em com realmente deveria ser. Saber quem somos exige por sua vez que saibamos de onde viemos. Qual a origem e finalidade de todas as coisas? Qual a origem a e finalidade do ser humano?
Estas questões já ocuparam a mente de cientistas, filósofos e místicos desde a aurora da humanidade. Para respondê-las os iniciados se voltam a sabedoria contida nos símbolos e mitos que só recebiam dos mestres do passado após uma infinidade de provas e purificações. Comecemos nossa explicação citando um destes mestres, Jean-Baptiste Willermoz, célebre maçom, martinista e ocultista francês:
“Se o homem tivesse se conservado na pureza de sua origem primeva, a iniciação jamais teria ocorrido a ele, e a Verdade se ofereceria ainda sem véu aos seus olhos, pois nasceu para contempla-la e para lhe render permanente homenagem. Mas uma vez que, infelizmente, desceu para uma região oposta a Luz, a própria Verdade o sujeitou ao trabalho iniciático, recusando-se a satisfazer seus questionamentos.
Esta primeira iniciação, fundamentada na degradação humana e exigida pela própria Natureza, foi o modelo e a regra daquela que os antigos Sábios estabeleceram. Um vez que o Conhecimento de que eram depositários são ordem superior aos conhecimentos naturais, eles só podem desvela-lo ao homem profano depois de tê-lo fortalecido na via da inteligência e da virtude.
A compreensão do elevado destino do ser humano e da igualmente enorme queda e degradação de sua situação atual são requisitos para qualquer tipo de iniciação, pois esta é justamente a superação desta enorme diferença entre o que somos e o que deveríamos ser. Caso essas bases não sejam aceitas a alternativa é a que encontrou a Filosofia Moderna que entende que o ser humano como um animal de natureza puramente material. Mas o homem assim interpretado teria que se forçosamente como o mais mal sucedido dos mamíferos pois se dedica, se preocupa e se ocupa com coisas que são completamente ignoradas pelo resto da Criação. Se o ser humano é só um animal, é então um animal que enlouqueceu.
Por conta de seu estado atual os conhecimentos dos Mistérios da Criação só podem ser transmitidos ao ser humano pela Iniciação pois é de fato incompreensível a mente humana em sua condição atual. Isso se torna óbvio quando notamos que as próprias Sagradas Escrituras nos trazem este saber, como por exemplo na narrativa do livro de Gênesis. Contudo uma leitura esotérica de qualidade só pode ser satisfatoriamente feita após adquirir certos conhecimentos.
Em “Dos Erros e da Verdade”, Louis-Claude de Saint-Matin nos fala desta mesma realidade por meio de um profundo relato simbólico que deve ser lido com a maior atenção por todos aqueles que trilham a Senda da Luz. Desnecessário dizer que o termo Homem é usado aqui com maiúscula justamente por se referir a essência do que chamamos ser humano e não a este ou aquele gênero:
“O Homem é o ser mais antigo da Natureza; ele existia antes do nascimento do menor dos germes e, no entanto, só veio ao mundo depois deles. Mas o que o elevava bem acima de todos esses Seres é que estes eram exigidos nascer de um pai e de uma mãe, enquanto que o Homem não tinha matriz. Além disso, a função dos germes era totalmente inferior a do homem. A função do Homem era a de sempre batalhar para fazer cessar a desordem e conduzir tudo a Unidade; a daqueles Seres era de obedecer ao Homem. Mas, como as batalhas que o Homem tinha de travar podiam ser-Lhe muito perigosos, ele era revestido do uma armadura impenetrável, da qual variava o uso a sua vontade, e da qual cabia a ele fazer copias iguais e em total conformidade com o modelo. Além disso, o Homem estava munido de uma longa lança feita da combinação de quatro metais tão bem amalgamados que, desde que o mundo existe, nunca se conseguiu separa-los. Esta lança tinha a propriedade de queimar como o próprio fogo. Além do mais, era tão afiada que para ela nada era impenetrável, e tão ágil que golpeava sempre em dois Lugares ao mesmo tempo. Todas essas vantagens, unidas a uma infinidade de outros dons que o Homem havia recebido ao mesmo tempo, o tornavam verdadeiramente forte e temível. A região onde devia combater era coberta por uma floresta formada de sete arvores, que tinham cada uma dezesseis raízes e quatrocentos e noventa galhos. E nesse lugar de delicias, a morada da felicidade do Homem e o trono de sua gloria, que ele teria sido feliz e invencível para sempre (…)
Além disso, durante todo o tempo que guardou seu posto, ele conservou sua superioridade natural, desfrutou de uma paz e experimentou uma felicidade que não se consegue descrever aos homens de hoje. Mas, desde que se distanciou dele, deixou de ser o mestre, e um outro Agente foi enviado para tomar seu Lugar. Então, o Homem, após ter sido vergonhosamente despojado de todos os seus direitos, foi lançado na região dos pais e das mães, onde permanece desde então no sofrimento e na aflição de se ver misturado e confundido com todos os outros seres da natureza.
Não é possível imaginar um estado mais triste e deplorável do que o desse Homem infeliz no momento de sua Queda, pois não só perdeu imediatamente a lança fantástica a qual nenhum obstáculo resistia, mas a própria armadura de que havia se revestido desapareceu para ele, e foi, por um tempo, substituída por outra que, não sendo impenetrável como a primeira, tornou-se para ele uma fonte de perigos contínuos, de sorte que, tendo sempre o mesmo combate a sustentar, ficou infinitamente mais exposto.
Entretanto, punindo-o desta maneira, seu Pai não quis lhe tirar toda a esperança nem abandona-lo inteiramente ao furor de seus inimigos. Tocado por seu arrependimento e por sua vergonha, Ele lhe prometeu que poderia, por seus próprios esforços, reencontrar seu estado primitivo, mas isso só aconteceria depois de ter recuperado a posse da lança que havia perdido, e que fora confiada ao Agente que substituirá o homem, no próprio centro que ele acabava de abandonar.”
Ao ler este texto altamente simbólico podemos ser tomados por uma série de questionamentos:
- Se o Homem foi o primeiro ser da Criação, o que havia antes?
- Porque o Homem ocupou um lugar tão importante?
- O que era essa armadura impenetrável?
- O que era essa lança imbatível?
- Porque ele largou seu posto e perdeu sua glória?
- O que é este Agente que está em seu lugar?
- Como o Homem pode recuperar a lança e recuperar seu posto?
Estas perguntas só podem ser respondidas por quem tem a chave interpretativa que Martinez de Pasqually, o primeiro Mestre de Louis-Claude de Saint-Matin no deixou legada em seu livro “Tratado da Reintegração dos Seres Criados nas suas Primitivas Propriedades, Virtudes e Poderes Espirituais e Divinos”. O próprio título notoriamente extenso nos trás uma resumida lição iniciática, pois revela, assim como a narrativa do “Filosofo Desconhecido” que os seres não estão em sua condição original divina e espiritual e precisam ser reintegrados para recuperar as propriedades, virtudes e poderes perdidos. Por razões de praticidade o livro de Pasqually é geralmente chamado apenas de “Tratado da Reintegração.”
No “Tratado da Reintegração” Martines de Pasqually fala de Deus como a Fonte da Vida e sustentador de todo ser vivente. Deus pensa, quer e age eternamente, pois estas são as três faculdades inseparáveis que Nele formam uma Unidade perfeita. Deus pensa e quer o que faz, pensa e faz o que quer, e quer e faz o que pensa. Por isso ele é o Criador Eterno e age sem cessar para manifestar seu pensamento e vontade.
Além disso, os próprios pensamentos de Deus são criadores e dotados de pensamento, vontade e ação e assim se manifestam na forma de seres espirituais.
Ora, Seus próprios pensamentos são criadores e se manifestaram na origem sob a forma de seres espirituais. Nas palavras de Pasqually
“Antes do inicio dos tempos, Deus emanou seres espirituais, para sua própria glória, em sua Imensidade Divina. (…) Há Nele uma fonte inesgotável de seres que Ele emana por sua pura vontade e quando Lhe apraz”.
Ao dizer “Antes do início dos tempos” Pasqually está falando de uma realidade puramente espiritual que transcende as limitações do espaço e da matéria e muito acima linearidade temporal que conhecemos. Por isso, estes primeiros seres criados são “emanados” e não “criados”. Em outras palavras, eles não foram “criados do nada”, mas sempre existiram nessa realidade atemporal na qual Deus está no controle total e assim só podiam agir conforme Sua Vontade superior. Neste momento a informação mais importante sobre os seres emanados que você deve guardar é que eles existiam desde sempre em Deus e continuarão existindo eternamente.
O “Tratado da Reintegração” esclarece que estes primeiros seres criados se dividiam em Quatro Classes também chamada de “Quadrupla Essência Divina” ou simplesmente “Corte Divina” e se diferenciavam uns dos outros por suas virtudes, faculdades e características necessárias para cumprir a função que o Criador lhes atribuiu. Pasqually nos fala desta corte quaternária em termos de círculos:
- Primeiro Círculo: Espíritos Superiores (Chamados Denários)
- Segundo Círculo: Espíritos Maiores (Chamados Octanários)
- Terceiro Círculo: Espíritos Inferiores (Chamados Septenários)
- Quarto Círculo: Espíritos Menores (Chamados Ternários)
Pasqually diz ainda que os quatro círculos da Corte Divina estavam contidos na “Imensidade Divina”; que ele representa simbolicamente pelo número dez, escrito com um 1 inscrito em um circulo.
Assim o 10 é o Mundo da emanação, Atemporal e Espiritual que cresce sem cessar para mante a multidão de seres espirituais que o Criador Eterno emana de Si. É justamente porque a emanação espiritual é contínua que Imensidade Divina é infinita. A unidade de Deus ocupa o centro dessa imensidão e ao seu redor se ocupa a multidão de seres espirituais que formam sua Corte. Conta ainda o “Tratado da Reintegração” que esta corte devia lhe prestar o culto determinado pelas leis, preceitos e mandamentos divinos que formaram os fundamentos de sua emanação.
Neste ponto ainda não havia mundo da matéria e os seres emanados eram puramente espirituais. Também ainda não falamos sobre como surgiu o Homem e qual sua posição entre estes seres da primeira emanação. Mas tudo isso ficará para um próximo artigo onde falaremos mais especificamente sobre os Desenvolvimentos da Imensidade Divina. Por enquanto, contemple o que foi dado neste artigo, releia a narrativa de Louis-Claude de Saint-Matin e atente que estes primeiros seres espirituais, dotados igualmente de Pensamento, Vontade e Ação também possuíam livre-arbítrio. Isso será importante para o que veremos a mais para frente
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