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Nos anos 1920, o austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) era considerado um dos discípulos mais promissores do pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939). Ele morreria décadas depois em uma prisão dos Estados Unidos, sob acusações de fraude e suspeitas de promover atividades sexuais ilícitas.
Mas sua obra, que chegou a ser banida pelo governo americano, seria peça-chave para o movimento da contracultura nos anos 1960. Muitos o consideram, inclusive, o inspirador da revolução sexual e dos protestos de maio de 1968 na França – os atos foram iniciados por movimentos estudantis e ganharam a adesão de trabalhadores, levando a uma grande greve geral que abalou politicamente o país.
Hoje, Reich segue tendo muitos adeptos entre os seguidores de correntes de pensamento alternativas. Mas o que fazia esse psicanalista e por que ele continua a despertar tanta controvérsia tanto tempo depois?
Reich é considerado nos dias de hoje uma ovelha negra dentro da psicanálise tradicional, mas nem sempre foi assim. Com apenas 23 anos, ele foi aceito como membro da prestigiada Sociedade Psicanalítica de Viena, fundada por Freud.
Foi o próprio criador da psicanálise que levou o jovem à instituição para que tratasse seus pacientes em uma clínica ambulatorial que ele criou na capital austríaca.
Nessa época, Freud já havia desenvolvido sua teoria sobre a neurose e atribuído sua origem à repressão sexual. Reich levou o conceito além e propôs que a repressão se dava não apenas no plano psíquico, mas também no físico.
Ele acreditava que o corpo respondia à repressão gerando tensão muscular, o que, com o passar do tempo, se traduzia em dores crônicas e doenças. Dizia que era uma “armadura” ou uma “couraça” que moldava o físico e o caráter do indivíduo e determinava como essa pessoa encarava sua existência.
O conceito despertou interesse, mas Reich propunha uma solução radical para o problema: a repressão deveria ser combatida não apenas verbalmente, como ensinava Freud, mas também fisicamente. Com esse objetivo, desenvolveu uma terapia que rompeu com uma das doutrinas básicas da psicanálise: a neutralidade entre o profissional e seu paciente.
Batizado de vegetoterapia, o método consistia em realizar massagens em seus pacientes seminus para dissolver o que Reich chamou de “armadura muscular” ou “armadura de caráter”.
Isso gerou um escândalo, e alguns de seus ex-pacientes até mesmo denunciaram que as massagens feitas em todas as partes do corpo onde o terapeuta dizia detectar tensão equivaliam a uma forma de abuso.
Não foram apenas as massagens que geraram controvérsia: havia a teoria por trás delas. O objetivo da vegetoterapia era liberar a energia sexual reprimida, que, segundo Reich, era a causa de muitos dos males da sociedade, incluindo o nazismo.
Ele acreditava que a armadura corporal impedia a pessoa de alcançar um orgasmo completo e, por isso, não conseguia livrar-se de suas repressões. Reich escreveu que, quando uma sessão era bem-sucedida, podia ver ondas de prazer atravessando o corpo do paciente, o que chamou de “reflexo orgásmico”.
Mas a principal forma de liberação de energia reprimida proposta por ele eram as relações sexuais, que permitiriam a uma pessoa se tornar livre – isso transformaria sociedades e o mundo. Com esse propósito, criou várias clínicas sexuais e advogou pelo sexo, inclusive entre adolescentes.
Em 1927, escreveu A Função do Orgasmo, explicando sua teoria. Foi a promoção do que chamou de “revolução sexual” que consolidaria décadas mais tarde sua fama como visionário e tornaria seu livro uma bíblia dos intelectuais dos anos 1950 e 1960.
Mas, nos anos 1930, suas ideias radicais o tornaram um pária e o levaram a ser expulso da Sociedade Psicanalítica de Viena.
A descoberta da ‘energia vital do orgasmo’
Em 1939, perseguido pelo nazismo, Reich fugiu para os Estados Unidos, onde começou uma nova etapa de sua carreira que atrairia ainda mais críticas e ceticismo da comunidade científica.
Reich queria comprovar que sua teoria sobre o orgasmo tinha uma base biológica. Para isso, investigou se o conceito freudiano de libido tinha relação com eletricidade ou alguma substância química que atravessava o corpo (uma teoria que o próprio Freud sugeriu e logo abandonou em torno de 1890).
Pouco depois de chegar à Nova York, anunciou que havia descoberto uma forma de energia vital que era liberada durante o orgasmo e anunciou o nascimento de uma nova ciência: a orgonomia.
Essa forma de energia foi chamada por ele de “orgone” (derivado de “orgasmo” e “organismo”), descrito por ele como de cor azul, por meio de um microscópio e no céu, com um telescópio especial criado por ele, o organoscópio.
Segundo Reich, o orgone estava por todos os lados e era a mesma energia espiritual que outros chamavam de Deus. Reich acreditava que, quando essa enegia estancava ou diminuía, causava decadência, enfermidade e morte.
Por isso, a partir de 1940, ele começou a desenvolver “acumuladores de orgone”: caixas ou cápsulas que atuariam como bloqueadores de campos eletromagnéticos, permitindo que dentro do espaço se concentrasse a “energia orgônica”.
A pessoa deveria entrar no acumulador, idealmente nua, e permanecer ali pelo maior tempo possível para obter benefícios que, segundo Reich, incluíam curar o câncer.
Os curiosos objetos começaram a atrair interesse, e a imprensa não tardou em ridicularizar o austríaco, chamando seus inventos de “caixas sexuais”.
Para demonstrar que sua descoberta era rigorosa cientificamente, Reich conseguiu que o renomado físico alemão Albert Einstein (1879-1955) pusesse seus inventos à prova. Em 13 de janeiro de 1941, ele levou um pequeno acumulador para Einstein, que o investigou por dez dias em seu sótão.
Ainda que no começo o físico tenha notado uma diferença de temperatura dentro da caixa, que Reich atribuía à presença do orgone, ele concluiu no fim que o fenômeno era causado pela diferença de temperatura no ambiente.
“Por meio desses experimentos, considero o assunto completamente encerrado”, escreveu Einstein a Reich em 7 de fevereiro do mesmo ano.
Acusação de fraude e prisão antes da morte
O resultado não dissuadiu Reich, que, em 1942, comprou uma fazenda no Estado de Maine (EUA), onde se dedicou a criar mais acumuladores e outras invenções relacionadas à energia orgônica.
Seus empreendimentos atraíram a atenção da Food and Drugs Administration (FDA), órgão americano equivalente à Anvisa no Brasil, que acusou o austríaco em 1947 de estar por trás de uma “enorme fraude”. As autoridades também suspeitavam que ele poderia estar promovendo atividades sexuais ilícitas.
Em 1954, a Justiça ordenou a destruição de 250 acumuladores e a incineração de toda a obra de Reich, incluindo A Função do Orgasmo e Psicologia de Massa do Fascismo, um livro escrito por ele em 1933 e que teria um papel chave nos protestos de 1968 na França. Muitos historiadores consideram esse um dos piores casos de censura da história americana.
Quando um sócio de Reich vendeu um acumulador a uma pessoa em outro Estado, violando a ordem judicial, o inventor foi detido e condenado a dois anos de prisão.
Em 1957, quase oito meses depois de ser preso e prestes a conseguir sua liberdade condicional, Reich morreu após sofrer um infarto, aos 60 anos de idade.
Em um obituário, a revista americana Time disse que que ele havia sido “um psicanalista famoso, discípulo de Sigmund Freud”, mas que, em tempos recentes, havia ficado “mais conhecido por suas teorias pouco ortodoxas sobre o sexo e a energia”.
No entanto, autores como Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William S. Burroughs se basearam nas teorias de Reich, lançando as sementes da revolução sexual dos anos 1960.
Hoje suas ideias podem ser encontradas em várias disciplinas, desde a terapia Gestalt e a bioenergética aos tratamentos com orgonites, objetos que seriam capazes de transformar energias negativas em positivas e que são populares em alguns grupos espirituais.
A fazenda onde Reich viveu e foi enterrado é hoje um museu e segue como um popular destino de peregrinação para seus seguidores.
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