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Esoterismo Falocêntrico na Tradição Judaica

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*Texto retirado do livro Rumi And The Hermeneutics of Eroticism, por Mahdi Tourage

     A questão que se segue é: como é que ligação entre o esoterismo e o erotismo foram investigados em outras tradições místicas? As investigações mais relevantes sobre a ligação entre esoterismo e erotismo, que seria fundamental para uma investigação do universo pornográfico dos contos no Mathnawī, esteve no campo da Cabala, a Tradição mística judaica.

Vários estudos exploraram os laços entre o Islã e a Cabalá sefirótica, especialmente a sua obra central, o Zohar.[1] Mais recentemente, a afinidade entre o Zohar e o Mathnawī foi apontado.[2] Recente estudos de Cabalá documentaram o fenômeno do misticismo hermenêutico e da experiência visionária. Mais pertinente para os objetivos de este livro são os estudos de um encontro místico entre o homem e o Divino quando este encontro é contemplado ao longo de linhas de gênero e em termos de um imaginário erótico físico. Howard Eilberg-Schwartz, por exemplo, argumenta que a proibição contra imagens do Divino no antigo Judaísmo estava relacionado ao corpo sexual de Deus e não a um conceito antropomórfico de deidade.[3] Ele defende a presença de uma orientação falocêntrica na experiência mística visionária que é guiada pela natureza erótica dos textos exegéticos.

Os estudos de Elliot Wolfson sobre a função do erotismo nas fontes cabalísticas são particularmente relevantes para o estudo dos contos de Rūmī, porque o argumento do esoterismo falocêntrico é defendido de forma mais persuasiva por ele, e as semelhanças entre textos cabalísticos e sufis são destacados mais frequentemente em seu trabalho. Wolfson observa que foi a falta de representações icônicas fixas de Deus que forneceram o contexto para a visualização da Divindade no Judaísmo.[4] Ele argumenta que, para os Cabalistas, muitos casos da hermenêutica mística são de natureza falocêntrica e erótica, e na Cabalá teosófica a visão de Deus é geralmente privilegiada sobre uma forma auditiva de experiência religiosa.[5] Wolfson argumenta que, para os Cabalistas, a visão é um ato fálico e que a faculdade imaginativa é contextualizado no falo, daí seu termo “centrismo ocular falocêntrico” e “imaginação fálica.”[6]

Por exemplo, quando o encontro visual com o Divino é descrito eroticamente como a união do Cabalista com a presença Divina, e ligado à união sagrada dos aspectos masculino e feminino da Divindade, o objeto da contemplação do Cabalista é interpretado como uma visão do falo Divino.[7] “Na análise final”, escreve Wolfson, “o objeto da contemplação do místico é o falo divino, aludido enigmaticamente no idioma bíblico de ver o rei em sua beleza.”[8] É através e pela virtude do falo que o místico experiencia a visão mística. Como explica Wolfson: “O elemento intensamente erótico da visão mística está ligado ao falo de duas maneiras: é pela virtude do falo que ao místico é concedida a permissão para ver o que está obscurecido no arquivo ordinário da experiência humana e o que o que se vê é o falo divino revelado no momento do coito.”[9] Neste sistema simbólico o Divino é caracterizado em termos de imagens de luz e os efeitos do elemento feminino à experiência visionária, como a nuvem que simultaneamente esconde e revela o Divino.[10] Segundo Wolfson: “O aspecto feminino da Divindade é o aparato óptico através do qual o aspecto masculino, e particularmente o membro viril, é visto.”[11] O feminino (o útero feminino ou a natureza feminina de Deus) carece de todas as formas, resiste à representação, e é “a própria essência da falta e da negatividade”, mas paradoxalmente é o elemento feminino que faz a visão da forma Divina (o falo) possível, “ao feminino é atribuído o papel paradoxal de representar aquilo que não pode ser representado.”[12]

Os argumentos de Wolfson, desenvolvidos em muitos estudos, são complexos e englobam uma variedade de perspectivas. Por exemplo, ele escreve que ao formular a sua interpretação do aspecto feminino do Divino – a Shekhina- como espéculo, beneficiou-se dos trabalhos da psicanalista feminista francesa Luce Irigaray.[13] Mais pertinente para este livro é o uso que Wolfson faz do simbolismo do falo conforme articulado pelo psicanalista francês Jacques Lacan.

Antes de explicar a relevância das teorias de Lacan para os objetivos deste livro, uma palavra está em ordem sobre a estrutura de comparações traçadas neste livro entre o Mathnawī e o Zohar. É importante manter em mente que as variedades de experiências místicas em diferentes tradições religiosas, mesmo dentro da mesma tradição, não podem ser tratadas genericamente. Moshe Idel escreve: “Ao estudar os escritos religiosos, não testemunhamos sistemas fixos, teologias bem definidas ou técnicas congeladas, cuja essência pode ser facilmente determinada, mas estruturas vivas e tendências inclinadas a se mover em uma determinada direção, ou direções, em vez de entidades estáticas cristalizadas.”[14] Em outras palavras, os textos místicos não são fixos empreendimentos abstratos, eles contêm variáveis diversas e às vezes fontes simbólicos paradoxais.

Portanto com os paralelos que serão traçados entre o Mathnawī e os textos cabalísticos, conforme interpretado por Wolfson, eu pretendo também testar a possibilidade de uma tipologia de experiências místicas comparativas. Nesta abordagem comparativa, algumas questões são de interesse: quais pressupostos culturais e epistemológicos subjacentes dão origem à similares, se não idênticas, instâncias falocêntricas no Mathnawī e no Zohar? O que essas semelhanças significam para uma fenomenologia comparativa de misticismo? É “falocentrismo” meramente um rótulo teoricamente aplicado vagamente à algumas semelhanças textuais que explicam certas experiências místicas que são interpretadas no Mathnawī e no Zohar? Finalmente, podemos falar, significativamente, de uma tipologia de experiências místicas comparativas?

Em seu influente ensaio de 1978, Steven Katz enfatiza o papel do contexto na formação de experiências místicas e lança dúvidas sobre a possibilidade de uma tipologia de experiências místicas. Ele argumenta que os escritores no misticismo parecem tomar os termos místicos mais como nomes do que como descrições, tomando erroneamente termos místicos descritivos que se referem à alguma estrutura ontológica como sendo meramente “rótulos arbitrários de alguma subjetiva realidade comum.”[15] A posição contextualista de Katz foi criticada como “hiperkantianismo”[16]. Mas o caso de uma tipologia de experiências místicas comparativas não precisa se apoiar em nenhum dos extremos do debate entre o contextualismo relativista e a pura e não mediada consciência de experiências místicas. A “posição intermediária” de Wolfson sugere uma saída para esta dicotomia, defendendo um contextualismo modificado. Wolfson valida a possibilidade de uma tipologia de misticismo comparativo e avança em direção à visão estruturalista de Eliade, que destaca a importância do conhecimento da estrutura para a compreensão do significado das experiências místicas.[17] Ao determinar “as estruturas comuns subjacentes às múltiplas aparências do fenômeno”, Wolfson argumenta, podemos apreciar o status único da experiência mística nas diferentes tradições religiosas.[18]

Apreciar o status único das experiências místicas poderia também ser estendido às experiências dentro de uma única tradição religiosa. Certamente, em seu impulso místico geral, o Mathnawī tem muito em comum com outros textos sufis porque a revelação Qur’ânica e o contexto islâmico são a sua estrutura comum subjacente. No entanto, esta comunhão não deverá obscurecer a diversidade de padrões de experiência mística no Sufismo. Neste contexto, o Mathnawī não é como qualquer outro texto Sufi, sendo seu status singular atestado ao longo dos séculos. Na rica e sofisticada tradição textual do misticismo persa (aqui podemos adicionar as variedades de misticismo turco também, porque Rūmī teve uma influência imensa sobre o contexto da Anatólia), o Mathnawī foi elevado ao status de “escritura”; na verdade, foi equiparada ao Alcorão em persa.[19]

NOTAS:

[1] Por exemplo, Shlomo Pines, em “Shiite Terms ans Conceptions in Judas Halevi’s”, Jerusalem Studies in Arabic and Islam 2 (1980): 165-251; “ ‘The Eastern Dawn of Wisdom:’ The Problem of the Relation Between Islamic and Jewish Mysticism,” em Approaches to Judaism in Medieval Times, ed. Davis Blumenthal (Chicago: Scholars Press, 1985), 149-167; Ronald Kiener, “The Image of Islam in the Zohar”, em The Age of the Zohar, ed. Joseph Dan (Jerusalem: Hebrew University of Jerusalem, 1989), 43-66.

[2] Subtelny, Le monde est un jardin, 138.

[3] Howard Eilberg-Schwartz, God’s Phallus and Other Problems for Men and Monotheism

(Boston: Beacon Press, 1994), 110–133.

[4] Elliot R. Wolfson, Through a Speculum That Shines: Vision and Imagination in

Medieval Jewish Mysticism (Princeton: Princeton University Press, 1994), 6.

[5] Elliott R. Wolfson, Circle in the Square: Studies in the Use of Gender in Kabbalistic

Symbolism (Albany: State University of New York Press, 1995), 287; Wolfson, Througha Speculum, 287–288.

[6] Wolfson, Circle in the Square, xii; Wolfson, Through a Speculum, 316.

[7] Wolfson, Through a Speculum, 286.

[8] Wolfson, Through a Speculum, 286.

[9] Wolfson, Through a Speculum, 286.

[10] Wolfson, Through a Speculum, 273–275.

[11] Wolfson, Through a Speculum, 306, 307.

[12] Wolfson, Through a Speculum, 274; Wolfson, “Occultation of the Feminine,” 117.

[13] Por exemplo, em Through a Speculum, 5 n. 7, e 274 n. 13. Wolfson observa particularmente o Speculum of the Other Woman, de Luce Irigaray trans. Gillian C. Hill (Ithaca: CornellUniversity Press, 1985), 144–151.

[14] Moshe Idel, “‘Unio Mystica’ as a Criterion: Some Observations on ‘Hegelian’ Phenomenologies of Mysticism,” Journal for the Study of Religions and Ideologies 1 (2002):19, acessado em http://hiphi.ubbcluj.ro/JSRI/html%20version/index/no_1/mosheidelarticol1.htm, May 30, 2007

[15] Steven T. Katz, “Language, Epistemology, and Mysticism,” in Mysticism and Philosophical Analysis, ed. Steven Katz (New York: Oxford University Press, 1978), 56.

[16] J. William Forgie, “Hyper-Kantianism in Recent Discussions of Mystical Experinece,” Religious Studies 21 (1985): 205–218. Para a resposta de Katz à esta crítica, veja Steven T. Katz, “Mystical Speech and Mystical Meaning,” em Mysticism and Language, ed. Steven T. Katz (New York: Oxford University Press, 1992), 34 n 7.

[17] Wolfson, Through a Speculum, 54; Mircea Eliade, Myth, Dreams and Mysteries (New York: Harper and Row, 1975), 110.

[18] Wolfson, Through a Speculum, 54.

[19] Somos lembrados por Wilfred Cantwell Smith que, entre outras coisas, o status de um texto como “escritura” também está relacionado à relação interativa entre esse texto e uma comunidade de pessoas.” Wilfred Cantwell Smith, What is Scripture? A Comparative Approach (Minneapolis: Fortress Cantwell Press, 1993), ix.

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