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“Cantar é rezar duas vezes” – Francisco de Assis
Será que Deus, todo poderoso, permite que uma obra de arte exista para ofendê-lo? Certamente que sim. A decisão de adorá-Lo ou não, Deus legou ao próprio ser humano. Mas será que Deus, todo poderoso, permite que uma obra de arte exista apenas para ofendê-Lo? Creio que não. Creio que Deus consegue ver nas maiores blasfêmias um ponto que O glorifica e nos convida a esta amplidão de entendimento. Consideremos que para fazer uma obra de arte é necessária inteligência e imaginação, atributos que nos foram dados por Deus e que, portanto, indiretamente O engrandece sempre que são utilizadas; levemos em conta também que a linguagem artística depende muito mais de quem a contempla do que de quem a produz. Uma mesma pessoa pode olhar para um mesmo quadro em diferentes momentos e dele tirar impressões completamente distintas. Duas pessoas podem ouvir uma mesma música e uma sentirá a alegria e festividade enquanto outra sentirá agressividade e opressão. Uma história pode fazer algumas pessoas chorarem e outras rirem dependendo do humor e da sensibilidade no momento. A própria Bíblia é assim, trechos específicos podem brilhar em miríades de significados para uma pessoa enquanto passam batidos por outra.
Faz parte do caráter do cristão enxergar a glória de Deus em todas as coisas, ou, ao menos, deveria fazer. No evangelho de Tomé lemos Jesus dizer: “Rache uma lasca de madeira e Eu estarei lá; Levante uma pedra e Me encontrará”. A luz do mundo está nos pássaros, nas crianças, nos refrigerantes de dois litros. Mesmo nas situações de horror e tragédia. Talvez para a razão do mundo isso seja loucura: sofrimento é sofrimento e alegria é alegria. Mas a chegada de Cristo em nosso planeta mudou tudo e até os mais terríveis cenários de dor e sacrifício mostraram-se reveladores. Imagine na época assistir ao vivo a tortura, humilhação e posterior morte lenta daquele que podia ser seu amigo, mestre, mentor ou apenas aquele cara legal filho do carpinteiro lá da esquina? Hoje falamos do sacrifício de Cristo com a boca cheia, mas isso porque já se passaram quase dois milênios deste que aconteceu. Para a mãe de Jesus o momento em que o filho estava pregado na cruz não deve ter sido um momento do qual ela se orgulharia, aposto que ela, inclusive, não deve ter ficando berrando ALELUIA! ALELUIA! para quem estava assistindo a cena em volta com ela. Mas o Eterno resplandece nos mais doces sorrisos e nas piores cenas de crime. Nos beijos e nos assassinatos. O Espírito Santo chacoalhou nossas almas para colocar as coisas na perspectiva da eternidade e a graça de Deus pode ser vista em todo lugar.
Tudo o que existe, existe como que para engrandecer a majestade da divindade. Dor e Prazer, Blasfêmia e Adoração existem apenas na mente das pessoas. Tudo depende de quem está olhando. Jesus fala disso no sermão da montanha com a clareza que lhe é típica: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será trevas. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” A intenção é a lâmpada da alma. Em todo sermão da montanha Jesus dá ênfase à intenção. O ódio é como o assassinato. A vontade de trair é como a Traição. Se seus olhos estiverem focados em Deus e seu Reino, sua alma toda será santidade e felicidade, ainda que sob as piores ou mais estranhas condições. A alegria do cristão está em acordar num sábado tranqüilo ao lado da pessoa que ama da mesma forma que está em ser crucificado de cabeça para baixo, sangrando, diante de uma multidão que lhe atira pedras.
A Música Cristã tem salvação?
O que isso tem haver com a arte cristã? Absolutamente tudo. A vida toda da pessoa está determinada pela luz que seus olhos deixam brilhar. E o que vemos hoje na maior parte das vezes é uma ditadura da forma sobre a essência. O passar dos anos deu aos artistas cristãos ótimas referências, mas criou também fortes amarras à criatividade; tanto na hora de criar como na hora de contemplar uma criação. Parece que se você não fizer uma referência direta e clara a alguma passagem da Bíblia ou ao nome de Jesus, então sua arte é profana e distante de Deus. Se você não compuser uma melodia digna de um tecladista de churrascaria, está flertando com a música do diabo e por isso é menos cristão. Aprisionam-se em barreiras de sua própria criação e se negam e enxergar o maravilhamento de deus em uma poesia laica ou em um quadro modernista. Isso é especialmente claro no campo musical. Imagine uma música forte contando como Deus afogou um cavalo e seu cavaleiro. Quais as chances disso tocar em um culto hoje? Entretanto em Êxodo 15:1 lemos: “Então cantaram Moisés e os filhos de Israel este cântico ao Senhor, dizendo: Cantarei ao Senhor, porque gloriosamente triunfou; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro”.
O resultado é uma triste realidade que pode ser presenciada na própria estética cristã contemporânea, uma repetição do que se consagrou na idade média ou um simplismo protestante branco e anglo saxão. Chegamos ao extremo de cria guetos mentais auto-impostos nas quais alguns cristãos só escutam músicas cristãs compostas por cristãos sobre temas cristãos. Qualquer coisa que não siga esta receita de bolo é automaticamente rotulada como herética e pecaminosa. Os temas são quase tão repetitivos quando a musicalidade e a melodia sempre igual feita para o mesmo publico pouco exigente de sempre. Parece que talento foi deixado de fora.
No Manifesto Jesus Freak temos duas propostas para acabar com essa falta de criatividade. Vale a pena repeti-los aqui:
“Nós propomos que devemos nos preservar um pouco dos hinários e livros de salmos. Eles são lindíssimos, mas nossa mente precisa respirar e perceber que está vivendo em uma época nova e radiante. Devemos compor novas músicas com novas letras, que sejam atuais e de acordo com nossa época. Não existe nenhum problema em cantar as glórias antigas, mas há uma infinidade de glórias novas aguardando e clamando para serem cantadas.
e
“Nós propomos o uso do intercâmbio cultural para enriquecer nossa literatura litúrgica com materiais até então ignorados por nossos cultos tradicionais. Há uma abundância de sabedoria e beleza nos textos considerados apócrifos pela igreja medieval, nas escrituras sagradas de outras crenças e mesmo na poesia secular que podem e devem ser usados em nossa liturgia para atingirmos um propósito estético superior ao atual.”
Em outras palavras, propomos que usemos nossas mentes para resgatar a antiga tradição cristã de universalizar a estética e metáforas para a realidade cristã, no lugar de persistirmos com esta enfadonha repetição de uma mesma linguagem. Usamos a palavra ‘resgatar’ porque esta, de forma alguma, é uma ideia nova. Graças ao próprio ambiente helenista onde o cristianismo cresceu historicamente temos o talento de reaproveitar os mitos e linguagem de diversos povos e culturas para uma releitura cristã. Isso pode ser visto no trevo celta de São Patrício que representa a trindade, nos gárgulas de Notre Dame e nas próprias celebrações da páscoa e do natal que todos sabemos têm origem pagã. Os primeiros apóstolos souberam usar as referências culturais de outros povos para levar a mensagem da Salvação a todos. Em Atos 17:22-23, lemos por exemplo que Paulo ao passear pelos santuários pagãos viu um altar que era dedicado “Ao Deus Desconhecido”, e então clamou que “Esse, pois, que vós honrais não o conhecendo é o que eu vos anuncio”. E por fim, o exemplo maior veio do próprio Jesus que soube usar tão bem as tradições e escrituras da sociedade em que nasceu que tornou inquebrável o hífen na palavra judaico-cristã.
Uma flor é bela não importa em que jardim desabroche. Porque então não colher esta flor e oferecê-la a quem amamos acima de todas as coisas? Ver as coisas de Deus em toda parte é um dom que precisa ser exercitado. Quem tiver olhos que veja, a mensagem cristã é uma mensagem eterna. Não é a toa que ja era contada muitos anos antes de Cristo, nas mitologias e lendas antigas de deuses sacrificados. É obvio portanto que ela continua pulsando forte no inconsciente coletivo mesmo na mente e corações daquelas pessoas que querem distância ou tem indiferença pela igreja.
Por isso, o movimento Jesus Freak desenvolveu a prática conhecida como Transliturgia, que consiste em propositalmente enxergar Deus em músicas do mundo, de preferência feitas por não cristãos nada preocupados em falar sobre Deus. O desafio possui um refinamento de enxergar não apenas o conceito filosófico de Deus, mas a própria história terrena de Jesus Cristo nestas letras. O resultado é a abertura dos olhos para um mundo novo e a compreensão de que Deus é o mestre dos duplos sentidos e fala com todo mundo, o tempo todo. O exercício individual de criatividade e enriquecimento da cultura pessoal são dois meros efeitos colaterais benéficos.
Sabemos que quebrar estas barreiras não é algo trivial ou fácil, quando nos condicionamos a enxergar apenas uma coisa, tentar alargar os horizontes pode ser algo muito difícil. Especialmente se você foi ensinado a vida inteira a cantar as mesmas canções e a rejeitar outras. Se você nasceu e cresceu dentro da mesma igreja que seus país talvez seja melhor começar devagar a abrir seus horizontes litúrgicos do que se arriscar a cantar uma canção nova sem realmente senti-la em seu coração. Por este motivo dividimos a Transliturgia em uma escala de 5 tipos de música. Essa escala é arbitrária e puramente didática não possuindo nenhum critério de valor escalar entre elas:
Transliturgia tipo 1: Música de outras denominações
O primeiro passo é o mais fácil, mas também mais decisivo. Se você tem dificuldades em enxergar Deus em músicas não descaradamente cristãs comece então a apreciar as músicas cristãs da igreja ao lado. Infelizmente, por razões de controle e poder as autoridades de algumas denominações são rápidas em condenar músicas de outras igrejas como sendo heréticas e desencaminhadoras. Líderes evangélicos condenam como abominação qualquer música que fuja de sua cartilha, que por exemplo exalte o caráter elevado de Maria, ao mesmo tempo que alguns padres retrógrados prontamente proíbem seus rebanhos de escutar músicas compostas por artistas evangélicos. Faça um esforço inicial e verá que seu repertório de glórias a serem cantadas é muito maior do que têm sido ensinado. Se sua igreja proíbe este tipo de manifestação no templo, não pode proibir o mesmo dentro de seu coração onde Cristo reside ou no banheiro enquanto toma banho. Lembre-se os templos construídos pelos homens não são o único lugar onde podemos celebrar a boa nova e os cultos não são o único momento. Ao contrário, somos instados nas escrituras a orar sem cessar. (1 Tessalonicenses 5:17)
Transliturgia tipo 2: Música de outras religiões
A busca da humanidade por Deus é uma história antiga. Muito mais antiga do que o nascimento de Jesus. É tão antiga quando a própria história da humanidade quando o primeiro macaco desfrutou do conhecimento do bem e do mal. Podemos dizer sem medo de parecer exagerados que todos os idiomas já cantaram louvores a divindade. Com o passar dos séculos muitos artistas talentosos conseguiram expressar esta beleza interior de modo tão belo que apenas os hipócritas negariam seu valor. Quando sentir-se a vontade comece a explorar os trabalhos estéticos de outras crenças. Não tenha medo de “contaminar-se” com idéias diferentes que as sua. As idéias se fortalecem quando conseguem dialogar. Um cristão honesto (e isso deveria ser uma redundância), não tem como negar a grandiosa espiritualidade de um ‘Jalaluddin Rumi’ ou a beleza encantadora de um mantra hindu tradicional. Se não sabe por onde começar, procure inicialmente músicas religiosas sem letras. Tente, por exemplo, fazer suas orações com uma música instrumental budista ou ao som de cântico tibetano que você não entenda. Nosso amor por Jesus deve unir os povos da Terra e não nos separar deles.
Transliturgia tipo 3: Música populares virtuosas
O próximo passo é perceber que não é preciso subir no Himalaia ou ir até Jerusalém para escutar Deus, basta ligar o rádio. Existem muitas bandas e grupos populares que conseguem transcender o limitado vocabulário igrejeiro e mesmo assim passar uma mensagem cristã em suas músicas. U2, Bob Dylan, Cranberries, Creed, POD e praticamente qualquer coisa do reage de Bob Marley a Jimmy Cliff. Devemos lembrar que qualquer música que fale de Amor, Alegria, Liberdade e Redenção é essencialmente uma música cristã. Isso não quer dizer que Amor, Alegria, Liberdade e Redenção sejam valores apenas para os cristãos, mas nada no cristianismo deveria ser apenas para cristãos. Nessa categoria temos diversos hinos populares entre eles:
- What a Wonderful World – Louis Armstrong (ou Joey Ramone)
- Michael Jackson – Heal The World
- I’m Free – The Soup Dragons
- Black Eyed Peas – Where Is The Love?
- Freedom – Judds.
- One of us – Joan Osborne
- One Love – Bob Marley
- Don’t Worry, Be Happy – Bobby McFerrin
- Supergrass – Alright
- Black Sabbath – After Forever
- All you Need Is Love – The Beatles
Transliturgia tipo 4: Baladas virtuosas
Semelhante a categoria anterior, muitas músicas de amor não se referem ao amor fraternal, mas sim ao amor romântico ou mesmo sexual. Ouvir estas músicas como uma metáfora para o amor entre Jesus e a humanidade não exclui seu sentido original, pelo contrário, o enriquece. Novamente, isto não é nenhuma novidade, a séculos os cristãos fazem isso com o Livro de Cantares de Salomão, onde podemos inclusive achar várias passagens picantes. Este gênero literário é de, de fato bastante antigo no oriente. É consagrado por exemplo na história de amor de Majnoone Leili e no Rubaiyat de Omar Khayyan, em todos estes casos o relacionamento entre um casal é celebrado como uma metáfora para o relacionamento humano com a divindade. Porque não fazer o mesmo com as músicas de hoje? Nessa categoria temos muitas canções que podem ser usadas:
- The Police – Every breath you take
- Savage Garden – Truly Madly Deeply
- Paul McCartney – My Love
- Journey Frontiers Faithfully
- Sexual Healing – Marvin Gaye
- Let there be love – Oasis
- Wonderful Tonight – Eric Clapton
- Total Eclipse of the Heart – Bonnie Tyler
- Stand By Me – Ben E. King
- Whitney Houston – I Will Always Love You
Transliturgia tipo 5: Música recontextualizadas
O ponto máximo da transliturgia é cantar sobre a vida de Jesus na terra em músicas que absolutamente não foram feitas para isso. Pelo menos, não que seus autores saibam. Existem músicas que podem ganhar um contexto cristão se forem ouvidas e cantadas como retrato de alguma cena especifica do evangelho, como nessa lista parcial de exemplos:
- You Sexy Thing (I believe in Miracles) – O Espírito Santo Desce sobre Maria
- Unbelievable – EMF – José reage a Imaculada Conceição
- A Star is Born – Hercules Movie – Nascimento de Jesus
- Smash Mouth – I’m a Believer – Chegada dos reis magos
- Ramones – I believe in miracles – João Batista prega no deserto
- Spirit in the Sky – Norman Greenbaum – Batismo de Jesus
- Twisted Sister – we’re not gonna take – As Tentações de Cristo
- Come Together, Beatles – Chamada aos Apostolos
- The Four Seasons – Walk Like A Man – Ressureição de Lázaro
- The Lovin’ Spoonful – Do You Believe in Magic – Festa de Bodas (Milagre do vinho)
- Funk soul brother- Fatboy Slim – Entrada em Jerusalém
- Yummy Yummy Yummy I got love in my tummy – Milagre da Multiplicação dos paes e peixes
- Donna Summer – She Works Hard For The Money – Episódio de Maria Madalena
- Can’t buy me love – Beatles – Vendilhões do Templo
- Joe Walsh- Rocky Mountain Way – Sermão da Montanha
- Creedence Clearwater Revival – Who’ll Stop The Rain – Jesus acalmando a tempestade
- All Along The Water – Duran Duran Jesus andando sobre as águas
- Alice In Chains – Bleed The Freak – Exorcismos feito por Jesus
- I can see clearly now – Jimmy Cliff – Cura do Cego
- With a Little Help from my Friends – Santa Ceia
- ABBA – Money Money Money (Abba-dabba-doo) – Traição de Judas
- Bad Moon Rising – Creedence Clearwater Revival – Vigilia Noturna
- Tina Turner – We Don’t Need Another Hero – Soltura de Barrabás
- My Way – Frank Sinatra (ou Sid Vicious) – Via Crucis
- Losing My Religion, REM – Negação de Pedro
- System Of A Down Chop Suey! – Crucificação
- Total Eclipse of the heart – Trevas sobre a Terra após crucificação (Rasgo do véu do templo)
- Queen – Bohemian Rhapsody – Suicídio de Judas
- AC/DC – Highway to Hell – Sescida a mansão dos mortos
- Bee Gees – Stayin’ Alive – Ressureição de Cristo
- MC Hammer – U Cant Touch – Aparição para Maria Madalena
- A Kind of Magic – Queen – Aparição aos apóstolos
- Guns N’ Roses – Knockin’ on Heaven’s Door – Ascensão aos céus
- Do you Love me, The Contours – Aparição de Jesus a Paulo em Damasco
- Kiss – God Gave Rock ‘N Roll To You II – Pentecostes
- It’s a Long way to the top if you wanna rock n roll – AC/DC – Jesus envia dos Apóstolos ao mundo
- Jerry Lee Lewis – Great Balls of Fire – Dia da ressureição final “Apocalipse”
Conclusão
A lista acima é apenas uma amostra imaginativa com alguns exemplos iniciais. O ponto mais importante deste artigo é que não existe limite algum quando seus ouvidos são abertos pelo Espírito Santo. Se você se animou com estas idéias não deixe o sorriso morrer com o final da leitura. Encontre um grupo que apoie o movimento Jesus Freak ou comece o seu próprio grupo. As músicas acima podem ser usadas de milhares de forma, tanto no culto Freak como com outras formas de celebração e liturgia que você possa conceber. Quem sabe um musical sobre Jesus com as músicas acima? Faça o que quiser. Desfrute da liberdade cristã de que os apóstolos tanto falam. Cante o Hare Krishna para Jesus.
Jesus Freak
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