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Thiago Tamosauskas [1]
É muito fácil encontrar um cristão burro hoje em dia. Ou políticos burros e até filósofos e religiosos burros em geral, e isso a gente meio que até já espera. Mas cristãos… Jesus, eles estão no topo da lista de alguém que você espera que seja burro. Alguém que pode conhecer versículos da bíblia de cor mas não sabe manter uma conversa inteligente por cinco minutos. Alguém que ama respostas e odeia perguntas. Que quer mostrar que sabe tudo e não quer aprender nada. Alguém rápido em negar a existência de qualquer coisa que não esteja no seu credo. Isso ocorre não porque haja um mandamento pra os cristãos sejam intelectualmente preguiçosos, mas porque hoje em dia a preguiça intelectual é a lei – dentro e fora de igreja.
É claro que o título desse artigo é sensacionalista e existem cristãos inteligentes. São geralmente os deslocados, os mal falados, os “insultados, perseguidos”, aqueles de quem é proferido todo tipo de mal, principalmente dentro igreja. O engraçado é que nem sempre foi assim. Apesar de hoje crente burro ser um pleonasmo, por muito tempo as elites da filosofia, das belas artes e das ciências naturais foram cristãs.
O próprio método científico foi um de seus frutos. Todos os continentes e momentos históricos possuíram seus sábios é verdade, mas por mais que isso desagrade os inimigos da igreja antigos e modernos, a Ciência como entendemos hoje nasceu na Europa cristã.
Na literatura, os cristãos Dante, Shakespeare, Cervantes, Camões, Molière e Lutero foram todos considerados pais formadores de seus idiomas. Na música Mozart, Beethoven, Vivaldi e Bach falam por si só.
Na filosofia temos simplesmente Descartes, Hume, Kant, Kierkegaard e eu nem vou começar a falar em Santo Agostinho. Por fim, nas ciências naturais a lista é enorme, mas basta lembrar do triunvirato Newton, Mendeleev e Darwin. Sim, Darwiin! A estampa favorita dos camisetas dos ateus conhecia o credo anglicano de cor e por muito pouco não foi um de seus sacerdotes – “aahhh mas ele acabou optando pela razão” os céticos adoram dizer. É verdade, e quem você acha que ensinou ele a usar a razão em primeiro lugar?
Esse contraste entre o protagonismo intelectual do passado e os bovinos coadjuvantes de hoje lança a questão: que diabos aconteceu? Bom, talvez o diabo tenha mesmo algo a ver com isso, mas deixemos esta hipótese para os teólogos. Existem razões práticas para essa degeneração e para entendê-las será preciso conhecer um pouco da história da igreja.
A ascensão da Escolástica
Desde seus primeiros anos a Igreja teve uma preocupação de criar núcleos de formação para novos cristãos. Mas enquanto hoje isso se resume a decorar uma cartilha, antigamente era um intensivão de humanização para resgatar as pessoas do seu estado natural abaixo dos animais. Olhando para o que existia na época os pais da igreja foram rápidos em reconhecer os benefícios da educação clássica das artes liberais romanas, que por sua vez haviam se inspirado na Paideia Grega e estas nas escolas de Misterios Egípcias. A primeira expressão da educação cristã veio na forma da ‘Escola Catequética de Alexandria’, chamada Didaskaleion para encurtar. Essa escola foi criada pelo próprio São Marcos que escreveu também o mais antigo dos evangelhos da bíblia.
O Didaskaleion foi o primeiro centro formador de padres da Igreja. Vale lembrar que na época ser um padre não era estudar para fazer uma missa ou passar um sermão. Os cristãos eram novidade, as discussões deles eram com outros religiosos, tão crentes quando eles, que seguiam religiões muito mais antigas que as deles. Se eles não estudassem iriam passar vergonha como muitos líderes cristãos passam hoje. Eles não tinham que explicar como Deus iria fazer a mercearia de alguém obter êxito comercial, ou como Deus confortaria alguém de seu sofrimento. Eles tinham que explicar por que um profeta que ninguém ouvira falar (Cristo) e seu Deus era mais legítimo do que Deuses adorados por séculos nas regiões dominantes. Como um único Deus poderia ser mais poderoso do que um panteão, e por ai a fora. A mente do cristão era sua arma mais poderosa já que seus opositores eram mais fortes e poderosos e os sacerdotes pagãos já tinham passado a vida estudando também.
Note que nessa época ainda não havia a Bíblia como a temos hoje, mas uma série de manuscritos avulsos que seriam ou não considerados canônicos anos depois. Assim, não é de se espantar que além das escrituras e das cartas dos pais da igreja os alunos do Didaskaleion também estudassem latim, grego, hebraico, matemática, astronomia, literatura e filosofia greco-romana. Esta escola durou até 381 quando um dia rebeliões furiosas quebraram tudo no Egito em protesto a declaração da primazia do bispado de Roma sobre todos os demais.
A quebradeira não parou ai e com a queda de Roma em 476 o ensino das artes clássicas ficou restrito aos monastérios. Foi como uma espécie de backup da civilização ocidental. Enquanto os bárbaros faziam a festa em franco vandalismo fora dos muros, na parte de dentro os sacerdotes perpetuavam o teorema de Pitágoras e se preparavam para inventar a medicina. Até que finalmente no século X, Alcuíno de Iorque respira fundo e sai dos monastério para fazer algo considerado loucura: educar os bárbaros.
Alcuíno conseguiu convencer Carlos Magno que educando seus homens eles seriam o Novo Império Romano. Ele instituiu então a educação liberal baseada no Trivium (Gramática, Lógica e Retórica) e no Quadrivium (Aritmética, Música, Geometria, Astronomia). O resultado dessa cartada do monge maluco entrou para a história como o Renascimento Carolíngio que, entre outras coisas, deu origem as catedrais e as universidades.
Depois dos Carolingeos veio o Sacro Império Germânico. A esta altura já estava estabelecido que todo grande conquistador além de armas e terras devia primar por possuir também uma elite intelectual. Os imperadores se alternavam mas a Igreja se mantinha sempre indispensável. O que foi chamado de Idade das Trevas pela propaganda protestante do século XVI na verdade testemunhou o nascimento da filosofia natural com a investigação da natureza, a criação de instrumentos como o microscópio e o telescópio cujos princípios são usados até hoje e o trabalho de gênios como Duns Scoto, Guilherme de Ockam, Robert Grosseteste e Roger Bacon. Essa efervescência do conhecimento foi liderada por franciscanos, dominicanos e deste casamento nasceu a chamada Escolástica.
Foi a época de grandes nomes como Pedro Abelardo, Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino. O objetivo da Escolástica era aprofundar o estudo do Trivum e o Quadrivium e organizá-lo em um método de pensamento crítico e aprendizagem baseado na dialética solidamente fundamentada na filosofia. Esse modelo de educação tornou-se dominante em toda Europa e gerou uma das maiores civilizações que o mundo já conheceu.
Este modelo cresceu e atingiu seu ápice nas mãos dos jesuítas quando eles criaram a Ratio Studiorum, um plano de estudos que unificou o que havia de melhor na civilização cristã em sua busca pelo Bom, o Belo e o Verdadeiro.
A Companhia de Jesus inventou barômetros, relógios mecânicos e pantógrafos. Colocaram refletores nos telescópios e com eles viram antes de todo mundo as faixas de Júpiter e os as anéis de Saturno e mapearam as crateras da Lua. Foram os Jesuítas que corrigiram o calendário vingente e criaram uma nova de forma de contar o tempo e estudar História.
Os jesuítas foram grandes matemáticos, botânicos e filósofos e iniciaram a investigação em ciências completamente novas como o magnetismo, a eletricidade e a sismologia. Para que os povos de toda terra habitada pudessem ler os evangelhos eles criaram as primeira gramáticas tupi e os primeiros dicionários japoneses, só para dar alguns exemplos.
A chamada pedagogia inaciana formou homens como São José de Anchieta, São João da Cruz, São Francisco de Sales e São Thomas Moree. Mas não apenas santos se beneficiaram deste conhecimento. Cervantes, Dante, Camões e Shakespeare foram educados por jesuítas, assim como Petrarca, Boticelli, Galileu, Maquiavel, Michellangelo, e Leonardo da Vinci. Neste sentido a Renascença pode ser entendida como o resultado final da filosofia cristã e não uma reação a ela, como é normalmente ensinado.
Além disso todos os grandes gênios do iluminismo como Fermat, Francis Bacon, Descartes, Diderot, Montesquieu, Leibnitz também tiveram tutores jesuítas e mesmo os grandes detratores da igreja como Voltaire e Rousseau receberam desde pequenos uma educação escolástica e devem sua cultura, técnica e senso moral à Companhia de Jesus.
Então o que deu errado?
São Bernardo disse que “a estrada do inferno é pavimentada pelas boas intenções” e talvez a situação lamentável do gado cristão de hoje tenha tido início em uma péssima boa ideia que o bispo protestante Jean Amos Comenius teve no século XVII. Segundo ele mesmo deixou registrado em sua obra Magna Didatica:
“Ouso prometer uma grande didática, uma arte universal que permita ensinar todos com resultado infalível de ensinar rapidamente, sem preguiça ou aborrecimento para alunos e professores; ao contrário, com o mais vivo prazer. Dar um ensino sólido, sobretudo não superficial ou formal, conduzindo os alunos à verdadeira ciência, aos modos gentis e à generosidade de coração. Enfim, eu demonstro tudo isso a priori, com base na natureza das coisas. Como de uma nascente correm os pequenos riachos que vão unir no fim num único rio, estabeleci uma técnica universal que permite fundar escolas universais.”
Lindo né? Não é a toa que Comenius seja o patrono universal da educação segundo a UNESCO. O problema é que a proposta dele é exatamente o contrário da escolástica e os estados modernos optaram por trocar uma tradição milenar de ensino pelas ideias de um único teólogo individual.
Mas é claro que não podemos simplificar o problema e jogar a culpa toda nas costas de Comenius, contudo todas as características da educação moderna já estavam presentes neles:
- Comenius promete um ensino que não aborreça os alunos, mas os escolásticos sabiam que estudar não é sempre agradável.
- Comenius queria um ensino rápido, mas os escolásticos sabiam que a educação é algo que dura a vida inteira.
- Comenius defende uma técnica universal, mas a escolástica é baseada no dialogo e na dialética entre duas pessoas.
Talvez o principal problema seja que a universalização do ensino tenha levado a uma massificação. Houve reação e resistência contra esta tendência, principalmente graças às Escola de Salamanca e Coimbra dirigidas por jesuítas e pela expansão de escolas salesianas. Mas hoje mesmo as escolas cristãs mais tradicionais são obrigadas a abraçar muitas das ideias de Comenius.
Quando as máquinas a vapor chegaram e a industrialização passou a exigir uma massa de apertadores de parafuso o ensino moderno não por acaso se tornou a fábrica de formandos que temos hoje. As principais lições aprendidas hoje são como usar uniforme, como chegar no horário e como permanecer no seu lugar.
Inspirados pela malícia das linhas de montagem pelos sonhos de Comenius a UNESCO decidiu que o analfabetismo era ruim e traçaram metas para acabar com ele. Primeiro tentaram simplesmente acelerar o tempo de estudo, como um mestre de fábrica com um cronômetro na mão. Para bater suas metas estatísticas confundiram alfabetizar com ensinar a escrever.
Só que pessoas não são latas de feijão em conservas e a pressão adicional aumentou o índice geral de repetência e desistência. Assim como dentistas precisam de pessoas com cáries para sobreviver, as instituições de ensino publicas ou privadas dependem hoje de um fluxo constante e ininterrupto de gente recebendo diplomas.
Mas crianças serão sempre crianças e com a educação universal veio a época das palmatória e do ajoelhar sobre grãos de milho. Quando a humanidade percebeu que isso não estava levando a bons destinos resolveu da pior forma possível: baixando as calças dos professores e dando a palmatória na mão dos alunos.
Quadro Comparativo entre o ensino clássico e moderno
A situação do ensino moderno encontra sua metáfora perfeita no Mickey Feiticeiro no clássico Fantasia da Disney. Nela, o aprendiz de feiticeiro usou as artes do seu mestre sem estar devidamente preparado e instrui vassouras a levarem baldes de água até o poço. Ele consegue criar um exército de vassouras muito eficientes, mas que não tem nenhuma noção do que estão fazendo. Hoje, com água até o pescoço, todas as nossas melhores soluções são baseadas na ideia de que devemos continuar enchendo o poço.
Educação Escolástica | Ensino Moderno |
Busca A Verdade | Relativiza verdades |
Educação Perpétua | Ensino Rápido |
Individual | Massificado |
Humanista | Técnico |
Complexo | Simplificado |
Voluntário | Obrigatório |
Sem dúvida que existem pontos positivos na educação moderna – principalmente a que recebe a elite financeira – mas é inegável que algo se perdeu no processo. Talvez algo necessariamente se perca quando o ensino é industrializado ou ainda, quando ele deixa de ser prestado por visionários e é abraçado pela máquina do estado. Conforme os anos avançam este problema fica cada vez mais óbvio na medida em que a educação é cada vez mais massificada e mais rasa.
Esta é uma questão tirada de uma prova de matemática da quarta série de 1966:
Em poucas gerações saímos do latim no currículo para a aprovação automática. Claro que hoje existe o discurso de que as diferentes classes sociais geram alunos com capacidade de desenvolvimento desiguais. Como comparar uma criança que tem de 4 a 6 refeições diárias, apoio dos pais, material novo, computadores com outra que vive na pobreza, mal pode pagar por eu material, é criado por pais que não sabem ler ou escrever?
Bem, pergunte a Carl Friedrich Gauss, Srinivasa Ramanujan, Jacob Berzelius, Michael Faraday, Mary Anning, James Croll e Alfred Nobel o que eles pensam sobre isso. Quando Camões escreveu os Lusíadas ele estava literalmente vivendo de favor, com um dos olhos furados e exilado em um país estrangeiro. Hoje temos acesso fácil a toda somatória de conhecimento humano acumulado nos nossos bolsos. Se um adolescente tem as ferramentas para acessar o xvideos ele tem as ferramentas para descobrir o valor x.
Qualquer pessoa interessada tem acesso a muito mais conhecimento do que todos os seus antepassados mortos juntos. Será então que é possível unir os recursos da modernidade com o espírito da escolástica? Novos ventos sopram, a educação a distância ao mesmo tempo que massifica dá mais espaço para o autodidatismo. O homescholling permite um ensino mais individualizado, mas depende da boa formação dos pais. Talvez a solução venha por meios e nomes que ainda nem existam.
Por enquanto, se quiser que isso se torne verdade o primeiro passo é não ficar esperando que o sistema educacional mude. Como disse Mark Twain: “Não deixe a escola interferir com a sua educação.”
Como estudar como um padre
Talvez você esteja nos anos escolares, ou talvez já tenha sido mastigado pelo monstro das notas e boletins. Seja como for se você ainda está respirando ainda pode ser devidamente educado. Uma vez que você tenha se assumido como responsável pelo seu crescimento intelectual, precisará responder a três perguntas: ‘Por que estudar?’, ‘O que estudar?’ e ‘Como estudar?’
Porque estudar
Esta é a pergunta mais importante. Como vamos começar a falar em estudar como se faziam nos velhos tempos aqui é o melhor momento para desligar essas respostas imediatas que fomos programados para dar.
Se você conseguir responder isso em menos de um dia, desconfie de sua resposta. Estudar vai te fazer uma pessoa melhor? Vai te ajudar a mudar de vida? Vai te ajudar a melhorar a sua vida? Talvez, mas isso são efeitos colaterais do estudo.
Um ótimo exercício é: fique sozinho ou sozinha. Apague a luz. Respire fundo. Se pergunte em voz alta: Por que realmente quero estudar?
Repita a pergunta até achar uma resposta verdadeira. A busca pelo conhecimento é dura e árdua. Vai precisar de tempo que você provavelmente gostaria de gastar com outras coisas – lembra-se dos pecados capitais? Vai ser difícil e frustrante e obviamente, se a vontade for sincera, vai se tornar uma paixão. Algo maior do que você, algo com o qual provavelmente não vai conseguir viver sem. Seus valores vão mudar, você vai mudar.
Agora, se você é cristão sabe que Deus é perfeito e onisciente. E sabe que Ele nos fez à Sua imagem. Como viver a vida não tentando a cada fôlego chegar perto desta perfeição que Ele nos deu? Como Mateus registrou “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.” Mas a perfeição é uma maratona que quanto mais você avança mais percebe quão longe está o final e que não pode mais voltar atrás. Para o gentio buscar a perfeição é uma boa ideia, para o cristão é uma obrigação.
Está pronto? Então responda a si mesmo: por que quer estudar?
O que estudar
A partir dai poderá se dedicar a exploração das sete artes liberais mencionadas acima. Esqueça o Quadrivium por enquanto e siga a tradição dos mosteiros de começar pelo Trivium (Gramática, Lógica e Retórica). Essas três artes tem como objetivo justamente capacitar a mente para que possa aprender e ensinar sobre qualquer outra coisa, incluindo sobre como aprender mais.
Com a Lógica você vai aprender a discernir entre a verdade e a mentira. Com a gramática vai se habilitar a expressar seu pensamento com exatidão e a ler os pensamentos de todos os grandes estudantes do passado. Por fim com a retórica vai aprender como usar a gramática de modo eficaz e apropriado ao contexto.
Lógica | Gramática | Retórica |
trata das coisas como elas são conhecidas | Trata das coisas como elas são simbolizadas. | Trata das coisas como elas são comunicadas. |
Combinar e validar conceitos e juízos. | Combinar e validar as palavras e símbolos. | Combina e validar, frases, ênfases e parágrafos. |
Adequar o pensamento à Realidade. | Corresponder a linguagem ao pensamento. | Adaptar a linguagem às circunstâncias. |
Busca a Verdade | Busca o Correto | Busca o Eficaz
|
Como estudar
Use os recursos modernos e métodos tradicionais. Consulte a Wikipedia, assista vídeos do Khan Academy e faça exercícios do Duolingo, tudo isso é maravilhoso, mas não despreze os metodologia escolástica que possui milênios de histórias de sucesso. Hugo de São Vítor resume o método de estudo de um escolástico pela leitura e meditação no seu famoso Opúsculo sobre o modo de aprender e de Meditar. O roteiro abaixo é baseado nestes ensinamentos e você pode usar para aprender absolutamente qualquer coisa:
0. Preparação
A escolástica entendia que existe uma relação entre a vida espiritual e o desenvolvimento intelectual. Não estou dizendo que você deve entrar em um monastério ou convento, mas reconheça quanto os famosos pecados capitais precam seu desenvolvimento. Quanto da sua energia e atenção é perdida para a gula, inveja e luxúria? Quanto a ira, avareza e soberba o impedem de enxergar quando você está errado? E em particular, quanto a preguiça consegue te afastar dos estudos? Você não precisa acreditar em Deus para entender como tudo isso pode te atrapalhar, mas se você acredita talvez seja uma boa ideia pedir ajuda a Ele para vencer estes desafios.
A palavra humildade saiu de moda e hoje é usada como sinônimo de pobreza. Mas reconheça que todo mundo tem algo a ensinar e que você pode aprender com qualquer um. Essa humildade Hugo de São Vitor resume em três pontos:
- Não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.
- Não se envergonhe de aprender de ninguém.
- Quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais.
Sabendo disso encontre agora um mestre sobre aquele assunto e se relacione com ele. A má notícia é que a maioria desses mestres estão mortos. A boa é que quase todos eles deixaram seus ensinamentos em livros. Descubra e leia o melhor livro sobre um determinado assunto, não o mais fácil, não o mais divertido, mas o melhor.
Passo 1. Lectio (Leitura)
Faça uma leitura cuidadosa e sem pressa. O costume de ler em voz baixa ou “ler mentalmente” é uma prática relativamente nova que não era usada pelos mestres da escolástica. Leia em voz alta para si mesmo garantindo que conhece o significado de todas as palavras que diz. Repita quantas vezes for preciso.
E lembre-se que a melhor amiga da leitura é a leitura. Arranje um dicionário e use-o. Você pode achar que sabe o significado de uma palavra, mas é sempre recompensador ver o mundo que cada palavra esconde dentro de si.
Leia para aprender ou seja para entender. Não tenha pressa de ler 5, 10 ou 20 páginas por dia. Às vezes gastar dois dias tendo certeza de que está compreendendo tudo trará um retorno que ler 4 livros por semana não trarão.
Uma lista inicial que você pode considerar:
- Como Ler Livros, Mortimer Adler
- O Trivium, Miriam Joseph
- Coleção 7 Artes Liberais
- Lógica Elementar, Desidério Murcho
- Gramática Texto: análise e construção de sentido
Passo 2. Memoriali (Memorizar)
Existe muito preconceito hoje contra a chamada “decoreba”. Esse preconceito nasce da falsa ideia de que a memorização é o final do estudo, todavia na escolástica memorizar era apenas o segundo passo do estudo.
Hoje você pode andar com bibliotecas inteiras no celular o que algum tempo atrás não era possível. Você tinha que saber onde buscar as informações na mente. E mesmo hoje não saber levar uma conversa sem ficar consultando um celular ou algo equivalente mostra que você não está absorvendo o conhecimento. Mande seus PDF’s para dentro de seu cérebro ou a idade das pedras voltará sempre que wifi cair.
Passo a passo para uma boa memorização:
1. Crie epílogos. Resuma a leitura em tópicos curtos fáceis de guardar.
2. Exercite a memória testando a si mesmo sobre os epílogos. A técnica moderna dos flashcards podem substituir as antigas chamadas orais entre tutor e aluno.
3. Retome o exercício frequentemente para que não envelheçam na mente. Uma boa forma de fazer isso é usar o que você aprendeu ou conversar sobre o assunto com alguém
Mais uma vez, a memorização não é educação. Ela apenas lhe dará a matéria prima para que possa pensar sobre algo sem precisar ler.
Passo 3. Meditatio (Meditar)
Na escolástica a palavra meditação tinha um sentido bem diferente do que damos hoje. Hoje meditar significa não pensar ou esvaziar a mente, um sentido diametricamente oposto ao sentido original. Meditar significa na tradição cristã pensar ativamente a respeito de alguma coisa. Em outras palavras, terminada a fase da memorização você precisa agora explicar para si mesmo o que aprendeu. Você deve saber responder perguntas como:
-
- Por que isso é assim?
- Por que não é de outro jeito?
- Qual a utilidade deste conhecimento?
- Como isso se relaciona como que aprendi antes?
- Eu concordo com isso? Por que ou por que não?
- Como isso se conecta com que outros conhecimentos que estou construindo?
- O que eu preciso aprender agora?
Não temos hoje treinamento na habilidade da meditação. Assim para facilitar o processo de meditação você deve articular o que aprendeu em uma redação. Se puder mostre esta redação para alguma autoridade e peça um retorno. Se isso não for possível não se preocupe o próximo passo vai garantir que você realmente aprendeu alguma coisa.
Passo 4. Docens (Ensinar)
O ato de ensinar é entendido como uma obra de caridade pela escolástica e provavelmente está por trás do efeito multiplicador cultural da civilização cristã. Mas além disso o ensino é também a maior garantia de que você realmente aprendeu alguma coisa. Todo professor logo perceberá que ao ensinar, ele mesmo aprenderá com mais profundidade aquilo que antes era apenas um conhecimento superficial.
Se durante o processo for questionado e não souber como responder, ou se sua resposta não for satisfatória, pode ter certeza que o problema não está em quem está ouvindo. Volte a estudar o assunto e então tente retornar ao aluno. Há uma falha na sua lógica.
Se ao ensinar você não for entendido, isso significa que você não soube dizer o que precisa ser dito e portanto deve continuar tentando. Há uma falha na sua gramática.
Se por fim ao ensinar a pessoa que está te escutando parece estar pensando no almoço ou após escutar continue vivendo como se nunca tivesse falado com você, isso significa que você não soube tornar o assunto interessante ou relevante o bastante para fazer a pessoa acatar a verdade. Há uma falha na sua Retórica.
De que adianta ser uma represa de conhecimento? Ele acabará se estagnando. O conhecimento só se torna sabedoria quando é dinâmico, você deve ser capaz de traduzir o que sabe de forma que qualquer um entenda. E entendendo, concorde. E concordando se submeta ao que aprendeu.
O processo parece pesado, trabalhoso e complexo… e é mesmo. A seda e o algodão fazem prisões mais fortes que o aço. O entretenimento raso, uma bola de ferro amarrada no pé com um sorriso desenhado nela. O conforto, uma droga poderosa tão degenerativa e viciante quanto qualquer outra. Tudo o que tem valor é resultado de uma conquista. Se tudo fosse fácil hoje todo mundo teria o corpo de um deus grego, a mente de um erudito e o coração de um santo. Teríamos vastas cabeleiras e peles lisas como como porcelana e todos seríamos milionários. Mas não é assim que o mundo funciona.
Quanto antes você aceitar isso melhor. A cultura do descartável e do ‘cliente tem sempre razão’ nos acostumou a ter tudo muito fácil, mas esta posse é ilusória quando os possuídos somos nós. Se não aceitarmos a educação como um processo difícil mas recompensador nunca haverá diferença entre aprendizado e doutrinação. E se não nos esforçarmos para de fato aprender a pensar sempre haverá alguém pronto a pensar por nós e nos vender um pacote de respostas prontas.
A civilização anda a passos largos para um futuro onde há excesso de informação e falta de compreensão. No final das contas quando os cristãos ficaram burros, todos nós ficamos.
Thiago Tamosauskas é autor de “Primeiro século: o mundo depois de Cristo” e diversos outros livros sobre filosofia e história da religião
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