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O que a Bíblia diz sobre o aborto?

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Vivemos em um mundo onde ocorrem entre 46 a 55 milhões de abortos por ano, aproximadamente 126.000 abortos por dia. Desses, 78% ocorrem em países em desenvolvimento (o famoso terceiro mundo) e os restantes 22% em países desenvolvidos. Hoje 66% da população mundial têm leis que em essência permitem o aborto induzido, mas diversos países ainda proíbem o aborto, na maioria das vezes dirigidos por líderanças cristãs ou evocando a Deus e à Bíblia como fonte moral para provar que o aborto é errado, ou pior ainda, um pecado.

Mas o que diz a Bíblia sobre o aborto? Qual a posição de Deus sobre o assunto? Bem, pegando as escrituras e a lendo de uma capa à outra descobrimos que ela diz absolutamente nada! A Bíblia sequer toca no assunto e o conceito de “aborto induzido” não aparece em nenhuma de suas traduções disponíveis.

Em nenhuma das mais de 600 leis de Moisés encontramos qualquer referência ao aborto. E de onde vem essa idéia de que Deus condena o aborto? De fato apenas uma instrução sobre ‘aborto espontâneo’ é usada pelos paranóicos para sustentar que a Bíblia inteira é anti-aborto, e ironicamente esta passagem claramente declara que abordo espontâneo não é igual à morte de um ser humano. Como lemos em Exodo 21:22-25:

“Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes. Mas se houver morte, então darás vida por vida.”

Em resumo, se uma mulher passa por aborto espontâneo como resultado de uma agressão, o homem responsável deve pagar uma multa que o marido dela pedir e os juízes concordarem como sendo justa. Se a mulher morre, ai sim, ele deve ser morto conforme a tradição judaica. Ou seja a vida de uma pessoa não é igual à vida de um feto.

Os militantes anti-aborto costumam citar o sexto mandamento, “Não matarás” (Ex. 20:13) como uma evidência de que a bíblia é contra o aborto. Mas o ensinamento da passagem acima faz uma clara diferenciação entre a vida humana e o desenvolvimento embrionário. Em poucas palavras, a bíblia condena com pena de morte a quem matar um ser humano, mas não a quem abortar um feto. Para variar, papagaios que adoram repetir textos que lhes são desconhecidos.

Antes de continuarmos, vamos agora definir o que são os estágios de formação de uma criança para evitar problemas de definição entre os leigos histéricos. Logo que um homem faz sua semente jorrar de seu cajado no ventre da mulher, e há a fecundação, temos um embrião. Um embrião é o produto das primeiras modificações do óvulo fecundado. Após dois meses do momento daquele OH MY GOD!, é que temos um feto. É na fase de feto que começam a se desenvolver braços, pernas, nariz, etc. O sistema nervoso só se desenvolve na 27a semana, juntamente com o sistema respiratório (ambos ainda extremamente simplificados). O feto só é considerado um ser completo aproximadamente na 38a semana, ou seja com pelo menos 8 meses de gravidez. Voltemos agora à Bíblia.

A princial falha dos pseudo-cristãos é ignorar o conceito bíblico de vida. De acordo com a bíblia, a Palavra Viva de Deus na terra, a vida começa quando o bebe faz sua primeira inspiração e começa a respirar. A bíblia iguala vida e respiração em diversas passagens, incluindo a história da criação do homem em Genesis 2:7, quando Deus soprou em suas narinas e deu a Adão o sopro da vida. Ademais a lei judaica tradicional sempre considerou que a individualização da alma começa no parto.

Desesperados por uma base bíblica anti-aborto, alguns militantes citam passagens obscuras, usualmente metaforicas ou poéticas como no Salmo 51:5: “Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.”

Esta passagem não faz nada senão invocar o pecado original. Não diz nada sobre aborto.

Além dessa outra passagem particularmente querida para mostrar como abortar é tirar uma vida temos: ““Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci,…” (Jeremias 1:5).

Novamente uma passagem que faz uma referência à alma, não a um corpo, ou à vida do corpo. Essa passagem inclusive diz que não precisamos de um corpo de carne para viver com Deus, afinal nossa vida aqui é uma fase, o espírito é que é eterno.

Existe uma tendência clara, provavelmente oriunda da herança abraâmica de que um número enorme de filhos representa uma benção, talvez ai possamos entender porque o aborto não era uma prática comum, mas nunca proibida, veja novamente a passagem que diz que se uma mulher grávida perde o feto, a pessoa que causou isso não responde por uma vida, mas por um possível filho e assim deve pagar a multa que o pai da criança julgar justa, já que perdeu um herdeiro que provavelmente seria mais um par de braços para trabalhar ou uma filha para ser vendida a um noivo por um belo dote. Nos mandamentos de Moisés, nas exortações dos Profetas, nos sermões de Jesus, nos ensinamentos dos apóstolos… o silêncio sobre o tema é esclarecedor. Se aborto fosse um assunto tão polêmico e importante para Deus, a biblia não deixaria isso claro?

Todos reconhecem que crianças podem trazer muitas alegrias, mas a cega perseguição da fertilidade a qualquer custo pode trazer desastrosas consequências para uma família cristã. A felicidade verdadeira não está no número de herdeiros, mas em um relacionamento pessoal com o criador.

Isso se torna ainda pior quando ativistas “cristãos” usam a Bíblia como desculpa para sair apedrejando médicos, depredando clínicas, queimando bonecos e gritando e agredindo aqueles que consideram “inimigos da vida e do dom de Deus. Onde está o ensinamento de Cristo de amar nossos inimigos?

Mas de onde vem esse vínculo da Bíblia com o movimento anti-aborto? Para variar não da Bíblia, mas da igreja dos homens, e isso mostra como a Palavra de Deus vem sendo vinculada à estupidez humana e porque devemos cortar esse vículo entre a religião e os comerciantes da fé.

É engraçado notar que na antiguidade a igreja não era contra o aborto, muito pelo contrário: São Anselmo disse que “nenhum intelecto humano pode aceitar a visão de que um infante possui a alma racional no momento da concepção”. Tomás de Aquino acreditava que o aborto nos primeiros meses de gravidez era a destruição de um ser humano potencial, não um ser humano real. Inclusive um canon medieval, conhecido como Decretum Gratiani, dizia que “não é um assassino aquele que causa um aborto antes que a alma adentre o corpo”. No século XVIII Santo Afonso escreveu que um feto recebe a alma aproximadamente 40 dias após a concepção e que, mesmo sendo favorável evitar, o aborto é aceitável neste período.

Foi apenas em 1869 que o Papa Pio IX aplicou o Apostolicae Sedis Moderationi, que apregoava excomungar qualquer pessoa que administrasse um aborto a qualquer momento da gravidez, a igreja Católica então passa a condenar o aborto, mesmo que a gravidez colocasse a vida da mãe em risco. No final do século XIX a igreja católica se tornou líder em denúncias de “abortos criminosos”, um jornal médico chegou a dedicar uma matéria ao fato de que em uma era onde todas as igrejas negligenciavam o aborto, os padres católicos estavam ensinando que “a destruição do embrião em qualquer período da gravidez, a partir do primeiro instante da concepção, era um crime igualável ao assassinato” e “que admitir essa prática é abrir o caminho para o pior tipo de linceciosidade e tirar da mãe a responsabilidade da maternidade e destruir o aspecto mais forte da virtude feminina”. Isso nos mostra que além de parir mais crianças a mulher não tem muito mais virtudes dignas de nota. Em 1881 esse mesmo jornal disse que os esforços anti-aborto dos católicos eram mais eficientes do que o dos protestantes – que até então não se interessavam pelo assunto.

Mas o que fez a igreja deixar de buscar uma prática sensata de aborto a condená-la cegamente? Uma nova iluminação divina? Uma revelação de um novo messias? Uma página perdida da Bíblia que foi de repente encontrada?

Não.

Paralelo a qualquer discussão sobre aborto e fé e religião, a França passava por mudanças políticas severas. Napoleão decidiu que a França estava cançada de ter sido abusada por praticamente todos os países da Europa e do oriente e decidiu tranformá-lo em uma potência. E sua solução era criar um grande exército. As universidades francesas se voltaram exclusivamente para o estado. Se as ciências não tivessem uma utilidade prática para se construir prédios e ferramentas de guerra não serviam para nada, foi o surgimento das politécnicas. Mas apesar de se poder construir ferramentas bélicas, na época não se era possível produzir pessoas em massa para se tornar soldados. Ou era?

Foi então que ele teve uma idéia: as pessoas transam sem parar, mas elas costumam interromper a gravidez, o aborto é um método anticoncepcional. Se proibir o aborto, teremos centenas de novos soldados por mês!

E assim ele criou um código em 1804 que tornava o aborto um crime. E em 1810 por lei era possível se condenar qualquer pessoa que por comida, bebida, medicamentos, violência ou qualquer outro meio, causasse ou tentasse causar um aborto em uma mulher grávida. As pessoas condenadas deveriam ser encarceradas mesmo que o aborto não ocorresse. Em 1817 a lei recebeu uma emenda para passar a se aplicar a qualquer mulher que tentasse causar um aborto em si mesma. A França foi a pioneira em combater o aborto, não porque a vida era sagrada, ou porque era moralmente errado mas porque estava ocorrendo uma revolução industrial e precisavam de mais peões, mas logo suas idéias se espalharam pela Europa. Napoleão estava querendo repetir o feito de grandes conquistadores e tinha seus exércitos espalhados pelo mundo conhecido, e onde haviam franceses seguindo a lei francesa, havia uma pressão para que a lei fosse aceita. Especialmente porque aqueles franceses tinham armas, assim a Espanha, a Itália, a Alemanha começaram a proibir o aborto. E a igreja? Onde entra nisso? Napoleão conversou com o Papa e propôs a idéia. Ele não queria mais abortos, e era bom que a igreja não quisessem mais também. O Papa iluminado pelo espírito santo concordou e assim, curiosamente, e por coincidência na mesma época, a igreja católica se tornou uma grande defensora da vida e uma grande anti aborto.

E assim a religião tirou a decisão dessa prática das mãos da mãe, mesmo que isso pusesse em risco sua vida, e a entregou a Deus, mesmo não havendo registros Bíblicos que condenassem a prática.

Já sabemos que Deus não acha o sexo errado. E temos exemplos de inúmeros patriarcas e personagens Bíblicos que transavam sem ter em mente apenas procriar. A esposa de Abraão era estéril, ele deixava de visitá-la? Sansão percorria prostíbulos, e mantinha sua força, que vinha da observância das leis de Deus. Quantos outros casos de mulheres que não engravidavam, por serem estéreis ou os maridos serem estéreis, mas que transavam existem na Bíblia?

Se sexo não tem uma única finalidade, como Napoleão resolveu que teria, e se a Bíblia não diz que é errado, por que tamanha violência contra o assunto?

Sabemos que o mundo está indo para o buraco. Isso está na Bíblia. Se não estivesse o livro de João, o Apocalipse, não estaria lá. QUando Paulo de Tarso pregou contra o sexo, ele deixou claro que falava por ele, não por Deus. Fora isso não há recriminações contra o sexo por sexo. E se o mundo vai para o buraco, onde está o problema de se evitar que ele vá mais rápido colocando mais pessoas despreparadas para ter mais filhos que provavelmente irão virar pessoas ainda mais despreparadas para viver aqui?

Jesus disse em Lucas 23:29:

“Porque eis que häo de vir dias em que diräo: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que näo geraram, e os peitos que näo amamentaram!”

O aborto é uma violência contra a mulher. Isso é fato. Mas obrigar alguém, responsável ou não, a ter uma criança que não poderá cuidar é uma violência ainda maior contra a criança que irá nascer. Se a vida é tão importante, porque os religiosos anti-aborto fazem tanta questão de mostrar o prazer de ver as pessoas pró aborto indo para o inferno? Condenar alguém IMORTAL – nossa alma – ao inferno ETERNO não parece uma violência maior do que evitar que um corpo MORTAL viva um inferno TEMPORÁRIO?

Deus adora a vida. Ele a criou. Mas ao mesmo tempo não mede consequências quando o assunto é matar aqueles que o desagradam, ou criar leis que condenam com a morte aqueles que violam as regras. Se aborto é errado, porque tira uma vida, por que apedrejar uma mulher – viva – até a morte não o é?

Nosso objetivo não é pregar uma cultura que abrace o aborto no lugar do preservativo, ou que incentive as pessoas que tem alguma dúvida a abrirem mão de seus fetos – de pregado já basta Jesus na cruz. Nosso objetivo é deixar claro que qualquer sentimento anti-aborto é pessoal, íntimo e individual da pessoa gritando com a mulher assutada tentando se desviar de pedras para entrar em uma clínica. A Bíblia não oferece base nenhuma para esse tipo de estupidez contra uma mulher que obviamente já está com um peso enorme nas costas e na barriga, e que terá consigo eternamente uma cicatriz na alma, nem para o profissional que tenta oferecer um ambiente limpo e uma prática médica adequada para quem precisa.

Este ensinamento revolucionário claramente contradiz a noção tribal de mais e mais filhos. “Crescei e multiplicai” sim, mas sendo dirigidos pelo amor do exemplo de Cristo. A militância anti-aborto de maneira alguma demonstra amor pela humanidade ou compaixão pelos seres-humanos. Cristo não disse: grite e apedreje aqueles que te ofenderem. Mandou amarmos nossos inimigos. Não mandou xingar e esbravejar, ele falou para que não julgássemos, pois seríamos julgados na mesma medida. Não falou para desprezarmos ou odiarmos uma mãe grávida que não quer levar a gravidez adiante, nos ensinou que deveríamos amar ao próximo como ele nos amou.

Os anti-aborto, especialmente e principalmente os pseudo religiosos, faz com que no mundo mais de 50% dos abortos aconteçam clandestinamente sem padrões de higiene e segurança do sistema de saúde, levando à morte 200 mil mulheres todos os anos – e com certeza esse número faz muitos “cristãos” sorrirem e dizer: quem mandou ir contra Deus!.  Isso sem nos valer das terríveis consequências de más formações congênicas, casos de estupro e das implicações de um mundo onde planejamento familiar é pecado. O que Jesus diria? Acredito que diria: Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a Minha lei, e não se esqueça de procurar um médico.

 


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