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O Pastor de Hermas

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PARTE I – AS VISÕES:

 A PRIMEIRA VISÃO:

 CAPÍTULO 1:

 Meu senhor me havia levado a Roma para me vender a uma certa Rosa. Vários anos depois, a revi e comecei a amá-la como irmã. Algum tempo depois, eu a vi tomando banho no Tibre, lhe estendi a mão e ajudei a sair do rio. Olhando sua beleza, pensava comigo mesmo: Eu seria muito feliz se tivesse mulher com essa beleza e caráter. Era a única coisa que eu pensava, sem ir além disso. Passado algum tempo, dirigindo-me para Cumas, refletia como são grandes, marcantes e poderosas as obras de Deus. Durante a viagem dormi. Então o espírito me arrebatou e me conduziu através de um caminho impraticável, por onde ninguém podia andar. O lugar era escarpado, todo cortado por águas. Atravessei o rio que aí havia e, chegando à planície, me ajoelhei e comecei a rezar a Deus, confessando-lhe meus pecados. Durante minha oração, o céu se abriu e vi aquela mulher que havia desejado. Do céu, ela me saudou: Bom dia, Hermas. Olhei para ela e falei: Senhora, que fazes aí? Ela me respondeu: Fui transportada para denunciar ao Senhor os teus pecados . Eu disse: Então, agora és a minha acusadora? Ela respondeu: Não! Ouve as palavras que te vou dizer: Deus, que habita nos céus, que do nada criou os seres, que os multiplicou e os fez crescer em vista da sua santa Igreja, está irritado contigo, porque cometeste falta contra mim. Então eu lhe respondi nestes termos: Cometi falta contra ti? Em que lugar e quando, alguma vez te dirigi palavra desonrosa? Por acaso, não te considerei sempre como deusa? Por acaso, não te tratei sempre como irmã? Mulher, por que me acusas falsamente de maldade e impureza? Sorrindo, ela me disse: O desejo da maldade entrou no teu coração. Não te parece que, para um homem justo, é prejudicial ter no coração o desejo da maldade? É falta, e grande, porque o homem justo tem pensamentos justos. E mediante esses pensamentos justos que ele aumenta sua glória nos céus e faz que o Senhor lhe seja indulgente para com todos os seus atos. Aqueles, porém, que são maus no coração, só atraem para si morte, e prisão, sobretudo aqueles que passam esta vida se vangloriando de suas riquezas e não se interessam pelos bens futuros. As almas deles se arrependerão, daqueles que, não tendo esperança, se desesperaram de si mesmos e da própria vida. Quanto a ti, reza a Deus. Ele curará teus pecados e os pecados de toda a tua família e de todos os santos.

 

CAPÍTULO 2:

 

Quando ela terminou de dizer essas palavras, os céus se fecharam e eu fiquei tremendo e triste. Dizia a mim mesmo: Se o pecado está escrito contra mim, como poderei alcançar a salvação? Como aplacarei a Deus pelos meus pecados realmente cometidos? Com que palavras pedirei ao Senhor que me seja favorável? Essas eram minhas reflexões e hesitações, quando vi diante de mim uma poltrona forrada de lã branca como a neve, e grande. Então surgiu uma senhora idosa, com vestes resplandecentes, e um livro nas mãos. Ela sentou-se e me saudou: Bom dia, Hermas. Triste, respondi chorando; Bom dia, senhora. Ela então me disse: Por que essa de tristeza, Hermas? Tu, que és paciente, calmo e sempre sorridente, por que estás abatido dessa maneira e sem alegria? Eu respondi: É porque uma excelente mulher diz que cometi contra ela uma falta. Então ela continuou: Para um servo de Deus não se trata do ato em si mesmo. Mas certamente o desejo a respeito dela entrou no teu coração. Para os servos de Deus, intenção desse tipo conduz ao pecado. Para o espírito muito santo e já provado, intenção má, desejar má ação é de se espantar, sobretudo tratando-se do casto Hermas, que se abstém de todo mau desejo, que é pleno de perfeita simplicidade e grande inocência.

 

CAPÍTULO 3:

 

Entretanto, não é por isso que Deus está irritado contigo, mas porque teus filhos agem mal diante do Senhor e de vós, seus pais, que os mantendes. De fato, amas teus filhos e não os corriges. Ao contrário, deixas que eles se corrompam terrivelmente. É por isso que o Senhor está irritado contigo. Mas ele vai curar todos os males que atingiram tua família, pois é por causa dos pecados e faltas deles que estás arruinado em teus negócios temporais. A grande misericórdia do Senhor teve compaixão de ti e de tua família; ele te fortalecerá e te estabelecerá na sua glória. Quanto a ti, apenas não desanimes: tem coragem e fortalece a tua família. O ferreiro, com o martelo, consegue o objeto que ele quer; da mesma forma, a palavra justa de cada dia consegue superar qualquer iniquidade. Portanto, não cesses de corrigir teus filhos. Eu sei que, se eles fizerem penitência do fundo do coração, serão inscritos nos livros da vida com os santos. Quando terminou de falar, ela ainda me perguntou: Queres ouvir a leitura? Respondi: Quero sim, senhora. Ela continuou: Presta atenção e escuta os louvores de Deus. Eu ouvi coisas sublimes e admiráveis, que não consegui guardar. Todas essas palavras causam arrepios e o homem não é capaz de alcançar. Entretanto, lembro-me das últimas palavras, pois eram do nosso alcance e doces: Vê! O Deus das Potestades, aquele que com seu poder invisível e superior e grande inteligência criou o mundo; que por sua gloriosa vontade revestiu de graças as suas criaturas; que por sua palavra poderosa fixou o céu e assentou a terra sobre as águas; que por sua sabedoria e previdência criou a santa Igreja e também a abençoou; esse mesmo Deus desloca os céus e as montanhas, as colinas e os mares, que se tornam uma coisa única para os eleitos dele. Assim, ele cumpre na sua glória e a alegria, a promessa que fez para eles, se ao menos observarem os mandamentos do Senhor, que receberam com grande fé.

 

CAPÍTULO 4:

 

Quando ela terminou de ler e se levantou da poltrona, chegaram quatro jovens que, levando a poltrona, foram embora, em direção ao Oriente. Então ela me chamou, tocou no meu peito e disse: Gostou da minha leitura? Respondi: Senhora, as últimas palavras me agradam, mas as anteriores são penosas e duras. Ela ainda falava comigo, quando apareceram dois homens, a tomaram pelos braços e se foram, na mesma direção da poltrona, para o lado do Oriente. Quando estava para partir, o ar dela era alegre e, ao se retirar, me disse: Sê homem, Hermas.

 

A SEGUNDA VISÃO:

 

CAPÍTULO 5:

 

Eu me dirigia para Cumas, na mesma época do ano anterior. Enquanto caminhava, lembrei-me da visão que tivera no ano anterior, e novamente um espírito me arrebatou e me transportou para o mesmo lugar do ano precedente. Chegando aí, ajoelhei, comecei a rezar ao Senhor e a glorificar o seu nome, por me ter considerado digno e meter dado a conhecer os meus pecados passados. Ao me levantar da oração, vi diante de mim a senhora idosa que eu vira no ano anterior. Ela caminhava e lia um pequeno livro. Então me disse: Podes anunciar isto aos eleitos de Deus? Eu lhe respondi: Senhora, não consigo guardar na memória tantas coisas. Dá-me o livrinho, para que eu faça uma cópia. Ela disse: Toma e depois me devolve. Eu o tomei e, afastando-me para um lugar do campo, copiei tudo, letra por letra, porque não conseguia reconhecer as sílabas. Quando terminei de copiar as letras do livrinho, repentinamente me foi tirado da mão, sem eu ver quem o tomou.

 

CAPÍTULO 6:

 

Depois de quinze dias de jejum e muitas orações ao Senhor, foi-me revelado o sentido do texto. Estava escrito o seguinte: Hermas, teus filhos se revoltaram contra Deus, blasfemaram o Senhor, traíram seus pais com muita maldade e tiveram de ouvir o nome de traidores de seus pais. Sua traição de nada lhes aproveitou e ainda continuaram acrescentando aos seus pecados a impureza e as contaminações da maldade e, desse modo, suas iniquidades chegaram ao máximo. Transmite essas palavras a todos os teus filhos e à tua esposa, que doravante deve ser como tua irmã. Ela não domina a língua com a qual pratica o mal, porém, ouvindo essas palavras ela a dominará e alcançará misericórdia. Depois que tiveres dado a conhecer essas palavras que o Senhor me ordenou revelar-te, todos os pecados passados serão perdoados a eles, bem como a todos os santos que pecaram até hoje, se fizerem penitência de todo o coração e se afastarem de seus corações as dúvidas. O Senhor jurou por sua glória e respeito de seus eleitos: se depois deste dia, fixado como limite, ainda se cometer um só pecado, eles não obterão a salvação, pois a penitência para os justos tem limite. Terminaram os dias de penitência para todos os santos. Contudo para os pagãos, a penitência pode ser feita até o último dia. Dize, portanto, aos chefes da Igreja que endireitem seus caminhos na justiça, a fim de receberem plenamente, com grande glória, o que lhes foi prometido. Perseverai portanto, vós que praticais a justiça, e não duvideis, para que o vosso caminho esteja com os santos anjos. Felizes sois vós que suportais a grande tribulação que se aproxima, e todos os que não renegarem a sua própria vida. Porque o Senhor jurou por seu Filho: aqueles que renegarem o seu Senhor, perderão sua própria vida, como também aqueles que estão dispostos a renegá-lo nos dias futuros. Quanto àqueles que o renegaram antes, o Senhor, em sua grande misericórdia, tornou-se propício para eles.

 

CAPÍTULO 7:

 

Quanto a ti, Hermas, não tenhas rancor contra teus filhos, nem abandones tua irmã. E assim, eles serão purificados dos pecados que cometeram. Se tu não lhes guardares rancor, eles receberão educação correta. O rancor provoca a morte. Quanto a ti, Hermas, sofreste grandes tribulações pessoais por causa das faltas de tua família, porque não cuidavas dela. Tu a negligenciaste, envolvendo-se ela em teus maus negócios. O que te salva, porém, é não teres abandonado o Deus vivo, assim como a tua simplicidade e a tua grande continência. Isso te salva, contanto que perseveres, e salva também todos aqueles que agem assim e andam no caminho da inocência e da simplicidade. Esses dominarão todo o mal e permanecerão firmes até a vida eterna. Felizes todos aqueles que praticam a justiça; jamais perecerão. ‘Dize a Máximo: Eis que chega a tribulação. Se te parece bem, renega de novo. O Senhor está próximo daqueles que fazem penitência, como está escrito no livro de Eldad e Medat, que profetizaram para o povo no deserto.’

 

CAPÍTULO 8:

 

Irmãos, quando eu dormia, tive uma revelação. Foi-me feita por um jovem encantador, que me disse: Quem achas que é a mulher idosa de quem recebeste o livrinho? Eu respondi: A Sibila. Ele disse: Estás enganado. Não é ela. Eu lhe perguntei: Quem é então? Ele me respondeu: É a Igreja. Eu lhe perguntei: Então, por que era tão idosa? Ele respondeu: Porque foi criada antes de todas as coisas. Por isso, ela é idosa. Foi por meio dela que o mundo foi ordenado. Depois disso, tive uma visão em minha casa. A mulher idosa apareceu e me perguntou se eu já havia entregue o livrinho aos presbíteros. Eu respondi que não. Ela continuou: Fizeste bem, porque tenho algumas palavras para acrescentar. Quando eu tiver terminado tudo o que tenho a dizer, tu o darás a conhecer a todos os eleitos. Farás duas cópias do livrinho e as mandarás, uma a Clemente e outra a Grapta. Clemente, por sua vez, mandará a cópia às outras cidades, porque essa missão é dele. Grapta exortará as viúvas e os órfãos. Tu o lerás para esta cidade, na presença dos presbíteros que dirigem a Igreja.

 

A TERCEIRA VISÃO:

 

CAPÍTULO 9:

 

Irmãos, esta é a terceira visão que eu tive. Eu tinha jejuado frequentemente e pedido ao Senhor que me concedesse a revelação que ele tinha prometido fazer-me por meio da mulher idosa. Nessa mesma noite, ela me apareceu e disse: Já que tens tanto desejo de conhecer tudo, vai ao campo onde cultivas a espelta, e pela quinta hora eu aparecerei a ti e te mostrarei o que precisas ver. Eu lhe perguntei: Senhora, em que lugar do campo? Ela respondeu: Onde quiseres. Escolhi um lugar belo e afastado. Contudo, antes que eu lhe falasse e dissesse o lugar, ela me disse: Irei aonde quiseres. Irmãos, eu caminhava, então, pelo campo, cantando as Horas. Cheguei ao lugar onde lhe havia dito que iria e vi um banco de marfim e em cima dele uma almofada de linho e, estendido sobre ela um véu de linho finíssimo. Ao ver esses objetos, sem que houvesse ninguém no lugar, fiquei espantado. Fui tomado de tremor e meus cabelos ficaram em pé. Ao verme sozinho ali, tive calafrios. Contudo, caí em mim, lembrei-me da glória de Deus e recobrei a coragem. Ajoelhei-me e confessei novamente ao Senhor os meus pecados, como já fizera antes. Então ela apareceu com seis jovens que eu já vira antes, aproximou-se de mim, ouviu-me rezando e confessando meus pecados ao Senhor. Ela me tocou e disse: Hermas, para de suplicar somente por teus pecados. Suplica também pela justiça, a fim de obter um tanto dela para a tua família. Então ela me levantou pela mão, levou-me até junto ao banco e disse aos jovens: Ide construir. Então os jovens se retiraram, deixando-nos sozinhos. Ela me disse: Senta aqui. Eu lhe respondi: Senhora, deixa que os presbíteros sentem primeiro. Ela replicou: Faze o que te digo: senta. Quis então sentar-me à direita; ela porém não me permitiu, e me faz sinal com a mão para sentar à esquerda. Eu estava pensativo e triste, porque ela não me permitira sentar à direita. Então ela me disse: “Estás triste, Hermas?” O lugar da direita está reservado para outros, para os que já agradaram ao Senhor e sofreram por causa do Nome. Ainda te falta muito para poderes sentar-te com eles. Contudo, persevera na tua simplicidade, como fizeste até agora e sentarás ao lado deles e também com todos aqueles que farão o que eles fizeram e sofrerão o que eles sofreram.

 

CAPÍTULO 10:

 

Eu lhe perguntei. O que é que sofreram? Ela me respondeu: Ouve: açoites, prisões, grandes tribulações, cruzes, feras, tudo por causa do Nome. E por isso que está reservado para eles o lado direito do santuário, a eles e a todo aquele que sofre por causa do Nome. Os outros ficam do lado esquerdo. Mas uns e outros, os que estiverem sentados à direita e os que estiverem à esquerda, gozam dos mesmos dons e das mesmas promessas. Os que estão sentados à direita, porém, têm glória particular. Tu desejas sentar à direita com eles, mas teus defeitos são numerosos. Deverás ser purificado de teus defeitos, e todos aqueles que não tiverem duvidado serão purificados de todos os seus pecados cometidos até hoje. Depois de dizer isso, ela fez menção de ir embora. Lancei-me a seus pés, suplicando-lhe, pelo Senhor, que me concedesse a visão que ela me prometera. Ela, tomou de novo a minha mão, levantou-me e me fez sentar no banco à esquerda. Ela também sentou, à direita. Depois, levantou um bastão brilhante, e me disse: Estás vendo uma coisa grande? Eu lhe respondi: Senhora, não estou vendo nada . Ela continuou: Não estás vendo diante de ti uma grande torre que está sendo construída sobre as águas, com pedras quadradas e brilhantes? Com efeito, ela estava sendo construída em forma quadrada pelos seis jovens que tinham vindo com ela. Outros milhares e milhares de homens carregavam as pedras, uns do fundo da água, outros da terra, e as entregavam aos seis jovens, que as recebiam e construíam. Eles colocavam as pedras tiradas do fundo da água pois já eram lavradas e se ajustavam imediatamente na construção perfeitamente às outras pedras; ajustavam-se tão bem umas com as outras, que não se via nenhuma juntura, e a torre parecia construída como um só bloco. Das pedras trazidas da terra, umas eram rejeitadas e outras utilizadas; outras ainda eram quebradas e jogadas longe da torre. Muitas outras pedras estavam no chão, ao redor do edifício. Não as utilizavam na construção, porque algumas estavam carcomidas, outras rachadas, outras mutiladas; outras ainda eram brancas e redondas e não se encaixavam na construção. Eu via também outras pedras jogadas longe da torre, caindo no caminho e, sem parar, rolando para lugares inacessíveis; outras caíam no fogo e queimavam, e outras ainda caíam perto da água mas não conseguiam rolar para dentro da água, embora desejassem rolar e entrar na água.

 

CAPÍTULO 11:

 

Depois de me ter mostrado tudo isso, ela quis ir embora. Eu lhe disse: Senhora, que me serve ver essas coisas, se não sei o que significam? Ela me respondeu: És curioso para conhecer o que se refere à torre! Eu lhe disse: Sim, senhora, quero conhecer para anunciar aos irmãos e alegrá-los, para que, ouvindo isso, conheçam a Deus em toda a sua glória.Ela então me disse: Muitos ouvirão. Contudo, depois de ouvirem, uns se alegrarão e outros chorarão. Todavia, também estes últimos, se ouvi­rem e fizerem penitência, se alegrarão. Ouve, portanto, as parábolas da torre, pois eu vou te revelar tudo. Não me incomodes mais, pedindo-me revelação, pois essas revelações podem acabar. Tu, porém, não pararás de pedir revelações, pois és insaciável. A torre que viste em construção, sou eu mesma, a Igreja, que viste agora e antes. Pergunta o que desejas a respeito da torre: eu te revelarei, para que te alegres com os santos. Eu lhe pedi: Senhora, agora que me julgaste digno de todas as revelações, revela-me. Ela me disse: O que convém te revelar, será revelado. Basta que teu coração esteja voltado para Deus e não duvides de nada do que vires. Eu lhe perguntei: Senhora, por que a torre está construída sobre as águas? Ela respondeu: Já te disse que és curioso a respeito das Escrituras e pesquisas com cuidado. Pesquisando, encontras a verdade. Ouve porque a torre foi construída sobre as águas: é porque vossa vida foi salva pela água e ainda o será. A torre foi construída pela palavra do Nome todo-poderoso e glorioso, e é sustentada pela força invisível do Senhor.

 

CAPÍTULO 12:

 

Então continuei: Senhora, que coisa grande e admirável! Senhora, quem são os seis jovens que constroem? (Ela respondeu:) São os santos anjos de Deus, criados em primeiro lugar. O Senhor confiou-lhes toda a sua criação, para desenvolvê-la, construí-la e governá-la. É por meio deles que a construção da torre será terminada. (Perguntei:) E quem são os que carregam as pedras? (Ela respondeu): Também eles são anjos de Deus, mas os seis primeiros são superiores a eles. Quando a construção da torre estiver terminada, eles se alegrarão todos juntos ao redor dela, e glorificarão o Ser, por ela ter sido terminada. Eu lhe perguntei: Senhora, eu gostaria de conhecer o destino das pedras e qual o significado de cada uma delas. Ela me respondeu: Tu não és mais digno que os outros para que isso te seja revelado. Outros estão antes de ti e são melhores. É a eles que essas visões deveriam ser reveladas. Contudo, para que o nome do Senhor seja glorificado, tu recebeste e receberás ainda essas revelações, por causa dos que vacilam, dos que ficam se perguntando se tudo isso é real. Dize-lhes que tudo isso é ou não é verdadeiro e que nada disso está fora da verdade. Tudo é firme, sólido e bem alicerçado.

 

CAPÍTULO 13:

 

Ouve agora o que se refere às pedras que entram na construção. As pedras quadradas e brancas, que se ajustam bem entre si, são os apóstolos, os bispos, os doutores e os diáconos. Todos esses, caminhando segundo a santidade de Deus, desempenharam com pureza a santidade seu ministério de bispos, doutores e diáconos a serviço dos eleitos de Deus. Uns já morreram e outros ainda vivem. Estes são os que estiveram sempre de mútuo acordo, conservaram a paz entre si e se ouviram reciprocamente. É por isso que na construção da torre suas junturas se ajustavam bem. (Eu perguntei:) E quem são as pedras tiradas do fundo da água, que se colocam na construção e pelas suas junturas se ajustam bem às outras já colocadas? (Ela respondeu): São os que sofreram por causa do nome de Deus. (Eu continuei:) Senhora, quero saber também quem são as outras pedras tiradas da terra. Ela respondeu: As que entram na construção sem ser talhadas são os que o Senhor aprovou, porque andaram no caminho reto do Senhor e respeitaram perfeitamente seus mandamentos. (Continuei:) E quem são aquelas que eram levadas e postas na construção? (Ela respondeu): São os novatos na fé, porém fiéis. Os anjos os exortam a praticar o bem, e não se encontrou neles nenhum mal. (Perguntei ainda): E quem são aquelas que eram rejeitadas e jogadas fora? (Ela respondeu:) São aqueles que pecaram e que desejam fazer penitência. Por isso não foram jogados muito longe da torre. Se fizerem penitência, serão úteis para a construção. Aqueles que têm intenção de fazer penitência, caso façam penitência, ficarão firmes na fé, contanto que façam penitência agora, enquanto a torre ainda está em construção. Quando ela estiver terminada, não haverá mais lugar para eles: serão rejeitados, e só poderão permanecer perto da torre.

 

CAPÍTULO 14:

 

Queres conhecer as pedras que são cortadas e jogadas para bem longe da torre? São os filhos da iniquidade: têm fé hipócrita e nenhuma forma de maldade se afastou deles. É por isso que não alcançam a salvação. São inúteis para a construção, por causa de suas maldades. Foram, portanto, feitos em pedaços e jogados para longe pela ira do Senhor, pois eles o irritaram. Entre as outras que viste jogadas em grande número pelo chão, e que não entravam na construção, as carcomidas são aqueles que conheceram a verdade, mas não perseveraram nela, nem aderiram aos santos. Por isso, são inúteis. (Perguntei:) E quem são as pedras com rachaduras? (Ela respondeu:) São aqueles que nutrem rancor mútuo no coração, e não conservam a paz entre si. Assumem aparência de paz, mas, quando se separam, suas maldades persistem em seus corações: são essas as rachaduras dessas pedras. As pedras mutiladas são aqueles que têm fé e, no essencial, permanecem ligados à justiça, mas neles subsistem restos de iniquidade. É por isso que elas estão mutiladas e não inteiras. (Eu perguntei:) Senhora e quem são as pedras brancas e redondas, que não se adaptam à construção? Ela me respondeu: Até quando serás ignorante e sem bom senso? Perguntarás tudo sem nada compreenderes por ti mesmo? São aqueles que têm fé, mas também conservam as riquezas deste mundo. Quando chega a tribulação, por causa de suas riquezas e negócios, eles renegam seu Senhor. Eu então lhe replico: Senhora, quando é que eles serão úteis para a construção? Ela me diz: Quando for aparada a riqueza que os domina, então serão úteis para Deus. A pedra redonda não pode se tornar quadrada se não for cortada e não perder algo de si. Do mesmo modo, os ricos deste mundo não poderão ser úteis ao Senhor, se suas riquezas não forem aparadas. Aprende contigo mesmo: enquanto eras rico, eras inútil; agora, porém, és útil e frutuoso para a vida. Tornai-vos úteis para Deus! Tu mesmo foste uma dessas pedras.

 

CAPÍTULO 15:

 

As outras pedras que viste jogadas longe da torre, caindo no caminho e rolando daí para lugares inacessíveis, são aqueles que tiveram a fé, mas que, devido às suas dúvidas, abandonam o seu verdadeiro caminho. Eles acham que podem encontrar caminho melhor, se extraviam e se enveredam lamentavelmente, andando por lugares inacessíveis. As que caem no fogo e queimam são aqueles que se afastaram para sempre do Deus vivo, e não lhes acudiu à inteligência a ideia de fazerem penitência das paixões e das obras perversas que praticam. Queres saber quem são aquelas que caem junto da água, mas não conseguem rolar para dentro dela? São aqueles que ouviram a palavra de Deus e querem ser batizados em nome do Senhor. Contudo, quando tomam consciência da pureza que a verdade exige, mudam de opinião e voltam novamente para seus desejos perversos. E assim ela terminou a explicação da torre. Sem escrúpulos, eu lhe perguntei se todas essas pedras rejeitadas e impróprias para a construção podiam fazer penitência e encontrar lugar na torre. Ela me respondeu: Elas podem fazer penitência, mas não podem se encaixar nessa torre. Elas se encaixarão em outro lugar muito menor e só depois que tiverem passado pelas provações da penitência e cumprido os dias necessários para expiar os seus pecados. São transportadas para outro lugar, porque participaram da palavra de justiça. Se refletirem sobre as obras perversas que cometeram, serão transportados das provações; se não refletirem, não serão salvos, e isso devido à dureza de seus corações.

 

CAPÍTULO 16:

 

Quando terminei de a interrogar sobre todas essas coisas, ela me disse: Queres ver mais alguma coisa? Eu estava muito desejoso de ver, e fiquei deveras contente. Ela me olhou sorridente e perguntou: Vês sete mulheres ao redor da construção? Eu respondi: Sim, senhora. (Ela continuou:) A torre é sustentada por elas, por ordem do Senhor. Ouve agora as funções que elas desempenham. A primeira, de mãos fortes, se chama Fé. É por meio dela que os eleitos do Senhor são salvos. A segunda, que tem cinto e aspecto viril, chama-se Continência, e é filha da Fé. Todo aquele que a segue é feliz durante a vida, porque se abstém de toda má ação, crendo que, por se abster de todo desejo perverso, herdará a vida eterna. (Eu então perguntei:) Senhora, e quem são as outras? (Ela continuou:) Elas são filhas uma da outra e se chamam Simplicidade, Ciência, Inocência, Santidade e Caridade. Portanto, se realizares todas as obras da mãe delas, viverás. Perguntei: Senhora, eu desejaria saber qual é o poder de cada uma delas. Ela respondeu: Ouve quais são os poderes delas. Elas estão subordinadas umas às outras e seguem-se mutuamente, conforme são geradas. Da Fé nasce a Continência; da Continência, a Simplicidade; da Simplicidade, a Inocência; da Inocência, a Santidade; da Santidade, a Ciência; da Ciência, a Caridade. Suas obras são puras, santas e divinas. Quem quer que se torne seu servidor e tenha força para perseverar em suas obras, habitará na torre, junto com os santos de Deus. Perguntei-lhe ainda sobre os tempos, para saber se já havia chegado o fim. Ela, então, gritou em voz alta: Insensato, não vês que a torre ainda está em construção? Quando estiver terminada, então chegará o fim. E ela será terminada logo. Não me perguntes mais nada. Basta a ti e aos santos lembrar-vos disso e renovar vossos espíritos. Mas não é somente para ti que tudo isso foi revelado: deves torná-lo conhecido de todos, em três dias. Em primeiro lugar, és tu que deves refletir. Hermas, eu te ordeno repetir literalmente aos santos todas as palavras que te vou dizer, para que, depois de tê-las ouvido e observado, eles sejam purificados de seus pecados, e tu com eles.

 

CAPÍTULO 17:

 

Filhos, escutai-me. Eu vos criei com toda a simplicidade, inocência e santidade, pela misericórdia do Senhor, o qual, gota a gota, fez cair sobre vós a justiça, para vos justificar e vos santificar de toda maldade e perversidade. Vós, porém, não quereis corrigir-vos de vossa maldade. Agora, portanto, escutai-me. Vivei em paz uns com os outros, cuidai uns dos outros e socorrei-vos mutuamente. Não vos aposseis, somente para vós, dos bens que Deus criou em abundância, mas reparti também com os necessitados. Alguns, de fato, pelo excesso no comer, acabam por enfraquecer o corpo e minar a saúde. Outros, que não têm o que comer, veem a saúde arruinada pela insuficiência de alimentos e o corpo se arruína. Essa intemperança é danosa para vós, para vós que possuís e não repartis com os necessitados. Vede o julgamento que está para vir. Vós que tendes muito, procurai os que têm fome, enquanto a torre não estiver terminada, porque, depois de terminada, ainda que quisésseis fazer o bem, não teríeis mais ocasião. Atenção, portanto, vós que vos orgulhais de vossas riquezas, para que os necessitados não gemam e o gemido deles chegue até o Senhor, e sejais excluídos, junto com vossos bens, fora da porta da torre. Eu me dirijo agora aos chefes da Igreja e àqueles que ocupam os primeiros lugares. Não vos torneis semelhantes aos envenenadores. Eles levam seus venenos em frascos. Vós tendes vossa poção e veneno no coração. Estais endurecidos, recusais purificar vossos corações para temperar, com o coração puro, vosso pensamento na unidade, a fim de obter a misericórdia do grande Rei. Atenção, portanto, meus filhos, para que essas divisões não tirem a vossa vida. Como pretendeis instruir os eleitos do Senhor, se vós mesmos não tendes instrução? Instruí-vos, portanto, uns aos outros, e conservai a paz mútua, a fim de que também eu, apresentando-me alegre diante do Pai, possa falar favoravelmente a respeito de todos ao vosso Senhor.

 

CAPÍTULO 18:

 

Quando ela terminou de falar comigo, chegaram os seis jovens encarregados da construção e a levaram para a torre. Outros quatro tomaram o banco e também o levaram para a torre. Não vi o rosto deles, pois estavam de costas. No momento em que ela se retirava, eu lhe pedi que me explicasse as três formas sob as quais ela me aparecera. E ela me respondeu: É necessário que o perguntes a outro para que o revele a ti. Irmãos, eu a tinha visto, na primeira visão do ano anterior, muito idosa e sentada na poltrona. Na visão seguinte, ela estava com aspecto mais jovem, porém o corpo e os cabelos eram de idosa; ela me falava de pé e estava mais alegre do que antes. Por ocasião da terceira visão, ela era inteiramente jovem e muito bela; só os cabelos eram de idosa. Estava muito alegre e sentada num banco. Eu estava muito intrigado para compreender a revelação prometida sobre essas coisas. De noite, numa visão, vi a mulher idosa, que me disse: Toda pergunta exige humildade. Jejua, portanto, e obterás o que pedes ao Senhor. Jejuei então um dia e, nessa noite, me apareceu um jovem que me disse: Por que pedes continuamente revelações na oração? Atenção! Pedindo muito, podes prejudicar teu corpo. Bastam para ti essas revelações. És capaz de suportar revelações mais fortes do que aquelas que já tiveste? Eu lhe respondi: Senhor, peço apenas a respeito das três formas da mulher idosa, para que a revelação fique completa. Ele me respondeu: Até quando sereis insensatos? O que vos torna insensatos é duvidar e não voltar o vosso coração para o Senhor. Eu lhe respondi novamente: É justamente por teu meio, Senhor, que conhecemos essas coisas.

 

CAPÍTULO 19:

 

Ele me disse: Escuta o que estás procurando sobre as formas. Por que na primeira vez ela te apareceu idosa e sentada numa poltrona? Porque vosso espírito estava envelhecido, murcho e sem força, por causa de vossa fraqueza e dúvidas. Os velhos, por não terem mais esperança de rejuvenescer, não esperam outra coisa senão a morte. Da mesma forma, enfraquecidos pelos negócios do mundo, vos tendes deixado levar pelo abatimento e não entregastes ao Senhor as vossas preocupações. Vosso coração se despedaçou e envelhecestes em meio às tristezas. (Eu disse:) Senhor, eu desejaria saber por que ela estava sentada numa poltrona. (Ele respondeu:) Porque toda pessoa fraca, por causa da fraqueza, é obrigada a sentar para reconfortar seu corpo débil. Esse é o sentido geral da primeira visão.

 

CAPÍTULO 20:

 

Na segunda visão, tu a viste de pé, com aspecto mais jovem e mais alegre do que antes, mas com o corpo e os cabelos de idosa. Escuta a seguinte comparação: um idoso desesperançado por causa de sua fraqueza, e miséria, não espera mais nada, senão o último dia da sua vida. Caso, imprevistamente, lhe seja deixada uma herança, ao saber disso, ele levanta, alegra-se e recobra as forças. Ele não permanece deitado, mas põe-se de pé, e seu espírito, que estava consumido por seus sofrimentos anteriores, rejuvenesce; não fica sempre sentado, mas age virilmente. Igualmente acontece convosco, depois de ouvir a revelação que o Senhor vos fez. Ele teve compaixão de vós, vosso espírito rejuvenesceu e vós deixastes a fraqueza. A força voltou para vós e vos fortalecestes na fé. Vendo vossa força, o Senhor se alegrou e, por isso, vos mostrou a construção da torre. Ele ainda vos fará outras revelações, se de todo o coração estabelecerdes a paz entre vós.

 

CAPÍTULO 21:

 

Na terceira visão, tu a viste mais jovem, bela, alegre, de aspecto encantador. E como pessoa triste que recebe boa notícia: imediatamente esquece suas tristezas anteriores. Ela só pensa nessa notícia que ouviu, retoma forças para o bem e, pela alegria que experimenta, seu espírito rejuvenesce. O mesmo acontece convosco: ao ver esses bens, vosso espírito rejuvenesceu. Tu a viste sentada no banco, em posição estável, pois o banco tem quatro pés e se mantém firme. O mundo também é sustentado por quatro elementos. Aqueles que fizerem penitência serão completamente rejuvenescidos e firmes, ao menos aqueles que tiverem feito penitência de todo o coração. Tu recebeste, assim, toda a revelação. Doravante, não peças mais nenhuma revelação. Se tiveres necessidade, a receberás.

 

A QUARTA VISÃO:

 

CAPÍTULO 22:

 

Irmãos, esta é a visão que tive vinte dias depois da última, prefigurando a tribulação que se aproxima. Eu caminhava pela Via Campana para o meu campo, situado a uns dez estádios da via pública. O lugar é de fácil acesso. Caminhando sozinho, pedi ao Senhor que completasse as revelações e as visões que me enviou por meio de sua santa Igreja, a fim de me fortalecer e conceder a conversão aos seus servos que tropeçaram. Desse modo, seu nome sublime e glorioso será glorificado, pois ele julgou-me digno de me mostrar suas maravilhas. Eu o glorificava e lhe dava graças, quando um ruído de vozes me respondeu: Não duvides, Hermas. Comecei então a refletir e disse a mim mesmo: Que razões teria eu para duvidar, eu que sou assim sustentado pelo Senhor e que vi essas maravilhas? Avancei um pouco, irmãos, e então vi uma nuvem de poeira que se levantava até o céu, e perguntei: Será algum rebanho que se aproxima e levanta a poeira? A nuvem estava mais ou menos a um estádio de mim. Mas ela aumentava cada vez mais e eu suspeitei que fosse algo divino. Nesse momento, o sol brilhou um pouco, e então pude ver uma fera enorme, parecida com a baleia. E da sua boca saíam gafanhotos de fogo. A fera tinha cerca de cem pés de comprimento, e sua cabeça era do tamanho de um barril. Comecei a chorar e a pedir ao Senhor que me livrasse do monstro. Lembrei-me da palavra que tinha ouvido: Não duvides, Hermas. Então, irmãos, revesti-me da fé em Deus, lembrei-me de seu ensinamento sublime e, num arroubo de coragem, me expus diante da fera. Ela avançava com grande estrépito, capaz de destruir uma cidade. Aproximei-me, e a enorme baleia se estendeu pelo chão, apenas pondo para fora a língua. Ela não fez nenhum outro movimento, até que passei por ela. A fera tinha quatro cores na cabeça: preto, avermelhado de fogo e sangue, dourado e branco.

 

CAPÍTULO 23:

 

Eu ultrapassara a fera, e continuei uns trinta pés, quando veio ao meu encontro uma jovem adornada, como se estivesse saindo do quarto nupcial, toda vestida de branco, com sandálias brancas, coberta até a fronte, com mitra cobrindo a cabeça. Seus cabelos eram brancos. Pelas visões anteriores, reconheci que era a Igreja, e fiquei muito contente. Ela me saudou, dizendo: Bom dia, homem. Eu lhe respondi com a mesma saudação: Bom dia, senhora. Ela me perguntou: Não encontraste nada? Eu lhe respondi: Senhora, encontrei uma fera tão grande, que seria capaz de aniquilar povos. Mas, pelo poder e misericórdia do Senhor, consegui escapar dela. Então me disse: Tiveste a felicidade de escapar, porque entregaste tua preocupação a Deus, abriste teu coração ao Senhor, acreditando que não poderias ser salvo de outro modo, senão pelo seu Nome grande e glorioso. Por isso, o Senhor enviou o seu anjo, aquele que está à frente das feras selvagens, cujo nome é Tegri: ele fechou a boca da fera, a fim de evitar que ela te devorasse. Por tua fé, escapaste de grande tribulação, pois a visão de tão grande fera não te fez duvidar. Portanto, agora vai, e explica as grandezas do Senhor aos seus eleitos. Dize-lhes que essa fera é a prefiguração da grande tribulação que está para chegar. Se vos preparardes e de todo coração fizerdes penitência diante do Senhor, podereis escapar da tribulação. É preciso, porém, que vosso coração se tome puro e irrepreensível, e que sirvais irrepreensivelmente ao Senhor pelo resto de vossos dias. Entregai ao Senhor as vossas preocupações, e ele as resolverá. Crede no Senhor que tudo pode, vós que duvidais. Ele desvia sua ira de vós e envia flagelos para vós que duvidais Ai daqueles que ouvirem essas palavras e não as aceitarem. Seria melhor para eles não ter nascido.

 

CAPÍTULO 24:

 

Perguntei-lhe então sobre as quatro cores que a fera tinha na cabeça. Ela me respondeu: Estás novamente curioso a respeito dessas coisas. Eu lhe disse: Sim, senhora. Dá-me a conhecer o que significa isso. Ela disse: Escuta. A cor negra é este mundo em que habitais; o avermelhado de fogo e sangue quer dizer que este mundo deverá perecer pelo fogo e pelo sangue. A parte dourada sois vós, que fugistes deste mundo. Com efeito, o ouro é provado pelo fogo e se torna útil. Da mesma forma, vós que habitais no mundo sois provados. Vós que perseverais e resistis à prova do fogo, sereis purificados. Assim como o ouro deixa sua escória, vós também deixareis toda tristeza e angústia, e sereis purificados e úteis para a construção da torre. A parte branca é o mundo que se aproxima, onde habitarão os eleitos de Deus, pois os eleitos de Deus para a vida eterna serão puros e sem mancha. Quanto a ti, não cesses de falar aos santos. Tendes a prefiguração da grande tribulação que se aproxima. Se quiserdes, porém, ela não será nada. Lembrai­ vos do que foi escrito antes. Tendo dito isso, ela foi embora, e eu não vi por onde se foi. Apareceu uma nuvem e eu, apavorado, voltei-me para olhar para trás, com a impressão de que a fera estivesse voltando.

 

A QUINTA VISÃO:

 

CAPÍTULO 25:

 

Eu estava rezando em casa, sentado na cama, quando vi entrar um homem de aparência gloriosa, vestido com roupas de pastor, coberto com pele branca de cabra, com o bornal nas costas e o cajado na mão. Saudou-me e respondi à saudação. Imediatamente ele sentou ao meu lado, e me disse: Fui enviado pelo anjo mais venerável, para morar contigo pelo resto da tua vida. Pareceu-me que ele estava ali para me provar. Eu lhe perguntei: Quem és tu? Eu sei muito bem a quem fui confiado. Ele me disse: Não me reconheces? Eu respondi: Não. Ele continuou: Eu sou o Pastor, a quem foste confiado. Ele ainda falava, quando seu aspecto mudou, e então o reconheci: era justamente aquele a quem eu fora confiado. Logo a seguir, cheio de confusão, fui tomado pelo medo e completamente arrasado pela tristeza. Será que eu o tinha tratado de forma desconsiderada e insensata? Ele, porém, me respondeu: Não te perturbes. Ao contrário, fortalece-te com os mandamentos que te darei, pois fui enviado para te mostrar, ainda uma vez, tudo o que viste antes, os principais pontos úteis para vós. Quanto a ti, anota tudo sobre os mandamentos e as parábolas. Escreverás as outras coisas, conforme eu te indicar. Ordeno que escrevas primeiro os mandamentos e as parábolas, para que possas lê-los e observá-los imediatamente. Então escrevi os mandamentos e as parábolas, conforme ele me ordenara. Se vós os escutardes e observardes, se caminhardes neste caminho e os puserdes em prática com o coração puro, recebereis do Senhor tudo o que vos prometeu. Todavia, se depois de escutardes, não vos converterdes, se continuardes a pecar, recebereis do Senhor o contrário. Eis aqui tudo o que o Pastor, o anjo da penitência, me ordenou que escrevesse.

 

PARTE II – OS MANDAMENTOS:

 

O PRIMEIRO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 26:

 

“Antes de tudo, crê que existe um só Deus, que criou e organizou o universo, fazendo passar todas as coisas do não-ser para o ser, que contém tudo e ele próprio não é contido por nada. Crê nele e teme-o, e temendo-o, sê continente. Observa isso e afasta de ti todo mal, para que sejas revestido de toda virtude de justiça, e viverás para Deus, se observares esse mandamento.”

 

O SEGUNDO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 27:

 

Ele me disse: “Sê simples e inocente, e serás como as crianças que não conhecem o mal que destrói a vida dos homens. Em primeiro lugar, não fales mal de ninguém, nem ouças com prazer o maledicente. Do contrário, participarás do pecado do maledicente, se acreditares na maledicência que ouves. Pois, acreditando nisso, também ficarás hostil ao teu irmão, e participarás do pecado do maledicente. A maledicência é má, é demônio agitado, que nunca está em paz, e só sente prazer nas discórdias. Fica longe dele, e tuas relações com todos serão sempre perfeitas. Sê reservado. Com reserva, não há mau tropeço, mas tudo é plano e alegre. Realiza o bem e, do produto do trabalho que Deus te concede, dá com simplicidade a todos os necessitados, sem te preocupares a quem darás ou não. Dá a todos, porque Deus quer que seus próprios bens sejam dados a todos. Os que recebem prestarão contas a Deus do motivo e finalidade daquilo que tiverem recebido: os que receberem por necessidade não serão julgados, mas os que enganarem para receber, serão punidos. Aquele que dá é irrepreensível, pois realiza com simplicidade o serviço, conforme recebeu do Senhor, sem discriminar a quem dá ou não. O serviço, assim realizado na simplicidade, subsistirá em Deus. Observa, portanto, esse mandamento, conforme te ordenei, para que tua conversão e a da tua casa sejam encontradas simples, puras, inocentes e incorruptíveis.”

 

O TERCEIRO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 28:

Ele me disse novamente: “Ama a verdade, e apenas a verdade saia de tua boca, para que o espírito, que Deus colocou nesse corpo, seja encontrado verdadeiro por todos os homens. Assim, o Senhor, que habita em ti, será glorificado, porque o Senhor é verdadeiro em todas as palavras, e nele não há mentira. Os mentirosos renegam o Senhor e o despojam, não lhe restituindo o depósito recebido. De fato, receberam dele um espírito que não mente. Se o restituem mentiroso, transgridem o mandamento do Senhor e se tornam fraudulentos.” Ouvindo isso, eu chorei muito. Vendo-me chorar, ele me disse: “Por que choras?” Eu respondi: “Senhor, porque não sei se posso me salvar.” Ele perguntou: “Por quê?” Eu continuei: “Senhor, é porque na minha vida eu nunca disse palavra verdadeira, mas sempre vivi usando de fraude para com todos e fiz com que minhas mentiras passassem por verdades aos olhos de todos. Ninguém jamais me contradisse. Ao contrário, sempre confiaram em minha palavra. Senhor, como posso viver, tendo feito isso?” Ele me disse: “Tu pensas bem e verdadeiramente. De fato, era preciso que, como servo de Deus, tivesses caminhado na verdade. A má consciência não deveria habitar com o espírito da verdade e trazer tristeza ao espírito santo e verdadeiro.” Eu disse: “Senhor, jamais ouvi palavras tão exatas.” Ele continuou: “Agora, porém, estás ouvindo. Observa-as, a fim de que também as mentiras que disseste antes em teus negócios, agora tenham credibilidade, ao verem que a tua linguagem hoje é verdadeira. Se observares essas coisas e, a partir de agora, disseres só a verdade, poderás adquirir a vida. E todo aquele que observar esse mandamento e se abstiver desse grande vício da mentira, viverá em Deus.”

 

O QUARTO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 29:

 

Ele me disse: “Eu te ordeno guardar r castidade e que não entre em teu coração o desejo de outra mulher, nem de qualquer fornicação, nem de qualquer outro vício semelhante. Porque, se fizeres isso, cometerás grande pecado. Lembra-te sempre de tua esposa, e jamais pecarás. Se esses desejos entrarem em teu coração, pecarás; e se entrarem outras coisas igualmente más, também cometerás pecado, pois tal desejo é grande pecado para o servo de Deus. Se alguém realiza esse ato vicioso, prepara a morte para si mesmo. Portanto, estejas atento. Evita esse desejo, pois onde habita a santidade, no coração do homem justo, a iniquidade não deve entrar.” Eu lhe disse: “Senhor, permite-me apresentar algumas questões.” Ele respondeu: “Podes perguntar.” Eu continuei: “Senhor, se alguém tem esposa que crê no Senhor, e descobre que ela é adúltera, esse homem comete pecado vivendo com ela?” Ele me respondeu: “Enquanto ele não sabe, não comete pecado. Mas se fica sabendo do pecado de sua mulher e que ela, ao invés de se arrepender, persiste no adultério, o marido, vivendo com ela, se torna cúmplice de sua falta e participa no adultério dela.” Então perguntei: “Se a mulher persiste nessa paixão, o que o marido deverá fazer?” Ele respondeu: “Deve repudiá-la e viver sozinho. Contudo, se depois de ter repudiado sua mulher, ele se casar com outra, então ele também comete adultério.” Eu disse: “Senhor, e se a mulher depois de ter sido repudiada, se arrepender e quiser voltar a seu marido, ele deverá acolhê-la?” Ele continuou: “Sim. E se o marido não a receber, ele cometerá pecado e carrega-se de grande culpa. E preciso acolher aquele que peca e se arrepende, mas não muitas vezes. Para os servos de Deus existe apenas uma conversão. É em vista dessa conversão que o homem não deve se casar de novo. Essa obrigação vale tanto para a mulher como para o homem. O adultério não é apenas macular o corpo. Quem vive como os pagãos, também comete adultério. Portanto, se alguém persiste nessa conduta sem se converter, afasta-te e não vivas mais com ele. Caso contrário, serias cúmplice do seu pecado. A razão por que se ordena permanecer sozinho, tanto o homem como a mulher, é porque em tal caso é possível o arrependimento. “Contudo, não quero dar tal pretexto para que alguém faça isso, e sim impedir que o pecador recaia no pecado. Para quem pecou antes, existe quem pode curá-lo: é aquele que tem poder sobre todas as coisas”.

 

CAPÍTULO 30:

 

Continuei a perguntar: “Uma vez que o Senhor julgou-me digno de habitares sempre comigo, suporta ainda algumas interrogações, pois nada compreendo, e meu coração se endureceu, por causa de minhas ações passadas. Ensina-me, pois sou totalmente desprovido de inteligência e não compreendo absolutamente nada.” Ele me respondeu: “Estou encarregado da conversão e concedo inteligência a todos o que se arrependem. Não te parece que o fato de se arrepender é em si mesmo inteligência? O arrependimento é ato de grande inteligência. Com efeito, o pecador compreende que fez o mal diante do Senhor, e que o ato que ele cometeu entra no coração, então se arrepende e não pratica mais o mal. Ao contrário, ele se empenha com todo o zelo a praticar o bem, humilha e experimenta a sua alma, pois ela pecou. Vês, portanto, que o arrependimento é ato de grande inteligência.” Eu disse: “Senhor, é por isso que te pergunto essas coisas com minúcias. Primeiro, porque sou um pecador que desejo saber o que devo fazer para viver, pois meus pecados são muitos e numerosos.” Ele disse: “Viverás, se observares meus mandamentos e seguires seus caminhos. Quem ouvir esses mandamentos e os observar, viverá em Deus.”

 

CAPÍTULO 31:

 

Eu disse: “Senhor, ainda quero te fazer outra pergunta.” Ele respondeu: “Pergunta.” Continuei: “Ouvi alguns doutores dizerem que não há outra conversão além daquela do dia em que descemos à água e recebemos o perdão dos pecados anteriores.” Ele me respondeu: “Ouviste bem. E assim mesmo. Aquele que recebeu o perdão de seus pecados não deveria mais pecar, e sim permanecer na pureza. Entretanto, como queres saber tudo com pormenores, eu te explicarei também isso, sem dar pretexto para pecar aos que hão de crer ou aos que começaram agora a crer no Senhor, pois tanto uns como outros não têm necessidade de fazer penitência de seus pecados, pois seus pecados passados já foram abolidos. Para os que foram chamados antes destes dias, o Senhor estabeleceu uma penitência, pois o Senhor conhece os corações. E sabendo tudo de antemão, ele conheceu a fraqueza dos homens e a esperteza do diabo em fazer o mal aos servos de Deus e exercer sua malícia contra eles. Sendo misericordioso, o Senhor teve compaixão de sua criatura e estabeleceu a penitência, e deu-me o poder sobre ela. Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene, alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá.” Então eu lhe disse: “Senhor, sinto-me reviver depois de ouvir essas coisas tão pormenorizadamente, pois sei que serei salvo, se eu não continuar a pecar.” Ele me disse: “Serás salvo, tu e todos os que fizerem essas coisas.”

 

CAPÍTULO 32:

 

Eu lhe perguntei novamente: “Senhor, já que toleraste uma vez minhas interrogações, esclarece-me também este ponto.” Ele respondeu: “Podes falar.” Eu disse: “Senhor, se uma mulher ou um homem morre e o cônjuge se casa de novo, este último peca por se casar?” Ele respondeu: “Não peca, mas, se permanece sozinho, adquire maior honra e glória diante do Senhor. Se ele se casa, porém, não comete pecado. Observa, portanto, a castidade e a santidade, e viverás em Deus. Observa tudo o que te digo e te direi a partir deste dia em que me foste confiado, e habitarei em tua casa. Alcançarás o perdão de teus pecados passados, contanto que observes os meus mandamentos. Também os outros serão perdoados, se observarem meus mandamentos e se caminharem nessa castidade.”

 

O QUINTO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 33:

Ele me disse: “Sê paciente e prudente, e dominarás todas as ações más e realizarás toda a justiça. Se fores paciente, o Espírito Santo, que habita em ti, será límpido e não ficará na sombra de outro espírito mau. Encontrando grande espaço livre, ele ficará contente e se alegrará como o vaso em que ele habita e servirá a Deus com alegria, pois terá felicidade em si mesmo. Se sobrevier acesso de cólera, imediatamente o Espírito Santo, que é delicado, se angustiará por não ter lugar puro, e procurará afastar-se do lugar. Ele se sente sufocado pelo espírito mau e não tem mais lugar para servir a Deus como quer, porque está contaminado pela cólera. Com efeito, o Senhor habita na paciência e o diabo, na cólera. Que esses dois espíritos habitem juntos é, portanto, coisa inconveniente e má para o homem em que habitam. Se tomas uma pequenina gota de absinto e a derramas num vaso de mel, não se estraga todo o mel? O mel fica estragado pelo pouquíssimo absinto, que destrói a doçura do mel, e já não agrada ao dono, porque se tornou amargo e sem utilidade. Todavia, se não se derrama absinto no mel, o mel permanece doce e agrada muito ao seu dono. Vê: a paciência supera o melem doçura, é útil ao Senhor, que habita nela. Ao contrário, a cólera é amarga e inútil. Portanto, se se mistura a cólera com a paciência, a paciência se mancha, e sua oração não é útil para Deus.” Eu disse: “Senhor, eu desejaria conhecer a força da cólera, para me preservar dela.” Ele respondeu: “Se não te guardares com tua família, destruirás toda a esperança. Mas preserva-te dela, pois eu estou contigo. Todos os que fizerem penitência do fundo do coração se guardarão dela, porque eu estarei com eles e os protegerei. Com efeito, todos foram justificados pelo anjo santíssimo.”

 

CAPÍTULO 34:

 

Ele me disse: “Escuta agora qual é a força da cólera como ela é má, como perverte os servos de Deus com sua força, e como os desvia da justiça. Ela não desvia os pleno. de fé, nem pode fazer nada contra eles, pois meu poder está com eles. Ela desvia somente os vazios e vacilantes. Quando a cólera vê essas pessoas tranquilas, insinua-se no coração delas e, por um nada, o homem ou a mulher se deixam tomar pela amargura, com os negócios da vida cotidiana, alimentação, ou qualquer futilidade, um amigo, um presente dado ou recebido, ou ainda qualquer outra ninharia. Tudo isso são coisas fúteis, vãs, insensatas e prejudiciais para os servos de Deus. A paciência, ao contrário, é grande e forte, tem força poderosa e sólida, que se expande largamente; a paciência é alegre, contente e sem preocupações, e glorifica o Senhor em todo momento. Nada nela é amargo; ela permanece sempre doce e calma. Essa paciência habita com os que têm fé íntegra. A cólera, ao contrário é, em primeiro lugar, estulta, leviana e estúpida; da estupidez nasce a amargura; da amargura a irritação; da irritação, o furor, e do furor o ressentimento. Tal ressentimento, nascido de tantos males, é pecado grave e incurável. Quando todos esses espíritos vêm habitar o mesmo vaso, onde já habita o Espírito Santo, o vaso não pode mais conter tudo e transborda. Então o espírito delicado, que não tem o costume de habitar com o espírito mau, nem com a aspereza, afasta-se de tal homem e procura habitar com a doçura e a mansidão. Mas, quando se afasta do homem em que habitava, esse homem se esvazia do espírito justo e, daí para a frente, cheio de espíritos maus, agita-se em todas as suas ações, arrastado de cá para lá pelos espíritos maus, completamente cego para todo pensamento bom. Eis o que acontece com todas as pessoas coléricas. Afasta-te, portanto, da cólera, esse espírito maligno. Reveste-te, em troca, de paciência, resiste à cólera e à amargura, e te encontrarás com a santidade, amada pelo Senhor. Estejas atento para não te descuidares desse mandamento. Se o dominares, poderás observar também os outros mandamentos, que te ordenarei. Sê forte e inabalável neles, e fortaleçam-se igualmente todos os que quiserem caminhar neles.”

 

O SEXTO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 35:

 

Ele me disse: “No primeiro mandamento, eu te ordenei guardar a fé, o temor e a continência.” Eu respondi: “Sim, Senhor.” Ele continuou: “Agora te explicarei as forças dele, para que conheças o poder e a eficácia que elas possuem. Suas forças são de dois tipos e estão relacionadas com o justo e com o injusto. Tem confiança no justo, mas não confies no injusto. De fato, o justo segue caminho reto, ao passo que o injusto segue caminho tortuoso. Quanto a ti, anda pelo caminho direito e plano, deixando o caminho torto. O caminho tortuoso não tem trilhas, mas é impraticável, cheio de obstáculos, pedregoso e espinhoso. Ele é fatal para os que nele caminham. Aqueles, porém, que andam pelo caminho reto, andam de maneira uniforme e sem tropeços, porque ele não é pedregoso, nem espinhoso. Vês, portanto, que é mais conveniente seguir o caminho reto. Eu lhe disse: “Senhor, eu gosto de andar por esse caminho.” Ele me disse: “Segue-o, e siga também por ele todo aquele que se converte ao Senhor, do fundo do coração”.

 

CAPÍTULO 36:

 

Ele me disse: “Ouve agora o que vou te falar sobre a fé. Há dois anjos com o homem: um é da justiça, e outro é do mal.” Eu perguntei: “Senhor, como distinguirei as ações deles, se os dois anjos habitam comigo?” Ele me respondeu: “Ouve e compreende. O anjo da justiça é delicado, modesto, doce e suave. Quando entra em teu coração, imediatamente fala contigo sobre a justiça, a castidade, a santidade, a temperança, sobe todo ato e toda virtude nobre. Quando tudo isso entra em teu coração, saibas que o anjo da justiça está contigo, pois essas obras são próprias do anjo da justiça. Tem confiança nele e em suas obras. Vê agora as obras do anjo do mal. Em primeiro lugar, ele é colérico, amargo e insensato, e suas obras malignas os servos de Deus. Quando entra em teu coração, tu o conheces por suas obras.” Eu disse: “Senhor, não sei como poderei reconhecê-lo”. Ele continuou: “Escuta. Quando a cólera se apodera de ti, ou a amargura, saibas que ele está em ti. Da mesma forma, os desejos da atividade, dispersa os gastos loucos em numerosos festins, em bebidas inebriantes, em orgias sem fim, em requintes variados e supérfluos, paixões pelas mulheres, grande riqueza, orgulho exagerado, altivez e tudo o que se assemelha a isso, se essas coisas entram no teu coração, saibas que o anjo do mal está em ti. Reconhecendo suas obras, afasta-te dele e não creias nele, pois essas obras são más e inconvenientes para os servos de Deus. Aí tens as ações dos dois anjos. Compreende essas ações e depõe tua confiança no anjo da justiça. Afasta-te do anjo do mal, porque seu ensinamento é mau para qualquer obra. Se alguém é fiel e o pensamento desse anjo entra em seu coração, é inevitável que essa pessoa, homem ou mulher, cometa pecado. Por outro lado, se homem ou mulher são depravados e as obras do anjo da justiça entram em seu coração, é inevitável que essa pessoa faça o bem. Vê, portanto, que é bom seguir o anjo da justiça e renunciar ao anjo mau. Esse mandamento explica o que se refere à fé, para que acredites nas obras do anjo da justiça e, cumprindo-as, vivas em Deus. Acredita também que as obras do anjo do mal são funestas. Evitando-as, viverás em Deus.”

 

O SÉTIMO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 37:

 

Ele me disse: “Teme o Senhor e guarda seus mandamentos. Guardando os mandamentos de Deus, serás forte em tudo o que fizeres e tua ação será incomparável. Com efeito, temendo ao Senhor, farás tudo bem. Ele é o temor que precisas ter, e então serás salvo. Não temas o diabo. Temendo ao Senhor, triunfarás do diabo, pois ele não tem poder. Se alguém não tem poder, também não apresenta motivo para temor. Quem tem poder glorioso, também inspira temor. De fato, todo aquele que tem poder, inspira temor; aquele que não o tem, é desprezado por todos. Teme as obras do diabo, porque elas são más. Temendo ao Senhor, teme também as obras do diabo, e não as pratiques, mas afasta-te delas. Há duas espécies de temor. Se quiseres praticar o mal, teme ao Senhor e não o praticarás. Todavia, se quiseres praticar o bem, teme ao Senhor, e o praticarás. O temor do Senhor é forte, grande e glorioso. Teme, portanto, ao Senhor, e nele viverás. Os que o temem e observam seus mandamentos, viverão em Deus.” Eu perguntei: “Senhor, por que disseste: aqueles que observam seus mandamentos viverão em Deus?” Ele respondeu: “Porque tola a criação teme ao Senhor, mas não guarda seus mandamentos. Os que o temem e guardam seus mandamentos têm a sua vida junto de Deus. Aqueles, porém, que não guardam seus mandamentos não têm vida em si mesmos.”

 

O OITAVO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 38:

 

Ele continuou: “Já te disse que as criaturas de Deus são de dois tipos; a abstinência também é dupla, pois é preciso se abster de algumas coisas e de outras não.” Eu pedi: “Senhor, ensina-me de quais coisas preciso me abster e de quais não.” Ele respondeu: “Escuta. Abstém-te do mal e não o pratiques. Não te abstenhas do bem, mas pratica-o. Com efeito, se te abstiveres de praticar o bem, cometerás grande pecado; por outro lado, se te abstiveres de praticar o mal, praticarás um grande ato de justiça. Abstém-te, portanto, de todo mal e pratica o bem.” Eu perguntei: “Senhor, quais são os males de que nos devemos abster?” Ele me respondeu: “Escuta: adultério, fornicação, excesso na bebida, prazer depravado, comer em demasia, luxo da riqueza, ostentação, orgulho, altivez, mentira, maledicência, hipocrisia, rancor e todo tipo de blasfêmia. São essas as piores obras que existem na vida dos homens. O servo de Deus deve abster-se dessas obras, pois aquele que não se abstém delas, não pode viver em Deus. Escuta agora as obras que seguem a essas.” Eu perguntei: “Senhor, há ainda outras obras más?” Ele respondeu: “Muitas, das quais os servos de Deus devem se abster: o roubo, a mentira, a fraude, o falso testemunho, a avareza, os desejos maus, o engano, a vanglória, a arrogância e outros vícios semelhantes. Não te parece que tudo isso é mau?” Eu respondi: “E muito mau para os servos de Deus.” (Ele continuou): “É preciso que o servo de Deus se abstenha de tudo isso. Abstém-te, portanto, de tudo isso, para que vivas em Deus e sejas inscrito com os que se abstêm dessas coisas. São essas as coisas das quais te deves abster. As coisas das quais não te deves abster e sim praticar, são estas: não te abstenhas do bem, mas pratica-o.” Eu pedi: “Senhor, mostra-me o poder das boas ações, para que eu siga seu caminho e as sirva, a fim de que, praticando-as, possa salvar-me.”Ele respondeu: “Escuta as obras do bem, que deves praticar e não evitar. Em primeiro lugar, a fé, o temor do Senhor, a caridade, a concórdia, as palavras justas, a verdade, a perseverança. Não há nada de melhor na vida humana. Se alguém as observa e delas não se abstém, será feliz em sua vida. Escuta agora as obras que seguem a essas: assistir às viúvas, visitar os órfãos e necessitados, resgatar da escravidão os servos de Deus, ser hospitaleiro (pois na hospitalidade encontra-se por vezes a ocasião de fazer o bem), não criar obstáculos para ninguém, ser calmo, tornar-se inferior a todos, honrar os anciãos, praticar a justiça, conservar a fraternidade, suportar a violência, ser paciente, não nutrir rancor, consolar os aflitos na alma, não afastar da fé os escandalizados, mas convertê-los e dar-lhes coragem, corrigir os pecadores, não oprimir os devedores e necessitados, e outras ações semelhantes. Não te parece que essas sejam boas ações?” Eu respondi: “Que coisa é melhor do que isso, Senhor?” Ele continuou: “Anda, portanto, nesse caminho, não te abstenhas dessas coisas, e viverás em Deus. Observa este mandamento: se praticares o bem e não te abstiveres dele, viverás em Deus, e todos os que agirem assim, também viverão em Deus. E ainda, se não praticares o mal e te abstiveres dele, viverás em Deus; e todos aqueles que guardarem esses mandamentos e andarem em seus caminhos, também viverão em Deus.”

 

O NONO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 39:

 

Ele continuou: “Remove de ti a dúvida e por nada no mundo hesites em pedir alguma coisa a Deus, dizendo a ti mesmo: ‘Como poderia eu pedir alguma coisa ao Senhor e obtê-la, tendo cometido tão grandes pecados contra ele?’ Não penses assim. Ao contrário, converte-te ao Senhor, do fundo do coração, suplica-o confiante e conhecerás sua grande misericórdia, porque ele não te abandonará, mas atenderá a oração da tua alma. De fato, Deus não é como os homens rancorosos; ele não conhece o rancor e tem compaixão de sua criatura. Tu, portanto, purifica teu coração de todas as vaidades deste mundo e dos males dos quais já te falei. Suplica ao Senhor e obterás tudo; nenhuma de tuas orações será rejeitada, se suplicares ao Senhor com confiança. Contudo, se duvidares em teu coração, não alcançarás nenhum dos teus pedidos, pois os que duvidam de Deus são indecisos e não alcançam nada do que pedem. Em troca, os que são íntegros na fé, pedem tudo com plena confiança no Senhor, e são atendidos, porque pedem sem vacilar e sem incerteza. Com efeito, todo homem que duvida, se não fizer penitência, dificilmente se salvará. Portanto, purifica da dúvida o teu coração, reveste-te de fé, porque ela é forte e tem confiança que Deus atenderá todas as tuas orações. E se alguma vez pedires alguma coisa ao Senhor e ele tardar em concedê-la, não duvides porque não obtiveste logo o pedido da tua alma; certamente, tardas a receber o que pediste, por causa de alguma provação ou de algum pecado que ignoras. Não deixes, portanto, de pedir o que tua alma deseja, e o obterás. Contudo, se ao rezar caíres no desânimo e na dúvida, culpa-te a ti mesmo e não àquele que está disposto a te dar. Cuidado com a dúvida: ela é má, insensata e desenraiza da fé, não poucos, até pessoas muito fiéis e firmes, pois a dúvida é filha do diabo e faz muito mal aos servos de Deus. Despreza, portanto, a dúvida, e domina-a em tudo. Para isso, reveste-te de fé firme e poderosa. De fato, a fé tudo promete e tudo cumpre, mas a dúvida, que não tem confiança sequer em si mesma, malogra-se em toda obra que empreende. Vês, portanto, que a fé vem do alto, do Senhor, e tem grande força; a dúvida, porém, é apenas um espírito terrestre que vem do diabo e não tem força, nenhuma. Serve, portanto, à fé que tem força e afasta a dúvida que não tem força nenhuma. Então viverás em Deus, e todos os que pensam assim também viverão em Deus.

 

O DÉCIMO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 40:

 

Ele continuou: “Afasta de tia tristeza, pois ela é irmã da dúvida e da cólera.” Eu perguntei: “Senhor, como é que ela é irmã delas? Parece-me que a cólera é uma coisa, a dúvida é outra, e a tristeza ainda outra coisa.” Ele me respondeu: “És homem insensato. Não compreendes que a tristeza é o pior de todos os espíritos e o mais terrível para os servos de Deus e que, mais do que todos os espíritos, ela arruína o homem e expulsa o Espírito Santo, e depois salva?” Eu disse: “Senhor, de fato sou insensato e não compreendo essas parábolas. Com efeito, não compreendo como a tristeza pode expulsar e depois salvar.” Ele continuou: “Escuta. Os que nunca pesquisaram a verdade, nem indagaram sobre a divindade, que se limitaram a crer, ficam presos em seus negócios, riquezas, amizades pagãs e outras numerosas ocupações deste mundo. Todos esses, que só vivem para isso, são incapazes de compreender as parábolas a respeito da divindade. Ficam obscurecidos por essas atividades, se corrompem e ficam áridos. As vinhas, antes belas, por falta de cuidados, secam por causa dos espinhos e ervas daninhas de todo tipo. Da mesma forma, os homens que abraçaram a fé e se perdem nas múltiplas atividades de que falei, extraviam-se do seu bom senso e nada mais compreendem sobre a justiça. Até mesmo quando ouvem falar sobre divindade e verdade, sua mente está em seus negócios, e nada compreendem. Todavia, os que temem a Deus, buscam a divindade e a verdade, e têm o coração voltado para o Senhor. Esses logo entendem e compreendem tudo o que se lhes diz. Eles têm em si o temor do Senhor. Com efeito, onde o Senhor habita, aí há total compreensão. Adere, portanto, ao Senhor, e compreenderás e entenderás tudo.”

 

CAPÍTULO 41:

 

Ele continuou: “Escuta, portanto, insensato, como a tristeza expulsa o Espírito Santo e depois salva. Quando o vacilante empreende uma ação e não colhe êxito por causa de sua própria dúvida, a tristeza se insinua nele e entristece o Espírito Santo e o expulsa. Em seguida, a cólera se apodera da pessoa por causa de qualquer coisa, e o amargura muito. De novo, a tristeza entra no coração do homem que se irritou, o qual se entristece pelo que fez e se arrepende de ter feito o mal. Essa tristeza, portanto, parece trazer a salvação, porque, depois de ter feito o mal, a pessoa se arrepende. Essas duas atitudes entristecem o espírito: a dúvida, porque não colheu êxito no empreendimento; e a cólera, porque fez o mal. As duas entristecem o Espírito Santo. Afasta, portanto, a tristeza de ti, para não entristecer o Espírito Santo que habita em ti, a fim de que ele não suplique a Deus contra ti e de ti se afaste. Com efeito, o Espírito de Deus, que foi dado ao teu corpo, não suporta a tristeza nem a angústia.”

 

CAPÍTULO 42:

 

“Reveste-te, portanto, da alegria, que agrada a Deus e ele a aceita: faze dela as tuas delicias. De fato, todo homem alegre realiza sempre o bem, pensa no bem e despreza a tristeza. O homem triste pratica sempre o mal. Em primeiro lugar, pratica o mal porque entristece o Espírito Santo, que foi dado alegre ao homem; em seguida, entristecendo o Espírito Santo, pratica a injustiça por não suplicar a Deus, nem louvá-lo. Com efeito, a oração do homem triste jamais tem a força de subir ao altar de Deus”. Eu perguntei: “Por que a súplica do homem triste não sobe ao altar?” Ele respondeu: “Porque a tristeza reside no seu coração. Unida à oração, a tristeza não permite que a oração suba pura ao altar. O vinho misturado com vinagre não tem o mesmo sabor. Igualmente acontece com a tristeza: misturada com o Espírito Santo, não conserva a própria oração. Purifica-te, portanto, dessa tristeza maligna, e viverás em Deus. E todos os que afastarem de si a tristeza e se revestirem de toda alegria, também viverão em Deus.”

 

O DÉCIMO PRIMEIRO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 43:

 

Ele me mostrou homens sentados num banco e outro homem sentado numa poltrona. E me disse: “Vês as pessoas sentadas no banco?” Eu respondi: “Sim, senhor.” Ele explicou: “Esses são fiéis, e o que está sentado na poltrona é falso profeta, que corrompe a inteligência dos servos de Deus, isto é, corrompe a inteligência dos que duvidam, e não dos fiéis. Aqueles que duvidam vão até ele como adivinho e lhe perguntam o que lhes acontecerá. Então esse falso profeta, sem ter em si nenhum poder do espírito divino, responde-lhes segundo o que perguntam e segundo seus maus desejos, satisfazendo-lhes a alma com o que desejam. Sendo vazio ele próprio, dá respostas vãs a homens vãos. Seja qual for a pergunta, ele responde conforme a vaidade do interrogador. Também diz coisas verdadeiras, pois o diabo o enche com o seu espírito, a fim de dobrar algum justo. Contudo, os fortes na fé do Senhor, revestidos de verdade, não aderem aos espíritos maus, mas se afastam deles. Por outro lado, os vacilantes e que mudam constantemente de opinião, consultam os adivinhos como os pagãos, e carregam-se de pecado maior que o dos idólatras. Com efeito, quem faz consulta a um falso profeta sobre alguma coisa, é idólatra, vazio da verdade e insensato. De fato, todo espírito dado por Deus não se deixa interrogar, mas, possuindo força da divindade, diz tudo espontaneamente, porque vem do alto, do poder do espírito divino. Ao invés, o espírito que se deixa interrogar e que fala conforme o desejo dos homens, é terreno e leviano, porque não tem nenhum poder. Se não é interrogado, não diz nada.” Eu lhe perguntei: “Senhor, como saber quem deles é verdadeiro e quem é falso profeta?” Ele respondeu: “Escuta o que estou para te dizer sobre ambos os profetas, e então discernirás o verdadeiro do falso profeta. Discerne pela vida o homem que tem o espírito divino. Em primeiro lugar, quem tem o espírito que vem do alto, é calmo, sereno e humilde. Ele se abstém de todo mal e de todo desejo vão deste mundo; ele se considera inferior a todos e, quando interrogado, nada responde a ninguém e não fala em particular. O Espírito Santo não fala quando o homem quer, mas só quando Deus quer que ele fale. Quando um homem, que tem o espírito de Deus, entra numa assembleia de homens justos, crentes no espírito divino, e nessa assembleia de homens justos se suplica a Deus, então o anjo do espírito profético que está junto dele, plenifica esse homem, e ele, pleno do Espírito Santo, fala à multidão conforme quer o Senhor. É desse modo que se manifesta o espírito da divindade. Tal é o poder do Senhor sobre o espírito da divindade. Escuta agora a respeito do espírito terreno e vão, que não tem poder e é insensato. Primeiro, tal homem, que julga possuir o espírito, exalta-se a si mesmo, quer ter o primeiro lugar, e logo se apresenta descaradamente, imprudente e loquaz. Vive em meio a muitas delícias e muitos outros prazeres, e aceita pagamento por sua profecia. Quando nada recebe, também não profetiza. Poderia um espírito divino receber pagamento para profetizar? Não é possível que o profeta de Deus aja desse modo; o espírito desses profetas é terreno. Além disso, ele não se aproxima da assembleia de homens justos para nada, mas foge deles. Ele se une aos vacilantes e vãos, e profetiza para eles à parte. Engana-os, falando-lhes coisas vazias, conforme o que desejam, pois responde para gente vazia. Um vaso vazio quando bate em outro vaso vazio não quebra, apenas ressoam mutuamente. Quando o falso profeta entra em assembleia repleta de homens justos, portadores do espírito da divindade, se eles começam a rezar, tal homem se esvazia e o espírito terrestre, tomado de medo, foge dele. Tal homem emudece, completamente desorientado e incapaz de falar. Se armazenas óleo e vinho num depósito e aí colocas uma vasilha vazia, quando quiseres desocupar o depósito, encontrarás vazia essa vasilha. Igualmente acontece com os profetas vazios, quando entram em meio aos espíritos dos justos: da mesma forma que entraram, assim são encontrados. Aí tens a vida dos dois tipos de profeta. Examina, portanto, o homem que se diz portador do espírito, a partir de seus atos e de sua vida. Quanto a ti, crê no espírito que vem de Deus e tem poder, mas não creias no espírito terrestre e vazio, porque nele não existe poder. Ele vem do diabo. Escuta a parábola que vou te contar. Pega uma pedra e atira para o céu. Vê se podes atingi-lo. Ou então pega um tubo de água e atira o jato para o céu. Vê se és capaz de furar o céu.” Eu perguntei: “Senhor, como se pode fazer isso? As duas coisas que disseste são impossíveis!” Ele respondeu: “Assim como essas coisas são impossíveis, também os espíritos terrestres são impotentes e fracos. Toma agora a força que vem do alto. O granizo é grão pequenino, mas quando cai sobre a cabeça de uma pessoa, que dano lhe causa! Ou então, pega a gota de água, que cai do telhado no chão e fura a pedra. Vês, portanto, que as melhores coisas que caem do alto sobre a terra têm grande força. Da mesma forma, o espírito divino que vem do alto é poderoso. Crê, portanto, nesse espírito e afasta-te do outro.”

 

O DÉCIMO SEGUNDO MANDAMENTO:

 

CAPÍTULO 44:

 

Ele continuou: “Arranca de ti todo mau desejo, e reveste-te do desejo bom e santo. Revestido desse desejo, odiarás o desejo mau e o domarás como quiseres. O desejo mau é selvagem e difícil de amansar. É terrível, e com sua selvageria consome os homens. Principalmente se o servo de Deus cair nesse desejo e não tiver discernimento, será consumido de modo terrível. Ele consome também os que não têm a veste do desejo bom e se deixam enredar por este mundo. O desejo entrega-os à morte”. Eu perguntei: “Senhor, quais são as obras do desejo mau, que entregam os homens à morte? Dá-me a conhecê-las, para que me afaste delas.” Ele respondeu: “Escuta com quais obras o desejo mau mata os servos de Deus.”

 

CAPÍTULO 45:

 

Antes de tudo, o desejo de outra mulher ou homem, o luxo das riquezas, os banquetes numerosos e vãos, a embriaguez, e muitos outros prazeres insensatos. Com efeito, todo prazer é insensato e vazio para os servos de Deus. Tais desejos são maus, e matam os servos de Deus, porque o desejo mau é filho do diabo. E preciso, portanto, abster-se dos desejos maus para que, abstendo-vos, vivais em Deus. Todos os que são dominados por eles e não lhes resistem, acabarão morrendo, pois esses desejos são mortais. Reveste-te, portanto, do desejo da justiça e, armado do temor de Deus, resiste a eles. De fato, o temor de Deus habita no desejo bom. Se o desejo mau te vir armado do temor de Deus e resistindo, ele fugirá para longe de ti e não o verás mais, porque ele teme as tuas armas. Quanto a ti, vitorioso e coroado por sua derrota, apresenta-te diante do desejo da justiça e entrega-lhe a vitória que recebeste, e serve-o do modo que ele quiser. Se servires o desejo bom e te submeteres a ele, poderás dominar o desejo mau e comandá-lo, conforme quiseres.

 

CAPÍTULO 46:

 

Eu disse: “Senhor, desejaria saber de que modo devo servir ao desejo bom.” Ele respondeu: “Escuta. Pratica a justiça e a virtude, a verdade e o temor do Senhor, a fé, a mansidão e todas as coisas boas semelhantes a essas. Praticando essas coisas, serás servo agradável de Deus e viverás nele. Todo aquele que servir ao desejo bom viverá em Deus.” Ele terminou os doze mandamentos e me disse: “Tens agora esses mandamentos. Anda em conformidade com eles e exorta os ouvintes, para que se exercitem na penitência purificadora pelo resto dos dias de sua vida. Cumpre com cuidado esse serviço que te confio. Desse modo, realizarás. Com efeito, encontrarás boa acolhida daqueles que se dispõem a fazer penitência; eles acreditarão em tuas palavras. Eu estarei contigo e os induzirei a crer em ti.” Eu lhe disse: “Senhor, esses mandamentos são grandes, sublimes e gloriosos, e podem alegrar o coração do homem que for capaz de observá-los. Todavia, Senhor, não sei se esses mandamentos podem ser guardados pelo homem, pois eles são muito duros”. Ele me respondeu: “Se te convenceres de que esses mandamentos podem ser guardados, tu os guardarás facilmente, e eles não serão duros. Contudo, se se insinuar no teu coração que não podem ser guardados pelo homem, não os guardarás. Agora, porém, eu te garanto: se não os guardares e os negligenciares, nem tu, nem teus filhos, nem tua família vos salvareis, pois decidindo que esses mandamentos não podem ser guardados pelo homem, tu te condenas a ti mesmo.”

 

CAPÍTULO 47:

 

Ele me disse isso de modo tão indignado, que fiquei confuso e com muito medo. Sua aparência se alterou de tal modo que nenhum homem poderia suportar sua ira. Vendo-me completamente perturbado e confuso, começou a falar-me de modo mais brando e sereno, dizendo: “Tolo, insensato e vacilante! Não compreendes que a glória de Deus é grande, forte e admirável? Ele não criou o mundo para o homem e não lhe submeteu toda a sua criação, dando-lhe o poder de dominar todas as coisas que existem debaixo do céu? Portanto, se o homem é o senhor de todas as criaturas de Deus e domina sobre todas, será que ele não pode dominar também esses mandamentos? Somente o homem que leva o Senhor em seu coração é capaz de dominar todas as coisas e todos esses mandamentos. No entanto, para os que têm o Senhor somente nos lábios, e cujo coração está endurecido e estão distantes de Deus, esses preceitos são duros e inacessíveis. Esteja o Senhor em vosso coração, vós homens vazios e levianos na fé, e sabereis que não há nada mais fácil, suave e simples do que esses mandamentos. Convertei-vos, vós que seguis os mandamentos do diabo, mandamentos difíceis, amargos, brutais e licenciosos, e não temais o diabo, pois ele não tem poder nenhum sobre vós. Eu, o anjo da penitência, que triunfo sobre o diabo, estarei convosco. O diabo só pode amedrontar, mas esse medo não tem força alguma. Não o temais, portanto, e ele fugirá de vós.”

 

CAPÍTULO 48:

 

Eu lhe disse: “Senhor, escuta ainda algumas palavras.” Ele respondeu: “Dize o que queres.” Eu continuei: “Senhor, o homem tem o desejo de guardar os mandamentos de Deus, e ninguém deixa de pedir ao Senhor que o reforce nos seus mandamentos e o submeta a eles. O diabo, porém, é duro, e domina os homens.” Ele me respondeu: “Ele não conseguirá dominar os servos de Deus, se estes, de todo coração, nele tiverem esperança. O diabo é capaz de combater, não porém de triunfar. Se lhe resistirdes, será derrotado e, envergonhado, fugirá de vós. Todavia, aqueles que são vazios temem o diabo como se ele tivesse poder. Quando um homem enche de bom vinho recipientes apropriados e entre estes deixa alguns semicheios, ao voltar para os recipientes ele não se preocupa com os que estão cheios, pois sabe que estão cheios; observa, sim, os que estão semicheios, temendo que tenham azedado, e o vinho perca o sabor. O mesmo acontece com o diabo: Ele vai e tenta todos os servos de Deus. Os que estão cheios de fé lhe resistem fortemente, e o diabo se afasta deles, pois não encontra por onde entrar. Então, ele vai até os que estão semicheios e, encontrando lugar, entra neles, faz o que quer, tornando-os seus escravos.”

 

CAPÍTULO 49:

 

“Eu, o anjo da penitência, vos digo: não temais o diabo, pois fui enviado para estar com aqueles de vós que de todo o coração fazem penitência, para os fortificar na fé. Portanto, crede, em Deus, vós que, por causa dos vossos pecados, desesperastes da vida e acrescentais pecados a pecados, agravando assim profundamente a vossa própria vida. Se vos converterdes ao Senhor de todo o vosso coração e praticardes a justiça pelo resto dos dias de vossa vida; se o servirdes retamente, conforme a sua vontade, ele vos curará de vossos pecados passados e não vos faltará força para dominar as obras do diabo. Não temais de modo nenhum a ameaça do diabo, pois ele, como nervos de cadáver, não tem força nenhuma. Escutai, portanto, e temei aquele que pode salvar ou destruir tudo; observai seus mandamentos e vivereis em Deus.” Eu lhe pedi: “Senhor, agora estou fortificado em todos os mandamentos do Senhor, porque estás comigo. Sei que abaterás todo o poder do diabo e que nós o dominaremos, e venceremos todas as suas obras. Senhor, espero que, fortalecido pelo Senhor, eu possa guardar os preceitos que me deste.” Ele me respondeu: “Tu os guardarás, contanto que teu coração permaneça puro, voltado para o Senhor. Todos aqueles que os guardarem, purificando o coração dos desejos vazios deste mundo, viverão em Deus.”

 

 

PARTE III – AS PARÁBOLAS:

 

A PRIMEIRA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 50:

 

Ele me disse: “Vós, servos de Deus, sabeis que habitais em terra estrangeira. De fato, vossa cidade acha-se longe desta cidade. Portanto, se conheceis vossa cidade, aquela que deveis habitar, por que correis assim atrás de campos, instalações luxuosas, palácios e mansões inúteis? Quem procura tais coisas nesta cidade não espera retornar à sua própria cidade. Insensato, vacilante, homem infeliz! Ignoras que tudo isso é estrangeiro e está em poder de outro? De fato, o dono desta cidade dirá: ‘Não quero que habites na minha cidade. Vai embora daqui, porque não obedeces às minhas leis’. Então, tu, que possuis campos, casas e muitos bens, ao ser expulso por ele, o que farás com teu campo, tua casa e tudo o que te resta do que acumulaste? Porque o dono desta cidade te diz justamente: ‘Ou obedeces às minhas leis, ou sais do meu país’. Portanto, o que farás, tu que segues a lei da tua cidade? Por causa de teus campos e do resto de teus bens, renegarás tua lei e andarás de acordo com a lei dessa cidade? Atenção! É perigoso renegar tua lei, porque, se queres retornar à tua cidade, temo que não te acolham mais, por teres renegado a lei de tua cidade, e assim sejas excluído dela. Vigia, portanto. Visto que moras em terra estrangeira, não reserves para ti senão o estritamente necessário, e estejas pronto. Desse modo, quando o dono dessa cidade quiser te expulsar, porque te opões às suas leis, sairás da sua cidade, chegarás à tua, e aí viverás conforme tua lei, sem prejuízo e com alegria. Atenção, vós que servis ao Senhor e o tendes no coração. Praticai as obras de Deus, lembrando-vos de seus mandamentos e das promessas que ele vos fez. Crede que ele as manterá, se seus mandamentos forem observados. Em lugar de campos, resgatai os oprimidos, conforme cada um puder; visitai as viúvas e os órfãos, e não os desprezeis. Gastai vossas riquezas e todos os vossos bens, que recebestes de Deus, nesses campos e casas. De fato, o Senhor vos enriqueceu, para que presteis a ele tais serviços. E melhor adquirir esses campos, bens e casas, que reencontrarás em tua cidade, quando aí retornares. Esse investimento é nobre e alegre, não produz tristeza, nem medo, mas alegria. Não procureis o investimento dos pagãos, perigoso para os servos de Deus. Fazei vossos próprios investimentos, com os quais podeis alegrar-vos. Não cometais fraude, não toqueis nos bens de outros, nem os desejeis, porque é mau desejar os bens alheios. Realiza tua tarefa, e serás salvo.”

 

A SEGUNDA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 51:

 

Caminhava eu para o meu campo e, observando um olmeiro e uma videira, refletia sobre essas árvores e seus frutos. Então o Pastor me apareceu e disse: “O que pensas sobre o olmeiro e a videira?” Eu respondi: “Senhor, penso que eles se completam perfeitamente.” Ele disse: “Essas duas árvores existem para servir de modelo aos servos de Deus.” Eu pedi: “Desejaria saber o modelo que podem oferecer essas árvores das quais falas.” Ele perguntou: “Vês o olmeiro e a videira?” Respondi: “Sim, senhor.” Ele continuou: “A videira produz frutos, mas o olmeiro é estéril. Entretanto, se essa videira não se prende ao olmeiro, fica estendida no chão e não produzirá frutos. Os frutos que produzir apodrecerão, se ela não estiver suspensa no olmeiro. Vês, portanto, que o olmeiro também dá muitos frutos, não menos que a videira, e até mais.” Eu perguntei: “Por que mais, Senhor?” Ele respondeu: “Porque a videira suspensa no olmeiro dá muitos frutos belos, ao passo que estendida no chão só produz frutos podres e poucos. Essa parábola vale para os servos de Deus, o pobre e o rico.” Eu perguntei: “Senhor, como assim? Explica-me.” Ele respondeu: “Escuta. O rico tem muitos bens, mas aos olhos do Senhor ele é pobre, porque se distrai com suas riquezas. A oração e a confissão ao Senhor não lhe são importantes e, se ele as faz, são breves, fracas e sem nenhum poder. Contudo, se o rico se volta para o pobre e atende às suas necessidades, crendo que o bem que ele fez ao pobre poderá encontrar sua retribuição junto a Deus (porque o pobre é rico por sua oração e confissão, e sua oração tem grande poder junto de Deus), então o rico atende sem hesitação às necessidades do pobre. Assim, o pobre, socorrido pelo rico, reza por ele e agradece a Deus pelo seu benfeitor; este, por sua vez, redobra o zelo para com o pobre, para que não lhe falte nada na vida, pois sabe que a oração do pobre é bem acolhida e rica junto a Deus. Desse modo, ambos cumprem sua tarefa: o pobre o faz mediante sua oração, que é sua riqueza recebida do Senhor. Ele a devolve ao Senhor na intenção daquele que o ajuda. E o rico, sem hesitação, dá ao pobre a riqueza que recebeu do Senhor. Essa é uma ação nobre e bem acolhida por Deus, porque o rico compreendeu perfeitamente o sentido da sua riqueza e partilhou com o pobre os dons do Senhor, cumprindo assim, convenientemente, a sua tarefa. Para os homens, o olmeiro parece não produzir fruto. Eles não ignoram e não compreendem que, se vier seca, o olmeiro, que conserva água, nutre a videira, e esta, continuamente provida de água, produz o duplo de frutos, para ela mesma e para o olmeiro. Da mesma forma, os pobres, rezando ao Senhor para os ricos, asseguram pleno desenvolvimento às riquezas deles. Por sua vez, os ricos, atendendo às necessidades dos pobres, dão satisfação à sua alma. Portanto, ambos participam da ação justa. Quem age assim não será abandonado por Deus, mas será inscrito no livro dos viventes. Felizes os que possuem e compreendem que o Senhor preserva suas riquezas, pois aquele que o compreende poderá também prestar bons serviços.”

 

A TERCEIRA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 52:

 

Ele me mostrou muitas árvores sem folhas, que me pareciam mortas, e eram todas semelhantes. E me perguntou: “Vês essas árvores?” Respondi: “Sim, senhor, eu as vejo: são semelhantes e mortas.” Ele continuou: “Essas árvores que vês são os habitantes deste mundo.” Eu perguntei: “Senhor, então por que são semelhantes e mortas?” Ele respondeu: “Porque os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo, mas são semelhantes. De fato, para os justos este mundo é inverno, e eles não se distinguem, pois nele habitam juntamente com os pecadores. No inverno, despojadas de suas folhas, as árvores são semelhantes, e não se distingue quais estão mortas e quais vivas. Da mesma forma, os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo; são todos semelhantes.”

 

A QUARTA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 53:

 

De novo, ele me mostrou muitas árvores, umas verdes e outras secas. E me disse: “Vês essas árvores?” Respondi: “Sim, senhor, eu as vejo: umas estão verdes e outras secas.” Ele continuou: “As árvores verdes são os justos, que habitarão no mundo que está para chegar. De fato, o mundo que está para chegar será verão para os justos e inverno para os pecadores. Portanto, quando brilhar a misericórdia do Senhor os servos de Deus poderão ser distinguidos e serão visíveis para todos. No verão, os frutos de cada árvore aparecem e se pode saber de que espécie são. Do mesmo modo, naquele mundo os frutos dos justos serão manifestos e se saberá que todos eles são vigorosos. Entretanto, naquele mundo, os pagãos e os pecadores, as árvores secas que viste, serão encontrados secos e mortos, e serão queimados, como madeira morta, patenteando-se assim que durante a vida deles sua conduta foi má. De fato, os pecadores serão queimados, porque pecaram e não fizeram penitência; os pagãos serão queimados porque não conheceram o seu Criador. Portanto, leva frutos em ti mesmo, para que, naquele verão, teu fruto seja conhecido. Evita muitas ocupações e não cometas nenhum pecado. Os que se carregam de muitas ocupações cometem também muitos pecados. São absorvidos por seus negócios e não servem mais em nada ao Senhor. Como poderia o homem assim pedir algo ao Senhor e ser atendido, se ele não serve ao Senhor? Os que o servem, receberão o que pedem, mas os que não o servem, não receberão absolutamente nada. Aquele que tem apenas uma ocupação, pode também servir ao Senhor; o seu pensamento não se corromperá longe do Senhor, mas o servirá, conservando pensamento puro. Se assim fizeres, poderás levar frutos para o mundo que está para chegar. Qualquer um que fizer isso, levará frutos.”

 

A QUINTA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 54:

 

Eu jejuava, sentado sobre um monte, e agradecia a Deus tudo o que ele fizera por mim. Então vi o Pastor sentado junto de mim, dizendo: “Por que vieste aqui tão cedo?” (Eu respondi): “Senhor, porque estou montando guarda.” Ele perguntou: “Que quer dizer guarda?” Eu respondi: “Senhor, estou jejuando.” Ele continuou: “E que jejum é esse que estás fazendo?” Eu respondi: “Senhor, eu jejuo por costume.” Ele disse: “Não sabes jejuar para o Senhor, e esse jejum que fazes é sem valor.” Eu perguntei: “Senhor, por que dizes isso?” Ele explicou: “Digo-te que não é jejum esse que imaginas fazer. Eu te ensinarei, porém, qual é o jejum agradável e perfeito para o Senhor.” Eu disse: “Sim, senhor. Tu me farás feliz, se eu puder conhecer o jejum que agrada a Deus.” Então ele explicou: “Escuta. Deus não deseja esse jejum vazio. Com efeito, jejuando desse modo para Deus, não farás nada para a justiça. Jejua do seguinte modo: Não faças nada de mau em tua vida e serve ao Senhor de coração puro; observa seus mandamentos, andando conforme seus preceitos, e que nenhum desejo mau entre em teu coração, e crê em Deus. Se fizeres isso e o temeres, abstendo-te de toda obra má, viverás em Deus. Se cumprires essas coisas, farás um jejum grande e agradável ao Senhor.”

 

CAPÍTULO 55:

 

Escuta a parábola sobre o jejum. Um homem possuía um campo e muitos escravos, e mandou plantar uma vinha numa parte do campo. Ele escolheu um servo muito fiel e estimado, chamou-o e lhe disse: “Toma conta desta vinha que plantei e, durante minha ausência, coloca as estacas. Não faças mais nada na vinha. Observa esta minha ordem e serás livre na minha casa.” Então o senhor do escravo saiu de viagem. Depois que partiu, o escravo tomou conta e estaqueou. Tendo terminado de estaquear, viu que a vinha estava cheia de mato. Então refletiu e disse: “Já executei a ordem do senhor. Agora capinarei a vinha, pois capinada ficará mais bela e, não sendo sufocada pelo mato, produzirá mais fruto. Decidido, capinou a vinha e arrancou todo o mato que havia nela. Sem o mato que a sufocava, a vinha ficou mais bela e florescente. Depois de certo tempo, o senhor do campo e do servo voltou. Foi até à vinha e, vendo que estava muito bem estaqueada, capinada, o mato extirpado e que as videiras floresciam, ficou muito satisfeito com o trabalho do escravo. Chamou então seu filho amado, que era o herdeiro, e seus amigos conselheiros. Disse-lhes o que ordenara ao escravo e tudo o que ele vira executado. Eles se alegraram com o escravo, por causa do testemunho que o patrão dera dele. Então o patrão lhe disse: “Prometi a liberdade a esse escravo, se ele executasse a ordem que lhe dera. Ele não só executou a ordem, mas fez bom trabalho na vinha, e isso me agradou muito. Portanto, como recompensa do trabalho que ele realizou, quero que seja herdeiro junto com meu filho, porque teve uma boa ideia e, ao invés de descartá-la, a realizou.” O filho do senhor aprovou a intenção de designar o escravo como seu coerdeiro. Alguns dias mais tarde, o patrão dava um banquete e enviou muita comida do banquete ao escravo. Este aceitou a comida que o senhor lhe enviara, reteve o suficiente para si e distribuiu o resto a seus companheiros de escravidão. Os companheiros o receberam, se alegraram e começaram a rezar para que ele, que os tratara tão bem, recebesse ainda mais favores do senhor. “O senhor soube de tudo o que acontecera e de novo se alegrou muito com a conduta do escravo. Chamou novamente os amigos e o filho e contou-lhes a respeito da atitude do servo quanto à comida recebida. E eles concordaram mais ainda que o servo se tornasse herdeiro juntamente com o filho do senhor.”

 

CAPÍTULO 56:

 

Eu lhe disse: “Senhor, não compreendo essas parábolas, nem as poderei entender, se não me explicares.” Ele respondeu: “Vou te explicar tudo, e, te esclarecerei tudo que eu falar. Guarda os mandamentos do Senhor, e lhe serás agradável e contado entre os que observam seus mandamentos. Se fizeres algo de bom, além do mandamento de Deus, conseguirás glória maior e serás glorificado junto a Deus, mais do que deverias ser. Portanto, se, observando os mandamentos de Deus, acrescentares essas boas obras, te alegrarás, se as observares conforme a minha ordem.” Eu lhe disse: “Senhor, observarei tudo o que me indicares, pois sei que estás comigo.” Ele me respondeu: “Estarei contigo, pois tens esse desejo de fazer o bem, e estarei com todos os que têm o mesmo desejo. Se os mandamentos do Senhor são observados, teu jejum é muito bom. Eis como observarás o jejum que queres praticar: Antes de tudo, guarda-te de toda palavra má, de todo desejo mau, e purifica teu coração de todas as coisas vãs deste mundo. Se observares isso, teu jejum será perfeito. E jejuarás do seguinte modo: depois de cumprir o que foi escrito, no dia em que jejuares, não tomarás nada, a não ser pão e água. Calcularás o preço dos alimentos que poderias comer nesse dia e o porás à parte para dar a uma viúva, a um órfão ou necessitado e, desse modo, te tornarás humilde. Graças a essa humildade, quem tiver recebido ficará saciado e rogará ao Senhor por ti. Se jejuares como te ordenei, teu sacrifício será aceito por Deus, teu jejum será anotado, e o serviço, assim realizado, será bom, alegre e bem acolhido pelo Senhor. Observarás isso com teus filhos e toda a tua família. Desse modo, serás feliz, e todos os que ouvirem esses preceitos e os observarem, serão felizes e receberão do Senhor as coisas que pedirem.”

 

CAPÍTULO 57:

 

Eu lhe pedi insistentemente que me explicasse o sentido simbólico do campo, do senhor, da vinha, do escravo que estaqueara a vinha, do filho e dos amigos conselheiros, pois compreendera que tudo isso era uma parábola. Ele me respondeu: “És muito ousado em tuas perguntas! De modo algum deves perguntar, pois, se alguma coisa se deve explicar a ti, será explicada.” Eu lhe disse: “Senhor, tudo o que me mostrares sem explicar, será inútil que eu veja, pois não compreenderei o que significa. Da mesma forma, se me contas parábolas sem explicá-las, terei ouvido em vão alguma coisa de ti.” De novo, ele me respondeu, dizendo: “Todo servo de Deus que tem o Senhor em seu coração, pode lhe pedir a compreensão e obtê-la. Ele poderá, então, explicar qualquer parábola e, graças ao Senhor, tudo o que for dito em parábolas será compreensível para ele. Os indolentes e preguiçosos para a oração, porém, vacilam em pedir ao Senhor. O Senhor é misericordioso e atende todos os que lhe pedem sem hesitação. Tu, porém, que foste fortificado pelo anjo glorioso e dele recebeste essa oração, e não és preguiçoso, por que não pedes a compreensão? Tu a receberás.” Eu repliquei: “Senhor, tendo a ti comigo, tenho necessidade de te pedir e perguntar. Com efeito, tu me mostras tudo e falas comigo. Se eu visse ou ouvisse essas coisas sem ti, pediria ao Senhor que as explicasse a mim”.

 

CAPÍTULO 58:

 

Ele continuou: “Já te disse, e não faz muito, que és esperto e ousado para pedir explicação das parábolas. Como és tão perseverante, vou te explicar o sentido simbólico do campo e de tudo o mais que o acompanha, para que possas explicá-lo a todos. Escuta, portanto, e compreende. O campo é este mundo, e o dono do campo é aquele que criou todas as coisas, que as organizou e lhes deu força. O filho é o Espírito Santo, e o escravo é o Filho de Deus. As videiras são o povo, que ele mesmo plantou. As estacas são os santos anjos do Senhor, que protegem o seu povo. O mato arrancado da vinha são as iniquidades dos servos de Deus. A comida do banquete que ele enviou ao escravo são os mandamentos que ele deu por meio de seu filho. Os amigos e conselheiros, são os primeiros santos anjos criados. A viagem do senhor é o tempo que resta para a sua parusia.” Eu lhe perguntei: “Senhor, tudo isso é grande, admirável e glorioso. Como poderei, Senhor, compreender essas coisas por mim mesmo? Nenhum outro homem, ainda que fosse muito inteligente, poderia compreendê-las. Explica-me ainda, Senhor, o que vou perguntar.” Ele disse: “Se desejas alguma explicação, podes pedi-la.” Eu perguntei: “Senhor, por que o Filho de Deus aparece na parábola sob forma de escravo?”

 

CAPÍTULO 59:

 

Ele respondeu: “Escuta. O Filho de Deus não aparece sob a forma de escravo, mas com grande poder e soberania.” Eu disse: “Como, senhor? Não compreendo.” Ele continuou: “Porque Deus plantou a vinha, isto é, criou o seu povo e o entregou a seu Filho, e o Filho estabeleceu os anjos sobre eles para guardá-los individualmente. Ele próprio purificou os pecados deles, trabalhando muito e suportando muitas fadigas, pois ninguém pode capinar uma vinha sem trabalho e fadiga. Ele, portanto, tendo purificado os pecados do povo, ensinou os caminhos da vida, dando-lhes a lei, que recebera de seu Pai. Observa que ele é o senhor do povo, porque recebeu todo o poder do seu Pai. Escuta por que o Senhor nomeou seu Filho conselheiro e os anjos gloriosos para decidir a herança que deveria ser dada ao escravo. Deus fez habitar na carne que ele havia escolhido o Espírito Santo preexistente, que criou todas as coisas. Essa carne, em que o Espírito Santo habitou, serviu muito bem ao Espírito, andando no caminho da santidade e pureza, sem macular em nada o Espírito. Ela se portou digna e santamente, participou dos trabalhos do Espírito e colaborou com ele em todas as coisas. Comportou-se com firmeza e coragem e, por isso, Deus a escolheu como companheira do Espírito Santo. Com efeito, a conduta dessa carne agradou a Deus, pois ela não se maculou na terra, enquanto possuía o Espírito Santo. Ele tomou então o Filho e os anjos gloriosos por conselheiros, para que essa carne, que tinha servido ao Espírito irrepreensivelmente, obtivesse um lugar de repouso e não parecesse ter perdido a recompensa pelo seu serviço. Toda carne em que o Espírito Santo habitou e que for encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa. Aí tens a explicação dessa parábola.”

 

CAPÍTULO 60:

 

Eu disse: “Senhor, fiquei contente em ouvir a explicação.” Ele disse: “Escuta agora. Guarda tua carne pura e sem mancha; para que o espírito, que nela habita, dê testemunho em favor dela e assim seja justificada. Cuida para que nunca entre em teu coração a ideia de que tua carne é perecível. E cuidado para não abusar dela com alguma impureza. Se manchas tua carne, mancharás também o Espírito Santo. Portanto, se manchas tua carne, não viverás.” Eu perguntei: “Senhor, se tiver havido alguma ignorância antes que essas palavras tivessem sido ouvidas, como se pode salvar o homem que manchou a sua carne?” Ele respondeu: “Quanto às ignorâncias anteriores, somente Deus pode conceder a cura, pois ele tem todo o poder. Agora, porém, estejas atento, e o Senhor, em sua grande misericórdia, as curará, se doravante não manchares nem tua carne, nem teu espírito, pois os dois vão juntos e não podem manchar-se um sem o outro. Portanto, conserva os dois puros, e viverás em Deus.”

 

A SEXTA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 61:

 

Sentado em casa, eu glorificava ao Senhor por tudo que tinha visto, e meditava sobre os mandamentos, descobrindo que eles são bons, fortes, alegres, gloriosos e capazes de salvar a alma do homem. E dizia a mim mesmo: “Serei feliz, se caminhar conforme esses mandamentos, e qualquer um que andar nesse caminho também será feliz.” Enquanto dizia isso a mim mesmo, de repente vi o pastor ao meu lado dizendo: “Por que duvidas a respeito dos mandamentos que te dei? Eles são bons. Não duvides em nada. Ao contrário, reveste-te da fé do Senhor e andarás em seus caminhos, porque eu te fortificarei neles. Esses mandamentos são úteis para os que farão penitência, porque, se não andarem nesse caminho, sua penitência será inútil. Vês, portanto, que fazeis penitência, rejeitai os males deste mundo, que vos aniquilam. Revestidos de toda a virtude de justiça, podereis observar os meus preceitos, mas não acrescenteis pecados aos vossos pecados. Se não acrescentardes mais pecados, cancelarei os vossos pecados passados. Caminhai, portanto, conforme os meus mandamentos, e vivereis em Deus. Todas essas coisas vos foram ditas por mim.” Depois de me dizer isso, ele acrescentou: “Vamos ao campo, e te mostrarei os pastores das ovelhas.” Eu disse: “Vamos, Senhor.” Fomos para uma planície, e ele me mostrou um jovem pastor, vestido com roupa amarela. Apascentava numerosas ovelhas, as quais viviam de modo voluptuoso e dissoluto, saltando alegremente de cá para lá. O pastor também estava muito satisfeito com seu rebanho; sua fisionomia era alegre, e ele andava de um lado para o outro, no meio das ovelhas. Vi também outras ovelhas juntas, dissolutas e voluptuosas; mas estas não saltavam.

 

CAPÍTULO 62:

 

Então ele me perguntou: “Vês esse pastor?” Eu respondi: “Vejo, senhor.” Ele continuou: “E o anjo da volúpia e do erro. Ele aniquila as almas dos servos de Deus que são vazios, desviando-os da verdade e enganando-os com maus desejos, nos quais eles morrem. De fato, eles esquecem os mandamentos do Deus vivo e caminham nos enganos e volúpias vãs, e são destruídos por esse anjo: alguns morrem, outros se corrompem.” Eu lhe disse: “Senhor, não sei o que é essa morte e essa corrupção.” Ele respondeu: “Escuta. Todas as ovelhas que viste muito alegres e saltitantes são os que se separaram definitivamente de Deus e se entregaram às paixões deste mundo. Para eles não há mais penitência para a vida, porque, além de tudo, blasfemaram contra o nome do Senhor. Para eles, portanto, resta apenas a morte. Aquelas que viste, pastando no mesmo lugar sem saltitar, são os que se entregaram às volúpias e aos enganos, mas sem blasfemar contra o Senhor. Corromperam-se longe da verdade. Para eles, portanto, existe esperança de penitência, a fim de que possam viver. A corrupção conserva ainda alguma esperança de restauração, ao passo que a morte implica em perdição eterna.” Avançamos um pouco, e ele me mostrou um pastor de porte alto e de aspecto selvagem, vestido com pele branca de cabra, com bornal nas costas, e na mão um cajado rude e cheio de nós e um grande chicote. Seu olhar era tão severo que me infundiu medo. Assim era o seu olhar! Esse pastor recebia do pastor jovem as ovelhas dissolutas e voluptuosas, mas que não saltitavam. Ele as impelia para lugar escarpado, cheio de espinhos e cardos, e as ovelhas não conseguiam livrar-se dos espinhos e dos cardos, pois ficavam emaranhadas neles. Pastavam presas, entre os espinhos e cardos, e sofriam muito, açoitadas pelo pastor, o qual as fazia andar de cá para lá, sem lhes dar descanso, e elas jamais se tranquilizavam.

 

CAPÍTULO 63:

 

Ao vê-Ias assim flageladas e atormentadas, fiquei triste por elas, porque assim torturadas não tinham nenhum tipo de trégua. Então perguntei ao pastor que conversava comigo: “Senhor, quem é esse pastor tão cruel e severo, que não tem nenhuma piedade dessas ovelhas?” Ele respondeu: “Esse é o anjo do castigo. Ele é justo, mas foi encarregado do castigo. Ele recebe aqueles que vagueiam longe de Deus e que seguiram o caminho dos desejos e enganos deste mundo. Ele os pune conforme cada um merece, com castigos terríveis e variados.” Eu pedi: “Senhor, eu desejaria saber quais são esses diversos castigos.” Ele continuou: “Escuta quais são as diversas provações e castigos. As provações são as da vida. Alguns são castigados com prejuízos, outros pela indigência outros por doenças diversas, outros por alguma insegurança e outros ainda são injuriados por pessoas indignas e têm que sofrer muitas outras calamidades. De fato, incertos em suas intenções, muitos se lançam a muitas coisas, mas em nada conseguem sucesso. Dizem que não são felizes em seus negócios e não lhes entra no coração que cometeram ações más; ao contrário, acusam o Senhor. Quando são atribulados por essas provações, são entregues a mim para uma boa reeducação. Eles se reforçam na fé do Senhor e o servem, de coração puro, pelo resto de seus dias. Quando fazem penitência, as obras más que praticaram lhes entram no coração e então eles glorificam a Deus, porque é juiz justo e porque cada um sofreu justamente por suas próprias ações. Doravante, eles servem ao Senhor de coração puro e têm sucesso em tudo o que fazem, pois recebem do Senhor tudo o que pedem. Então eles glorificam ao Senhor, por terem sido entregues a mim, e já não sofrem mal nenhum”.

 

CAPÍTULO 64:

 

Eu lhe disse: “Senhor, explica-me ainda esse ponto.” Ele perguntou: “O que procuras ainda?” Eu continuei: “Senhor, os voluptuosos e transviados são atormentados por tanto tempo quanto aquele em que foram voluptuosos e transviados?” Ele respondeu: “São atormentados durante tempo igual.” Observei: “Senhor, são atormentados por pouquíssimo tempo. Com efeito, seria preciso que as pessoas que vivem assim na volúpia e se esquecem de Deus, fossem torturadas por tempo sete vezes maior.” Ele me disse: “Insensato! Não conheces a força do tormento.” Eu respondi: “Senhor, se eu conhecesse, não pediria explicação.” Ele continuou: “Escuta qual é a força de uma e outra coisa. O tempo da volúpia e do engano é de uma hora; mas uma hora de tormento tem a força de trinta dias. Passando um dia na volúpia e no engano, e um dia nos tormentos, esse dia de tormento vale por um ano inteiro. A pessoa é atormentada por tantos anos quantos dias passou na volúpia. Vês, portanto, que o tempo da volúpia e do engano é mínimo, mas o do castigo e do tormento é longo.”

 

CAPÍTULO 65:

 

Eu disse: “Senhor, não compreendi inteiramente os tempos do engano, da volúpia e do tormento. Explica-me com mais clareza.” Ele respondeu: “Tua insensatez é insistente e não queres purificar teu coração e servir a Deus. Cuidado para que o tempo não se cumpra e sejas encontrado insensato. Ouve, portanto, para compreender o que desejas. Aquele que vive um dia na volúpia e no engano, fazendo o que quer, reveste-se de muita insensatez e não percebe a ação que faz. No dia seguinte, esquece o que fez no dia anterior. A volúpia e o engano não têm memória, por causa da insensatez de que se revestem. Quando, porém, o castigo e o tormento se ligam ao homem por um dia, é durante um ano todo que ele é castigado e atormentado, pois o castigo e o tormento têm grande memória. Atormentado e castigado durante um ano inteiro, ele se lembra então da volúpia e do engano, e reconhece que é por causa deles que sofre esses males. Todo homem que vive na volúpia e no engano é assim atormentado, porque, possuindo a vida, ele se entregara à morte.” Eu perguntei: “Senhor, quais são as volúpias perniciosas?” Ele respondeu: “Tudo o que o homem faz com prazer, é volúpia. Assim o colérico, fazendo aquilo que é conforme a sua paixão, é voluptuoso. O mesmo acontece com o adúltero, o bêbado, o maledicente, o mentiroso, realizando aquilo que é conforme à sua própria doença, se entrega por esse ato à volúpia. Todas essas volúpias são más para os servos de Deus. Portanto, é por causa desses enganos que sofrem aqueles que são castigados e atormentados. Contudo, há também volúpias que salvam os homens, pois muitos experimentam volúpia em fazer o bem: são impulsionados pelo próprio prazer. Essa é volúpia proveitosa para os servos de Deus e traz vida para o homem. As volúpias perniciosas, de que falamos antes, só lhe trazem tormentos e castigos. Caso se obstinem e não se arrependam, acarretam a morte para si mesmos.”

 

SÉTIMA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 66:

 

Poucos dias depois, vi o pastor na mesma planície onde tinha visto também os pastores, e ele me perguntou: “O que procuras ainda?” Respondi: “Senhor, estou aqui a fim de te pedir que mandes o pastor justiceiro sair da minha casa, pois ele me atribula muito.” Ele disse: “É preciso que sejas atribulado. Com efeito, foi assim que o anjo glorioso ordenou a respeito de ti. Ele quer que sejas provado.” Perguntei: “Senhor, o que fiz de tão mau, para ser entregue a esse anjo?” Ele respondeu: “Escuta. Teus pecados são numerosos, mas não tanto para que sejas entregue a esse anjo. Todavia, tua família cometeu grandes pecados e iniquidades, e o anjo glorioso ficou irritado com as obras deles e, por isso, ordenou que sejas atribulado por algum tempo. Dessa forma, eles farão penitência e se purificarão de todo desejo deste mundo. Quando se tiverem arrependido e purificado, o anjo do castigo se afastará.” Perguntei-lhe: “Senhor, se foram eles que fizeram essas coisas para irritar o anjo glorioso, que fiz eu? Ele respondeu: “E que não há outro modo para que eles sejam atribulados, se tu, chefe da família, não sofreres tribulação. Porque sendo tu atribulado, eles forçosamente o serão também, mas, se tiveres prosperidade, nenhuma tribulação poderá atingi-los.” Eu repliquei: “Senhor, eles já fizeram penitência de todo o coração.” Ele respondeu: “Eu sei muito bem que eles fizeram penitência do fundo do coração. Você pensa que os pecados daqueles que fazem penitência são imediatamente remidos? De modo algum. E preciso que aquele que fez penitência prove sua própria alma, se humilhe profundamente em tudo o que faz e passe por muitas e variadas tribulações. Se ele suportar as tribulações que lhe sobrevierem, aquele que tudo criou e fortaleceu terá compaixão dele e lhe concederá a cura. Isso acontecerá seguramente, se ele vir puro de toda coisa má o coração do penitente. E, portanto, proveitoso a ti e à tua família passar agora por tribulações. Mas, por que estou falando tanto? Tens que passar por tribulações, conforme ordenou esse anjo do Senhor que te confiou a mim. Agradece ao Senhor por julgar-te digno de te mostrar previamente a tribulação. Dessa forma, conhecendo-a de antemão, tu a suportarás valorosamente.” Eu lhe pedi: “Senhor, fica comigo, e eu poderei suportar qualquer tribulação.” Ele respondeu: “Eu estarei contigo, e pedirei ao anjo justiceiro para te atribular mais suavemente. Todavia, serás atribulado por pouco tempo, e depois serás restabelecido em teu lugar. Continua, porém, a te humilhar e a servir ao Senhor de coração puro – tu, teus filhos e tua família – e anda conforme os meus mandamentos que te dei. Desse modo, tua penitência poderá ser firme e pura. Se observares isso com tua família, toda tribulação se afastará de ti. E a tribulação também se afastará de todos os que andarem conforme os meus mandamentos.”

 

OITAVA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 67:

 

Ele me mostrou um grande salgueiro, que cobria planícies e montanhas, e ao abrigo do salgueiro tinham-se recolhido todos os que são chamados pelo nome do Senhor. Debaixo do salgueiro, estava de pé o anjo glorioso do Senhor, com enorme estatura. Tinha uma grande foice, e cortava ramos do salgueiro e as dava à multidão abrigada debaixo do salgueiro. Os ramos que entregava eram pequenos, com cerca de meio metro. Depois de todos terem recebido seu ramo, o anjo deixou a foice, e a árvore estava inteira, da mesma forma como eu a vira. Eu me admirava e dizia a mim mesmo: “Como é possível que, depois de tantos ramos cortados, a árvore esteja inteira?” O pastor me disse: “Não te admires que essa árvore permaneça inteira, depois que tantos ramos foram cortados. Espera e, depois de ver tudo, te será explicado o que significa isso.” O anjo que entregara os ramos à multidão, pediu-os de novo. Pedia-os na ordem segundo a qual eles os haviam recebido, e cada um entregava seu ramo. O anjo do Senhor os tomava e os examinava. De alguns, ele recebia ramos secos e roídos como por vermes, e aos que entregavam tais ramos o anjo dizia que formassem um grupo à parte. Outros entregavam ramos secos, mas não roídos por vermes. Também a estes o anjo dizia que formassem um grupo separado. Outros os entregavam meio secos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos meio secos e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos verdes e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam ramos com metade seca e metade verde, e também esses formavam um grupo separado. Outros devolviam seus ramos, dois terços verdes e secos no resto, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos, dois terços secos, e verdes no resto, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos quase completamente verdes; apenas uma pequena parte dos seus ramos estava seca, bem na ponta, mas estavam fendidos. E também estes formavam um grupo separado. Os ramos de alguns outros tinham apenas uma pequena ponta verde e o resto estava seco, e também estes formavam um grupo separado. Outros vinham com os ramos verdes, como os tinham recebido do anjo. A maior parte da multidão entregava ramos assim, e o anjo alegrava-se muito com isso. E também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos verdes com brotos novos, e também estes formavam um grupo separado, e o anjo ficava muito alegre com eles. Outros entregavam seus ramos verdes e com brotos, os quais traziam uma espécie de fruto. Os homens, cujos ramos foram encontrados assim, estavam muito alegres. Também o anjo se alegrava com eles, e igualmente o pastor estava muito alegre com eles.

 

CAPÍTULO 68:

 

O anjo do Senhor ordenou que trouxessem coroas, e foram trazidas coroas que pareciam feitas de palmas. Então coroou os homens que haviam entregue os ramos que tinham brotos e uma espécie de fruto, e enviou-os para a torre. Também enviou para a torre aqueles que haviam entregue os ramos com brotos, mas sem fruto, dando-lhes um selo. Todos os que iam para a torre vestiam roupas brancas como a neve. Enviou também aqueles que tinham entregue os ramos verdes como os haviam recebido, dando-lhes roupas brancas e o selo. Ao terminar isso, o anjo disse ao pastor: “Eu também vou. Conduze tu para dentro das muralhas os que são dignos de habitar aí. Examina com cuidado seus ramos, e depois os conduze. Examina cuidadosamente. Atenção para que ninguém te escape, pois, se alguém escapar, eu mesmo julgarei junto ao altar.” Dito isso ao pastor, foi embora. Depois que o anjo saiu, o pastor me disse: “Tomemos os ramos de todos e os plantemos, para ver se alguns dentre eles viverão.” Eu lhe perguntei: “Senhor, como esses ramos secos viverão?” Ele me respondeu: “Esta árvore é salgueiro, e é cheia de vida por natureza. Plantando esses ramos, muitos deles viverão, se receberem um pouco de umidade. Por isso, procurarei água para regá-los. Se algum deles viver, eu me alegrarei com ele; se não viver, não terei sido negligente.” O pastor me ordenou que os chamasse conforme estavam agrupados. Eles vieram, grupo por grupo, e entregaram seus ramos ao pastor. O pastor os tomou e, por grupo, os replantou; depois de plantados, jogou tanta água neles, de modo que os ramos não apareciam sobre a água. Depois de regar os ramos, disse-me: “Vamos embora. Dentro de poucos dias, voltaremos para examinar todos esses ramos, pois aquele que criou esta árvore deseja que vivam todos aqueles que receberam um ramo dela. Quanto a mim, espero que, encontrando umidade e regados com água, a maioria desses ramos viverá.”

 

CAPÍTULO 69:

 

Eu lhe disse: “Senhor, faze-me compreender o que é essa árvore, pois não entendo como ela, aparada de tantos ramos, continua inteira, sem parecer em nada que foi aparada. É isso que eu não entendo.” Ele me respondeu: “Escuta. Essa grande árvore que cobre planícies, montanhas e toda a terra, é a lei de Deus dada ao mundo inteiro, e essa lei é o Filho de Deus anunciado até os confins da terra. Os povos que se encontram debaixo da árvore são aqueles que ouviram o anúncio e creram. O anjo grande e glorioso é Miguel, que tem o poder sobre esse povo e o governa. É ele que dá a lei e grava no coração daqueles que creem. Ele examina, portanto, se aqueles a quem deu a lei, a observaram bem. Vês muitos ramos inúteis. Reconhecerás entre eles os que não observaram a lei, e verás a morada de cada um.” Perguntei-lhe: “Senhor, por que o anjo enviou alguns para a torre e deixou para ti os outros?” Ele respondeu: “Todos aqueles que transgrediram a lei que receberam dele foram deixados em meu poder para fazerem penitência. Todos os outros que se alegraram na lei e a observaram, ele os tem em seu próprio poder.” Perguntei: “Senhor, quem são aqueles que foram coroados e se dirigiram para a torre?” Ele me respondeu: “Esses coroados são os que lutaram contra o diabo e o venceram; eles sofreram pela lei. Os outros que entregaram seus ramos verdes com brotos novos, mas sem fruto, foram atribulados por causa da lei, sem entretanto serem torturados por ela, mas não a renegaram. Os que entregaram os ramos verdes como os haviam recebido, são santos e justos. Caminharam muito de coração puro, observando os mandamentos do Senhor. Conhecerás o resto, quando eu examinar os ramos plantados e regados.”

 

CAPÍTULO 70:

 

Alguns dias depois, voltamos a esse lugar e o pastor sentou-se no lugar do anjo grande, e eu fiquei ao seu lado. Então ele me disse: “Cinge-te com uma toalha e serve-me.” Eu me cingi com uma toalha limpa, feita de saco. Vendo-me cingido e pronto para servi-lo, ele me disse: “Chama os homens cujos ramos foram plantados, na mesma ordem em que cada um o devolveu.” Fui até à planície, chamei a todos, e todos os grupos se apresentaram. O pastor lhes disse: “Cada um arranque seu próprio ramo e o traga a mim.” Os primeiros a devolvê-los foram aqueles cujos ramos estavam secos e corroídos. Como estavam secos e corroídos, ele mandou que fossem colocados à parte. Em seguida, os devolveram os que tinham os ramos secos, mas não corroídos. Alguns deles os devolveram verdes, e outros, secos e corroídos como por vermes. Aos que os devolveram verdes, o pastor mandou formar um grupo separado; aos que os devolveram secos e corroídos, ele mandou que os colocassem com os primeiros. Depois, os devolveram os que os tinham recebido metade secos e fendidos, e muitos deles os devolveram verdes e sem fendas; alguns, verdes com brotos novos e frutos nesses brotos, como os tinham aqueles que foram coroados para a torre. Alguns os devolveram secos e carcomidos; outros, secos mas não carcomidos; outros ainda, tais como estavam antes: meio secos e fendidos. E o pastor mandou que eles se separassem, cada um em seu grupo respectivo, e os outros restantes, à parte.

 

CAPÍTULO 71:

 

Em seguida, os devolveram os que tinham recebido os ramos verdes, mas fendidos. Todos esses os devolveram verdes e tomaram lugar em seu próprio grupo. O pastor alegrou-se com estes, pois todos se tinham transformado e livrado de suas fendas. Também os devolveram aqueles que os haviam recebido metade verdes e metade secos. Os ramos de alguns foram encontrados inteiramente verdes; de outros, metade verdes; de outros, secos e carcomidos; e de outros ainda, verdes com brotos novos. Todos esses foram mandados para seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que os tinham recebido com dois terços verdes e um terço seco. Muitos deles os devolveram verdes; muitos outros, metade secos; e outros, secos e carcomidos. Todos esses foram mandados cada um para seu próprio grupo. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos secos em dois terços e verdes no resto. Muitos deles os devolveram metade secos; alguns, secos e carcomidos; e alguns ainda, metade secos e fendidos. Muito poucos os devolveram verdes. E todos esses tomaram lugar em seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos verdes, mas com mínima parte seca e fendida. Desses, alguns os devolveram verdes; e alguns, verdes com brotos novos. Também esses se foram para seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido com mínima parte verde e todo o resto seco. Os ramos destes, em sua maior parte, foram encontrados verdes, com brotos novos e com frutos neles; e outros, inteiramente verdes. O pastor se alegrou muito com esses ramos, por tê-los encontrado assim. E também esses se foram, cada um para seu próprio grupo.

 

CAPÍTULO 72:

 

Depois de examinar os ramos de todos, o pastor me falou: “Eu lhe disse que esta árvore é cheia de vida. Vês quantos fizeram penitência e foram salvos?” Eu respondi: “Vejo, senhor.” Ele continuou: “Isso é para que saibas que a misericórdia de Deus é grande e gloriosa, e como ele deu um espírito àqueles que eram dignos de fazer Penitência.” Perguntei: “Senhor, então, por que nem todos fizeram penitência?” Ele respondeu: “O Senhor concedeu a penitência àqueles cujo coração ele viu que estava pronto para se purificar e que haviam de servi-lo de todo o coração. Contudo, àqueles nos quais viu a perfídia e a maldade e que iriam arrepender-se apenas hipocritamente, ele não concedeu a penitência, para que não blasfemassem novamente sua lei.” Eu lhe pedi: “Senhor, explica-me quem é cada um daqueles que te devolveram os ramos, e a morada que lhes cabe. Desse modo, após terem ouvido, aqueles que acreditaram e receberam o selo, mas que o quebraram e não o preservaram inteiro, reconhecerão suas obras, farão penitência e receberão de ti um selo. Assim glorificarão o Senhor, por ter usado piedade com eles e te haver enviado para renovar seus espíritos.” Ele explicou: “Escuta. Aqueles cujos ramos foram encontrados secos e carcomidos por vermes, são os apóstatas e traidores da Igreja que, com seus pecados, blasfemaram o Senhor e que ainda se envergonharam do nome do Senhor invocado sobre eles. Tais indivíduos estão definitivamente mortos para Deus. Vês que nenhum deles fez penitência, embora tenham ouvido as palavras que lhes transmitiste, sob minha ordem. A vida, portanto, foi tirada desses homens. Aqueles que devolveram os ramos secos, mas não apodrecidos, estão próximos dos anteriores: eram hipócritas que introduziam ensinamentos errados, que desviavam os servos de Deus e sobretudo os pecadores, não lhes permitindo fazer penitência, mas persuadindo-os com ensinamentos loucos. Todavia, esses têm esperança de fazer penitência. Vês que muitos dentre eles já fizeram penitência, desde quando lhes falaste sobre os meus preceitos. Outros ainda farão penitência, e todos aqueles que não fizerem penitência, já perderam a vida. Aqueles que fizeram penitência tornando-se bons, têm sua morada nas primeiras muralhas; alguns subiram à torre. Vês, portanto, que a penitência dos pecadores traz vida, e a impenitência, traz morte.”

 

CAPÍTULO 73:

 

Escuta também sobre aqueles que devolveram os ramos metade secos e fendidos. Aqueles cujos ramos estavam somente secos pela metade, são os que duvidam; não estão nem vivos nem mortos. Os que os tinham secos pela metade e fendidos, são os que duvidam e murmuram, e que nunca estão em paz entre si, mas sempre em discórdia. Também esses ainda têm possibilidade de fazer penitência. Vês que alguns deles já fizeram penitência e ainda há esperança de penitência para eles. Todos os que dentre eles fizeram penitência, têm sua morada na torre. Aqueles, porém, que se arrependerem demasiadamente tarde, habitarão nos muros; aqueles que não fizerem penitência, persistindo em suas ações, certamente morrerão. Aqueles que devolveram ramos verdes, mas fendidos, sempre foram fiéis e bons, mas têm entre si inveja pelos primeiros lugares e por alguma honraria. Todos eles são loucos em rivalizarem entre si pelos primeiros lugares. Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, como eram bons, eles se purificaram e logo fizeram penitência. A morada deles foi na torre. Contudo, se um deles voltar novamente à discórdia, será expulso da torre e perderá a própria vida. A vida pertence a todos os que observam os mandamentos do Senhor. Ora, nesses mandamentos nada se diz de primeiros lugares, nem de alguma honraria, mas fala-se da paciência e humildade do homem. Nessas pessoas, portanto, está a vida do Senhor; nos que provocam discórdia e violam a lei, está a morte.”

 

CAPÍTULO 74:

 

“Aqueles que devolveram seus ramos metade verdes e metade secos, são os que estavam imersos em seus negócios e não se juntavam aos santos. Por isso, metade neles estava viva, e metade estava morta. Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, fizeram penitência e foram morar na torre. Alguns outros se afastaram definitivamente, e não têm possibilidade de fazer penitência. Com efeito, por causa de seus negócios, eles blasfemaram o Senhor e o renegaram. Portanto, perderam a vida, por causa da maldade que praticaram. Muitos dentre eles são vacilantes; esses ainda têm possibilidade de fazer penitência, se logo se arrependerem, e sua morada será na torre. Se levarem demasiado tempo para fazerem penitência, irão morar nas muralhas; se não fizerem penitência, também eles já terão perdido a vida. Aqueles que devolveram os ramos dois terços verdes e no resto secos, são aqueles que renegaram de diversas formas. Muitos deles fizeram penitência e foram morar na torre. Outros se afastaram definitivamente de Deus; esses perderam definitivamente a vida. Alguns deles duvidaram e provocaram discórdia; estes ainda têm possibilidade de fazer penitência, se a fizerem logo, sem persistir em seus prazeres. Mas, se eles se obstinarem em suas ações, estarão trabalhando para a própria morte.”

 

CAPÍTULO 75:

 

“Aqueles que devolveram ramos com dois terços secos e no resto verdes, são os que foram fiéis, mas que se enriqueceram e adquiriram honra entre os pagãos. Revestiram-se de grande orgulho, tornaram-se arrogantes, abandonaram a verdade e se separaram dos justos. Ao contrário, conviveram com os pagãos, e esse caminho lhes pareceu mais agradável. Eles não se afastaram de Deus, permaneceram na fé, mas não praticaram as obras da fé. Muitos deles fizeram penitência e tiveram sua morada na torre. Outros, convivendo inteiramente com os pagãos e arrastados pelas suas glórias vãs junto aos pagãos, afastaram-se de Deus e praticaram as obras dos pagãos; esses foram contados como pagãos. Outros entre eles ficaram na dúvida, porque não esperavam mais ser salvos, por causa das ações que haviam praticado. Outros ainda, não só duvidaram, mas fomentaram divisões entre si. Para esses indivíduos e para aqueles que permaneceram na dúvida por causa de suas ações, ainda há possibilidade de penitência. Mas a sua penitência deve ser rápida, para que a morada deles seja dentro da torre. Para os que não fazem penitência, mas permanecem nos seus prazeres, a morte está próxima.”

 

CAPÍTULO 76:

 

“Os que devolveram ramos verdes, mas com a ponta seca e fendida, são os que sempre foram bons, fiéis e gloriosos junto de Deus, mas pecaram um pouco, por leve concupiscência e leves rancores mútuos. Depois de ouvirem minhas palavras, a maioria deles arrependeu-se logo, e tiveram sua morada na torre. Alguns duvidaram, e outros, por causa de sua dúvida, promoveram maiores divisões. Estes ainda têm esperança de penitência, pois sempre foram bons; é difícil que um deles morra. Aqueles que devolveram seus ramos secos e com uma pequenina parte verde, são os que apenas creram, mas praticaram as obras da iniquidade. Nunca se afastaram de Deus, levaram com alegria o Nome, e receberam com alegria os servos de Deus em sua casa. Ouvindo o anúncio desta penitência, arrependeram-se sem hesitação e praticam toda a virtude da justiça. Alguns até sofrem e são atribulados com alegria, pois conhecem as ações que praticaram. A morada de todos esses será na torre.”

 

CAPÍTULO 77:

 

Quando terminou de explicar acerca de todos os ramos, o pastor me disse: “Vai e dize a todos que façam penitência, e viverão em Deus. De fato, o Senhor teve compaixão, e me enviou para oferecer a ocasião de penitência a todos, embora alguns, por causa de suas obras, sejam indignos da salvação. O Senhor, porém, é paciente e quer que o chamado feito pelo Filho não seja invalidado.” Eu lhe disse: “Senhor, espero que, depois de ouvir essas coisas, todos farão penitência. Estou persuadido de que cada um, conhecendo suas ações e temendo a Deus, faça penitência.” Ele me respondeu: “Todos os que se arrependerem do fundo do coração, se purificarem dos pecados anteriormente assinalados e não acrescentarem mais nada a seus pecados, receberão do Senhor a cura de seus pecados passados, se não duvidarem a respeito desses mandamentos; então eles viverão em Deus. Todos aqueles, porém, que aumentarem seus pecados e caminharem nas paixões deste mundo, se condenarão à morte. Quanto a ti, caminha segundo os meus mandamentos e viverás em Deus. Do mesmo modo, aquele que andar no caminho dos mandamentos e os praticar retamente, viverá em Deus.” Depois de meter mostrado tudo isso, ele me disse: “O resto, eu te explicarei dentro de poucos dias.”

 

A NONA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 78:

Depois que escrevi os mandamentos e as parábolas do pastor, anjo da penitência, ele veio a mim e disse: “Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo, que te falou na figura da Igreja. Esse Espírito é o Filho de Deus. Estavas muito fraco na carne e, por isso, não te foi revelado por meio de anjo. Contudo, quando ficaste fortalecido pelo Espírito e tu mesmo tiveste a força para poderes ver um anjo, então te foi revelada, por meio da Igreja, a construção da torre. Viste bem e santamente, qual uma virgem, todas as coisas. Agora, graças a um anjo, vês por meio do próprio Espírito. E preciso que compreendas tudo, por meu intermédio, de modo mais preciso. O anjo glorioso me conferiu a missão de habitar em tua casa, para que vejas tudo com coragem, e não mais com apreensão, como antes.” Então me transportou para a Arcádia, sobre um monte de forma cônica. Fez-me sentar no topo da montanha, e me mostrou uma grande planície e, ao redor da planície, outras doze montanhas, cada uma com aspecto diferente. A primeira era negra como fuligem; a segunda, seca e sem vegetação; a terceira, cheia de espinhos e cardos; a quarta, com vegetação meio seca, verde na parte de cima e seca junto às raízes; quando o sol brilhava, parte da vegetação secava. A quinta montanha era muito rochosa, mas tinha vegetação verde. A sexta montanha estava cheia de fendas, algumas pequenas, outras grandes; nas fendas havia vegetação, mas não era muito verdejante: parecia antes estar murcha. A sétima montanha tinha vegetação cheia de viço e a montanha toda era exuberante; todas as espécies de rebanhos e aves se alimentavam sobre a montanha e, quanto mais os rebanhos e aves comiam, tanto mais a vegetação brotava da montanha. A oitava montanha estava cheia de fontes, e todas as espécies da criação do Senhor vinham beber nessas fontes da montanha. A nona montanha não tinha água nenhuma, e estava completamente deserta; havia nela animais selvagens e répteis mortíferos, que provocam a morte dos homens. Na décima montanha havia árvores gigantes e estava coberta de sombras; debaixo das sombras estavam deitadas muitas ovelhas, que repousavam e ruminavam. A décima primeira montanha era coberta de árvores, as quais eram frutíferas e carregadas de frutas de toda espécie, e quem as via, desejava comê-las. A décima segunda montanha era inteiramente branca; seu aspecto era muito exuberante, e a montanha em si mesma era belíssima.

 

CAPÍTULO 79:

 

No meio da planície, ele me mostrou uma grande rocha branca que se erguia da planície. Era mais alta que as montanhas, e quadrada, de modo a conter o mundo inteiro. A rocha era antiga, e havia nela uma porta escavada, que parecia ter sido escavada recentemente. Resplandecia mais do que o sol, e eu me maravilhava com tal esplendor. Ao redor da porta estavam doze virgens. As quatro que havia nos cantos me pareciam mais gloriosas, mas as outras o eram também. As virgens estavam nos quatro lados da porta, duas a duas, à meia distância das quatro primeiras. Vestiam túnica de linho, belamente cingidas, com o ombro direito descoberto, como para transportar algum peso. Estavam prontas, alegres e animadas. Vendo isso, fiquei admirado pelas coisas grandes e gloriosas que via. Além disso, fiquei perplexo com essas virgens, que eram delicadas, mas que se comportavam virilmente, como se devessem sustentar todo o céu. Então o pastor me disse: “Em que estás pensando, preocupando-te e causando tristeza a ti mesmo? As coisas que não consegues compreender, não as trates como se fosses inteligente. Pede antes ao Senhor que te dê inteligência para compreender essas coisas. Não podes ver o que está atrás de ti, mas vês o que está diante de ti; não te atormentes pelo que não podes ver. Procura dominar as coisas que vês, e não te angusties com o resto. Explicarei tudo o que te vou mostrar. Vê, portanto, o resto.”

 

CAPÍTULO 80:

 

Então vi que haviam chegado seis homens altos, gloriosos e de aspecto semelhante. Chamaram uma multidão de homens. Estes recém-chegados eram de grande estatura, muito belos e fortes. Os seis homens lhes deram ordens de construir uma torre sobre a rocha. Os homens que vieram construir a torre fizeram então grande tumulto, correndo de cá para lá ao redor da porta. As virgens que estavam ao redor da porta diziam aos homens que apressassem a construção da torre. Elas estendiam as mãos, como se devessem receber alguma coisa dos homens. Os seis homens ordenaram que subissem pedras de um abismo e se colocassem na construção da torre. Então subiram dez pedras quadradas e brilhantes, não lavradas. Os seis homens chamaram as virgens e lhes disseram que carregassem todas as pedras que haviam de entrar na construção da torre, que as passassem através da porta, e entregassem aos homens que iriam construir a torre. As virgens então carregaram sobre si, mutuamente, as dez primeiras pedras que haviam subido do abismo, e as transportaram juntas, pedra por pedra.

 

CAPÍTULO 81:

 

Elas carregavam as pedras na mesma ordem em que estavam ao redor da porta: as virgens que pareciam vigorosas, se colocavam nos ângulos da pedra; as outras se colocavam dos lados. E assim carregavam todas as pedras, passando pela porta, conforme lhes fora ordenado, e as entregavam aos homens na torre, os quais recebiam as pedras e construíam. A torre era construída sobre a grande rocha e em cima da porta. As dez pedras foram então ajustadas e cobriram toda a rocha, tornando-se, desse modo, o alicerce da construção da torre. A rocha e a porta suportavam toda a torre. Depois das dez pedras, subiram do abismo outras vinte e cinco. Elas também foram ajustadas à construção, carregadas pelas virgens como as anteriores. Depois, subiram trinta e cinco pedras, que foram igualmente ajustadas à torre. A seguir, subiram outras quarenta pedras, e todas foram também empregadas na construção da torre. Desse modo, formaram-se quatro camadas no alicerce da torre. Pararam então de subir do abismo, e os construtores descansaram um pouco. Depois, os seis homens ordenaram à multidão numerosa que trouxesse pedras das montanhas, a fim de construir a torre. Eram trazidas de todas as montanhas, de cores variadas, lavradas pelos homens, e entregues às virgens, as quais as transportavam pela porta e as entregavam para a construção da torre. Quando essas pedras de cores diferentes eram colocadas na construção, tornavam-se igualmente brancas, mudando as cores precedentes. Algumas pedras eram entregues aos homens para a construção, mas não se tornavam brilhantes; continuavam tais como eram antes, pois não tinham sido entregues pelas virgens, nem tinham passado pela porta. Tais pedras, portanto, destoavam na construção da torre. Os seis homens viram que essas pedras destoavam na construção, e ordenaram que fossem retiradas, levadas para baixo, para o lugar de onde tinham sido transportadas. Então disseram aos homens que transportavam as pedras: “De modo nenhum, não entregueis vós mesmos pedras aos construtores. Colocai-as perto da torre, para que as virgens, fazendo-as passar pela porta, as entreguem para a construção. Com efeito, se elas não passarem a porta pelas mãos das virgens, não poderão mudar suas cores. Portanto, não vos afadigueis em vão.”

 

CAPÍTULO 82:

 

Terminou naquele dia o trabalho de construção, mas a torre não ficou concluída. Devia-se retomar a construção, mas houve uma pausa. Os seis homens mandaram que todos os construtores se retirassem um pouco e descansassem; às virgens, porém, ordenaram que não se afastassem da torre. Parecia-me que as virgens foram deixadas aí para guardá-la. Depois que todos se retiraram para descansar, eu perguntei ao pastor: “Senhor, por que não foi terminada a construção da torre?” Ele respondeu: “A torre não pode ser terminada enquanto o seu proprietário não vier examinar a construção, para trocar as pedras que estiverem corroídas. A torre foi construída segunda a vontade dele.” Eu então pedi: “Senhor, desejaria saber o que significa a construção da torre e a rocha, a porta, as montanhas, as virgens e as pedras que subiram do abismo, porque não foram lavradas, mas entraram na construção tais quais eram. Também desejaria saber por que primeiro foram postas no alicerce dez pedras, depois vinte e cinco, trinta e cinco, e quarenta. E também o que significam as pedras que entraram na construção e depois foram logo retiradas e recolocadas em seu lugar. Senhor, tranquiliza a minha alma sobre tudo isso, e explica-me tudo.” Ele respondeu: “Se tua curiosidade não for considerada vã, conhecerás tudo. Daqui a poucos dias voltaremos aqui, e verás o resto do que acontecerá a esta torre, e saberás completamente todas as parábolas.” Poucos dias depois, voltamos ao lugar onde estivéramos sentados, e ele me disse: “Vamos até à torre, pois o proprietário virá examiná-la.” Então fomos até à torre, e perto dela não havia absolutamente ninguém, exceto as virgens. O pastor perguntou às virgens se o proprietário da torre estava aí, e elas responderam que ele chegaria para examinar a construção.

 

CAPÍTULO 83:

 

Eis que pouco depois vejo um cortejo de muitos homens chegando, e no meio deles um homem tão alto que ultrapassava a torre. Os seis homens que trabalharam na construção caminhavam com ele à direita e à esquerda, e todos os que trabalharam na construção estavam com ele, e muitos outros, gloriosos, ao seu redor. As virgens que guardavam a torre correram ao seu encontro, o beijaram e começaram a caminhar com ele ao redor da torre. Esse homem examinava minuciosamente a construção, a ponto de apalpar pedra por pedra; com um bastão na mão, batia em cada uma das pedras da construção. À medida que batia nelas, algumas ficavam negras como fuligem; outras, corroídas, ou fendidas, ou mutiladas, ou nem brancas nem negras; outras, desiguais, já não se harmonizavam com as demais pedras; e outras ainda, cheias de manchas. Tais foram as variedades de pedras achadas inúteis para a construção. E ele ordenou retirá-las todas da torre, colocá-las junto dela e trazer outras para substituí-las. Os construtores lhe perguntaram de qual montanha ele queria que tirassem as pedras para colocar no lugar das outras. Ele ordenou que fossem tiradas, não das montanhas, mas de uma planície vizinha. Cavou-se então a planície e foram encontradas pedras brilhantes, quadradas, e algumas redondas. Todas as pedras encontradas nessa planície foram trazidas, e as virgens as transportaram através da porta. As pedras quadradas foram lavradas e colocadas no lugar das que tinham sido tiradas; as redondas não foram colocadas na construção, porque eram duras, e o trabalho de lavrá-las era lento. Foram colocadas perto da torre, pois deviam ser lavradas para serem colocadas na construção, já que eram muito brilhantes.

 

CAPÍTULO 84:

 

Terminando isso, o homem glorioso e senhor de toda a torre chamou o pastor e lhe entregou todas as pedras que se achavam perto da torre e que foram tiradas da construção, e lhe disse: “Limpa cuidadosamente todas essas pedras, e emprega na construção da torre as que se ajustam às outras; as que não se ajustarem, atira-as para longe da torre.” Depois de ordenar isso ao pastor, foi embora, acompanhado de todos os que tinham vindo com ele; as virgens, porém, permaneceram ao redor da torre, para guardá-la. Eu perguntei ao pastor: “Como podem essas pedras, que foram rejeitadas como indignas, voltar à construção da torre?” Ele me respondeu: “Vês estas pedras?” Eu disse: “Sim, senhor, estou vendo.” Ele continuou: “Lavrarei a maior parte delas e as empregarei na construção, e elas se ajustarão às outras.” Eu perguntei: “Senhor, como poderão, depois de esquadradas, preencher o mesmo lugar?” Ele me respondeu: “As que forem achadas pequenas serão colocadas no interior da construção; as maiores serão colocadas no lado externo e sustentarão as outras.” Dito isso, continuou: “Vamos embora. Dentro de dois dias voltaremos, limparemos essas pedras e as colocaremos na construção. E preciso limpar tudo ao redor da torre, pois, se o proprietário vier de improviso e encontrar tudo sujo ao redor da torre, ficará irritado. Nesse caso, essas pedras não entrariam na construção da torre, e aos olhos do proprietário eu pareceria negligente.” Dois dias depois, voltamos à torre e ele me disse: “Examinemos todas as pedras e vejamos quais delas podem entrar na construção.” Eu respondi: “Sim, senhor, vamos examiná-las”.

 

CAPÍTULO 85:

 

Para começar, examinamos primeiro as pedras negras. Da forma como foram retiradas da torre, assim as encontramos. O pastor ordenou que fossem levadas embora da torre e colocadas à parte. Depois, examinou as corroídas. Pegou muitas delas, lavrou-as e ordenou que as virgens as levantassem e as colocassem na construção. As virgens as levantaram e as colocaram no interior da construção da torre. Ele ordenou então que as restantes fossem colocadas com as pretas, pois elas também foram encontradas pretas. Em seguida, examinou as fendidas. Lavrou muitas e mandou que as virgens as levassem para a construção. Puseram-nas, porém, no lado externo, pois eram mais sólidas. As outras, como tinham muitas fendas, não puderam ser lavradas e, por isso, foram excluídas da construção da torre. Examinou depois as mutiladas. Entre elas se encontraram muitas pedras pretas, e algumas com grandes fendas, e ele mandou que também essas fossem colocadas com as rejeitadas. Quanto às restantes, ele as limpou, lavrou e mandou colocar na construção. As virgens as levantaram e as ajustaram no meio da construção, pois eram muito fracas. Depois, examinou as meio brancas e meio pretas, e muitas delas foram encontradas pretas. Mandou que também essas fossem levantadas e colocadas junto com as que tinham sido rejeitadas. Todas as outras foram levantadas pelas virgens. Como eram brancas, foram ajustadas à construção pelas próprias virgens. Foram postas no lado externo da muralha, pois foram encontradas sólidas, de modo que podiam sustentar as que eram colocadas no meio. Nada foi cortado delas. Em seguida, examinou as que eram duras e ásperas, e algumas delas foram rejeitadas; não era possível lavra-las, porque eram muito duras. As outras foram lavradas, levantadas pelas virgens, e ajustadas no interior da construção da torre, pois eram mais fracas. Em seguida, ele examinou as que tinham manchas, e delas poucas ficaram pretas e foram rejeitadas com as outras. As que restaram foram encontradas brilhantes e sólidas, ajustadas pelas virgens à construção; foram colocadas no lado externo, porque eram resistentes.

 

CAPÍTULO 86:

 

Em seguida, ele foi examinar as pedras brancas e redondas, e me disse: “Que faremos com essas pedras?” Eu respondi: “Que sei eu, senhor?” (Ele continuou:) “Não tens nenhuma ideia sobre isso?” Eu respondi: “Senhor, não conheço esse ofício, não sou talhador de pedras, nem consigo entender nada.” Ele continuou: “Não vês que elas são redondas e que, se eu quiser deixá-las quadradas, será preciso cortar bastante? Contudo, é preciso que algumas delas entrem na construção.” Eu perguntei: “Senhor, se é necessário, por que te preocupas? Por que não escolhes para a construção aquelas que preferes e as ajustas na construção?” Ele escolheu as maiores e mais brilhantes delas, e as lavrou. As virgens as levantaram e as ajustaram no lado externo da construção. As restantes foram levantadas e colocadas na planície, de onde tinham sido tiradas. Não foram, porém, reprovadas. Ele me disse: “Porque resta ainda um pouco da torre para construir, e o proprietário dela quer de todo modo que essas pedras sejam ajustadas à construção, pois são muito brilhantes.” Então ele chamou doze mulheres muito belas, vestidas de preto e cingidas, com os ombros descobertos e os cabelos soltos. Elas me pareceram selvagens, e o pastor ordenou que levantassem as pedras rejeitadas da construção e as levassem para as montanhas de onde tinham sido tiradas. EIas as levantaram, alegres, e transportaram todas e as puseram no lugar de onde haviam sido tiradas. Quando todas as pedras foram retiradas, e não restou nenhuma pedra ao redor da torre, o pastor me disse: “Percorramos ao redor da torre, para ver se não há nenhum defeito.” Dei a volta com ele. Vendo que a torre era bela em sua construção, o pastor ficou muito contente. Com efeito, a torre era tão bem construída, que eu experimentei o desejo de habitá-la, pois ela era construída como se fosse uma pedra única, sem a mínima juntura. A pedra parecia ter sido cortada da rocha, pois me parecia formar um único bloco.

 

CAPÍTULO 87:

 

Andando com ele, eu estava contente de ver coisas tão boas. E o pastor me disse: “Vai me buscar cal e cacos para igualar as formas das pedras que foram levantadas e empregadas na construção. E preciso que todo o contorno da torre fique igualado.” Fiz conforme ele ordenou e lhe trouxe tudo. Ele pediu: “Ajuda-me, para que a obra fique logo terminada.” Então ele igualou as formas das pedras que entraram na construção; depois mandou varrer e limpar ao redor da torre. As virgens pegaram vassouras e varreram, tirando toda a sujeira da torre, e espalharam água. Então o lugar da torre ficou alegre e muito belo. O pastor me disse: “Tudo foi lavado. Se o proprietário vier examinar a torre, não terá nada a nos reprovar.” Dito isso, queria ir embora. Eu, porém, o segurei pelo bornal e comecei a conjurá-lo, pelo Senhor, que me explicasse o que me mostrara. Ele me disse: “Ainda tenho coisas para fazer. Depois te explicarei tudo. Espera-me aqui até que eu volte.” Eu lhe perguntei: “Senhor, que farei aqui sozinho?” Ele respondeu: “Não estás sozinho. As virgens estão contigo.” Eu lhe pedi: “Recomenda-me então a elas.” Então o pastor as chamou, e lhes disse: “Confio a vós este homem, até que eu volte.” E foi embora. Fiquei sozinho com as virgens. Elas estavam muito contentes, e me trataram com muita atenção, principalmente as quatro mais gloriosas.

 

CAPÍTULO 88;

 

As virgens me disseram: “O pastor não voltará aqui hoje.” Eu perguntei: “Então, o que é que eu faço?” Elas responderam: “Espera-o até à tarde. Se ele vier, falará contigo; se não vier, ficarás até que ele volte.” Eu lhes disse: “Vou esperá-lo até à tarde. Se não vier, voltarei para casa e retornarei amanhã de manhã.” Elas responderam: “Foste confiado a nós. Portanto, não podes sair de perto de nós.” Eu perguntei: “Onde ficarei?” Elas responderam: “Dormirás conosco, como irmão, e não como marido, pois tu és nosso irmão e, doravante, habitaremos contigo, porque te amamos muito.” Eu fiquei envergonhado de permanecer com elas. Então, aquela que me parecia ser a primeira delas começou a beijar-me e abraçar-me. As outras, vendo-a abraçar-me, começaram também a beijar-me, a andar ao redor da torre e a brincar comigo. De minha parte, eu me senti rejuvenescido, e também comecei a brincar com elas. Umas formavam coros de danças, outras dançavam e outras cantavam. Eu fiquei em silêncio, passeava com elas ao redor da torre, e estava alegre com elas. Chegando a tarde, quis retirar-me para casa. Elas, porém, não me deixaram e me retiveram. Fiquei com elas à noite e dormi perto da torre. As virgens estenderam no chão suas túnicas de linho e me fizeram deitar no meio delas. E nada mais fizeram do que rezar. Eu comecei a rezar sem cessar com elas, e não menos que elas. As virgens se alegraram, vendo-me rezar assim. Permaneci aí com as virgens até à manhã seguinte, pela décima hora. Em seguida, o pastor chegou e perguntou: “Não lhe fizestes nenhuma insolência?” Elas responderam: “Pergunta a ele mesmo.” Eu lhe respondi: “Senhor, estou muito contente de ter ficado com elas.” Ele me perguntou: “O que você comeu?” Eu respondi: “Comi palavras do Senhor a noite inteira.” Ele perguntou: “Elas te receberam bem?” Eu respondi: “Sim, senhor.” EIe continuou: “Agora, o que queres ouvir em primeiro lugar?” Eu disse: “Senhor, quero ouvir na mesma ordem que me mostraste desde o começo. Peço-te, senhor, que me expliques à medida que eu for perguntando.” Ele me disse: “Explicarei como quiseres e não esconderei de ti absolutamente nada.”

 

CAPÍTULO 89:

 

Eu perguntei: “Antes de tudo, explica-me o que representam a rocha e a porta.” Ele me respondeu: “A rocha e a porta são o Filho de Deus.” Eu continuei: “Como é que a rocha é antiga e a porta é recente?” Ele explicou: “Escuta, homem insensato, e compreende. O Filho de Deus nasceu antes de toda a criação, embora ele tenha sido o conselheiro de seu Pai para a criação. E por isso que a rocha é antiga.” Eu lhe perguntei: “E por que a porta é nova, senhor?” Ele respondeu: “Por que ele se manifestou nos últimos dias da consumação. Aporta foi feita recentemente, para que os que devem salvar-se entrem por ela no Reino de Deus.” Viste que as pedras que passaram pela porta foram utilizadas na construção da torre, mas as que não passaram por ela foram rejeitadas para seu antigo lugar?” Eu respondi: “Sim, senhor, eu vi.” Ele continuou: “Da mesma forma, ninguém entrará no Reino de Deus, se não tiver recebido o seu nome santo. Se quiseres entrar numa cidade e ela for cercada de muralhas e só houver uma porta, poderias entrar nela sem ser pela única porta que tem?” Eu respondi: “Como poderia ser de outra maneira, senhor?” Ele continuou: “Da mesma forma que não poderias entrar na cidade a não ser pela sua porta, também o homem não pode entrar no Reino de Deus senão pelo nome de seu Filho amado. Viste a multidão que construía a torre?” Eu respondi: “Sim, senhor, eu vi.” Ele continuou: “Todos eles são anjos gloriosos. E por meio deles que o Senhor foi cercado com muralha. A porta é o Filho de Deus. É a única entrada para o Senhor. Ninguém chegará até ele, senão por meio de seu Filho. Viste os seis homens e, no meio deles, um homem grande e glorioso, que andava ao redor da torre e que rejeitou como indignas as pedras da construção?” Eu disse: “Sim, senhor, eu vi.” Ele explicou: “O homem glorioso é o Filho de Deus, e os outros seis são os anjos gloriosos que o escoltam, à sua direita e à sua esquerda. Sem ele, nenhum desses anjos gloriosos poderá entrar para junto de Deus. Quem não tiver recebido o nome dele, não entrará no Reino de Deus.”

 

CAPÍTULO 90:

 

Eu perguntei: “O que é a torre?” Ele disse: “A torre é a Igreja”. (Eu perguntei:) “E quem são as virgens?” Ele respondeu: “São espíritos santos. Um homem não pode entrar de outra forma no Reino de Deus, se essas virgens não o revestirem com a própria veste delas. Se receberes apenas o nome, mas não a veste, nada adiantará, porque essas virgens são os poderes do Filho de Deus. Se levas o nome, mas não a força dele, é em vão que serás o portador do nome. As pedras que viste rejeitadas, são as pessoas que levaram o nome, mas não foram revestidas com as vestes das virgens.” Eu perguntei: “Senhor, qual é a veste delas?” Ele, respondeu: “O próprio nome delas é sua veste. Aquele que leva o nome do Filho de Deus, deve levar também os nomes delas, porque o próprio Filho de Deus leva o nome dessas virgens. Todas as pedras que viste entrar na construção da torre, levadas pela mão delas, e aí permanecem, são pessoas revestidas com o poder dessas virgens. Por isso vês a torre formar um só bloco com a rocha. O mesmo acontece com os que acreditaram no Senhor por meio do seu Filho e, revestidos com esses espíritos, formarão um só espírito, um só corpo, e suas vestes terão uma só cor. Tais pessoas que portam o nome das virgens têm sua morada na torre.” Eu perguntei: “Senhor, e as pedras que foram rejeitadas? Por que o foram? Elas tinham passado pela porta e foram colocadas na construção da torre pela mão das virgens.” Ele respondeu: “Uma vez que te preocupas de tudo e pesquisas acuradamente, escuta o que se refere às pedras rejeitadas. Todos esses indivíduos receberam o nome do Filho de Deus e também o poder das virgens. Acolhendo esses espíritos, eles foram fortalecidos e se encontraram entre os servos de Deus. Tinham um só espírito, um só corpo e uma só veste, pois todos pensavam a mesma coisa e praticavam a justiça. Depois de certo tempo, porém, foram seduzidos pelas mulheres que viste vestidas de preto, com os ombros descobertos, cabelos soltos e belos. Vendo-as, eles as desejaram e se revestiram com o poder delas, rejeitando a veste e o poder das virgens. Esses foram rejeitados da casa de Deus e entregues a essas mulheres. Mas os que não se deixaram seduzir pela beleza delas, permaneceram na casa de Deus. Aí tens a explicação das pedras rejeitadas.”

 

CAPÍTULO 91:

 

Eu perguntei: “Senhor, se esses homens, mesmo que sejam assim, fizerem penitência, rejeitarem o desejo por essas mulheres e voltarem às virgens, andando conforme seus poderes e suas obras não entrarão na casa de Deus?” Ele respondeu: “Eles entrarão se renunciarem às obras dessas mulheres, assumirem o poder das virgens e andarem em suas obras. Houve uma pausa na construção, justamente para que eles pudessem, no caso de se arrependerem, entrar de novo na construção da torre. Caso não fizerem penitência, outros entrarão, e eles serão definitivamente rejeitados.” Dei graças ao Senhor por todas essas coisas, por se ter compadecido de todos os que são chamados pelo nome dele, por nos ter enviado o anjo da penitência, a nós que pecamos contra ele; por ter concedido nova vida, a nós que já estávamos corrompidos e sem esperança de viver. Eu disse: “Agora, Senhor, explica-me por que a torre não está construída no chão, mas sobre a rocha e sobre a porta.” Ele respondeu: “Ainda és idiota e insensato!” Eu repliquei: “Senhor, tenho necessidade de perguntar tudo, pois não consigo compreender absolutamente nada. Essas coisas são grandes, gloriosas e difíceis para os homens compreenderem.” Ele explicou: “Escuta. O nome do Filho de Deus é grande, imenso e sustenta o mundo inteiro. Se toda a criação é sustentada pelo Filho de Deus, o que pensar então daqueles que foram chamados por ele, que levam o nome do Filho de Deus e andam conforme os seus mandamentos? Estás vendo, portanto, os que ele sustenta? São os que levam o seu nome de todo o coração. Por isso, ele se constituiu alicerce deles e, para ele é uma alegria sustentá-los, pois eles não se envergonham de levar o nome dele.”

 

CAPÍTULO 92:

 

Eu pedi: “Senhor, dize-me o nome das virgens e das mulheres trajadas de preto.” Ele respondeu: “Escuta o nome das virgens mais fortes, que estão nos ângulos (da porta). A primeira é a Fé; a segunda, a Temperança; a terceira, a Força; a quarta, a Paciência. As outras, colocadas entre as primeiras, chamam-se: Simplicidade, Inocência, Castidade, Alegria, Verdade, Inteligência, Concórdia, Caridade. Aquele que leva esses nomes e também o nome do Filho de Deus, poderá entrar no Reino de Deus. Escuta também os nomes das mulheres trajadas de preto. Quatro delas são mais fortes: a primeira é a Incredulidade; a segunda, Intemperança; a terceira, Desobediência; a quarta, Engano. As que se seguem chamam-se: Tristeza, Maldade, Dissolução, Cólera, Falsidade, Insensatez, Maledicência e Ódio. O servo de Deus que leva esses nomes verá o Reino de Deus, mas nele não entrará.” Eu perguntei: “Senhor, e as pedras que saíram do abismo e foram ajustadas à construção? Quem são elas?” Ele respondeu: “As dez primeiras, colocadas no alicerce, é a primeira geração; as vinte e cinco seguintes são a segunda geração de homens justos; as trinta e cinco seguintes são os profetas de Deus e seus servos; as quarenta são os apóstolos e doutores que anunciaram o Filho de Deus.” Eu perguntei: “Senhor, por que as virgens passaram as pedras pela porta, para entregá-las aos construtores da torre?” Ele respondeu: “Porque eles foram os primeiros a levar esses espíritos e não se separaram uns dos outros; nem os espíritos se separaram dos homens; nem os homens, dos espíritos. Os espíritos permaneceram com eles até à morte. Se não levassem em si esses espíritos, tais homens não teriam sido úteis à construção da torre.”

 

CAPÍTULO 93:

 

Eu pedi: “Senhor, explica-me mais ainda.” Ele respondeu: “O que procuras mais?” Eu continuei: “Senhor, por que as pedras tiveram que subir do fundo, para ser colocadas na construção da torre, embora tivessem esses espíritos?” Ele respondeu: “Era preciso que saíssem da água, para receber a vida. Elas não podiam entrar no Reino de Deus, senão deixando a mortalidade da vida anterior. Tais mortos receberam o selo do Filho de Deus e entraram no Reino de Deus. De fato, antes de levar o nome do Filho de Deus o homem está morto. Quando recebe o selo, deixa a morte e retoma a vida. O selo é a água: eles descem à água e daí saem vivos. Também a eles foi anunciado esse selo, e eles o usaram para entrar no Reino de Deus.” Eu perguntei: “Senhor, por que as quarenta pedras também sobem com eles do abismo, visto que estas já haviam recebido o selo?” Ele respondeu”. “Porque esses apóstolos e doutores que anunciaram o nome do Filho de Deus, adormecidos no poder e na fé do Filho de Deus, o anunciaram também àqueles que tinham morrido antes deles, e lhes deram o selo do anúncio. Desceram com eles à água e novamente subiram. Contudo, desceram vivos e subiram vivos, enquanto os que estavam mortos antes deles desceram mortos e subiram vivos. E graças a eles que estes últimos receberam o nome do Filho de Deus. Por isso, subiram com eles, foram ajustados à construção da torre, e colocados sem ser lavrados, porque morreram na justiça e na pureza. Apenas não tinham o selo. Agora tens a explicação dessas coisas.” Eu respondi: “Sim, senhor.”

 

CAPÍTULO 94:

 

(Eu perguntei): “Senhor, explica-me agora a respeito das montanhas. Por que são tão diferentes entre si e suas formas variadas?” Ele respondeu: “Escuta. Essas doze montanhas são as doze tribos, que habitam o mundo inteiro. O Filho de Deus lhes foi anunciado por meio dos apóstolos.” (Eu pedi): “Porque as montanhas têm formas variadas entre si? Explica-me, senhor.” Ele respondeu: “Escuta. Essas doze tribos que habitam o mundo inteiro são doze nações. Elas são diferentes no sentimento e no pensamento. Assim como são diversas as montanhas que vês, também o são as qualidades do pensamento e do sentimento das nações. Eu te explicarei, porém, o comportamento de cada uma em particular.” Eu pedi: “Senhor, explica-me primeiramente porque, apesar da diversidade dessas montanhas, as pedras, quando colocadas na construção, se tornaram brilhantes e com a mesma cor branca, como as pedras que subiram do abismo.” Ele me respondeu: “E porque todas as nações que habitam debaixo do céu, tendo ouvido e acreditado, foram chamadas com o nome do Filho de Deus. Depor de terem recebido o selo, tiveram todas um só sentimento e um só pensamento, uma só fé e uma só caridade. Com o nome levaram também os espíritos das virgens. Por isso, a construção da torre tornou-se de uma só cor, brilhante como o sol. Mas, depois de terem entrado para o mesmo lugar e terem formado um só corpo, alguns deles se contaminaram. Foram excluídos do povo dos justos e se tornaram como antes, ou talvez piores.”

 

CAPÍTULO 95:

 

Eu perguntei: “Senhor, como puderam tornar-se piores, depois de conhecer a Deus?” Ele respondeu: “Aquele que não conhece a Deus e pratica o mal, merece alguma punição por seu mal. Contudo, aquele que conhece a Deus não deve praticar o mal, e sim o bem. Se aquele que deve praticar o bem, pratica o mal, não te parece que comete erro maior do que aquele que não conhece a Deus? Por isso, aqueles que não conhecem a Deus e praticam o mal, são condenados à morte. Mas os que conhecem a Deus, que viram sua grandeza, e ainda praticam o mal, serão duplamente castigados, e morrerão para sempre. É desse modo que a Igreja de Deus será purificada. Viste essas pedras tiradas da torre, entregues aos espíritos maus e rejeitadas dela. Aqueles que tiverem sido purificados, formarão um só corpo. Desse modo, a torre, depois de purificada, ficou aparentemente como de uma só pedra. Igualmente acontecerá com a Igreja de Deus, depois que for purificada e forem expulsos os maus, os hipócritas, os blasfemadores, os vacilantes e os que tiverem praticado todo tipo de mal. Depois da exclusão deles, a Igreja de Deus será um só corpo, um só sentimento, um só pensamento, uma só fé, uma só caridade. Então, o Filho de Deus se alegrará e se regozijará com eles por ter encontrado puro o seu povo.” Eu disse: “Senhor, tudo isso é grande e glorioso. Mas agora, Senhor, mostra-me o poder e a conduta de cada uma das montanhas, a fim de que cada alma fiel ao Senhor, ouvindo isso, glorifique o seu nome grande, admirável e glorioso.” Ele respondeu: “Escuta a respeito da diversidade das montanhas e das doze nações.”

 

CAPÍTULO 96:

 

“Os fiéis que vieram da primeira montanha, a preta, são apóstatas, pessoas que blasfemaram contra o Senhor e traíram os servos de Deus. Para esses não há penitência, mas a morte; são pretos porque é geração sem lei. Os fiéis que vieram da segunda montanha, a seca, são hipócritas e mestres do mal. São semelhantes aos anteriores: não produziam nenhum fruto de justiça. Com efeito, assim como a montanha deles é infrutífera, tais homens possuem o nome, mas são vazios de fé, e neles não há nenhum fruto de verdade. A penitência é possível para eles, caso se arrependam logo; porém, se tardarem, a morte será o destino deles, junto aos primeiros.” Eu perguntei: “Senhor, por que existe penitência para estes, enquanto para os primeiros não? Até certo ponto, as ações deles são semelhantes.” Ele respondeu: “A penitência é possível para eles, porque não blasfemaram o seu Senhor, nem traíram os servos de Deus. Agiram hipocritamente pelo desejo do lucro, e cada um ensinou conforme os desejos dos homens pecadores. Por isso, sofrerão alguma pena. Para eles há possibilidade de penitência, porque não foram blasfemadores, nem traidores.”

 

CAPÍTULO 97:

 

“Os fiéis que vieram da terceira montanha, a coberta de espinhos e cardos, são estes: alguns deles são ricos e outros enredados em numerosos negócios. Os cardos simbolizam os ricos, e os espinhos são os que se enredaram em múltiplos negócios. Estes últimos, enredados em múltiplos negócios, não se ligam aos servos de Deus, mas se extraviam, afogados em seus negócios. Os ricos dificilmente se ligam aos servos de Deus, porque temem que alguém lhes peça alguma coisa e, por isso, dificilmente entrarão no Reino de Deus. Assim como é difícil andar descalço sobre os cardos, também o é para eles entrar no Reino de Deus. Todavia, para todos esses existe possibilidade de penitência, com a condição de que seja logo, para recuperar nesses dias o que não fizeram no passado, e assim praticar alguma coisa boa. Se fizerem penitência e praticarem algo de bom, viverão em Deus; mas, se persistirem obstinados em suas obras, serão entregues àquelas mulheres que os matarão.”

 

CAPÍTULO 98:

 

“Os fiéis que vieram da quarta montanha, a que possui muita vegetação verde na ponta e seca perto das raízes, e alguma ressequida pelo sol, são os seguintes: alguns são vacilantes, outros têm o Senhor nos lábios, mas não no coração. Por isso, a base deles é seca e sem força; somente suas palavras são vivas, mas suas obras são mortas. Tais pessoas não estão vivas, nem mortas; são parecidas com os vacilantes, que não são nem verdes, nem secos, pois eles não vivem nem estão mortos. Assim como essa vegetação seca ao ver o sol, também os vacilantes, quando ouvem falar de perseguição, por causa de sua covardia, sacrificam aos ídolos e se envergonham do nome do seu Senhor. Eles, portanto, nem vivem, nem estão mortos. Contudo, também eles, se fizerem logo penitência, viverão; se não fizerem penitência, porém, já estão entregues às mulheres que lhes tirarão a vida.”

 

CAPÍTULO 99:

 

“Os fiéis que vieram da quinta montanha, que tinha vegetação verde e era pedregosa, são os seguintes: indóceis, arrogantes, cheios de si; querem saber tudo, mas não sabem nada. Por causa de sua presunção, a inteligência se afastou deles e a loucura insensata neles penetrou. Gabam-se de como se tivessem inteligência e desejam ser mestres, quando são apenas insensatos. Por causa desse orgulho, muitos, enaltecendo a si mesmos, acabaram se esvaziando. De fato, a presunção e a vaidade são um grande demônio. Muitos deles, foram rejeitados; alguns fizeram penitência, creram e, reconhecendo sua própria insensatez, submeteram-se aos que têm inteligência. Os outros também ainda podem fazer penitência, pois não eram maus, mas idiotas e insensatos. Se fizerem penitência, viverão em Deus; mas, se não fizerem penitência, habitarão com as mulheres que lhes fazem mal.”

 

CAPÍTULO 100:

 

“Os fiéis que vieram da sexta montanha, a que tem grandes e pequenas fendas e vegetação murcha nas fendas, são os seguintes: os que têm pequenas fendas são os que guardam algum rancor mútuo e, por causa de suas maledicências recíprocas, estão murchos na fé. Muitos deles, porém, fizeram penitência; outros a farão quando ouvirem os meus mandamentos, pois suas maledicências são pequenas e eles se arrependerão logo. Os que têm grandes fendas, obstinam-se na maledicência, tornam-se rancorosos e furiosos uns com os outros. Esses foram rejeitados para longe da torre e julgados indignos da sua construção. Tais homens dificilmente viverão. Deus nosso Senhor, que domina tudo e tem poder sobre toda a sua criação, não guarda rancor para com os que confessam seus pecados. Se ele é misericordioso, por que o homem, que é mortal e cheio de pecados, guarda rancor contra o homem, como se tivesse poder de destruí-lo ou salvá-lo? Eu, o anjo da penitência, vos digo: Vós que tendes essa tendência, afastai-a e fazei penitência. O Senhor curará vossos pecados passados, se vos purificardes desse demônio; caso contrário, sereis entregues a ele para a morte.”

 

CAPÍTULO 101:

 

“Os fiéis da sétima montanha, onde crescia vegetação verde e viçosa, e onde tudo era exuberante, todo tipo de rebanho e aves se alimentavam da vegetação dessa montanha, e cuja vegetação, quanto mais era cortada, mais abundante brotava, são os seguintes: aqueles que sempre foram simples, inocentes, felizes, sem rancor mútuo, sempre satisfeitos com os servos de Deus e revestidos com o santo espírito dessas virgens, sempre cheios de compaixão para com todos os homens e, graças a seus esforços, puderam socorrer a todos, sem altivez e sem hesitação. O Senhor, vendo sua simplicidade e candura, multiplicou o fruto do trabalho de suas mãos e os favoreceu em todas as ações. Eu, o anjo da penitência, digo a vós que assim sois: permanecei assim, e vossa descendência jamais será destruída. Com efeito, o Senhor vos experimentou e vos inscreveu no número dos nossos, e toda a vossa posteridade habitará com o Filho de Deus, pois recebestes do seu Espírito.”

 

CAPÍTULO 102:

 

“Os fiéis que vieram da oitava montanha, cheia de fontes, nas quais ia beber toda a criação do Senhor, são os seguintes: apóstolos e doutores que anunciaram no mundo inteiro e que ensinaram, com santidade e pureza, a palavra do Senhor. Não se deixaram de modo algum desviar por paixão má, mas sempre caminharam na justiça e na verdade, conforme o Espírito Santo que receberam. O lugar desses homens é ao lado dos anjos.”

 

CAPÍTULO 103:

 

“Os fiéis que vieram da nona montanha, repleta de répteis e feras que causam a morte do homem, são os seguintes: aqueles que têm manchas são diáconos que administraram mal a sua função, roubando a subsistência de viúvas e órfãos Enriqueceram-se com os recursos que receberam para socorrer. Se continuarem nessa ambição, já estão mortos e não têm mais nenhuma esperança de viver. Contudo, se fizerem penitência e desempenharem retamente seu ministério, poderão viver. Os que têm sarna são aqueles que renegaram seu Senhor e não se converteram a ele. Tornando-se áridos e solitários, não se vinculam aos servos de Deus, mas vivem isolados e perdem a vida. A vinha abandonada em alguma parte degenera por falta de cuidados; sufocada pelas ervas daninhas, com o tempo ela se torna selvagem, e seus frutos não são mais úteis para o seu dono. Da mesma forma, esses homens, abandonados a si mesmos, tornam-se selvagens e inúteis para o seu Senhor. Eles ainda podem fazer penitência, se não tiverem de coração renegado o Senhor; contudo, se alguém o tiver renegado de coração, não sei se poderá viver. O que digo não vale para o tempo presente, de modo que alguém o negue e faça penitência. Para aqueles que o renegaram no passado é que parece haver possibilidade de penitência. Portanto, se alguém quiser fazer penitência, que a faça logo, antes que a torre esteja terminada. Caso contrário, será morto pelas mulheres. Os mutilados são os espertos e maledicentes; eles são as feras que viste na montanha. Essas feras, com seu veneno, matam e destroem o homem. Da mesma forma, as palavras dessas pessoas envenenam o homem e o fazem morrer. Eles estão mutilados na fé, por causa da conduta que assumem. Alguns fizeram penitência e foram salvos; os outros, sendo como são, podem ser salvos, se se arrependerem. Se não fizerem penitência, morrerão vitimados pelas mulheres, das quais têm o poder.”

 

CAPÍTULO 104:

 

“Os fiéis que vieram da décima montanha, onde as arvores abrigavam ovelhas, são os seguintes: bispos e pessoas hospitaleiras, que sempre receberam com prazer os servos de Deus em sua casa, sem nenhuma hipocrisia. Os bispos, com seu ministério, continuamente protegeram os necessitados e as viúvas, e sempre levaram vida pura. Eles serão, por sua vez, protegidos pelo Senhor, para sempre. Os que assim agiram são gloriosos junto de Deus; seu lugar já é junto com os anjos, se perseverarem até o fim no serviço ao Senhor.

 

CAPÍTULO 105:

 

“Os fiéis que vieram da décima primeira montanha, cujas árvores estavam cheias de frutos de várias espécies, são os seguintes: homens que sofreram por causa do nome do Filho de Deus, que sofreram corajosamente, de todo o coração, entregando a própria vida.” Eu perguntei: “Senhor, por que todas essas árvores têm frutos e, algumas delas, frutos mais belos?” Ele respondeu: “Escuta. Todos aqueles que sofreram por causa do Nome são gloriosos junto de Deus. Os pecados de todos eles foram perdoados, porque sofreram por causa do nome do Filho de Deus. Escuta, porém, por que os frutos deles são variados, e alguns deles melhores. Aqueles que foram arrastados diante das autoridades, submetidos a interrogatórios e não renegaram, mas sofreram corajosamente, são muito mais gloriosos junto do Senhor, e o fruto deles é o melhor. Aqueles, porém, que tremeram e hesitaram e interrogavam no coração se renegariam ou confessariam, e sofreram, esses levam frutos inferiores, por lhes ter entrado essa intenção no coração. Com efeito, é má intenção um servo renegar seu próprio Senhor. Vigiai, portanto, vós que tendes essa intenção, para que ela não permaneça em vosso coração, e morrais para Deus. Vós que sofreis por causa do Nome deveis glorificar a Deus, por vos ter julgado dignos de levar seu nome e ser curados de todos os vossos pecados. Felicitai-vos, portanto, e crede também que realizastes grande obra, quando algum de vós sofrer por causa de Deus. O Senhor vos agracia com a vida, e vós não compreendeis. De fato, os vossos pecados se tornaram pesados, e se não sofrêsseis pelo nome do Senhor, estaríeis mortos para Deus por causa de vossos pecados. Digo isso a vós que hesitais em negar ou confessar. Confessai que tendes um Senhor, pois, se o negardes, sereis entregues à prisão. Se os pagãos punem o escravo que renega seu senhor, o que pensais que fará convosco o vosso Senhor, que tem poder sobre todas as coisas? Afastai esses desejos de vossos corações, a fim de viver eternamente para Deus.”

 

CAPÍTULO 106:

 

“Os fiéis que vieram da décima segunda montanha, a branca, são os seguintes: são como crianças pequeninas, em cujo coração não entra maldade nenhuma. Eles nem sequer sabem o que é o mal, e sempre permaneceram na inocência. Tais homens certamente habitarão no Reino de Deus, pois em nada violaram os mandamentos de Deus, mas perseveraram todos os dias de sua vida na inocência e no mesmo sentimento. Todos vós que assim perseverardes e fordes sem malícia, como crianças pequenas, sereis mais gloriosos do que todos os anteriores. Com efeito, todas as crianças são gloriosas diante de Deus e os primeiras diante dele. Felizes, portanto, sereis vós, se arrancardes de vós mesmos o mal e vos revestirdes da inocência, pois sereis os primeiros de todos a viver em Deus.” Depois que ele terminou (de explicar) as parábolas a respeito das montanhas, eu lhe pedi: “Senhor, explica-me agora o que são as pedras tiradas da planície e colocadas no lugar das pedras que foram tiradas da torre, e também as pedras redondas que foram colocadas na construção, e aquelas que ainda são redondas.”

 

CAPÍTULO 107:

 

Ele respondeu: “Escuta também o sentido de todas essas coisas. As pedras tiradas da planície e que entraram na construção da torre, no lugar das pedras que foram tiradas, são as raízes dessa montanha branca.2 Como os fiéis que vieram dessa montanha branca foram todos encontrados inocentes, o Senhor da torre mandou empregar, na construção da torre, pedras que vieram das raízes dessa montanha. De fato, ele sabia que se essas pedras entrassem na construção da torpe, elas permaneceriam brilhantes, e nenhuma delas escureceria. Se ele tivesse acrescentado pedras vindas de outras montanhas ter-lhe-ia sido necessário examinar e purificar a torre novamente. Estes, porém, foram encontrados brancos, tanto os que creram, como os que creriam, pois eles pertencem à mesma geração. Feliz essa geração, pois ela é inocente! Escuta agora o que se refere às pedras redondas e brilhantes. Elas vêm todas dessa montanha branca. Escuta, porém, por que foram encontradas redondas. Suas riquezas os obscureceram um pouco na verdade e os ofuscaram; porém, nunca se afastaram de Deus, nem saiu palavra má, de sua boca, mas sempre a equidade e a virtude da verdade. Vendo, pela mente deles, que poderiam servir à verdade permanecendo bons, o Senhor mandou cortar suas riquezas, sem as tirar de todo, para que pudessem fazer algum bem com o que lhes restava. Essas pessoas viverão em Deus, porque são de índole boa. E por isso que essas pedras foram cortadas ligeiramente, e depois colocadas na construção dessa torre.”

 

CAPÍTULO 108:

 

“Quanto às outras, que até agora se conservaram redondas e não foram ajustadas à construção, porque não tinham ainda recebido o selo, foram recolocadas em seu lugar; de fato, foram encontradas demasiadamente redondas. É preciso cortá-los deste século e da vaidade de suas riquezas, e então se adaptarão ao Reino de Deus. De fato, é necessário que eles entrem no Reino de Deus, pois o Senhor abençoou essa geração inocente. Dessa geração, ninguém perecerá. Pode ser que alguém deles, seduzido pelo diabo infame, cometa algum pecado e imediatamente recorra a seu Senhor. Eu, o anjo da penitência, vos julgo todos felizes. Sois inocentes como as crianças, pois vossa herança é boa e honrada diante de Deus. Digo a todos vós, que recebestes esse selo: sede simples, esquecei as ofensas, não permaneçais em vossa malícia ou na lembrança amarga das ofensas. Tende um só espírito, remediai e tirai de vós essas más divisões, a fim de que o Senhor das ovelhas se alegre com isso. Ele ficará contente, se encontrar todas as suas ovelhas, e nenhuma transviada. Ai, porém, dos pastores, se ele encontrar transviada alguma delas. Se os próprios pastores forem encontrados desviados, o que poderão dizer ao Senhor do rebanho? Poderão talvez dizer que foram desviados pelas ovelhas? Não se dará crédito a eles, pois é incrível que o pastor sofra alguma coisa por parte das ovelhas. Será mais gravemente punido por causa de sua mentira. Eu também sou pastor, e é preciso que eu preste rigorosamente conta de vós.”

 

CAPÍTULO 109:

 

“Curai-vos, portanto, enquanto a torre ainda está em construção. O Senhor habita nos homens que amam a paz, pois de fato a paz lhe é agradável, e ele se afasta para bem longe dos que brigam e dos que se perderam pela malícia. Devolvei-lhe, portanto, o espírito íntegro, como o recebestes. Se entregas ao lavadeiro uma roupa nova e intacta, esperas recebê-la de volta intacta. Se o lavadeiro te devolver a roupa rasgada, tu a receberás? Não te irritarás e o perseguirás com reprovação, dizendo: “Eu te entreguei uma roupa intacta. Por que a rasgaste, tornando-a inútil? Por causa do rasgão que nela fizeste, agora não pode ser mais usada.” Não dirás tudo isso ao lavadeiro, por causa do rasgão que ele fez em tua roupa? Se ficas aborrecido assim com a tua roupa e te lamentas, por não tê-la recebido intacta, o que julgas que te fará o Senhor, que te deu espírito intacto, e tu o devolves completamente inútil, a ponto de não servir para mais nada ao teu Senhor? De fato, ele se tornou inútil, desde o dia em que o corrompeste. O Senhor desse espírito não te fará morrer por teres feito isso?” Eu respondi: “Certamente. Ele tratará assim todos aqueles que conservarem o rancor.” Ele concluiu: “Não calceis nos pés a clemência dele, mas glorificai-o por ser tão paciente frente aos vossos pecados e por não ser semelhante a vós. Fazei, portanto, penitência útil para vós.”

 

CAPÍTULO 110:

 

Eu, o pastor, o anjo da penitência, mostrei e expliquei aos servos de Deus todas essas coisas, que estão acima escritas. Portanto, podereis viver se acreditardes e ouvirdes as minhas palavras, se caminhardes nelas e corrigirdes os vossos caminhos. No entanto, se permanecerdes na malícia e no rancor, não vivereis em Deus. Tudo o que devia dizer, eu vos disse. Então o pastor me disse: “Fizeste-me todas as perguntas?” Eu respondi: “Sim, senhor.” (Então ele me perguntou:) “Por que não me perguntaste sobre a forma das pedras recolocadas na construção, das quais melhoramos as formas?” Eu respondi: “Senhor, eu esqueci.” Ele explicou: “Escuta agora sobre elas. São aqueles que ouviram os meus mandamentos e fizeram penitência de todo o coração. Tendo visto que a penitência deles era boa e pura, e que podiam nela perseverar, o Senhor mandou apagar seus pecados anteriores. Aquelas formas eram os pecados deles, e foram igualadas, para que não aparecessem mais.”

 

A DÉCIMA PARÁBOLA:

 

CAPÍTULO 111:

 

Quando terminei de escrever este livro, o anjo que me confiara a esse pastor, veio à casa onde eu me encontrava, e sentou sobre o leito. O pastor apareceu de pé à direita. Então o anjo me chamou, e disse: “Eu te confiei a esse pastor a ti e à tua casa, para que fosses protegido por ele.” Eu respondi: “Sim, senhor.” Ele continuou: “Se queres, portanto, ser protegido de toda tribulação e violência, ter sucesso em toda boa obra e palavra, e ter toda a virtude da equidade, caminha nos seus mandamentos que te dei, e poderás dominar todo mal. Com efeito, se guardares os seus mandamentos, toda ambição e delícias deste mundo serão dominadas, e o sucesso te acompanhará em toda boa obra. Acolhe em ti a sua santidade e a sua modéstia e dize a todos que ele goza de grande honra e dignidade junto ao Senhor. Ele detém grande poder, e a sua função é forte. Somente a ele foi conferido o poder da penitência para o mundo inteiro. Não te parece poderoso? Mas vós desprezais a sua santidade e moderação, que ele tem para convosco.”

 

CAPÍTULO 112:

 

Eu disse: “Senhor, pergunta ao pastor se eu fiz alguma coisa errada desde que ele está em minha casa.” O anjo respondeu: “(quanto a mim, sei que não fizeste nada de errado e que também não o farás. Eu te digo isso para que perseveres. O pastor disse-me que tem boa impressão de ti. Quanto a ti, transmitirás essas palavras aos outros, para que aqueles que fizeram ou estão para fazer penitência, tenham os mesmos sentimentos que tu. Dessa forma, o pastor falará bem deles para mim, e eu ao Senhor.” Eu disse: “Senhor, de minha parte mostrarei a todo homem as grandezas do Senhor. E espero que todos os que outrora pecaram, ao ouvirem essas coisas, façam espontaneamente penitência, para recuperar a vida.” Ele me disse: “Permanece nessa missão, realizando-a até o fim. Todos aqueles que praticam os mandamentos do pastor, terão vida e grande honra junto ao Senhor. Por outro lado, todos aqueles que não observam seus mandamentos, afastam-se da vida e desprezam o pastor. No entanto, o pastor, tem a sua honra junto de Deus. Todos aqueles que o desprezam e não observam seus mandamentos, se entregam à morte, e cada um deles se torna réu do seu próprio sangue. Digo-te mais uma vez: coloca-te a serviço desses mandamentos e terás o remédio para os seus pecados.”

 

CAPÍTULO 113:

 

“Eu te enviei essas virgens, para que habitem contigo; percebi que são afáveis contigo. Tu as tens como auxiliares, de modo que possas observar melhor os mandamentos do pastor. Não é possível observar esses mandamentos, sem essas virgens. Vejo, porém, que elas estão contigo de boa vontade; mas ordenei-lhes que de modo algum se afastem de tua casa. Apenas limpa bem a tua casa, pois elas habitarão com prazerem casa limpa. Elas são limpas e castas, ativas, e todas gozam de grande crédito junto ao Senhor. Portanto, se encontrarem tua casa limpa, permanecerão contigo. Se houver, porém, alguma coisa poluída, imediatamente elas deixarão tua casa, pois essas virgens não gostam de nenhum tipo de poluição.” Eu lhe respondi: “Senhor, espero poder agradar-lhes, de modo que elas habitem sempre em minha casa de boa vontade. O pastor, a quem me confiaste, não se queixa de mim; elas também não se queixarão de mim.” O anjo disse ao pastor: “Vejo que o servo de Deus quer viver, que guardará esses mandamentos, e instalará as virgens numa casa limpa.” Tendo dito isso, confiou-me de novo ao pastor, chamou as virgens e lhes disse: “Como estou vendo que habitais com satisfação na casa desse homem, eu vo-lo recomendo, tanto a ele como à sua casa, para que não vos afasteis da casa dele”. Elas, por sua vez, ouviram com prazer essas palavras.

 

CAPÍTULO 114:

 

Em seguida, ele me disse: “Sê forte nesse ministério, mostra a todos os homens as grandezas do Senhor, e alcançarás a graça nesse ministério. Todo aquele que se comportar conforme esses mandamentos, viverá, e será feliz em sua vida. Por outro lado, quem os deixar à margem, não viverá, e será infeliz em sua vida. Dize a todos que não deixem de fazer tudo o que puderem praticar de bom, porque praticar boas obras é útil para eles. Digo também que é necessário arrancar da miséria todo homem. O necessitado e que sofre revezes em sua vida cotidiana está em grande tormento e angústia. Aquele, pois, que livrar uma pessoa da necessidade, adquire para si uma grande alegria. Com efeito, quem se encontra na miséria, sofre o mesmo tormento e as mesmas torturas que alguém que está na prisão. Muitos, não podendo suportar essas calamidades, se suicidam. Aquele, portanto, que conhece a miséria de tal homem e dela não o retira, comete grande pecado e se torna réu do sangue dele. Fazei, portanto, boas obras, todos vós que recebestes bens do Senhor, para que a construção da torre não termine, enquanto tardais em praticá-las. E por vossa causa que os trabalhos da construção foram interrompidos. Portanto, se não vos apressais em agir bem, a torre será terminada, e vós sereis excluídos dela.” Quando ele terminou de falar comigo, o anjo se ergueu do leito e, tomando consigo o pastor e as virgens, retirou-se. Disse-me, porém, que me enviaria de novo o pastor e as virgens à minha casa. Amém.

 

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Fonte:

 

O Pastor de Hermas. Padre Félix, 2018. Disponível em:

<https://web.archive.org/web/20181112133646/http://www.padrefelix.com.br/patristica.htm>. Acesso em 16 de março de 2022.

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.


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